DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
A... SGPS, S.A., (doravante designada por “Requerente”), sociedade com o número de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., ..., ..., ... (...-...), veio em 2018/12/07, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, cujo pedido foi aceite e automaticamente notificado à Requerida.
É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
A impugnante optou por não indicar árbitro, tendo, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do art.º 6º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designado o ora signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular.
As partes foram notificadas da designação do árbitro singular, em 28/01/2019, não tendo qualquer delas manifestado vontade de o recusar.
O Tribunal foi constituído a 18 de fevereiro de 2019.
Entendendo o Tribunal que, in casu, se está perante um processo sem necessidade de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos na generalidade dos processos arbitrais, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), por despacho de 15/04/2019 .
Ainda assim, as Partes foram notificadas para, querendo, apresentar alegações escritas tanto sobre a matéria de fundo como da matéria da exceção suscitada pela AT sobre a incompetência do Tribunal.
O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a anulação parcial dos atos de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e das decisões de indeferimento parcial que recaíram sobre os pedidos de revisão oficiosa n.º ...2016...e n.º ...2016..., relativas aos atos tributários consubstanciados nas autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) dos exercícios de 2011 e 2012, na medida correspondente à não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos pagamentos especiais por conta (PEC) no valor de 11 160,26€ com referência ao exercício de 2011 e no valor de 47 228,16€ para o exercício de 2012.
Subsidiariamente solicita a condenação da AT no reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.
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Em defesa das suas pretensões, a Requerente, de conformidade com o seu articulado inicial, alega, em síntese, o seguinte:
1. Primeiramente entende que é admissível a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade de atos tributários por ser manifesta a verificação dos pressupostos exigidos pelo nº 1 do art.º 3º do RJAT.
2. Com efeito, os atos tributários em apreço (decisões dos pedidos de revisão oficiosa que recaíram sobre as autoliquidações de IRC dos exercícios de 2011 e 2012), suportam-se numa mesma base factual e de direito, porque ambos respeitam à dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta (“PEC”) à coleta de tributações autónomas, pelo que estão verificados os pressupostos da cumulação de pedidos estabelecidos no aludido artigo 3.º, n.º 1, do RJAT.
3. Entende também a Requerente que o Tribunal é competente em razão da matéria para conhecer do presente pedido de pronúncia arbitral, uma vez que, como tem entendido quase pacificamente quer a doutrina, quer a jurisprudência do STA, quer a jurisprudência do CAAD, “a competência do tribunal arbitral inclui também a apreciação de autoliquidações quando precedidas de pedido de revisão oficiosa”.
4. No âmbito do IRC coexistem várias matérias coletáveis e várias taxas. Estes vários regimes de determinação da matéria coletável e de taxas de imposto encontram-se definidos no Código do IRC nos Capítulos III e IV, respetivamente.
5. No entanto, e não obstante a diversidade de regimes de determinação da matéria coletável e de taxas de imposto aplicáveis, o legislador apenas definiu uma forma de liquidação do imposto, a constante do artigo 90.º do Código do IRC.
6. De facto, tal como inequivocamente resulta da regra do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, a liquidação do IRC deve ser efetuada pelo sujeito passivo nas declarações anuais de rendimentos, e, bem assim, nas declarações substitutivas destas, e tem por base a matéria coletável que delas conste, ou, na falta de declaração do sujeito passivo, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com base nas informações de que disponha.
7. Efetivamente, para além do artigo 90.º do Código do IRC, inexiste qualquer outro quadro normativo aplicável em sede deste imposto que preveja outra forma de liquidação para qualquer uma das matérias tributáveis e taxas previstas no âmbito do IRC.
8. Deve, pois, entender-se que a coleta do IRC, apurada na liquidação, é única e resulta da aplicação das várias taxas às várias matérias tributáveis identificadas no Código do IRC.
9. As tributações autónomas são liquidadas conjuntamente com o IRC, ainda que de forma separada face ao apuramento da matéria coletável diretamente resultante do lucro tributável apurado no quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22, o que decorre do facto de se tratar de tributação de despesas consubstanciadas num facto tributário de formação única.
10. Na verdade, o artigo 90.º do CIRC determina assim todas as formas de liquidação possíveis do IRC, seja por métodos diretos, seja por métodos indiretos, referentes ao quadro 07 ou a qualquer outro quadro da Declaração de Rendimentos Modelo 22, não se encontrando na legislação tributária outra disposição referente à forma de liquidação da tributação autónoma que não a constante da referida disposição.
11. Deste modo, não há dúvida de que, como propugnam unanimemente tanto os tribunais arbitrais como os tribunais judiciais, as tributações autónomas incluem-se na liquidação efetuada nos termos do artigo 90.º do CIRC.
12. As tributações autónomas surgem, como uma medida anti-abuso que visa desincentivar a adoção de certos comportamentos por parte dos contribuintes, os quais são considerados suscetíveis de afetarem o lucro tributável, nomeadamente através da dedução de determinadas despesas.
13. As tributações autónomas previstas no Código do IRC, foram introduzidas no ordenamento jurídico-fiscal português com o principal objetivo de onerar o contribuinte por determinadas despesas incorridas que presumivelmente não respeitam à atividade da empresa, e deverão ser entendidas como um verdadeiro desvirtuamento daquele princípio.
14. Portanto, as tributações autónomas, para além do objetivo de garantir um mínimo de coleta relativamente às sociedades que apresentem prejuízos visam também desincentivar a realização de determinado tipo de despesas que por natureza indiciam tratar-se de gastos supérfluos, e que como tal devem ser “penalizados”.
