DECISÃO ARBITRAL
Acordam os árbitros, Dr. José Poças Falcão (árbitro-Presidente), Dra. Adelaide Moura e Professor Doutor Nuno Cunha Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 28 de fevereiro de 2019, no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., NIF..., residente na Rua ... nº..., ...em Lisboa, B..., NIF..., residente na Rua ... nº..., ..., em Lisboa, e C..., NIF..., residente na Av. ..., Lote ..., ...º, em Lisboa, em conjunto designados Requerentes, em coligação, requereram a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos conjugados do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1 e 15.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes.
Os Requerentes deduziram pedido de pronúncia arbitral pedindo a anulação das liquidações adicionais de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) números 2018..., 2018... e 2018..., datadas de 10.08.2018, e das correlativas de juros de mora, todas relativas ao exercício de 2014, no valor individual de, respetivamente, 36.875,25 EUR, 16.001,19 EUR e 12.074,77 EUR.
Invocam, para tanto, que:
a) A finalidade do procedimento do artigo 139.º do Código do IRC consiste em aferir o preço real da transação imobiliário de valor inferior ao Valor Patrimonial (VPT);
b) Os atos impugnados procedem da violação do n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;
c) Os atos impugnados são também ilegais por violação do disposto nos artigos 73.º da LGT e 54.º do CPPT, bem como do princípio da tutela jurisdicional efetiva dos Requerentes, dado que a AT fez prevalecer o VPT como base de incidência do IRS impugnado, sem admitir a prova indicada pelos Requerentes;
d) A especial imputação subjetiva estabelecida no artigo 6.º do Código do IRC não pode ser desacompanhada da atribuição aos sócios do direito a exercer todas as garantias de defesa que a lei reserva à sociedade como se esta fosse sujeita ao regime geral do IRC;
e) Constituindo as correções à matéria coletável da sociedade transparente um rendimento tributável adicional dos seus sócios, sujeitos ao concomitante IRS adicional podem os sócios deste defender-se com fundamento em qualquer ilegalidade.
Os Requerentes juntaram documentos.
Em 21 de dezembro de 2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado aos Requerentes e à entidade Requerida.
Nos termos do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, notificando-se as partes dessa designação em 8 de fevereiro de 2019.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou regularmente constituído em 28 de fevereiro de 2019.
A Requerida, notificada em 28 de março de 2019 ao abrigo do n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, veio apresentar a sua Resposta em 1 de abril de 2019.
Em 5 de abril de 2019 o Tribunal Arbitral emitiu despacho a dispensar a reunião do Tribunal com as partes (artigo 18º, do RJAT) e a inquirição de testemunhas [Cfr artigos 16º-c), do RJAT e 130º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29º-1/e), do RJAT], bem como convidando ambas as partes para apresentarem, no prazo sucessivo de 20 (vinte) dias, alegações escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito.
Em requerimento de 16 de abril de 2019, os Requerentes opuseram-se à decisão constante do Despacho Arbitral de 5 de abril de 2019.
Em despacho de 18 de abril de 2019, o Tribunal Arbitral manteve a declaração de encerramento da instrução do processo, com o dever das partes apresentarem as suas alegações finais no prazo anteriormente determinado, contado agora da data de notificação do referido despacho.
Os Requerentes apresentaram alegações em 9 de maio de 2019.
Em 3 de junho de 2019, a Requerida apresentou as suas alegações.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.I. MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:
A. Os Requerentes são os únicos sócios da sociedade D... LDA, NIF..., adiante designada por Sociedade, com domicílio fiscal na Rua ..., ..., ...°, ...-... Lisboa.
B. Em 2014 esta sociedade vendeu duas frações autónomas por valores inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos dos imóveis, sem que tenha efetuado a devida correção, para efeitos da determinação do lucro tributável, prevista no artigo 64°, nºs 2 e 3, alínea a) do CIRC, na Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC de 2014 (Campo 745 do Quadro 07), correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato.
C. Apresentou as declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC relativas a exercício de 2014 sob o regime da transparência fiscal, assim como os seus sócios em sede de IRS.
D. A Sociedade apresentou a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC de 2014, com um lucro tributável de 41.723,98 EUR, imputado nos Anexos D das declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS de cada um dos sócios, na proporção das suas participações.
E. A sociedade foi notificada para:
“1- Proceder à substituição da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC relativa ao ano de 2014
2 - Remeter cópia dos documentos de transmissão/contratos/escrituras em causa;
3- Remeter balancete relativo ao ano de 2014;
4- Remeter extratos das contas movimentadas;
5-Outros documentos/elementos que julgue relevantes".
