Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 27/2019-T
Data da decisão: 2019-08-14  Selo  
Valor do pedido: € 56.650,14
Tema: IS – artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS – Taxa multilateral de intercâmbio e comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em Caixas Automáticos.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            Em 14 de janeiro de 2019, A..., NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., em Lisboa, doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2018..., de 9 de setembro de 2018, com referência ao ano de 2015, e correspondentes liquidações de juros compensatórios, tudo num total de € 88.915,32 (oitenta e oito mil, novecentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos), com a anulação parcial do referido ato, na parte correspondente à taxa multilateral de intercâmbio e comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em Caixas Automáticos, no montante de € 56.650,14 (cinquenta e seis mil, seiscentos e cinquenta euros e catorze cêntimos) e dos correspondentes juros compensatórios, bem como o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

2.            O Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelos seus mandatários, Dr. B... e Dr.ª C..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelas juristas, Dr.ª D... e Dr.ª E... .

3.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo o Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

4.            O presente tribunal foi constituído no dia 26 de março de 2019, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral singular que se encontra junta aos presentes autos.

5.            A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 9 de maio de 2019.

6.            Não existindo a necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, o Tribunal entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, no despacho que proferiu a 16 de maio de 2019, concedendo, no mesmo, um prazo sucessivo de 10 dias para o Requerente e a Requerida, por esta ordem, apresentarem as correspondentes alegações por escrito.

7.            Nesse mesmo despacho, o Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 26 de setembro de 2019 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido o Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

8.            Nesta sequência, no dia 27 de maio de 2019, o Requerente apresentou alegações escritas, tendo a Requerida apresentado as suas, no dia 3 de junho de 2019.

 

II. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

O Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2018..., de 9 de setembro de 2018, com referência ao ano de 2015, e correspondentes liquidações de juros compensatórios, tudo num total de € 88.915,32 (oitenta e oito mil, novecentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos), com a anulação parcial do referido ato, na parte correspondente à taxa multilateral de intercâmbio e comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em Caixas Automáticos, no montante de € 56.650,14 (cinquenta e seis mil, seiscentos e cinquenta euros e catorze cêntimos) e dos correspondentes juros compensatórios, bem como o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, em diversos vícios, a saber:

 

a)            Vício de forma - falta de fundamentação da liquidação -, por violação do disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária LGT), por considerar que «a Demonstração de Liquidação de Imposto do Selo [e de juros compensatórios] expressa na Liquidação omite em absoluto as disposições legais aplicáveis e a qualificação e quantificação dos factos tributários a que as mesmas respeitarão».

 

b)           Vício de falta de norma de incidência de Imposto do Selo, quanto à Taxa multilateral de intercâmbio e comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em Caixas Automáticos (verba 17.3.4. TGIS), porquanto «(…) não subjaz à Taxa de Intercâmbio e às comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em CA qualquer prestação de serviços entre instituições financeiras, o que significa que as mesmas estão excluídas do âmbito das normas de incidência do Imposto do Selo, …»,

 

c)            Vício de violação da isenção de Imposto do Selo ao abrigo do disposto a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, por inexistência de restrição válida em 2015, porquanto segundo entende o Requerente, deve a mesma ser aplicável às Taxas de intercâmbio e às comissões pela utilização de Caixa Automáticos;

 

Defende o Requerente que não respeitando, as Taxas de intercâmbio e as comissões pela utilização de Caixa Automáticos, às operações previstas no n.º 7 do artigo 7.º do Código do IS, não devem as mesmas ser afetadas por tal disposição restritiva;

 

d)           Vício de errónea quantificação da base tributável, derivada do facto de a AT «haver procedido ao cômputo do Imposto do Selo alegadamente em falta mediante a multiplicação da taxa de 4% pelo total das Taxas de Intercâmbio e taxas relativas à utilização e Caixas Automáticos cobradas mensalmente (cf. Pp. 112 e 113 do Relatório) conduziu a uma indevida ampliação do montante do imposto, em manifesta contravenção com as regras que presidem ao correspondente cálculo.»;

 

e)           Vício de ilegalidade dos juros compensatórios na parte que corresponde à correção relativa às Taxas de intercâmbio e taxas relativas à utilização de Caixas Automáticos nos termos já aduzidos, por falta de fundamentação, porquanto não logra o Requerente «descortinar qual o valor da correção subjacente, i.e., o valor sobre o qual foram calculados tais juros.»

 

f)            Por último, requer o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

 

1.            Rebate a Requerida os argumentos do Requerente, nomeadamente quanto aos vícios invocados, da seguinte forma:

 

a)            Quanto ao vício de forma - falta de fundamentação da liquidação -, por violação do disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária LGT), refere a Requerida que «(…) resulta directa e claramente do texto do relatório final da inspecção (RIT), ao Requerente foram solicitados, a 01.06.2017, esclarecimentos e documentação (…)» sobre a liquidação de Imposto do Selo ao abrigo da norma de incidência 17.3.4 da TGIS e/ou respetiva isenção, em que «(…), em resposta ao solicitado, o Requerente afirmou não ter liquidado qualquer montante de imposto sobre estas operações, e que não iria efetuar a discriminação solicitada uma vez que entendia estarem aquelas operações isentas por aplicação do art.7.º do Código do Imposto do selo. No entanto, indicou no que respeita à Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI), o total das comissões por si cobradas em 2015, como sendo de € 637.602,11 (pág. 97 do RIT); e no que concerne às comissões por si cobradas nas operações efectuadas nos seus ATM´s , quantificou, em 2015, um total de comissões do valor de € 778.651,16 (pág. 98 do RIT).

 

Concluindo, assim, a Requerida, quanto a este vício no sentido de que «[a]ssim, atento o exposto e o disposto no artigo 77.º, n.º 1 da LGT e do artigo 63.º, n.º 1 do RCPITA, uma vez que o RIT contém uma fundamentação clara, suficiente e congruente e decorrendo o cálculo dos juros compensatórios directamente da aplicação da norma, não podem os argumentos do Requerente acolher qualquer aceitação.»