15. Todavia, sem prejuízo desta sua natureza “especial”, o certo é que a coleta de tributações autónomas é coleta de IRC, e a tributação autónoma integra o imposto principal em sentido lato, embora seja daquele distinta em sentido estrito, constituindo sempre, em qualquer caso, IRC.
16. Portanto, tratando-se verdadeiramente de imposto, à sua coleta devem ser permitidas deduções.
17. Na verdade, também a derrama estadual não constitui IRC em sentido estrito, tributando especialmente um determinado montante de rendimentos, e é pacífico que quanto à coleta da mesma é possível efetuar deduções.
18. Pelo que deverá igualmente ser pacífico que, ao montante de coleta de tributações autónomas, seja também possível efetuar deduções.
19. Além disso, tendo em consideração que a forma de liquidação do IRC é única, a coleta do imposto deve integrar todas as tributações previstas no Código do IRC.
20. E é ao valor assim apurado que devem ser efetuadas as deduções à coleta previstas no n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, designadamente a que compreende o valor dos pagamentos especiais por conta do exercício e de exercícios anteriores, em conformidade com a alínea c) daquela norma e, bem assim, nos termos do artigo 93.º do Código do IRC.
21. Com efeito, nos termos do artigo 93.º do Código do IRC, estabelece-se que a dedução do valor apurado em sede de pagamento especial por conta deve ser efetuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º (na qual se inclui o apuramento das tributações autónomas) do próprio período de tributação a que respeita ou, caso seja insuficiente, até ao sexto período de tributação seguinte. Só nestes termos a liquidação do imposto obedecerá ao disposto no artigo 90.º do Código do IRC.
22. Nesta senda, temos ao dispor diversa e vasta jurisprudência do CAAD, na qual se esclarece que, em face do preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º e no n.º 1 do artigo 93.º do CIRC, até à Lei n.º 7-A/2016, nada no teor literal do CIRC obsta à dedução das quantias dos PEC à totalidade coleta de IRC que foi determinada nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, inclusivamente a derivada de tributações autónomas, dentro do condicionalismo aí previsto.
23. Não pode, pois, colher o argumento de que a natureza anti-abuso das tributações autónomas justifica a não dedutibilidade à respetiva coleta – pelo simples, mas decisivo facto de que tal argumento não encontra suporte em qualquer norma do sistema jurídico-tributário português.
24. E, independentemente do entendimento que se tenha quanto à natureza das tributações autónomas em sede de IRC, não se duvida que a quantia arrecadada por via daquelas tributações autónomas o é a título de IRC.
25. O texto da lei em vigor à data dos factos em crise não permite concluir-se que estava vedada a dedução dos pagamentos especiais por conta à parte da coleta de IRC que resultava das tributações autónomas; aliás, essa solução ainda não é, de forma suficientemente clara, a que resulta do número 21 do artigo 88.º do CIRC.
26. Não havendo norma sobre liquidação das tributações autónomas separada, parece ter de aceitar-se que a coleta de IRC a engloba, incluindo-se no art.º 90º, n.º 1 do CIRC, sendo, portanto, dedutível o pagamento especial por conta referido na alínea c) do n.º 2.
27. O legislador, na verdade, no artigo 90.º, quanto à possibilidade das deduções lá prevista, continua a não distinguir, no que respeita às deduções possíveis à coleta de IRC, aquela que resultava das tributações autónomas da restante.
28. Perante todos os argumentos e jurisprudência, não restam dúvidas que as tributações autónomas integram o regime de IRC e que a respetiva liquidação é efetuada nos termos do artigo 90.º do CIRC, razão pela qual não pode deixar de ser dedutível à coleta das tributações autónomas o valor do pagamento especial por conta.
29. E estas teses são válidas independentemente da alegada natureza interpretativa do art.º 88º, nº 21 do CIRC, introduzido pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de março. Na verdade, este normativo padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da retroatividade fiscal e da proteção da confiança e da segurança jurídica.
30. Com efeito, não obstante o declarado caráter interpretativo da alteração dada ao artigo 88.º do CIRC, pelo artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, estamos, na verdade, perante uma norma inovadora e não interpretativa. Embora o legislador qualifique expressamente certa norma como interpretativa, pode aquela tratar-se de uma norma inovadora.
31. De facto, considerando-se aplicável ao caso sub judice o novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, a qual entrou em vigor em 31.03.2016, e ao qual foi atribuído pretenso carácter interpretativo pelo artigo 135.º da aludida lei, sempre se dirá que tal norma é inconstitucional por incorrer em manifesta violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, assim como do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, que decorre do artigo 2.º da CRP.
32. O momento relevante para a determinação do carácter retroativo da lei fiscal, à luz do preceituado no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, é o momento da verificação do facto tributário, pelo que, será de considerar retroativa a lei que atinja esse facto retrospetivamente em relação ao momento da sua entrada em vigor.
33. No caso vertente, pretende-se a dedução, em 2011 e 2012, do pagamento especial por conta à coleta de tributação autónoma nesses anos apurada, pelo que o facto tributário respeita aos anos de 2011 e 2012.
34. Deste modo, no presente caso sempre estaríamos perante factos tributários ocorridos anteriormente à entrada em vigor da lei nova, qual seja o artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, a qual entrou em vigor em 31.03.2016.
35. Por conseguinte, será o referido artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal plasmado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP.
36. Ademais, sempre será esta norma inconstitucional por violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP.
37. Com efeito, a proibição da retroatividade da lei fiscal constitui justamente uma especial consagração, em matéria fiscal, do princípio da confiança e da segurança jurídicas, visando garantir uma medida de certeza aos contribuintes no que respeita ao cumprimento das regras fiscais e quanto à possibilidade de planearem a gestão da sua atividade de um ponto de vista fiscal.