F. A referida notificação foi efetuada em 16/11/2017, com a assinatura do aviso de receção.
G. No entanto, a sociedade não prestou as informações e esclarecimentos solicitados pela AT.
H. Foi proposta pela AT a correção à matéria coletável em sede de IRC, relativamente ao período de 2014, no montante de 127.720,00 EUR.
I. Passando a sociedade de um lucro tributável declarado de 41.723,98 EUR para um lucro tributável corrigido de 169.443,98 EUR, a imputar aos respetivos sócios, considerando que a sociedade é tributada pelo regime de transparência fiscal.
J. Uma vez que se trata de uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, são os sócios que a compõem que são tributados na respetiva cédula, no caso em IRS, por se tratar de pessoa singular.
K. Isto significa que os lucros fiscais, que constituem a matéria coletável, são imputados, para efeitos de tributação, aos respetivos sócios, nos termos do artigo 6° do CIRC, conjugado com os artigos 20°, 32° e 57° do CIRS.
L. Por ofícios de 11 de junho de 2018, os Requerentes foram notificados dos projetos de RIT, com as correções aos respetivos rendimentos tributáveis em sede de IRS.
M. Em 26 de junho de 2018, os três Requerentes exerceram o seu direito de audição prévia às referidas propostas de correção.
N. Por ofícios de 23 de julho de 2018, os Requerentes foram notificados dos respetivos RIT finais, convolando em definitivas as correções aos rendimentos tributáveis em sede de IRS.
O. O preço real e efetivo das vendas dos imóveis acima referidas perfez uma quantia total recebida de 32.500 EUR (14.000 EUR + 18.500 EUR).
P. A sociedade recebeu 65.000,00 EUR pela venda das duas frações e não os 192.720,00 EUR resultante da soma dos respetivos valores patrimoniais.
II.II FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
III. DO DIREITO:
Do fundo da causa
A principal questão que se coloca nos presentes autos prende-se com saber se o acto de liquidação adicional de IRC, objecto da presente petição, é ou não legal, considerando a violação, ou não, do direito à prova do preço efectivo nas transmissões de imóveis.
A - Posição dos Requerentes
A este propósito, os Requerentes alegam, no seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral, em síntese, o seguinte:
a) As liquidações impugnadas são ilegais, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º conjugado com o n.º 1 do artigo 139.º do CIRC;
b) Para que a administração tributária pudesse liquidar imposto com fundamento no n.º 2 do artigo 64.º do CIRC, impunha-se que permanecesse por sanar a dúvida de se o valor declarado correspondeu ou não ao preço efetivo das transações;
c) Só nessas circunstâncias é que o n.º 2 do artigo 64.º conjugado com o n.º 1 do artigo 139.º, ambos do Código do IRC, mandam atender ao respetivo VPT como valor mínimo de realização;
d) Inexistindo dúvida sobre o preço efetivo, o VPT, ainda que superior, não prevalece na determinação do rendimento tributável;
e) Admitir que a AT possa lançar mão dos poderes de avaliação indireta que lhe são confiados pelo n.º 2 do artigo 64.º do CIRC, quando do seu Relatório se constata que não põe em causa o valor direto, real e efetivo das transações, é aceitar a determinação, fora dos casos previstos na lei, do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (cf. art.º 81.º n.º 1, in fine, e 83.º n.º 2, ambos da LGT);
f) Não sendo controvertido no RIT que o preço real e efetivo das transmissões correspondeu ao declarado, são ilegais as liquidações impugnadas que esse preço real e efetivo desconsideraram, por erro de interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º conjugado com o n.º 1 do artigo 139.º, ambos do CIRC;
g) Ainda que não se entendesse que houve erro na interpretação e aplicação do n.º 2 do art.º 64.º, conjugado com o n.º 1 do artigo 139.º, ambos do CIRC, haverá violação dos artigos 73º da LGT, 54º do CPPT e do princípio da tutela jurisdicional efetiva que constitucionalmente os protege.