 

b)           No tocante ao vício de falta de norma de incidência de Imposto do Selo, quanto à Taxa multilateral de intercâmbio e comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em Caixas Automáticos (verba 17.3.4. TGIS), defende a Requerida que «são, na verdade, e de forma evidente e alcançável pelo senso comum (por muito que o negue o Requerente), prestações de serviços financeiros, sujeitas a IS, conforme as normas de incidência subjectiva e objectiva já citadas [ artigo 1.º e 2.º, n.º 1 alínea b) do CIS e verba 17.3.4 da TGIS] porquanto, consubstanciam «(…)serviço financeiro, sendo que para o quantum da matéria colectável participarão, apenas, as operações sujeitas a contrapartidas financeiras por parte dos utilizadores/clientes. Em resumo e na prática, devem ser taxadas as operações efectuadas por cartões em caixas automáticas pelas quais os utilizadores suportem custos, a favor do Requerente», pelo que sujeitas a imposto.

 

c)            No que respeita ao vício de violação da isenção de Imposto do Selo ao abrigo do disposto a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo entende a Requerida que «(…) a interpretação daquela norma de isenção era, no mínimo, dúbia, pois existia jurisprudência a afirmar que o elemento catalisador – a que se reportam os juros, as comissões cobradas, as garantias prestadas ou a (sua) mera utilização – era o crédito concedido. E assim sendo, não fica vedado ao legislador socorrer-se do mecanismo da lei interpretativa para clarificar soluções dúbias, como é consabido. Pelo que não existe qualquer retroactividade da Lei: apenas e só uma norma interpretativa, a esclarecer o sentido pretendido pelo legislador, perante as dúvidas (comprovadamente existentes) que surgiam na interpretação do preceito legal.»

 

Concluindo, quanto a este vício que «[p]or todo o exposto, a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não aproveita à Requerente, pelo que deve improceder a sua pretensão.»

 

d)           No que respeita ao alegado vício de errónea quantificação da base tributável, manifesta a Requerida o entendimento de que «(…) é sobre o A... que recai o ónus da prova, nos termos do art. 74.º, n.º 1 da LGT, e que, não tendo este sido cumprido até ao momento actual, não pode ser assacada qualquer ilegalidade à liquidação contestada.»

 

e)           Relativamente ao vício de falta de fundamentação das liquidações dos juros compensatórios na parte que corresponde à correção relativa às Taxas de intercâmbio e taxas relativas à utilização de Caixas Automáticos, considera a Requerida que não pode o mesmo proceder, uma vez que «a liquidação de juros compensatórios está umbilicalmente ligada à existência de uma concreta liquidação de imposto, sendo que o retardamento da liquidação de imposto dá origem a juros compensatórios. Pelo que, estando associada à liquidação adicional de imposto, cuja fundamentação consta do RIT que foi devidamente notificado ao Requerente, não se antevê como é que a omissão da referência em concreto aos juros compensatórios neste mesmo documento pode conduzir à conclusão que se verifica o vício da falta de fundamentação quanto aos juros compensatórios.»

 

f)            No que concerne ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, entende a Requerida que é de improceder, à semelhança do peticionado.

 

2.            … pugnando, a final, pela improcedência dos mesmos, concluindo no sentido de que «(…) não pode a pretensão do Requerente proceder, por não existir qualquer vício na liquidação de imposto de selo impugnada, que deve, consequentemente, manter-se vigente na ordem jurídica, com todos os efeitos legais.»

 

 IV. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

1.            Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

2.            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

 

3.            Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e alegações do Requerente, Resposta e alegações da Requerida), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a.            Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A.           O ora Requerente é uma instituição de crédito que se enquadra como estabelecimento estável em Portugal, referido no artigo 5.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), do A... UK, com sede e direção efetiva no Reino Unido;

B.            Como sucursal de uma instituição de crédito sediada no Reino Unido, o Requerente está devidamente registado, para o exercício da atividade bancária e financeira em Portugal, junto das entidades supervisoras nacionais, nomeadamente, Banco de Portugal e Comissão do Mercado de Valores Mobiliário;

C.            Tem como objetivo primordial o desenvolvimento da atividade de comércio bancário, designadamente na prestação de serviços da banca comercial, da banca de investimento e na atividade de leasing;

D.           Na sequência da Ordem de Serviços n.º OI2017..., de 18.05.2017, e por despacho do Chefe de Divisão da Direção de Inspeção a Bancos e Outras Instituições Financeiras (DIBIF) da Unidade dos Grandes Contribuintes, por subdelegação de competências (Despacho n.º 518/2018 do DR, 2.ª série, n.º 8, de 13.01.2016) exarado em 02.03.2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a uma ação inspetiva, de âmbito geral, ao Requerente, relativamente ao período de tributação de 2015;

E.            No dia 25 de junho de 2018, o Requerente foi notificado do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, no qual é manifestada a intenção de proceder a correções ao Imposto do Selo liquidado pelo mesmo no ano de 2015, no montante de € 56.650,14 (cinquenta e seis mil, seiscentos e cinquenta euros e catorze cêntimos), referente à taxa multilateral de intercâmbio e comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em Caixas Automáticos (verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo),e no montante de € 22.711,14 (vinte e dois mil euros, setecentos e onze euros e catorze cêntimos) referente à taxa de serviço do comerciantes (verba 17.3.4 da referida tabela), acrescidos de juros compensatórios, tudo num total de € 88.915,32 (oitenta e oito mil, novecentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos), e para querendo, exercer o direito de audição prévia que lhe assiste ao abrigo do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária;

F.            O Requerente não exerceu o direito de audição que lhe assistia;

G.           O Requerente foi notificado, no dia 31 de agosto de 2018, do Relatório de Inspeção Tributária do qual resulta, ao que interessa aos presentes autos, o seguinte:

«Deste modo, tendo o Banco informado que, no período de tributação de 2015, não liquidou Imposto do Selo sobre as comissões Taxas Multilateral de Intercâmbio e comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em Caixas Automáticas, por si cobradas neste período, os Serviços de Inspeção Tributária, com base na discriminação mensal destas comissões cobradas em 2015 – informação esta foi facultada pelo A... Sucursal – procederam ao apuramento do Imposto do Selo em falta.

