DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros José Poças Falcão (presidente), Sofia Cardoso e Nuno Cunha Rodrigues (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente tribunal arbitral, acordam no seguinte:
I - RELATÓRIO
A... LDA, com sede na Av. ..., n.º..., ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., veio formular pedido de pronúncia arbitral tendo por objeto a apreciação da ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2013..., e correspondentes juros compensatórios, mantido na sequência de despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2015..., proferido pela Subdiretora-geral (por subdelegação), em 11 de Abril de 2018, e notificado em 16 de Abril de 2018.
A fundamentar o seu pedido alegou a Requerente, no essencial e em síntese e sem prejuízo de melhor explanação em sede de síntese da posição das partes:
a) A Requerente foi notificada, em 20 de Dezembro de 2013, da liquidação de IRC n.º 2013 ... ora impugnada, a qual teve origem em Acão de Inspeção Tributária, relativa ao exercício de 2011, de que a Requerente foi alvo, resultando da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2013 ... imposto a pagar no valor global de € 720.866,70, incluindo juros compensatórios (cfr. cópia da respetiva Demonstração de Acerto de Contas, que ora se junta como Documento 2 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais);
b) O acréscimo à matéria coletável da Requerente, no exercício de 2011 apurado pela AT, no montante de € 2.524.500,00, decorre de um ajustamento em sede de preços de transferência (cf. cópia do corpo do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (Documento 3, com a petição).
c) E resulta da análise por parte da Autoridade Tributária à operação de alienação, em 31 de Janeiro de 2011, da totalidade da participação social que a Requerente detinha na sociedade B... S.A. (51% do capital), a favor da sociedade C... S.A.
d) Designadamente a alegada existência de relações especiais entre a Requerente e a sociedade C... S.A., nos termos do art.º 63.º do Código do IRC, o que levou a Autoridade Tributária a analisar se o valor adotado na referida operação respeitava o princípio da plena concorrência, concluindo pela negativa.
e) Alegou nessa sede a AT que a Requerente“não justificou nem demonstrou a aderência ao Princípio de Plena Concorrência das condições estabelecidas na venda das participações (…) [a]o mesmo tempo, considerando as elevadas quantias investidas no desenvolvimento dos parques fotovoltaicos, assim como as expectativas de receitas futuras subjacentes (…) é de concluir que a venda das participações pelo valor nominal não reflete o valor das sociedades transacionadas pelo que não corresponde ao preço que seria praticado entre entidades independentes” (cf. páginas 49 e 50 do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária).
f) Concluiu a Autoridade Tributária que “resulta dos cálculos apresentados e nos termos do nº8 do artigo 63º do CIRC e nº2 do artigo 3º da Portaria 1446-C/2011, de 21.12, que é devida uma correção positiva ao lucro tributável de 2011 do s.p. A..., Lda no valor de € 2.524.500,00” (cf. página 62 do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária).
g) De forma a determinar qual seria, alegadamente, o valor de alienação da participação em respeito pelo princípio da plena concorrência, a Autoridade Tributária adotou o Método do Preço Comparável de Mercado (“MPCM”), adotando as seguintes “comparáveis”:
i. Alienação, em 5 de Abril de 2010, por parte da D... SGPS, a favor da sociedade E..., SGPS, S.A., de 14,5% da participação social que detinha na B... S.A., correspondente a 1.450 ações, pelo preço de € 535.000,00;
ii. Alienação, em 5 de Abril de 2010, por parte da F... SGPS, a favor da sociedade E..., SGPS, S.A., de 14,5% da participação social que detinha na B... S.A., correspondente a 1.450 ações, pelo preço de € 535.000,00 e
iii. Alienação, em 5 de Abril de 2010, por parte de G..., a favor da sociedade E..., SGPS, S.A., de 1% da participação social que detinha na B... S.A., correspondente a 100 ações, pelo preço de € 70.000,00.
h) Concretamente, concluiu a Autoridade Tributária no ponto III.1.11. do Projeto de Relatório:
i) Exercendo o direito de audição, alegou a Requerente que (i) as correções que resultavam do Projeto de Relatório não têm qualquer justificação económica e financeira, constituindo antes uma clara violação das disposições legais que impõem que sejam contratados, aceites e praticados valores de mercado e (ii) as operações consideradas no Projeto de Relatório no âmbito de aplicação do MPCM não são comparáveis
j) Concluiu a Requerente que deveria o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária ter sido alterado, concluindo-se pela inexistência de qualquer correção à matéria coletável da Requerente, no exercício de 2011.