B - Posição da AT
A AT defende, em síntese, o seguinte:
Por exceção
i)- Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação do procedimento de prova do preço efetivo previsto no artigo 139º CIRC e do erro na forma de processo:
1) A analise e conclusão do procedimento de prova do preço efetivo é um ato administrativo em matéria tributária que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação;
2) Como tal, caso hipoteticamente tivesse sido desencadeado pelos Requerentes o procedimento de prova do preço efetivo previsto no artigo 139º CIRC, a sindicância judicial do ato administrativo – estando em causa uma rejeição por extemporaneidade - teria de ser feita através de ação administrativa, nos termos do n.º 2 do art.º 97.º do CPPT e não de impugnação judicial;
ii) - Da inimpugnabilidade do ato - obrigatoriedade de apresentação prévia do procedimento previsto no artigo 139º CIRC – prova do preço efetivo:
1) A presente impugnação da liquidação é inadmissível porquanto carece de um pressuposto essencial, isto é o requerimento de início do procedimento de prova do preço efetivo do imóvel ao qual seria aplicável o disposto nos artigos 91º e 92 da LGT;
2) Para além disso, a documentação enviada em sede de direito de audição prévia no relatório inspetivo, foi enviada para um procedimento diferente daquele que os Requerentes deveriam ter requerido, nos termos do artigo 139º do CIRC e não requereram;
3) Pois, estava obrigada a Sociedade a ter apresentado o referido requerimento dirigido ao Diretor de Finanças com a documentação necessária para a AT aceder às contas bancárias, no período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, o que não fez;
4) Sendo duas condições/pressupostos cumulativas sine qua non e não se tendo verificado, haverá assim que absolver a A T da instância (vd. art. 278.º. n.º 1, alínea e), do CPC. ex vi art. 29º n.º 1, alínea e) do RJAT) do pedido de anulação das liquidações adicionais de IRS com o referido fundamento, relativo ao erróneo valor atribuído aos rendimentos (resultantes da alienação do prédio em causa);
iii) -Da intempestividade do pedido de prova do preço efetivo:
1) Nos termos do artigo 139° do CIRC: "1 - O disposto no n.º 2 do artigo 64º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (...)”
2) A prova referida no n.1 deve ser efetuada em procedimento instaurado “mediante requerimento dirigido ao Diretor de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos. (...)" cfr n.º 3 do artigo 139º CIRC(sublinhado nosso).
3) Contudo verificamos, que nem a sociedade, nem os ora Requerentes lançaram mão desse mecanismo no prazo aí previsto para o efeito – logo qualquer reação posterior ao prazo fixado no nº 3 do referido artigo (o qual se conjuga com o artigo 73° da LGT) é intempestiva, logo não podem os ora Requerentes atacar o ato de liquidação como se estivesse em causa um procedimento de prova do preço efetivo – que não desencadearam no prazo que a lei lhes confere – tendo caducado o direito de reação.
APRECIAÇÃO
A matéria controvertida na presente acção já foi analisada noutros processos semelhantes que decorreram no CAAD, tais como o processo nº 89/2018-T, o processo nº 598/2017-T ou o processo nº 420/2016-T. Seguiremos, em larga medida, a decisão tomada no processo n.º 89/2018-T.
Vejamos.
Considerando o direito à prova do preço efectivo nas transmissões de imóveis consagrado no artigo 139.º do Código do IRC importa no caso concreto, em análise, esclarecer o seguinte:
a. Se, não tendo sido instaurado o procedimento para ilidir a presunção da prevalência do valor patrimonial tributário, a sociedade ou os ora Requerentes estavam impedidos de reclamar e de deduzir a presente petição arbitral?
b. Se é possível ultrapassar o formalismo previsto no n.º 3 do artigo 139.º do Código do IRC, isto é, se é possível fazer a prova da verdade do preço declarado em sede judicial, mormente no âmbito do processo arbitral?
c. Se, em caso de resposta afirmativa às duas questões anteriores, no caso, e nas palavras dos Requerentes, “não sendo controvertido no RIT que o preço real e efetivo das transmissões correspondeu ao declarado, são ilegais as liquidações impugnadas que esse preço real e efetivo desconsideraram, por erro de interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º conjugado com o n.º 1 do artigo 139.º, ambos do CIRC”;
Vejamos.
No capítulo VIII do Código do IRC, em sede de garantias dos contribuintes, estabelece-se, no artigo 137.º, a propósito do direito de reclamação e impugnação judicial o seguinte:
“1 — Os sujeitos passivos de IRC, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação, efectuada pelos serviços da administração fiscal, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
2 — A faculdade referida no número anterior é igualmente conferida relativamente à autoliquidação, à retenção na fonte e aos pagamentos por conta, nos termos e prazos previstos nos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
3 — A reclamação, pelo titular dos rendimentos ou seu representante, da retenção na fonte de importâncias total ou parcialmente indevidas só tem lugar quando essa retenção tenha carácter definitivo e deve ser apresentada no prazo de dois anos a contar do termo do prazo de entrega, pelo substituto, do imposto retido na fonte ou da data do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos, se posterior.