38. No caso vertente, encontram-se verificados os requisitos descortinados pela jurisprudência do Tribunal Constitucional para proteção das expectativas dos contribuintes, razão pela qual deve concluir-se pela inconstitucionalidade material do artigo 135.º da Lei n.º 7- A/2016, de 30 de março, na medida em que se entenda que deste resulta a exclusão da dedução do pagamento especial por conta à coleta de tributação autónoma dos anos de 2011 e 2012, por violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP.
39. No quadro constitucional atual são proibidas, em matéria fiscal, não só as falsas normas interpretativas (normas inovadoras), como também as verdadeiras normas interpretativas, quando retroativas.
40. Portanto, mesmo que se entenda que a redação do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016 configura uma verdadeira norma interpretativa, da qual resulta a exclusão da dedução do pagamento especial por conta à coleta de tributação autónoma dos anos de 2011 e 2012, sempre aquela incorria em violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP.
41. Em suma, perante a proibição constitucional de retroatividade das normas fiscais fica o legislador impossibilitado de proceder à interpretação autêntica daquelas normas, na medida em que tal tenha como consequência a tributação de factos que, à luz de uma das possíveis interpretações da lei interpretada, não fosse objeto de tributação, pelo que, se impõe a dedução do pagamento especial por conta à coleta de tributação autónoma apurada com referência aos exercícios de 2011 e 2012.
42. Complementarmente, peticiona a Requerente, além do reembolso das importâncias indevidamente pagas, o pagamento de juros indemnizatórios que, em seu entender, são devidos nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, porque houve erro imputável aos Serviços no pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pois, na situação objeto do presente pedido, limitou-se a atuar em conformidade com as indicações publicadas pela Autoridade Tributária”.
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Por seu turno a Autoridade Tributaria, notificada do pedido arbitral, veio, sumariamente, dizer o seguinte:
1. Em primeiro lugar a AT apresenta defesa por exceção invocando a incompetência material do Tribunal Arbitral decorrente da circunstância do pedido de pronúncia arbitral ter sido formulado na sequência de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.
2. A Portaria (n.º 112-A/2011, de 22 de Março) define, no seu artigo 2.º, alínea a), que a AT se encontra vinculada às pretensões arbitrais que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
3. Ora, o pedido de pronúncia arbitral sub judice dirige-se, ainda que de forma mediata, à declaração de ilegalidade de dois atos de autoliquidação de imposto, no caso IRC.
4. Acontece que a pretensão se mostra formulada sem que esses atos de autoliquidação tenham sido procedidos de impugnação administrativa “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que determina, inelutavelmente, que fique afastada a sua apreciação em sede arbitral.
5. A sindicância de atos de autoliquidação de imposto apenas é admitida em sede arbitral se, em momento prévio, os mesmos tiverem sido impugnados administrativamente, nos termos do artigo 131º do CPPT, o que nitidamente não aconteceu no presente caso.
6. Com efeito, o artigo 2.º, alínea a), da mencionada Portaria exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, «(…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», sem que aí seja mencionado o mecanismo de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT).
7. Ou seja, da redação conferida ao citado preceito legal, constata-se que o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação/autoliquidação, tenham sido precedidas da reclamação prevista no artigo 131.º do CPPT.
8. Deve pois entender-se que face aos citados princípios constitucionais e legais, a interpretação do disposto na Portaria n.º 112-A/2011 deve configurar-se literalmente, pois não é despiciendo que o legislador na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, ao ter completado a expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa» com a menção «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», tenha delimitado intencionalmente a vinculação da AT a tais situações, face às razões expostas.
9. Pelo que esta última parte do preceito não pode, sob pena de manifesta ilegalidade/inconstitucionalidade, ser afastada, interpretando-se a norma como se a referência específica a um concreto procedimento administrativo não existisse, fazendo o intérprete tábua rasa da distinção provida pelo legislador.
10. Assim, conclui-se que o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, nos termos do artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a) ambos da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
11. Em segundo lugar, a Requerida defende-se também por impugnação, nos seguintes termos:
12. A integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes.
13. Não há uma liquidação única de IRC, mas, antes dois apuramentos, isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efetuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respetivas matérias coletáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.
14. Assim, o montante apurado nos termos do alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efetuadas à parte do coleta do IRC com a qual exista uma correspondência direta, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime- regra do imposto.
15. Ora, é de salientar que a coerência e adequação do entendimento da AT alicerça-se na própria natureza dos pagamentos por conta do imposto devido a final, os quais, de acordo com a definição do art.º33.º da LGT são «as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efetuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário», constituindo uma «(…) forma de aproximação do momento da cobrança ao do da perceção do rendimento de modo a colmatar as situações em que essa aproximação não pode efetivar-se através das retenções na fonte.».
16. Portanto, em boa lógica, só faz sentido concluir que a respetiva base de cálculo corresponda ao montante da coleta do IRC resultante da matéria coletável que se identifica com o lucro/rendimento do exercício do sujeito passivo.
17. Na verdade, na matéria coletável que serve de base de cálculo às tributações autónomas não estão incluídos rendimentos de fonte externa suscetíveis de sujeição a dupla tributação em IRC e, por conseguinte, nada justificaria que o crédito de imposto fosse exercido sobre o montante resultante daquelas tributações.
18. Os pagamentos especiais por conta são entendidos como pagamentos de IRC entregue ao Estado, adiantadamente, por conta do imposto devido a final, tendo o respetivo cálculo por base o volume de negócios do sujeito passivo relativo ao anterior ano de tributação (nº 2 do art.º 106º, do CIRC), apesar de o PEC se distinguir, em matéria de regras de cálculo, dos pagamentos por conta – pois estes têm como base de cálculo o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, relativo ao período de tributação imediatamente anterior (n.º 5 do art.º 105.º CIRC) –, ambos os regimes têm em comum a natureza de pagamento adiantado do IRC.