Constituição do Tribunal e tramitação subsequente do processo
Cumpridos os necessários trâmites regulamentares, ficou este Tribunal Arbitral constituído em 25 de setembro de 2018 sendo a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo (PA).
A AT apresentou resposta (cfr. infra, em “Posição da AT”) e juntou cópia do PA em 27-11-2018.
Por despacho de 5-2-2019, foi admitida a produção de prova testemunhal e designada data para a reunião do Tribunal com as partes seguida da realização da inquirição das testemunhas indicadas pelas partes em audiência.
Em 13-3-2019 realizou-se a citada reunião com as partes, após o que se procedeu à inquirição da testemunha, H..., indicada pela Requerente, tendo, a requerimento da AT, sido decidido, com a concordância da parte contrária, aproveitar para este processo o depoimento da testemunha indicada pela AT, I..., prestado no processo nº 336/2018-T.
Neste ato foram ambas as partes notificadas para, em prazo sucessivo, apresentarem alegações finais escritas, tendo ainda sido decidido que a Requerente, no respetivo prazo para as alegações, se pronunciaria sobre a matéria da exceção suscitada pela AT na Resposta.
Com os fundamentos que constam da respetiva ata, foi ainda determinada a prorrogação do prazo previsto no artigo 21º, 1, do RJAT, no uso da faculdade prevista no nº 2, da citada norma, prorrogação que, por despacho de 23-5-2019, foi renovada.
Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira
Notificada para o efeito, veio a AT, em 26-10-2018, requerer a prorrogação do prazo para apresentação de Resposta e junção de cópia do processo administrativo.
Por despacho de 6-11-2018 e após audição da parte contrária, foi deferido o requerimento da AT e, em consequência, concedida a prorrogação por mais 20 dias, do prazo para apresentação da resposta, com início em 7-11-2018.
A AT apresentou a sua resposta em 27-11-2018, defendendo-se por exceção e impugnação.
Defende aí a AT, em síntese e no essencial, a posição já assumida anteriormente, na fase administrativa do procedimento e que deu origem ou fundamento à liquidação adicional objeto dos autos.
Exceção: intempestividade/caducidade do direito de ação do pedido de pronúncia arbitral
Na sua resposta a AT vem ainda invocar ex novo a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, por caducidade do direito de ação, fundada em que a Requerente, atacando apenas a liquidação adicional que lhe foi notificada em 20-12-2013, apresenta o pedido de pronúncia arbitral no CAAD em 13-7-2018, ou seja, para além do prazo de 90 dias a que alude o artigo 10º, do RJAT.
Defesa da AT por impugnação
Começa a AT por apresentar os seguintes mapa/sínteses dos acontecimentos relevantes para o objeto do processo e quadro de participações sociais para concluir, no essencial, pela forma que o fez na fase administrativa do processo:
O quadro das participações sociais a que aludem os autos é o seguinte:
a. A..., Lda detém uma participação direta no capital da B..., S.A. de 51%;
b. C..., S.A. participa no capital social da A..., Lda, onde detém uma quota de 51%;
b. C..., S.A. detém uma participação direta de 1% e uma participação indireta, via A..., de 26% [0,51 * 0,51]; C..., S.A. detém uma participação total de 27% [1% + 26%];
c. J... detém uma participação direta de 8% e uma participação indireta, via A... de 25% [0,49 * 0,51]; J... detém uma participação total de 33%;
d. K... detém uma participação direta de 8%;
e. J... e K... detêm uma participação total de 41% [33% + 8%];
f. G... detém uma participação direta de 2%.