Assim, face ao que antecede, relativamente à Taxa Multilateral de Intercâmbio, o Imposto do Selo apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária, ascendeu ao montante de € 25.504,10, em resultado da aplicação da taxa de 4%, prevista na verba 17.3.4 da TGIS, à base tributável (no montante total de € 637.602,11) da comissão intitulada Taxa Multilateral de Intercâmbio [também conhecida por Multilateral Interchange Fee], conforme se sintetiza, por mês de cobrança, no quadro infra:

Mês de Cobrança

(apuramento)   Montante de TMI

(A)         Imposto do Selo

(B)=(A)x4%

Janeiro-2015

Fevereiro-2015

Março-2015

Abril-2015

Maio-2015

junho-2015

julho-2015

agosto-2015

setembro-2015

outubro-2015

novembro-2015

dezembro-2015               61.988,49

56.905,98

64.026,33

59.578,40

53.514,26

50.467,88

58.854,45

50.440,63

50.986,98

49.836,13

48.278,05

32.724,53            2.479,54

2.276,24

2.561,05

2.383,14

2.140,57

2.018,72

2.354,18

2.017,63

2.039,48

1.993,45

1.931,12

1.308,98

Total      637.602,11          25.504,10

 

Em resultado da aplicação da taxa de 4% prevista na verba 17.3.4 da TGIS, à base tributável (no montante total de € 778.651,16) das comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em Caixas Automáticos [também designadas por caixas multibanco ou ATM], o Imposto do Selo apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária, ascendeu ao montante de € 31.146,04, conforme se sintetiza, por mês de cobrança, no quadro infra:

 

Mês de Cobrança

(apuramento)   Montante da Comissão

(A)         Imposto do Selo

(B)=(A)x4%

Janeiro-2015

Fevereiro-2015

Março-2015

Abril-2015

Maio-2015

junho-2015

julho-2015

agosto-2015

setembro-2015

outubro-2015

novembro-2015

dezembro-2015               54.102,60

55.300,86

62.989,73

64.494,87

85.178,16

67.190,64

71.618,74

63.603,90

57.454,62

62.344,83

62.697,19

71.675,02            2.164,10

2.212,03

2.519,59

2.579,79

3.407,13

2.687,63

2.864,75

2.544,16

2.298,18

2.493,79

2.507,89

2.867,00

Total      778.651,16          31.146,04

 

Assim, o Imposto do Selo apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária, com as comissões designadas por Taxa Multilateral de Intercâmbio (€ 25.504,10), e com as comissões incidentes sobre as operações efetuadas com cartões bancários efetuadas em Caixas Automáticos (€ 31.146,04) ascendeu ao montante global de € 56.650,14, conforme sintetizado no quando infra:

 

Mês de Cobrança

(apuramento)   Comissões cobradas enquanto emissor do cartão de débito ou de crédito nas operações efetuadas em TPA´s

(A)         Comissões cobradas relativas a operações realizadas através de Caixas Automáticas do Banco

(B)         

Total de Comissões

(C)= (A) + (B)     

(Euros)

Imposto do Selo em falta

(D) = (C )x4%

Janeiro-2015

Fevereiro-2015

Março-2015

Abril-2015

Maio-2015

junho-2015

julho-2015

agosto-2015

setembro-2015

outubro-2015

novembro-2015

dezembro          61.988,49

56.905,98

64.026,33

59.578,40

53.514,26

50.467,88

58.854,45

50.440,63

50.986,98

49.836,13

48.278,05

32.724,53            54.102,60

55.300,86

62.989,73

64.494,87

85.178,16

67.190,64

71.618,74

63.603,90

57.454,62

62.344,83

62.697,19

71.675,02            116.091,09

112.206,84

127.016,06

124.073,27

138.692,42

117.658,52

130.473,19

114.044,53

108.441,60

112.180,96

110.975,24

104.399,55          4.643,65

4.488,27

5.080,64

4.962,93

5.547,70

4.706,34

5.218,93

4.561,78

4.337,67

4.487,24

4.439,01

4.175,98

Total      637.602,11          778.651,16          1.416.253,27      56.650,14

 

Esta correção é efetuada nos termos e com os fundamentos acima referidos.»

 

H.           O Requerente foi notificado do ato de liquidação adicional de Imposto do Selo n.º 2018..., de 9 de setembro de 2018, com referência ao ano de 2015, e correspondentes liquidações de juros compensatórios, tudo num total de € 88.915,32 (oitenta e oito mil, novecentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos) – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral - ;

I.             No dia 9 de outubro de 2018, o Requerente procedeu ao pagamento do ato de liquidação referido em H supra. – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral; -

J.             No dia 14 de janeiro de 2019, o Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.

 

b.            Factos dados como não provados.

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VI- DO DIREITO

 

A.           DO VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

 

1.            O Requerente vem, através dos presentes autos, pugnar pela declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicionais de Imposto do Selo n.º 2018..., de 9 de setembro de 2018, com referência ao ano de 2015, e correspondentes liquidações de juros compensatórios, tudo num total de € 88.915,32 (oitenta e oito mil, novecentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos), solicitando a anulação parcial do referido ato, na parte correspondente à taxa multilateral de intercâmbio e comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em Caixas Automáticos, no montante de € 56.650,14 (cinquenta e seis mil, seiscentos e cinquenta euros e catorze cêntimos) e dos correspondentes juros compensatórios, invocando, para tal desiderato, primeiramente, o vício de falta de fundamentação.

 

2.            Argui, nesta aceção, o Requerente que, a demonstração de liquidação do Imposto do Selo consubstanciada na liquidação em apreço «omite em absoluto o normativo legal ao abrigo do qual presuntivamente foi emitida, bem como a qualificação e quantificação dos factos tributários em causa. Violando assim, de forma direta e inequívoca, os artigos 36.º, n.º 2 do CPPT, 77.º da Lei Geral tributária (LGT) e 153.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).»

 

Vejamos se lhe assiste razão.

 

3.            Prevê o artigo 77.º da LGT sob a epígrafe “Fundamentação e eficácia”, citado pelo Requerente que:

«1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

3 – (…)

4 – (…)

5 - (…)

6 - A eficácia da decisão depende da notificação.»

 

4.            Ora, a exigência legal de fundamentação das decisões de procedimento e dos atos tributários tem por objetivo dar conhecimento aos contribuintes do “iter” cognoscivo, valorativo e volitivo do respetivo autor, e, em consequência, permitir que, face aos mesmos, este os possa aceitar ou impugnar.

 

5.            A Administração tem, nos termos do disposto no artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 152.º e 153.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA)  o dever de fundamentar os atos administrativos em geral, de forma clara, suficiente e congruente, devendo a fundamentação «ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto  de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato» (n.º 1 do artigo 153.º do CPA).