19. E, na verdade, em certas circunstâncias até se autoexcluem, porquanto, ao montante resultante do cálculo do PEC, são deduzidos os pagamentos por conta efetuados no período de tributação anterior.
20. Em suma, a interpretação do n.º 2 do art.º 90.º em coerência com a natureza e conteúdo das deduções previstas nas suas alíneas, entre as quais figura o PEC, deve ser feita à luz dos objetivos gerais do IRC que se reconduzem, na sua essência, à tributação do rendimento das pessoas coletivas, determinado em conformidade com as regras do capítulo III do respetivo Código, pelo que não pode procedera pretensão da Requerente de pretender os deduzir à coleta de IRC respeitante a tributações autónomas nos anos de 2011 e 2012.
21. Finalmente, entende a Requerida que não foram violados princípios constitucionais da não retroatividade e da proteção da confiança e segurança jurídica nas leis fiscais.
22. Sempre se terá que chamar à colação, dissipando-se definitivamente a questão controvertida, o teor do artigo 133.º, o qual aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, com os efeitos previstos no artigo 135.º, ambos constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2016, publicado a 30.03.2016, com entrada em vigor no dia seguinte, nos quais se preconiza, com carácter interpretativo, que «A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.»
23. Tal norma veio clarificar, positivando, o entendimento e prática perfilhados pacificamente pela doutrina e pelos contribuintes em geral, os quais nunca foram postos em causa pela AT, pelo que qualquer interpretação dissonante será materialmente inconstitucional.
24. Qualquer interpretação que não aplique a norma constante da Lei Orçamento de Estado para 2016, vertida no artigo 133.º, o qual aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, com os efeitos previstos no artigo 135.º, ambos constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2016, publicado a 30.03.2016, e que, por conseguinte permita a dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efetuado em sede de IRC (PEC),
25. Será materialmente inconstitucional, por (a) violação do princípio da legalidade, ínsito no art.º 103.º n.º 2 da CRP, por (b) violação do princípio da separação dos poderes, plasmado no art.º 2 da CRP, por (c) violação do princípio da proteção da confiança previsto no art.º 2.º da CRP, e por violação do princípio da igualdade, na sua formulação positiva da capacidade contributiva, decorrente do art.º 13.º, n.º2 e do 103.º, n.º2 ambos da CRP.
26. Finalmente, entende a AT que a pretensão da Requerente que envolve o alegado direito a juros indemnizatórios não pode proceder.
27. Ao contrário do que diz a Requerente, aquela não atuou seguindo as orientações genéricas da AT que, aliás, em lado nenhum indica quais são essas indicações, quem e quando foram emitidas, pois o apuramento do imposto foi efetuado única e exclusivamente pela Requerente e sem seguir qualquer orientação genérica da AT, muito menos publicadas.
28. Por outro lado, “… mesmo que fosse configurável a procedência do pedido quanto ao pagamento de juros – o que não é, já que improcedendo o pedido principal, terá forçosamente que improceder o pedido de juros - na situação em apreço nos autos, o seu cômputo teria como termo inicial a data em que ocorreu a da decisão que indeferiu o pedido de revisão oficiosa e, nunca, qualquer outro momento”.
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i O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
ii As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
iii O processo não enferma de nulidades.
iv Não há, portanto, qualquer obstáculo à apreciação da causa.
v Deve o tribunal analisar prioritariamente a questão da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
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II - Matéria de facto
A - Factos provados
a) A Requerente é a sociedade dominante do grupo de sociedades abrangido pelo Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, e que é composto, para além de si própria, pelas sociedades:
• B..., SA;
• C..., Lda;
• D..., SA;
• E..., SA;
• F..., SA;
• G..., SA;
• H..., SA. e
• I..., Lda.
b) Em 30.05.2012, a Requerente apresentou, relativamente ao IRC do exercício de 2011 do grupo empresarial acima identificado, a competente declaração de rendimentos modelo 22 (doc. 1);
c) A Requerente procedeu ao pagamento do imposto autoliquidado (doc. 2);
d) Em 09.04.2014, a Requerente procedeu à substituição da declaração modelo 22 inicialmente apresentada relativamente ao exercício de 2011 (doc. 3);
e) A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em 2014/04/16 as correspondentes demonstrações de liquidação de IRC, com o n.º 2014..., de liquidação de juros, com os n.ºs ... e 2014..., e de acerto de contas, com o n.º 2014 ... (doc. 4);
f) Na sequência da notificação da demonstração da liquidação de imposto, de juros e de acerto de contas, foi apurado um montante de € 806,44 a pagar, o qual foi pago pela Requerente (doc. 5);
g) Na declaração de rendimentos aqui em causa a Requerente não apurou qualquer matéria coletável ou de coleta (linhas 311 e 351 do Quadro 09 dos doc. 1 e n. 3);
h) Na demonstração de liquidação emitida pelos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira não foi apurado qualquer valor de coleta (doc. 4);
i) A Requerente fez constar o valor de € 35.885,46 relativo a derrama estadual e o valor de € 48.712,38 referente a tributações autónomas na Declaração Mod.22- Quadro 10, linha 365 (doc. 4);
j) A Requerente, indicou na declaração de substituição Mod. 22 do exercício de 2011 como valor a deduzir à coleta o montante do pagamento especial relativo ao exercício de 2011 no montante de € 59.842,00 - linha 356 Quadro 10 (docs. 3 e 1);
k) A Requerente efetuou dois pagamentos especial por conta, com referência ao mesmo exercício de 2011, um em 30/03/2011 e outro em 4/11/2011, com o valor total de € 59.842,00 (doc. 6);
l) Os pagamentos especiais por conta efetuados por referência ao exercício de 2010, (respetivamente em 25/03/2010 e 27/10/201) ascenderam a € 65.694,20 (doc. 7);
m) Em 30.05.2013, a Requerente apresentou a declaração de rendimentos modelo 22 de 2012 (doc. 8), tendo procedido ao pagamento do imposto autoliquidado no montante de 95 019,64€ (doc. 9);
n) Na declaração de rendimentos aqui em causa, a Requerente não apurou qualquer matéria coletável ou de coleta (campos 311 e 351 do quadro 09 - doc. 7);
o) Não obstante, fez constar da Declaração Mod. 22 - Quadro 10 - linhas 373 e 365, respetivamente, o valor de € 64.864,82 relativo a derrama estadual e o valor de € 47.228,16 referente a tributações autónomas (doc. 7);
p) Por referência ao exercício de 2012, a Requerente realizou dois pagamentos especiais por conta, no valor de total de € 47.401,70 (doc. 10);
q) Em 16.03.2016 a Requerente apresentou pedidos de revisão oficiosa das autoliquidações de IRC de 2011 e 2012 (doc. 11);
r) Em 07.09.2018 foi a Requerente notificada das decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa, com os nºs ...2016... (2011) e ...2016... (2012) - (doc. 13).