Relativamente à B..., S.A.:
g. A..., Lda detém uma participação direta no capital da B..., S.A. de 51%;
h. C..., S.A. detém uma participação no capital social da A..., Lda onde detém uma quota correspondente a 51%; C..., S.A. detém uma participação direta de 20% uma participação indireta, via A..., de 26% [0,51 * 0,51]; C..., S.A. detém uma participação total de 46% [20% + 26%];
i. J... detém uma participação direta de 8% e uma participação indireta, via A... de 25% [0,49 * 0,51]; J... detém uma participação total de 33%;
j. K... detém uma participação direta de 8%;
k. J... e K... detêm uma participação total de 41% [33% + 8%];
l. G... detém uma participação direta de 1%.
Alega designadamente a AT:
a) Os SIT notificaram o sujeito passivo ( cf. anexo 17 ao RIT) para que demonstrasse que, nas operações mencionadas em a] e b], do n.º4 do Artigo 63º do CIRC foram contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis apresentando, para o efeito, todos os elementos a que se refere o n.º6 do artigo 63º do CIRC, designadamente “… a documentação respeitante à política adotada em matéria de preços de transferência, incluindo as diretrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros atos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respetivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados sectoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a seleção do método ou métodos utilizados.”
b) E respondendo e correspondendo à sobredita notificação o sujeito passivo alegou então que “na génese dos contratos de venda das ações das sociedades anónimas detentoras dos parques fotovoltaicos, entre a A... e N... SA, está o Contrato de Parceria assinado a 28 de março de 2008, sublinhe-se entre partes não relacionadas (...)”; que “por questões legais, nomeadamente o art. 16.º do DL 312/2001, que estabelece condições para a transmissibilidade dos pontos de receção (…) a A... Lda como detentora do PIP teria que deter a maioria do capital social das sociedades anónimas a constituir para cada um dos projetos”; que a A..., “por imposição de K... e J..., só aceitou ser acionista das sociedades anónimas que desenvolveram os projetos, na condição de não assumir qualquer encargo ou risco para si, mas também consciente de que não obteria qualquer rendimento ou benefício desta participação.”
c) A A..., Lda estava dispensada, nos termos do nº 6 do art.º 63º do CIRC e do nº3 do artº13º da Portaria nº 1446-C/2001, de 21.12 - uma vez que, nos exercícios anteriores aos verificados, tinha um volume anual de vendas líquidas e outros proveitos inferior a €3.000.000,00 - de manter organizado o processo de documentação fiscal respeitante à política adotada na determinação dos preços de transferência.
d) Do mesmo modo estava dispensada de manter, de forma organizada, elementos suficientes o bastante para provar [ver nº1 do artigo 13º da portaria]:
(i) A paridade de mercado nos termos e condições acordados, aceites e praticados nas operações efetuadas com entidades relacionadas;
(ii) A seleção e utilização do método ou métodos mais apropriados de determinação dos preços de transferência que proporcionem uma maior aproximação aos termos e condições praticados por entidades independentes e que assegurem o mais elevado grau de comparabilidade das operações ou séries de operações efetuadas com outras substancialmente idênticas realizadas.
e) Concluíram, os SIT, (cf. págs 60 e segs do RIT), que:
“I. O preço praticado pela A..., Lda nas operações vinculadas de venda das participações detidas nos parques solares fotovoltaicos do ... [B..., S.A.] e do ... [B..., S.A.] não respeita o princípio de plena concorrência;
II. Existe evidência sobre operações realizadas entre entidades independentes com características idênticas às operações vinculadas em análise que poderão constituir potenciais comparáveis para aferição do preço de mercado adequado às mesmas, num contexto de aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado.
Relativamente aos potenciais comparáveis identificados, respeitantes ao preço de mercado das licenças fotovoltaicas atribuídas através de concurso público, assinala-se a indisponibilidade de informação oficial, com vista à comprovação das diferenças de comparabilidade apontadas e à aferição do impacto no preço das operações decorrente das mesmas, com a subsequente ponderação da viabilidade de realização de ajustamentos de comparabilidade, nos termos do parágrafo 1.33 da Guidelines da OCDE [2010]5.