4 — A impugnação dos actos mencionados no n.º 2 é obrigatoriamente precedida de reclamação para o director de finanças competente, nos casos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
5 — As entidades referidas no n.º 1 podem ainda reclamar e impugnar a matéria colectável que for determinada e que não dê origem a liquidação de IRC, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário para a reclamação e impugnação dos actos tributários.
6 — Sempre que, estando pago o imposto, se determine, em processo gracioso ou judicial, que na liquidação houve erro imputável aos serviços, são liquidados juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
7 — A faculdade referida no n.º 1 é igualmente aplicável ao pagamento especial por conta previsto no artigo 106.º, nos termos e com os fundamentos estabelecidos no artigo 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
Resulta, assim, do normativo acima citado que, por princípio, os sujeitos passivos podem reclamar ou impugnar qualquer liquidação de IRC efectuada pela AT.
Não obstante, prevê-se no artigo 139.º do Código do IRC, sob a epígrafe Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, o seguinte:
“Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis
1 — O disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.
3 — A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
4 — O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor da diferença positiva prevista no n.º 2 do artigo 64.º, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, é da competência da Direcção-Geral dos Impostos.
5 — O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.
6 — Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.
7 — A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa.
8 — A impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.”
Assim, resulta do n.º 1 e 5 do artigo 139.º do Código do IRC que, para efeitos de ilisão da presunção estabelecida no artigo 64.º, n.º 2 do Código do IRC, tem de ser instaurado o procedimento de prova do preço efectivo, que se rege pelos artigos 91.º e 92.º da LGT.
Deste modo, não obstante o consagrado direito à reclamação e impugnação de qualquer acto de liquidação, a ilisão da presunção do preço efectivo de imóveis transmitidos e, portanto, a prova do valor real da transmissão de imóveis só pode ser efectuada através do procedimento identificado.
Sendo obrigatória a apresentação daquele procedimento de prova, é dispensada a apresentação de reclamação graciosa.
Face ao exposto, entende-se que sendo a desconformidade apontada ao acto de liquidação de IRC sub judice relativa ao preço dos imóveis transmitidos, o ónus da prova da sociedade ou dos ora Requerentes só pode ser cumprido, no âmbito do procedimento de demonstração do preço previsto no artigo 139.º do Código do IRC, especialmente concebido para a avaliação do preço dos imóveis.
Atendendo à especificidade da matéria – preço de imóveis – e à necessidade de recurso a peritos ou outros técnicos da área, fixou-se que o recurso a este procedimento constitui condição do direito à sua posterior impugnação judicial.
Conclui-se, por isso, que não tendo sido feita prova de ter sido requerida pela sociedade ou pelos ora Requerentes da instauração do procedimento para ilidir a presunção do valor patrimonial tributário, a sociedade ou os ora Requerentes não estavam impedidos de reclamar e de deduzir a presente petição arbitral, mas a legalidade do acto de liquidação em crise com fundamento no erro na fixação do preço de venda dos imóveis não é sindicável, conquanto, não foi previamente instaurado o procedimento de prova do preço já identificado.
Aqui chegados, cumpre então aferir se, como afirmam os Requerentes, “não sendo controvertido no RIT que o preço real e efetivo das transmissões correspondeu ao declarado, são ilegais as liquidações impugnadas que esse preço real e efetivo desconsideraram, por erro de interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º conjugado com o n.º 1 do artigo 139.º, ambos do CIRC”.
Como se viu já, a instauração do procedimento previsto no art.º 139.º do CIRC é a forma legal de ilisão da presunção consagrada no art.º 64.º/2 do mesmo Código.
Na verdade, a norma do artigo 64.º do CIRC aplicável não conterá uma imposição (ficção) de que para efeitos de cômputo do lucro tributável naquele imposto se contabilize o valor de mercado dos imóveis, presumindo este equivalente ao VPT, mas, antes, contém uma norma anti-abuso, que tem subjacente o juízo (presunção) de que os valores de venda inferiores ao VPT, por regra, resultarão de simulação das partes, impondo em consequência, uma inversão do ónus da prova quanto à efectividade de tal preço.