s) Em 6/12/2018 a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral.
B - Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para considerar na decisão sobre o pedido arbitral.
C - Motivação e fundamentação quanto à matéria de facto
A factualidade provada teve por base a análise crítica do processo administrativo e dos demais documentos juntos aos autos, cujas autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes, bem como as posições consensuais destas.
III - Da exceção dilatória de incompetência do tribunal
A Autoridade Tributária e Aduaneira, na Resposta, suscitou a questão da incompetência do Tribunal Arbitral porque “O pedido de pronúncia arbitral sub judice vem formulado na sequência de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) relativos aos anos de 2011 e 2012, formulado, em 16.03.2016, ou seja, em circunstâncias de tempo em que se mostrava já decorrido, há muito, o prazo de reclamação graciosa a que alude o artigo 131º do CPPT).
Ora, atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, verifica-se a exceção de incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido supra, circunstância que impõe se determine a absolvição da Entidade Demandada da Instância [cf. artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT].”
A Requerente respondeu a esta matéria em articulado autónomo em que expressa, em suma, o entendimento de que o pedido de revisão oficiosa deve ser considerado equivalente a uma reclamação graciosa, tendo em conta que este meio dá à Autoridade Tributária a oportunidade de apreciar a legalidade da liquidação de pela via administrativa antes de a questão ser sindicada em sede judicial ou arbitral, o que, ao fim e ao cabo, é o mesmo que a lei pretende quando fala em reclamação graciosa.
Esta é uma matéria que já muito tratada em sede arbitral, pelo que acompanhamos, de perto, com a devida vénia, o recente Acórdão nº 445/2018-T, de 25 de fevereiro de 2019, que a analisa com grande profundidade.
“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT).
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
(…)
Na alínea a) do artigo 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (artigo 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efetuada.
No caso em apreço, é pedida a declaração anulação de uma liquidação subsequente a autoliquidação, na sequência do indeferimento de um pedido de revisão de ato tributário efetuado após o decurso do prazo de dois anos previstos no artigo 132.º do CPPT (o que também sucede neste caso).
Na verdade, neste artigo 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes atos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de atos tributários» e «os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação».
No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau, que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.
A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efetuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes atos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objeto imediato do processo impugnatório é, em regra, o ato de segundo grau que aprecia a legalidade do ato de liquidação, ato aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do ato de liquidação.
A referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos atos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de atos de segundo grau.
Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.
Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efetuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa.
A referência expressa aos artigos 131.º a 133.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos dos tipos aí referidos.
Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».
Quanto à correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adotem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.
(…) A letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer….
A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.
É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de atos dos tipos referidos nos artigos 131-º a 133.-º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de atos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o ato, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.
Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de atos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os atos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos atos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.
Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º», regime este que é aplicável aos atos de retenção na fonte por remissão do n.º 6 do artigo 132.º do CPPT. Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o ato de autoliquidação ou retenção na fonte e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.
Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação ou retenção na fonte é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adotadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º e 3 e 6 do artigo 132.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa.
Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de atos de autoliquidação, pois estes foram expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT. E aos atos de autoliquidação, praticados pelo sujeito passivo, são equiparáveis, por mera interpretação declarativa, os de retenção na fonte que são praticados pelo substituto tributário, que é considerado sujeito passivo (artigo 18.º, n.º 3, da LGT).
Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de atos de autoliquidação e retenção na fonte e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do ato tributário em vez da reclamação graciosa.
Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência aos artigos 131.º a 133.º do CPPT, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de atos dos tipos referidos, acabaram por incluir referência aos artigos 131.º a 133.º que não esgotam as possibilidades de apreciação administrativa desses atos.
(…)
Para além disso, assegurando a revisão do ato tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de atos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.
Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do ato tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adoção da interpretação que consagre a solução mais acertada.
É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjetivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de retenção na fonte que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.
Esta interpretação não é incompatível com a Constituição.
Na verdade, a Constituição não impõe que a interpretação dos diplomas normativos tenha de cingir-se ao teor literal e, no caso em apreço, como se explicou, devidamente interpretadas as normas do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conclui-se que a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange os casos em que atos de autoliquidação foram precedidos de pedidos de revisão oficiosa. Por isso, a interpretação que se fez não aumentou a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação ao que está regulamentado, antes definiu exatamente os seus termos, que resultam do diploma regulamentar.