 

6.            Veja-se, a título de exemplo, o sufragado no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01674/13, de 12.03.2014, a este respeito:

«I- A Administração Tributária tem o dever de fundamentar os actos de liquidação impugnados de harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 125º do CPA e 77 º da LGT.

II - O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

III - Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto. (…)»

 

7.            Na verdade, a fundamentação dos atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses dos contribuintes encontra a sua previsão no já citado artigo 77.º da LGT, o qual permite que a fundamentação dos atos seja feita na notificação do mesmo, ou em momento anterior.

 

8.            Deste modo, é legítimo à AT fundamentar o ato de liquidação adicional de imposto no Relatório de Inspeção Tributária quando este tenha tido lugar.

 

9.            Na verdade, quanto a esta matéria esclarece a decisão do CAAD, proferida no processo 109/2012-T que:

«Com efeito, o legislador terá pretendido que a fundamentação possa consistir em mera concordância com fundamentos do relatório da fiscalização tributária, pelo que nessa parte o acto impugnado não padece de qualquer vício.»

 

10.          Mais, dispõe o n.º 6 do artigo 77.º da LGT que «a eficácia da decisão depende da notificação», exigência esta que resulta igualmente do disposto no artigo 36.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 268.º da CRP. Significa isto que os atos em matéria tributária que afetem direitos e interesses legalmente protegidos têm de ser notificados ao contribuinte, como condição da sua eficácia.

 

11.          Esclarecendo, com interesse, a mencionada decisão arbitral, que o presente Tribunal acompanha:

«Ora, o facto desta exigência legal de notificação do acto estar também prevista na norma que estabelece o dever de fundamentação, não significa, em nosso entender, que a notificação do acto tenha de ser acompanhada da fundamentação, como pretende o Requerente.

Acresce que o propósito da imposição deste dever legal de fundamentação foi alcançado, porquanto resulta evidente em todas as peças processuais, constantes dos autos, que o Requerente tomou conhecimento dos fundamentos que estão na base do acto impugnado, na medida em que a sua argumentação contra o acto impugnado só foi possível porque o Requerente conhece as razões de facto e de direito que sustentam o acto.»

 

12.          Posição esta que tem, desde há muito, sido sustentada pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como é o caso do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 0667/10, de 06.10.2010, nos seguintes termos:

«A jurisprudência dos nossos Tribunais superiores tem consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua pratica.

É também pacificamente aceite que não preenche a exigência legal de fundamentação o recurso a meras fórmulas tabelares que não esclareçam devidamente a motivação de facto e de direito que presidiu ao acto da administração.

Ponto é que a fundamentação responda às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.

Acresce dizer, na senda do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.2007, recurso 615/04, in www.dgsi.pt «que a lei exige uma exposição apenas sucinta dos fundamentos da decisão a fundamentar; que, por isso, não deve ser um “máximo” o conteúdo exigível da declaração fundamentadora; e que o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».

13.          … e do caso, do Acórdão do mesmo Tribunal Superior proferido no âmbito do processo n.º 01173/14, de 09 de setembro de 2015, segundo o qual:

«I - A AT tem o dever legal de fundamentar os actos de liquidação (cfr. o art. 268º da CRP, bem como os arts. 21º do CPT, 125º do CPA e 77º da LGT).

II - A fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e de contemplar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.»

 

14.          Face ao exposto, no que respeita ao invocado vício de falta de fundamentação, considera o presente Tribunal Arbitral que o ato impugnado não se encontra ferido do mesmo, uma vez que foi devidamente fundamentado no Relatório de Inspeção Tributária, por intermédio do qual é possível de forma clara, expressa, congruente e segura perceber por que razão foi tal ato praticado, em nada impossibilitando o Requerente de apresentar devidamente o presente pedido arbitral, conforme facilmente resulta da sua leitura.

 

B.            DA ALEGADA FALTA DE NORMA DE INCIDÊNCIA E ISENÇÃO DO IMPOSTO DO SELO

 

15.          Ora, a segunda questão que se coloca, no caso em apreço, prende-se com a interpretação das normas constantes da verba 17.3.4 da TGIS e do artigo 7.º, alínea e), do Código do Imposto do Selo (CIS) por forma a determinar se a taxa multilateral de intercâmbio e a comissão sobre operações efetuadas com cartões bancários em Caixas Automáticos, estão sujeitas (e dele isentas) ou não a Imposto do Selo (IS).

 

16.          Desde já se refira que, nos presentes autos, conforme se constatará infra, o Tribunal Arbitral acompanhou de perto a argumentação e fundamentação de direito exposta na decisão arbitral proferida no Proc. n.º 348/2016 -T, da qual o subscritor fez parte, com as devidas adaptações( ), bem como a vasta jurisprudência que sobre esta mesma matéria já foi proferida pelo CAAD.

 

17.          Entende o Requerente que as taxas de intercâmbio e as taxas relativas à utilização de Caixas Automáticos não são prestações de serviços entre instituições financeiras, por considerar que não são as mesmas «devidas e pagas em resultado de um acordo nos termos do qual as partes se incumbam de um qualquer serviço específico e este último se encontre associado a tais taxas. Ao invés, as Taxas de Intercâmbio consubstanciam um mecanismo prático e de controlo razoavelmente manejável para distribuir e repartir apropriadamente entre as instituições financeiras envolvidas os encargos técnicos suportados com a operacionalização da plataforma sobre a qual se realizam as transações.», pelo que «estão excluídas do âmbito de incidência do Imposto do Selo», por outro, e colocando a hipótese “académica” de serem consideradas prestações de serviços financeiros, considera que estariam as mesmas isentas de imposto, face ao disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do respetivo Código,  não lhe podendo ser aplicada a restrição do n.º 7 do mesmo normativo legal, em virtude de esta só ter efeitos a partir de 2016, em virtude da sua introdução através da Lei de Orçamento do Estado para esse ano, Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, sob pena de violação do princípio constitucionalmente consagrado da proibição da retroatividade das leis fiscais.