Nas operações descritas nos pontos, III-1.9.1 C... vende 30% da participação no capital da B..., S.A. e III-1.9.2 D... SGPS, F... SGPS e G... vendem no total, 30% das participações no capital da B..., S.A., praticadas entre a C..., S.A. e a E..., S.A., assim como entre esta última e a F..., a D... SGPS e G... não existem relações especiais, ou seja, são operações entre entidades independentes, pois nenhuma das entidades exerce influência significativa nas decisões de gestão da E..., S.A. nem esta exerce essa influência naquelas, atendendo à informação disponível relacionada com a estrutura acionista e os órgãos sociais assim como às diversas alíneas do disposto no n.º 4 do artigo 63.º do CIRC.
Como tal é de admitir as transações realizadas entre aquelas entidades, ocorridas em Novembro de 2009 e Abril de 2010, como operações potenciais, comparáveis num contexto de ajustamento do preço de transferência, até porque, as referidas transações têm como objeto partes de capital nas sociedades visadas nas operações vinculadas assegurando, assim, a comparabilidade ao nível das condições subjacentes aos ativos transacionados.
Quanto ao impacto na avaliação dos parques decorrente da conclusão da sua construção e obtenção da Licença de Exploração, conclui-se que aquelas operações, descritas em III-1.9.1 e
III-1.9.2, ocorrem ainda durante o desenvolvimento dos referidos parques, ao contrário do que sucede no caso das operações vinculadas, onde os esforços de desenvolvimento dos parques
solares fotovoltaicos já foram realizados estando estes já em fase de exploração.
Nesse sentido, a utilização do preço efetivo destas operações, traduz-se numa solução de ajustamento que não é desfavorável ao sujeito passivo.
Em conclusão, os elementos obtidos permitiram demonstrar que foram praticadas condições diferentes daquelas que seriam praticadas entre entidades independentes, pelo que é devida uma correção positiva ao lucro tributável, dos exercícios de 2010 e 2011, nos termos do nº8 do artigo 63º do CIRC e n.º1 do artigo 3º da Portaria 1446-C/2001,de 21.12, por forma a que estes não sejam diferentes do que seria apurado na ausência de relações especiais.
Tendo em conta que se demonstrou que entre entidades independentes a venda das ações teria sido efetuada por montantes bastante superiores, é devido um ajustamento ao lucro tributável de cada um dos exercícios de 2010 e 2011, do s.p A..., Lda, para o valor apurado nas condições de plena concorrência.
Relativamente à C..., S.A. não é efetuado qualquer ajustamento porque se trata de um investimento financeiro que não tem qualquer impacto imediato na contabilidade da empresa em termos de resultados.”
Reunião do Tribunal com as partes e inquirição de testemunhas
Por despacho de 5-2-2019, foi designada data para a reunião nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18º, do RJAT e para a inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente.
Em 13-3-2019, realizaram-se essas diligências, com inquirição presencial da testemunha, H... .
Relativamente à testemunha I..., foi decidido, por acordo das partes, aproveitar para estes autos o depoimento prestado e gravado no âmbito de processo análogo entre as mesmas partes (Proc CAAD nº 336/2018-T).
Foi no ato notificada ainda Requerente para apresentar resposta à matéria da exceção suscitada pela AT, em sede de alegações finais escritas ou no respetivo prazo, que foi fixado, de forma sucessiva, em 20 dias.
Alegações finais
Ambas as partes apresentaram alegações dentro dos respetivos prazos, mantendo ambas, no essencial, os fundamentos que haviam anteriormente invocado nos articulados respetivos.
Resposta à Exceção
Relativamente à matéria da exceção supra, alegou a demandante a total ausência de fundamento para a sua invocação na medida em que, fundamentalmente, está implícita no objeto do pedido, a impugnação do ato imediato de indeferimento do recurso hierárquico, ou seja, não se trata aqui de impugnação direta de ato de liquidação; consequentemente o prazo de 90 dias para apresentação do pedido de pronúncia arbitral iniciou-se com a notificação do indeferimento do recurso hierárquico em 17-4-2018 e terminaria em 15-7-2018 (domingo); logo, foi tempestiva a apresentação do pedido em 13-7-2018.
II – SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído com base nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 do RJAT, sendo competente para apreciar e decidir o pedido de pronúncia arbitral.