(…)”.
Nesta conformidade improcede a exceção de incompetência suscitada pelo facto de não ser apresentada reclamação graciosa dos atos de autoliquidação de IRC com referência aos exercícios de 2011 e 2012 que são objeto deste pedido de pronúncia arbitral, quando em seu lugar, foi apresentado pedido de revisão oficiosa.
IV - Matéria de Direito
O pedido de pronúncia arbitral tem como objeto a possibilidade legal de deduzir o montante dos pagamentos especiais por conta (PEC) ao valor da coleta das tributações autónomas apurado na autoliquidação do IRC de um determinado exercício.
Ou seja, “é dedutível à coleta de tributações autónomas de IRC o valor de IRC adiantado a título de pagamento especial por conta”?
A jurisprudência firmada tem sido pacífica no sentido de que são dedutíveis à coleta das tributações autónomas os valores relativos a benefícios fiscais, como é o caso do SIFIDE ou do CFEI, atenta a respetiva a sua natureza jurídica resultante do estabelecido art.º 2º do EBF, já que se trata de «medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem». No que se refere aos PEC, o sentido das decisões arbitrais começou por ser o mesmo, mas, desde há um tempo a esta parte, a orientação jurisprudencial aponta para o facto de não existir ilegalidade na autoliquidação na qual não se pôde deduzir à coleta da tributação autónoma o valor dos PEC suportados no mesmo exercício” (Proc.º 34/2016-T CAAD).
O signatário já tomou posição sobre a matéria nos processos 670/2015-T, 750/2015-T e 779/2015-T, acompanhando a tese que defende que os PEC não são dedutíveis ao valor da coleta das tributações autónomas apuradas num determinado exercício. Mais recentemente, em sede de tribunal arbitral singular, reiterou o seu entendimento sobre esta matéria no Proc.º 34/2016-T, de 26 de setembro. Pesaram decisivamente para a convicção pessoal os argumentos mais recentes expendidos nos Acórdãos nº 113/2015-T, 535/2015-T e 673/2015-T.
As decisões mais recentes do CAAD continuam a defender maioritariamente a mesma visão da lei e, salvo melhor opinião, nem a decisão do Tribunal Constitucional constante do Acórdão nº 267/2017, de 31/05, proferida no Proc.º 466/16, a vem modificar.
O que está em causa nos presentes autos é a dedução dos PEC dos exercícios de 2011 e 2012 às coletas de tributação autónomas apuradas nos mesmo exercícios.
E como não há razões, em seu entender, relacionadas com novas posições jurídicas sobre o assunto, para alterar aquela convicção, permitimo-nos seguir as teses que foram explicitadas no Acórdão nº 34/2016-T:
“ … Na verdade, tanto a AT como a Impugnante entendem que, no sentido, aliás, da jurisprudência arbitral citada, a liquidação de IRC resultante do artigo 90º inclui inequivocamente as tributações autónomas, desde logo porque se assim não fosse “não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei»”. Todavia, apesar de se ter passado a admitir que a tributação autónoma é IRC, a AT vem defendendo que ainda que se inclua no âmbito do artigo 90º a sua liquidação, deve-se considerar que tal liquidação corresponde a dois cálculos, sendo um deles o que decorre da aplicação da taxa normal de IRC ao rendimento gerado ao longo do exercício, e que apenas à parte da coleta de IRC relativa a este cálculo é dedutível o pagamento especial por conta.
Por seu turno, contrariamente, a impugnante defende que, ainda que existam dois cálculos de IRC, as duas coletas resultantes convergem para um só montante de coleta de IRC, e que não se encontra na lei qualquer impedimento de dedução do pagamento especial por conta a esse montante apurado.
Porém, salvo o devido respeito, não será este o argumento decisivo, só por si, para encontrar a solução para esta questão já que, a contrario, também não nos deparamos com nenhuma disposição legal que preveja expressamente a dedução.
A resposta deve ser procurada, pois, na pertinente análise à ratio legis de cada uma destas figuras jurídicas, a da tributação autónoma e a do pagamento especial por conta, matéria que a jurisprudência do CAAD tem tratado em termos teóricos bastante desenvolvidamente (…).
A tributação autónoma não incide sobre o rendimento do sujeito passivo, mas antes sobre determinadas despesas avulsas, que constituem factos tributários autónomos sujeitos a taxas diversas conforme a respetiva natureza (Ac. do STA nº 830/01, de 21/03/2012), que o legislador entendeu fazê-lo de forma também autónoma, sendo a coleta da tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso passível de tributação (Ac. do TC 310/12, de 20/6). As tributações autónomas são, portanto, medidas anti-abuso e desincentivadoras de evasão fiscal.
O PEC, por sua vez, é uma entrega antecipada por conta do imposto relativo à atividade normal do sujeito passivo, calculado com base no volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, e os pagamentos efetuam-se durante o período de constituição do facto tributário.
Também esta forma de pagamento do IRC tem a ver com a fraude e a evasão fiscal, isto é, aqui o relevante será a eventual diminuição do volume de negócios ou do lucro, garantindo ao Estado uma espécie de coleta mínima.