 

18.          Rebate a AT os argumentos do Requerente, mencionando, por um lado, que as taxas e comissões em causa nos presentes autos consubstanciam, na verdade, prestações de serviços financeiros, por considerar que se tratam de «(…) pagamentos de taxas interbancárias, contratualizadas, suportadas pelos clientes de cada banco, que suportam anuidades pela simples detenção de um cartão de débito, sendo beneficiárias de tais taxas os bancos e sustentando, efetivamente, esses custos os seus clientes», e por outro, no que toca às dúvidas sobre a leitura da redação da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS e sua interpretação, defende a Requerida que, com a introdução do n.º 7 no artigo 7.º do CIS, pela Lei n.º 7- A/2016, de 30 de março, «veio o seu autor (o legislador) esclarecer o que pretendia (…) [o] disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.», interpretação autêntica, a qual «no caso sub judice nem se visualiza a dificuldade da sua aplicação linear, considerando que existe norma expressa a explicitar o seu sentido, sentido este que até já poderia ser alcançado anteriormente a esta intervenção legislativa».

 

19.          Ora, no fundo, defende o Requerente, que as taxas de intercâmbio e as taxas relativas à utilização de Caixas Automáticos, se encontram abrangidas pelo regime de isenção fiscal a que se refere o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, que isenta de imposto “os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras”.

 

20.          Entendendo, a Requerida, por seu lado, que tal norma apenas contempla juros e comissões conexos com operações de concessão de crédito em que intervenham as instituições de crédito e financeiras e que essa clarificação veio a ser efetuada pelo n.º 7 do artigo 7.º, aditado pela Lei n.º 7.º-A/2016, de 30 de março, a que foi atribuída natureza de norma interpretativa (artigo 154.º).

 

Vejamos, então, a quem assiste razão,

 

I) - DO CÓDIGO DO IMPOSTO DO SELO, A TABELA GERAL DO IMPOSTO DO SELO E A SUA EVOLUÇÃO HISTÓRIA -

 

21.          O Código do Imposto do Selo foi aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro) prevendo no seu artigo 1.º sob a epígrafe “incidência objetiva” que:

«1 — O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral.

2 — Não estão sujeitas a imposto as operações abrangidas pela incidência do imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas.»

 

22.          Complementarmente, previa a verba 17.2.4 da TGIS, a sujeição a imposto, à taxa de 4% de “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros “; a qual com a Lei n.º 7-A/2016, de 30 março, passou a prever, já na verba 17.3.4 «[o]utras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões.»

 

23.          Inclui-se, deste modo, nesta verba da TGIS, como esclarece a decisão do Tribunal Coletivo proferido no âmbito do Proc. n.º 496/2017-T:

«(…) as taxas cobradas por operações em Terminais de Pagamento Automático (TPA), sendo necessariamente “operações de pagamento baseadas em cartões”, ficaram expressa e claramente sujeitas à dita verba 17.3.4; já no que concerne à utilização das caixas multibanco (ATM) isso ficou igualmente claro quando haja taxas incidentes sobre operações de pagamento nela realizados (sendo que uma “Operação de pagamento” é definida no ponto 26) do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 2015/751, como “um ato praticado pelo ordenante ou em seu nome, ou pelo beneficiário dos fundos a transferir, independentemente das obrigações subjacentes existentes entre o ordenante e o beneficiário;”). 

Ou seja: qualquer que seja a qualificação dessa taxa de intercâmbio e das comissões por operações automáticas de pagamento ou levantamento de numerário, dúvidas não restam sobre a sua sujeição, hoje, ao pagamento de Imposto do Selo, por intervenção do legislador de 2016(…)»

 

24.          Com efeito, e não obstante, esta norma de incidência, previa o CIS no seu artigo 6.º, sob a epígrafe “outras isenções”, a isenção de imposto do selo, na sua alínea e), os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de dezembro de 1997;

 

25.          …e na sua alínea f), as comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objeto preenchessem os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, desde que igualmente cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de dezembro de 1997.

 

26.          Ora, com a Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro, esta norma sofreu uma alteração, com a introdução do n.º 2 com a seguinte previsão:

«O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas».

 

27.          Com a nova redação, dada ao n.º 2 do artigo 6.º do CIS, o legislador determinou que as isenções previstas nestas duas alíneas se restringissem “às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito”.

 

28.          O artigo 30º da Lei nº 32- B/2002, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2003) veio, posteriormente, abolir o nº 2 do art. 6º do CIS, na redação introduzida pelo artigo 37º, nº 1, da Lei n 30-C/2000, de 29 de dezembro, passando os nºs 3 e 4 da anterior redação a ser os nºs 2 e 3 da nova redação. Fundindo, por outro lado, em uma só alínea, a e), as anteriores alíneas e) e f), passando, assim, a dispor do seguinte modo:

«e) Os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças;»

 

29.          Com efeito, esta alteração permitiu que nesta única alínea se passassem a prever as isenções anteriormente previstas nas alíneas e) e f) daquela norma legal.

 

30.          Posteriormente, com a Reforma do Património, ocorrida com a aprovação da Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do CIS passou, então, a configurar a alínea e) do n.º 1 agora do artigo 7.º, a qual acabou por sofrer alterações na sua redação, introduzidas pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, prevendo igualmente a isenção para as “garantias prestadas”.

 

31.          Redação que se mantém, desde então.

 

32.          Sucede que, a Lei de Orçamento do Estado para 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março), no seu artigo 152.º, veio introduzir o n.º 7 ao artigo 7.º do CIS, com a atribuição de caráter interpretativo ao mesmo, pelo artigo 154.º daquele diploma, determinando que:

“O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”

 

33.          Ora, como se refere doutamente na decisão arbitral proferida no âmbito do Proc. n.º 218/2018-T, quanto a esta matéria:

«A evolução histórica do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS evidencia que só na sua versão originária, que reportava a isenção à concessão de crédito e à cobrança de comissões pelas instituições de crédito e, posteriormente, com o aditamento de um n.º 2 a esse artigo pela Lei n.º 30-C/2000, que restringia o âmbito da isenção às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, é que o âmbito aplicativo da isenção ficou circunscrito às operações de crédito (incidência objectiva) e às instituições de crédito (incidência subjectiva).

 

34.          Tal norma legal ampliaria, assim, em primeiro lugar, a isenção do imposto do selo, então limitada ao crédito, incluindo os respetivos juros, concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a entidades da mesma natureza, ao crédito, incluindo os respetivos juros concedidos por instituições de crédito e sociedades financeiras, às sociedades de capital de risco, então reguladas pelo Decreto-Lei nº 319/2002, de 29 de dezembro.