Neste sentido, escreveu-se no Ac. do STA de 06-02-2013, proferido no processo 0989/12, que:
“A consideração do VPT para efeito de determinação do lucro tributável em IRC, quando o valor constante do contrato seja inferior, constitui uma presunção de rendimentos. Essa presunção, se assumisse a natureza de presunção inilidível, aliás expressamente vedada pelo art. 73.º da LGT (Dispõe o art. 73.º da LGT: «As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário».), poderia suscitar problemas quanto à sua conformidade constitucional, designadamente, por violação do princípio da tributação do rendimento real consagrado no art. 104.º, n.º 2, da Constituição da República (Diz o art. 104.º, n.º 2, da CRP: «A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».).”.
Acontece que, como vimos, a instauração do procedimento previsto no art.º 139.º do CIRC é a forma legal da ilisão da presunção consagrada no art.º 64.º/2 do mesmo Código.
Tal procedimento, é uma garantia da conformidade desta presunção com o disposto no art.º 73.º da LGT, na medida em que faculta aos interessados um meio adequado e suficiente para, sentindo-se prejudicados pela presunção em questão, demonstrarem, sem procedimento próprio, a falta de aderência à realidade do facto por aquela presumido.
O referido procedimento, previsto no art.º 139.º do CIRC, é um direito potestativo do contribuinte que, dentro do prazo previsto para o efeito, pode apresentar o seu pedido para que o mesmo seja levado a cabo, impondo-se, a realização do mesmo, nos termos legais, à AT.
Desta constatação, retira-se, desde logo, que, ao contrário do que os Requerentes parecem entender, a AT não tem de facultar ao contribuinte a possibilidade de apresentação de prova do preço efectivo.
Antes, a AT é parte passiva da sujeição correspondente ao referido direito potestativo do contribuinte, estando obrigada à realização, nos termos legais, do referido procedimento, assim que instada para tal, em prazo, pelo contribuinte.
Deste modo, dentro do quadro legal aplicável, nenhuma notificação ou interpelação da AT é legalmente necessária ou exigível, no sentido de o contribuinte realizar a prova do preço efectivo.
Antes, é àquele que, face à presunção do art.º 64.º/2 do CIRC – que deve conhecer (cfr. artigo 6.º do Código Civil) – que incumbe o ónus de interpelar a AT para a realização do referido procedimento, mediante a apresentação do correspondente pedido.
Tendo em conta o exposto, as possibilidades de a AT impedir os contribuintes de fazerem prova da verdade do preço declarado, prevista no n.º 1 do art.º 139.º do CIRC, restringem-se a situações em que a referida autoridade rejeite, injustificadamente, a instauração do procedimento previsto para o efeito, o que desde logo (i) pressupõe a apresentação tempestiva do correspondente pedido pelo contribuinte, ou em que, (ii) instaurando-o, não cumpra as normas legais que o disciplinam.
Ora, no caso, nem uma nem outra das referidas situações se demonstra.
Assim, no que diz respeito à inobservância pela AT dos normativos que regulam o procedimento em causa, e passando por cima da questão da competência do Tribunal arbitral para conhecer das correspondentes ilegalidades, trata-se de uma questão que não se coloca, uma vez que, reconhecidamente, o referido procedimento não foi instaurado.
Deste modo, apenas poderia estar em causa nos presentes autos a eventual censura da AT por, confrontada por um pedido para instauração do procedimento para prova da verdade do preço declarado, previsto no n.º 1 do art.º 139.º do CIRC, apresentado pelo contribuinte nos termos legais e em tempo, não ter instaurado tal procedimento, impedindo, consequentemente e aí sim, o contribuinte de fazer a referida prova e infirmar a presunção consagrada no art.º 64.º/2 do CIRC, em que assenta o acto tributário objecto da presente acção arbitral.
In casu, nem a sociedade nem os Requerentes demonstraram a apresentação, nos termos referidos, de um pedido para instauração do procedimento para prova da verdade do preço declarado, previsto no n.º 1 do art.º 139.º do CIRC.
Ora, por força do art.º 364.º/1 do Código Civil, a prova da apresentação do pedido de instauração do procedimento para prova da verdade do preço declarado, previsto no n.º 1 do art.º 139.º do CIRC deverá ser efectuada por meio de documento escrito, uma vez que essa é a forma que deve revestir o referido pedido (cfr. art.º 54.º/3 da LGT e 26.º do CPPT).
Deste modo, a demonstração de que a sociedade ou os ora Requerentes apresentaram pedido para instauração procedimento para prova da verdade do preço declarado, previsto no n.º 1 do art.º 139.º do CIRC teria de ser feita através de documento, o que, como se referiu, até à data não foi feito.