“Na linha deste raciocínio entende-se ainda que, quer o pagamento especial por conta, quer as tributações autónomas, prossigam o mesmo objetivo de evasão fiscal, eles visam prevenir dois comportamentos distintos dos contribuintes: pelo primeiro previne-se a não declaração de rendimentos continuados que se presume que existam, pois só assim se percebe a continuidade da atividade; já as segundas, encontram justificação como medidas dissuasoras e compensatórias da transferência de rendimentos da esfera pessoal ou da consideração de despesas sem causa empresarial. E assim se entende que se defenda que, coexistindo ambos os comportamentos, tenham que coexistir também as duas figuras de combate à evasão: uma empresa que não declara rendimentos suporta pagamento especial por conta; uma empresa que sobrecarrega as despesas por forma a minimizar IRS (ou a diminuir/aumentar o seu lucro/prejuízo fiscal) suporta tributação autónoma; uma empresa que pratica ambos os comportamentos, suporta pagamento especial por conta e tributação autónoma.
Portanto, as tributações autónomas visam “… impedir que através da relevação significativa de encargos como os previstos no artigo 88.º, se não introduzam entorses afetadoras do sistema e a expetativa sobre o que deverá ser a receita “normal” do imposto. No caso, como é igualmente consabido, do que se trata é de desincentivar a realização/relevação dessas despesas, desde logo porque, pela sua natureza e fins, elas podem ser mais facilmente objeto de desvio para consumos que, na essência, são privados ou correspondem a encargos que não deixam de ter, também como finalidade específica e última, o evitamento do imposto. Estas são realidades que, tal como já se deixou anteriormente assinalado, apresentam alguma medida de censurabilidade já que, não violando diretamente a lei, geram desequilíbrios sensíveis e importantes sobre a ideia geral de justiça, sobre o dever fundamental de contribuir na proporção dos seus haveres, da igualdade, do sacrifício, da proporcionalidade da medida do imposto em face das manifestações possíveis de riqueza, da tributação do rendimento real e da justiça.
Funcionando de um modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC – que tributa os rendimentos – as tributações autónomas, reafirma-se, tributam certas despesas ou encargos específicos – e constituem uma realidade instrumental, acessória desse imposto, na justa medida em que é em função dele que foram instituídas e são, por isso, passíveis de lhes ser reconhecida uma instrumentalidade ou acessoriedade de fins, radicada na salvaguarda dos fins do próprio imposto onde se manifestam.
“Tem-se assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito, mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos “outros impostos” de que nos dá conta a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC (redação em vigor em 2013).
Revelações dessa ligação de funcionalidade, e no quadro da intenção do legislador no seu todo, sobressaem, por exemplo da disciplina do artigo 12º do CIRC a propósito das entidades sujeitas ao regime da transparência fiscal, ao não as tributar em IRC, “salvo quanto às tributações autónomas”, relação essa que igualmente se manifesta face ao nº 14 do artigo 88º do CIRC, no sentido em que as taxas de tributação autónoma têm em consideração o facto do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.
Analisada ainda sob outro prisma, haverá que considerar as tributações autónomas no contexto de normas anti-abuso específicas e a sua similitude com o regime previsto sob o nº 1 do artigo 65º do CIRC, (“não são dedutíveis para efeitos do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizada e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”.
Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ela mesma, através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício, constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador (Ac. 535/2015-T).
No referido o acórdão que subscrevemos, citou-se a fundamentação para a opção, invocando as teses do Acórdão 113/2015-T do CAAD, sobre a natureza jurídica das figuras em questão, isto é, “(…) o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 83º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes. Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.
Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83º, nº 2 do CIRC se insere, pois, o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.”
Portanto, estando em causa a dúvida sobre a dedutibilidade ou não do PEC na coleta das tributações autónomas apuradas de forma diversa e separada da coleta normal do exercício, na redação do art.º 90º do CIRC, entendemos que o assunto terá ficado mais clarificado com a publicação da Lei do orçamento para 2016.
“O novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, sintoniza-se com este entendimento arbitral, pois vem estabelecer expressamente que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efetuadas quaisquer deduções».
Por outro lado, o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, ao atribuir natureza «interpretativa» àquele novo n.º 21.º do artigo 88.º, conjugado com o artigo 13.º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa), tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza».
A Requerente, todavia, nas suas alegações destaca o facto de que a nova lei só tem aplicação para o futuro dado que o seu caráter é inovador. Não sendo assim entendido estar-se-á perante a aplicação retroativa da lei em matéria tributária, o que está constitucionalmente vedado.
Pensamos que não é a melhor leitura dos referidos preceitos legais. Acompanhamos sobre esta matéria o que vem escrito na decisão que estamos seguindo: BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas: “… poderemos, consequentemente, dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. … Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora”.
“Em face desta posição, cuja fundamentação é ponderável, à face da legislação vigente em 2012 e 2013 [neste caso, 2011 e 2012], pode aceitar-se a atribuição de natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução nele prevista de inviabilidade de dedução do pagamento especial por conta ao montante global das tributações autónomas passa o teste enunciado por este Autor: – a solução que resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC era controvertida, como evidencia aquela decisão arbitral e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia; – o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando há razões para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário otimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar”.
Para além disso, não se vê que o regime que resulta do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC encerre qualquer contradição, ao contrário do que defende a Requerente: segundo esta nova regra, as normas do CIRC relativas à forma de liquidação de tributações autónomas devem ser interpretadas como aí se prevê e relativamente a essa parte da liquidação de IRC não são efetuadas deduções.
No entanto, no específico caso dos pagamentos especiais por conta, não pode concluir-se que não se esteja perante uma lei verdadeiramente interpretativa, pois não havia uma jurisprudência consolidada no sentido da sua dedutibilidade à coleta resultante das tributações autónomas e, pelo contrário, a solução perfilhada no n.º 21 do artigo 88.º, já anteriormente podia ser adotada pelos tribunais, como aconteceu em diversos processos que correram termos no CAAD. Assim, não pode concluir-se que a interpretação autêntica que se faz naquele artigo 88.º, n.º 21, por força do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, seja violadora do princípio constitucional da segurança jurídica, no concerne à parte daquela norma que se reporta à indedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à coleta das tributações autónomas (Ac. 673/2015-T)”.