 

35.          E, em segundo lugar, às comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades financeiras e sociedades de capital de risco.

 

36.          Foi, assim, expressamente e não apenas tacitamente eliminada a limitação da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras.

 

37.          O legislador harmonizaria os pressupostos da isenção da alínea e) com os da alínea f) do supra referido artigo 7.º do CIS: tal como a isenção da alínea e), a isenção da alínea f) passaria a abranger as operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito, sociedades financeiras e fundos de capital de risco e não apenas as operações em que o destinatário fosse instituição de crédito. Uniformizando-se os regimes em um só, óbvias razões de simplicidade e clareza impunham que deixassem de constar de alíneas separadas, o que foi feito.

 

38.          Assim sendo, a razão de ser da fusão das alíneas tem a ver com a uniformização dos pressupostos da isenção de imposto do selo do crédito concedido e dos juros cobrados, com o das comissões cobradas em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e sociedades financeiras.

 

39.          No mesmo sentido do propugnado vai a letra do preceito.

 

40.          Com efeito, a expressão “bem como”, que quer dizer “igualmente”, “também” e “do mesmo modo”, utilizada na nova redação da alínea e), quer dizer claramente a isenção dos juros e comissões cobradas se aplicar em termos idênticos à utilização do crédito.

 

41.          Como se refere e bem, na decisão arbitral proferida no Proc. n.º 218/2018-T, que o presente Tribunal acompanha:

«Com a consolidação da fórmula verbal “juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras”, resultante da nova redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, e a concomitante eliminação do n.º 2, ficou claro que a norma visa duas distintas finalidades: de um lado, a cobrança de juros e comissões, e de outro, a concessão de crédito. »

 

42.          Chama a atenção para a uniformidade dos pressupostos da isenção de imposto do selo do crédito concedido e dos juros cobrados como das comissões cobradas, em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e sociedades financeiras, não tendo qualquer alcance restritivo.

 

43.          Em suma, a isenção do artigo 7º, nº 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo não se restringia, anteriormente à entrada em vigor da Lei nº 7-A/2016, de 30 de março, às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras.

 

44.          Aquela restrição apenas voltou a ser expressamente instituída pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de março.

 

45.          Ora, e acordo com o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que aqui retomamos, estão isentos de imposto:

“Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliárias nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.”

 

46.          Por sua vez, o n.º 7 do mesmo preceito tem o seguinte conteúdo:

“O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”.

 

47.          A redação da alínea e) foi dada, como vimos, pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, e o n.º 7 foi aditado, pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2016), tendo por sua vez o artigo 154.º qualificado de norma interpretativa o referido n.º 7.

 

48.          Como é sabido, a lei interpretativa integra-se na lei interpretada (artigo 13.º do Código Civil), aplicando-se a situações e factos anteriores. No entanto, ao fixar uma das interpretações possíveis da lei anterior com que os interessados podiam e deviam contar, e uma solução que os tribunais poderiam ter adotado, não é suscetível de violar as expetativas seguras e legitimamente fundadas dos cidadãos.

 

49.          O problema emerge quando o legislador designa uma norma de “lei interpretativa” quando na verdade está em causa uma lei inovadora, tratando-se, em muitas situações, de um disfarce da retroatividade da lei nova.

 

50.          Para Baptista Machado( ) uma lei nova é realmente interpretativa se se verificarem dois requisitos:” que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora”.

 

51.          A lei nova veio consagrar um sentido que, pelo menos, depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 32-B/2002, é claramente inovador. Tanto assim que a lei nova veio precisamente reintroduzir uma redação para este n.º 7 do artigo 7.º do CIS muito similar à redação que havia sido instituída pela Lei do Orçamento do Estado para 2001, para o então artigo 6.º do CIS e que vigorou até ser expressamente revogada pela Lei n.º 32-B/2002 (Lei do Orçamento do Estado para 2003).

 

52.          No sentido do caráter inovador do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, repete-se que, se num primeiro momento, o da Lei nº 30-C/2000, o legislador pretendeu restringir a isenção do então artigo 6.º, n.º 1, alínea e), às operações diretamente destinadas à concessão de crédito.

 

53.          Ora, num segundo momento, o da Lei n.º 32-B/2002, o mesmo legislador quis abolir essa limitação, restabelecendo o regime anterior, através da revogação expressa do n.º 2 do artigo 6.º do CIS.

 

54.          Finalmente, num terceiro momento, através das alterações introduzidas pela Lei n.º 107-B/2003, o legislador ampliou ainda mais essa isenção, no sentido de abranger, entre outras operações, as comissões cobradas por instituições financeiras.

 

55.          O teor literal da expressão “bem assim”, que tem inequivocamente um alcance ampliativo e não restritivo da 1ª parte do artigo 6º, nº 1, alínea e), não pode extrair-se a intenção do legislador do artigo 36.º, n.º1, da Lei nº 107-B/2003, a repor a exclusão da isenção das comissões às operações diretamente relacionadas com a concessão de crédito que tinha sido revogada no ano anterior, pela Lei n.º 32-B/2002.

 

56.          Tal interpretação é, aliás, incompatível com o sentido geral da nova redação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, que vai no sentido de ampliar a isenção às comissões cobradas por instituições financeiras a outras instituições financeiras.

 

57.          A Lei do Orçamento do Estado para 2016 veio, desta forma, restringir o campo de aplicação da isenção em imposto do selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, e, sendo designada pelo legislador de interpretativa, será aplicada desde a vigência da norma interpretada. Os sujeitos passivos serão, desta forma, confrontados com a imposição de um encargo fiscal, apenas balizado pela caducidade do imposto, com que não contavam nem poderiam em princípio prever, de acordo com as regras de hermenêutica aplicáveis.

 

58.          E, nem se argumente no sentido não inovador da Lei n.º 7-A/2016, a jurisprudência dos tribunais tributários superiores, iniciada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21 de Setembro de 2010, Proc. n.º 2754/08, e confirmada, embora com oscilações de fundamentação, por posteriores e recentes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, entre outros o de 18 de Janeiro de 2016, Proc. n.º 0835/16, de 15 de Junho de 2016, Proc. n.º 770/15, de 9 de Junho de 2016, Proc. n.º 01630/15, e de 3 de Novembro de 2016, Proc. n.º 0976/16. 