Os Requerentes entendem ainda que “a circunstância de a sociedade não ter exercido o seu direito a ilidir a presunção prevista no artigo 64.º, n.º 2 do CIRC não obsta a que os sócios o possam ainda fazer”.
Ora o que está em causa é saber se foi feita a prova da apresentação do pedido de instauração do procedimento para prova da verdade do preço declarado, previsto no n.º 1 do art.º 139.º do CIRC, uma vez que estava em causa uma venda realizada pela sociedade que se rege, portanto, por este Código e não pelo Código do IRS.
Não pode, por isso, recorrer-se ao mecanismo de ilisão previsto no artigo 44.º do Código do IRS, uma vez que estamos no âmbito do regime da transparência fiscal.
Este regime aplica-se, necessariamente, às sociedades com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros que se encontram devidamente identificadas no n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC. Este regime caracteriza-se, no essencial, por imputar aos sócios ou membros da sociedade transparente a respectiva matéria colectável, ainda que não tenha havido distribuição de lucros.
A matéria colectável destas sociedades é determinada em sede de IRC pelo que, embora subordinadas a este regime, não perdem as mesmas a qualidade de sujeito passivo do imposto, ficando sujeitas ao cumprimento de todas as obrigações como qualquer outro tipo de sociedade, designadamente, à apresentação da declaração periódica de rendimentos.
Em sede de IRS, os valores imputados integram-se como rendimento líquido na categoria B sendo a mencionada imputação efectuada de acordo com o que resultar do acto constitutivo da respectiva entidade ou, na falta de elementos, em partes iguais, conforme previsto no n.º 3 do artigo 6.º do Código do IRC.
Assim, a verdadeira caracterização do regime de transparência fiscal da sociedade pode definir-se como uma situação de não tributação em sede de IRC e não de isenção do mesmo tributo.
Consequentemente, é à luz do CIRC que os sócios (ou a sociedade) podiam ter requerido a instauração do procedimento para prova da verdade do preço declarado, previsto no n.º 1 do art.º 139.º do CIRC, o que não fizeram.
Deste modo, e face ao exposto, não se julga demonstrado que os Requerentes tenham requerido a instauração do procedimento previsto no n.º 1 do art.º 139.º do CIRC, que deviam ter feito para afastar a presunção, prevista no n.º 2 do artigo 64.º do CIRC, segundo a qual, sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável, não sendo tal juízo desconforme, pelo contrário, a qualquer preceito legal ou constitucional.
Os Requerentes alegam ainda, por fim, que ainda que não se entendesse que houve erro na interpretação e aplicação do n.º 2 do art.º 64.º, conjugado com o n.º 1 do artigo 139.º, ambos do CIRC, haverá violação dos artigos 73.º da LGT, 54.º do CPPT e do princípio da tutela jurisdicional efetiva que constitucionalmente os protege.
Ora, como foi referido nesta decisão, a sociedade ou os Requerentes não requereram a instauração do procedimento previsto no n.º 1 do art.º 139.º do CIRC, o que devia ter feito para afastar a presunção, prevista no n.º 2 do artigo 64.º do CIRC.
Como tal não foi infringido o disposto no artigo 73.º da LGT – de harmonia com o qual “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.” – nem o disposto no artigo 54.º do CPPT. Também o princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, não pode aqui ser invocado uma vez que a sociedade ou os Requerentes podiam, legitimamente, ter requerido a instauração do procedimento previsto no n.º 1 do art.º 139.º do CIRC e discutido judicialmente as consequências daquele, caso assim entendessem fazer.
Assim, e face a todo o exposto, deverá improceder o pedido arbitral, absolvendo-se a Requerida do mesmo.
IV - DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,
b) Manter na ordem jurídica as liquidações adicionais de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) números 2018..., 2018... e 2018..., datadas de 10.08.2018, e das correlativas de juros de mora, todas relativas ao exercício de 2014, no valor individual de, respetivamente, 36.875,25 EUR, 16.001,19 EUR e 12.074,77 EUR
c) Condenar os Requerentes nas custas do processo, abaixo fixadas.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 64.951,21€ (sessenta e quatro mil novecentos e cinquenta e um euros e vinte e um cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00€ (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a cargo dos Requerentes.
Notifique-se.
Lisboa, 7 de agosto de 2019
O Tribunal Arbitral Coletivo
Árbitro Presidente
(José Poças Falcão)
Árbitro Vogal
(Adelaide Moura)
Árbitro Vogal
(Nuno Cunha Rodrigues)