E, salvo melhor opinião, não é o Acórdão nº 267/2017, de 31 de maio, que vem modificar este entendimento.
Na verdade, como muito bem salienta o Acórdão nº 455/2018-T, de 25 de fevereiro de 2019,
“Não se desconhece que o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017, declarou «inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma do artigo 88.º, n.º 21, 2.ª parte, do Código do IRC - número esse aditado pelo artigo 133.º da citada Lei - segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de pagamento especial por conta nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016».
Mas, esse acórdão do Tribunal Constitucional, quanto à interpretação da lei ordinária, parte de uma errada interpretação da jurisprudência arbitral, pois considerou que «inexistem razões para duvidar do acerto da caracterização como inovadora da solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração feita pelo artigo 133.º da LOE 2016», invocando as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 769/2014-T, 163/2014-T, 219/2015-T e 370/2015-T, quando nenhuma destas decisões se pronuncia sobre a questão de os pagamentos especiais por conta serem dedutíveis à coleta de IRC proveniente de tributações autónomas.
Na verdade, os processos n.ºs 769/2014-T e 219/2015-T reportam-se à dedução de benefícios fiscais à coleta de IRC derivada de tributações autónomas, questão que é substancialmente diferente da que se coloca em relação aos pagamentos especiais por conta, por os benefícios fiscais implicarem uma preferência legislativa pela prossecução dos objetivos extrafiscais que os justificam, que se sobrepõem aos restantes objetivos da tributação.
O processo n.º 163/2014-T tratou a questão da dedutibilidade das quantias respeitantes às tributações autónomas como encargos para efeitos de determinação do lucro tributável e decidiu no sentido negativo.
O único processo dos referidos em que se colocou a questão da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à coleta de IRC derivada de tributações autónomas, foi o processo n.º 370/2015-T, mas o Tribunal Arbitral não tomou conhecimento dessa questão por a considerar prejudicada.
Pelo contrário, em 31-05-2017, quando o Tribunal Constitucional proferiu o acórdão n.º 267/2017, havia já jurisprudência arbitral no sentido de os pagamentos especiais por conta não serem dedutíveis à coleta de IRC gerada pelas tributações autónomas, designadamente o acórdão de 30-12-2015, proferido no processo n.º 113/2015-T, e já depois da entrada em vigor a Lei n.º 7-A/2016, os seguintes acórdãos, além de outros: de 28-04-2016, proferido no processo n.º 673/2015-T; de 04-05-2016, proferido no processo n.º 781/2015-T; de 13-05-2016, proferido no processo n.º 784/2015-T; de 14-06-2016, proferido no processo n.º 736/2015-T; de 14-06-2016, proferido no processo n.º 745/2015-T; de 11-07-2016, proferido no processo n.º 670/2015-T (com um voto de vencido); de 15-07-2016, proferido no processo n.º 749/2015-T; de 28-08-2016, proferido no processo n.º 722/2015-T; de 25-08.-2016, proferido no processo n.º 746/2015-T; de 07-09-2016, proferido no processo n.º 639/2015-T; de 07-10-2016, proferido no processo n.º 727/2015-T.
De qualquer forma, pelo que se referiu, a interpretação que veio a ser explicitada neste n.º 21 do artigo 88.º do CIRC era já, quanto aos pagamentos especiais por conta (e diferentemente do que sucedia com os benefícios fiscais), a que deveria ser adotada anteriormente.
Por isso, independentemente da inconstitucionalidade ou não da interpretação autêntica efetuada pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2015, de 30 de Março, e redação que deu ao artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na parte em que se reporta aos pagamentos especiais por conta, a pretensão da Requerente de que os pagamentos especiais por conta sejam deduzidos à coleta de tributações autónomas não pode proceder.”
Portanto, a interpretação mais consentânea com a lei, porque a declaração de inconstitucionalidade declarada no Acórdão nº 267/2017 não é aplicável ao caso em apreço, é a de que à coleta derivada de tributações autónomas apurada em sede de IRC, num determinado exercício, não é dedutível o pagamento especial por conta que tenha sido efetuado relativamente a esse mesmo exercício, porque essa dedução contraria a disposição do art.º 88º do CIRC.
Na verdade, já antes da alteração do art.º 88ºdo CIRC os pagamentos especiais por conta não podiam ser deduzidos à coleta de tributações autónomas conforme o entendimento maioritário da jurisprudência do CAAD, pelo que improcede o pedido arbitral.
Nesta sequência, fica prejudicada a análise de outras questões jurídicas suscitadas, como sejam a violação de outros princípios constitucionais, tanto suscitadas pela Requerente como pela AT.
A Requerente, adicionalmente, pede o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
Para ser viável proferir decisão favorável quanto ao reembolso de quantia paga na sequência de autoliquidação, seria necessário que, além do pagamento indevido de imposto, o pedido arbitral principal merecesse acolhimento, o que aqui não acontece, pelo que não será possível decretar esse reembolso.
Consequentemente, improcede, o pagamento de juros indemnizatórios (artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 43.º, n.º 1, da LGT).
V - Decisão
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedentes as exceções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
b) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação das autoliquidações e das decisões dos pedidos de revisão oficiosa, bem como os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios, e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos estes pedidos.
VI - Valor do processo e custas
1. De harmonia com o disposto no art.º 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 58 388,42.
2. Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do R.J.A.T., fixa-se o montante das custas em € 2 142,00 (dois mil duzentos e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 2019/07/30
O Árbitro
José Ramos Alexandre