 

59.          Em suma, pelas razões que vão expostas, considera-se que a Lei n.º 7-A/2016 veio, através da interpretação conjugada dos seus artigos 152.º e 154.º, delimitar o âmbito material da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, de forma inovadora. Aqueles preceitos ao instituírem uma redação que não constava na ordem jurídica desde 2003 têm de considerar-se retroativos e, como tal, inconstitucionais, por violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica.

 

II. DA LEI N.º 7-A/2016 E A PROIBIÇÃO DA RETROATIVIDADE DA LEI FISCAL (ARTIGO 103.º, N.º 3, DA CRP).

 

60.          Ainda que se entendesse estarmos perante verdadeira norma interpretativa (lei interpretativa material e não puramente formal), a legitimidade do alcance interpretativo do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS conferido pelos artigos 152.º e 154.º da Lei n.º 7-A/2016 estaria sempre ferida de inconstitucionalidade, por violação da proibição constante o artigo 103.º, n.º3, da CRP.

 

Senão vejamos.

 

61.          Desde a revisão constitucional de 1997 encontra consagração constitucional expressa o princípio da não retroatividade dos impostos, dizendo-se no n.º 3 do artigo 103.º da CRP que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da legislação, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”

 

62.          Como refere Nuno M. Morujão, “a doutrina fiscal maioritária que se debruça especificamente sobre o problema das normas interpretativas, não se lhes opõe, desde que se trate de normas interpretativas “autênticas “” .

 

63.          No entanto, para outros autores, “no domínio fiscal, havendo norma constitucional expressa a proibir a retroatividade pouco importa avaliar se a lei interpretativa o é em sentido material ou apenas em sentido formal (no caso de se tratar de lei inovadora)”. 

 

64.          Saldanha Sanches , em anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 275/98, de 09/03/1998 (Proc. n.º 370/97), pondera que “ a mudança constitucional tem de ser interpretada como uma espécie de crítica do legislador à jurisprudência constitucional: o legislador constitucional, ao modificar a lei e ao acrescentar mais uma garantia no texto constitucional, está a afirmar implicitamente que neste campo a jurisprudência constitucional não concedeu uma tutela efetiva aos direitos fundamentais do contribuinte”, concluindo, que “não nos parece que a lei interpretativa possa ter lugar em matéria fiscal: se até aqui o que estava em causa eram as leis falsamente interpretativas, a revisão constitucional veio impedir os efeitos retroativos de qualquer norma, em matéria fiscal, incluindo os provocados por norma interpretativa”.

 

65.          No mesmo sentido, Jónatas Machado e Paulo Nogueira da Costa  referem que as normas interpretativas “não têm apenas uma natureza declarativa, produzindo efeitos constitutivos. Na medida em que vinculam os tribunais a uma determinada interpretação, entre várias em abstrato possíveis e já acolhidas por outros tribunais, elas implicam, inevitavelmente, uma aplicação retroativa da lei interpretanda”.

 

66.          A mencionada doutrina vai, no fundo, ao encontro da jurisprudência firmada, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/2000, Proc. n.º 762/98, relativo à constitucionalidade do artigo 28.º, n.º 7, da Lei n.º 10-B/96, de 23 de março, sobre a dedutibilidade da derrama enquanto custo de exercício de IRC. É de referir que o sentido do Acórdão não é contrariado pelos votos de vencido, que divergem apenas sobre a fundamentação da decisão.

 

67.          Aquele Acórdão consideraria as leis interpretativas que vinculem retroativamente o intérprete serem incompatíveis com a proibição da criação de impostos retroativos introduzida pela Quarta Revisão.

 

68.          Sendo certo, para o Tribunal Constitucional, que as leis autenticamente interpretativas, não abalam, verdadeiramente, as expetativas concretas anteriores dos destinatários das mesmas, no caso de a interpretação tornada vinculativa já ser conhecida e tiver sido mesmo aplicada. Todavia, mesmo nesses casos, a vinculação interpretativa que tais leis comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, nos casos em que a lei constitucional proíba a sua retroatividade, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários.

 

69.          A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas, seguindo ainda esse Acórdão, leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica, com a consequente frustração do princípio constitucional da irretroatividade dos impostos.

 

70.          Nesta medida, prosseguiria o Acórdão, poder-se-á entender que a lei interpretativa, ainda que autêntica, ao pretender vigorar para o período anterior à sua emissão, nos termos do n.º 1 o artigo 13.º do Código Civil, altera o contexto de auto -vinculação dos órgãos de aplicação do Direito ao Direito e, consequentemente, afeta a segurança dos destinatários das normas protegida por uma proibição (constitucional) de retroatividade.

 

71.          Haveria, consequentemente, nesta última situação, uma garantia de segurança mais forte inerente à proibição de retroatividade.

 

72.          No presente caso, não existia, antes da edição da norma interpretativa, qualquer corrente doutrinária ou até jurisprudencial que sustentasse a posição que adotou, não se podendo considerar como tal, é evidente, a fundamentação do ato impugnado.

 

73.          Nessa medida, no que concerne ao novo n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, a interpretação que é dada à alínea e) do anterior n.º 1, pelo artigo 152.º, com o alcance do artigo 154.º ambos da Lei n.º 7-A/2016, não pode ser considerada genuinamente autêntica. A genuinidade da interpretação é pressuposto de aplicação de toda e qualquer norma formalmente interpretativa.

 

74.          De facto, a única orientação doutrinária anterior à entrada em vigor da Lei nº 7-A/2016, no sentido de as comissões isentas nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do Código do Imposto do Selo, é aquela em que se fundamentaram as liquidações impugnadas, pelo que não pode ser considerada, a não ser que se legitime a prática de legislativamente, pela edição de normas apenas formalmente interpretativas, se resolverem os litígios entre a Administração Fiscal e os contribuintes.

 

75.          Mesmo que o fosse, como resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional, a norma interpretativa constante do referido artigo 154.º, por implicar imposto retroativo, sempre violaria o n.º 3 do artigo 103.º da CRP, pelo que, nos termos do seu artigo 204º, não poderia ser aplicada no caso sub judice.

 

76.          Assiste assim razão à Requerente, relativamente ao vício de violação da:

“Isenção de Imposto do Selo ao abrigo do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo por não inclusão no n.º 7 do mesmo artigo.”

 

77.          Reconhece-se, contrariamente ao entendimento da Requerida, que a isenção em causa não se aplica apenas às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições de crédito, mas mesmo a outras operações financeiras que não tenham esse enquadramento e escopo final.

 

78.          O que só veio a ser consagrado, posteriormente à prática dos actos tributários em causa no presente processo, em sede de alteração legislativa, sem retroactividade admissível.

 

79.          A lei é nova, e vale apenas para futuro.

 

80.          A redação da alínea e) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, em vigor a data da ocorrência dos actos impugnados, já isentava tais operações, cujo direito à sua aplicação por esta via se reconhece.

 

81.          No âmbito do CAAD, para além do Proc. n.º 348/2016-T, de 2 de maio de 2017, que temos vindo a acompanhar, importa também referir em favor da tese aqui defendida, o Proc. n.º 303/2017-T de 10 de novembro de 2017, o Proc. nº. 352/2017-T, de 5 de fevereiro de 2018, o Proc. n.º 441/2017-T, de 20 de dezembro 2017, o Proc. nº. 527/2017-T, de 20 de abril de 2018, o Proc. n.º 796/2017-T, de 26 de julho de 2018, o Proc. 103/2018-T, de 13 de novembro de 2018 e o Proc. n.º 218/2018-T, de 13 de dezembro de 2018.

 

82.          Finalmente, importa não esquecer a jurisprudência do Tribunal Constitucional, face ao consagrado na Decisão sumária tirada no Proc. n.º 404/2017, de 14 de julho de 2017, bem como do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 664/2017, de 4 de outubro de 2017, consagrando a natureza “… inovadora da solução normativa resultante da conjugação dos n.ºs 1, alínea e) e 7, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo consagrado na sequência da alteração introduzida nesse Código pelo artigo 152.º do Lei n.º 7-A/2016”.

 

83.          Por tudo o que vai exposto, não assiste razão à Autoridade Tributária ao não considerar as taxas multilateral de intercâmbio e as comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em Caixas Automáticos cobradas pelo Requerente, isentas de Imposto do Selo, em conformidade com o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS.

 

84.          Termos em que procede o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de Imposto do Selo e respetivos juros compensatórios, objeto do pedido arbitral, por erro de direito quanto ao sentido e alcance dos mencionados preceitos, com a consequente anulação das mesmas.

 

 

VII - QUESTÕES PREJUDICADAS

 

85.          Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de ilegalidade por erro de direito quanto ao sentido e alcance do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, que assegura efetiva e estável tutela dos direitos do Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios, quanto à errada quantificação da base tributável e à falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios (invocados nas alíneas d) e e) dos pontos II e III supra, referentes às posições das partes), que são imputados ao ato tributário em causa.

 

86.          Na verdade, decorre do estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do CPPT, que julgado procedente um vício que obste à renovação do ato impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados. Se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.

 

VIII - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

87.          Alega o Requerente que, caso obtenha ganho de causa na presente ação e considerando-se as liquidações de Imposto do Selo e juros compensatórios ilegais, deverá a AT pagar juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

88.          De acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

[…]

b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.

[…]».

 

89.          No mesmo sentido, o artigo 100.º da LGT prevê que «[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

 

90.          A doutrina e jurisprudência têm defendido que se enquadra no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a fixação dos efeitos das suas decisões, nos mesmos termos previstos para a impugnação judicial, designadamente, quanto à condenação em juros indemnizatórios ou a condenação por indemnização por garantia indevida (cfr. Carla Castelo Trindade (2016), Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, 121 e Jorge Lopes de Sousa (2013), “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, 116).

 

91.          Com efeito, na autorização legislativa concedida ao Governo para aprovação do RJAT, constante do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril proclama-se, indubitavelmente, a intenção de uma verdadeira alternatividade entre o processo judicial e o processo arbitral tributários, ali se lendo que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

92.          Assim, pese embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais tributários, não fazendo referência expressa a decisões constitutivas (anulatórias) e decisões condenatórias, deverá entender-se, de harmonia com a autorização legislativa supra transcrita e, bem assim, com os efeitos assacados às decisões arbitrais previstos no artigo 24.º do RJAT, que se compreendem nas competências dos tribunais arbitrais tributários os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais judiciais tributários em relação aos atos cuja apreciação de (i)legalidade se insere nas suas competências.

 

93.          Deste modo, se apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação – conforme o disposto nos artigos 99.º e 124.º do CPPT – pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida, idêntica conclusão deverá resultar no âmbito do processo arbitral tributário.

 

94.          Quanto aos juros indemnizatórios, prevê o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

95.          No caso sub judice, como ficou demonstrado, as liquidações adicionais de Imposto do Selo e juros compensatórios impugnadas enfermam de ilegalidade imputável à Requerida, que, por sua iniciativa as praticou sem suporte legal.

 

96.          Por outro lado, é manifesto que, na sequência da ilegalidade das liquidações adicionais impugnadas, há lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, por força dos artigos 24.º, n.º1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

97.          O Requerente tem, assim, direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, relativamente ao valor do imposto e juros indevidamente pagos, contados desde a data em que tais valores foram indevidamente pagos até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

 IX. DECISÃO

 

De acordo com o exposto determina, o presente Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar improcedente o vício de falta de fundamentação do ato de liquidação de Imposto do Selo sindicado nos presentes autos, por infundado;

b)           Julgar improcedente o vício de falta de norma de incidência de Imposto do Selo, quanto à Taxa multilateral de intercâmbio e comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em Caixas Automáticos, por se encontrarem as mesmas sujeitas pela norma de incidência prevista pela verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo;

c)            Julgar procedente, por violação da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do Código do Imposto do Selo, na redação anterior à introduzida pelo artigo 152º da Lei nº 7-A/2016, o pedido de  declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto do Selo, no montante de € 56.650,14 (cinquenta e seis mil, seiscentos e cinquenta euros e catorze cêntimos), referente ao ano de 2015, e a consequente, anulação dos referidos atos de liquidação e os respetivos juros compensatórios;

d)           Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, a partir da data do pagamento das liquidações anuladas, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT.

 

X. Valor do processo:

Fixa-se o valor do processo em € 56.650,14 (cinquenta e seis mil, seiscentos e cinquenta euros e catorze cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

XI. Custas:

 

Fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, face à anulação dos actos tributários, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se

 

Lisboa, 14 de agosto de 2019

 

O Árbitro

 

(Jorge Carita)