As partes, que estão devidamente representadas, gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
III – FUNDAMENTAÇÃO
De facto
Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos essenciais para o objeto do litígio:
a) A Requerente foi notificada, em 20 de Dezembro de 2013, da liquidação de IRC n.º 2013 ... ora impugnada, a qual teve origem em Acão de Inspeção Tributária, relativa ao exercício de 2011, de que a Requerente foi alvo, resultando da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2013 ... imposto a pagar no valor global de € 720.866,70, incluindo juros compensatórios (cf. cópia da respetiva Demonstração de Acerto de Contas, junto pela autora como Documento 2 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).
b) A Requerente havia sido notificada do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, no âmbito do qual, em sede de IRC, vinha proposto o acréscimo à matéria coletável da Requerente, no exercício de 2011, no montante de € 2.524.500,00, decorrente de um ajustamento em sede de preços de transferência (cf. cópia do corpo do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária - Documento 3, com a petição).
c) A proposta de correção à matéria coletável do exercício de 2011, no montante de € 2.524.500,00, resultou da análise por parte da Autoridade Tributária à operação de alienação, em 31 de Janeiro de 2011, da totalidade da participação social que a Requerente detinha na sociedade B... S.A. (51% do capital), a favor da sociedade C... S.A.
d) À data dessa alienação de participação social, verificando a existência então de relações especiais entre a Requerente e a sociedade C... S.A. [ art.º 63.º do Código do IRC], a Autoridade Tributária foi averiguar se o valor adotado na referida operação respeitava o princípio da plena concorrência…
e) ... vindo a concluir que o princípio da plena concorrência não havia sido respeitado pela Requerente, fundamentando esta conclusão com a alegação, no RIT [Relatório da Inspeção Tributária] de que a Requerente “não justificou nem demonstrou a aderência ao Princípio de Plena Concorrência das condições estabelecidas na venda das participações (…) [a]o mesmo tempo, considerando as elevadas quantias investidas no desenvolvimento dos parques fotovoltaicos, assim como as expectativas de receitas futuras subjacentes (…) é de concluir que a venda das participações pelo valor nominal não reflete o valor das sociedades transacionadas pelo que não corresponde ao preço que seria praticado entre entidades independentes” , resultando dos “(...)cálculos apresentados e nos termos do nº8 do artigo 63º do CIRC e nº2 do artigo 3º da Portaria 1446-C/2011, de 21.12, que é devida uma correção positiva ao lucro tributável de 2011 do s.p. A..., Lda no valor de € 2.524.500,00” (cf. PA, páginas 49, 50 e 62, do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária).
f) De forma a determinar qual seria, alegadamente, o valor de alienação da participação em respeito pelo princípio da plena concorrência, a Autoridade Tributária adotou o Método do Preço Comparável de Mercado (“MPCM”) e as seguintes “comparáveis”:
i. Alienação, em 5 de Abril de 2010, por parte da D... SGPS, a favor da sociedade E..., SGPS, S.A., de 14,5% da participação social que detinha na B... S.A., correspondente a 1.450 ações, pelo preço de € 535.000,00;
ii. Alienação, em 5 de Abril de 2010, por parte da F... SGPS, a favor da sociedade E..., SGPS, S.A., de 14,5% da participação social que detinha na B... S.A., correspondente a 1.450 ações, pelo preço de € 535.000,00 e
iii. Alienação, em 5 de Abril de 2010, por parte de G..., a favor da sociedade E..., SGPS, S.A., de 1% da participação social que detinha na B... S.A., correspondente a 100 ações, pelo preço de € 70.000,00.
g) Concluindo assim e concretamente a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no sentido de que o valor de mercado de cada ação da B... S.A., corresponderia a € 500,00, valor que resulta do apuramento da média do preço praticado nas três operações acima referidas.
h) Mais concretamente: concluiu a Autoridade Tributária no ponto III.1.11. do Projeto de Relatório o seguinte:
i) Discordando de tais conclusões, a Requerente exerceu o respetivo Direito de Audição no dia 25 de Novembro de 2013 (cf. cópia do corpo do Direito de Audição – Doc 4, junto com a PI;
j) Alegou, em síntese, a Requerente, a fundamentar a sua discordância, que (i) as correções que resultavam do Projeto de Relatório não têm qualquer justificação económica e financeira, constituindo antes uma clara violação das disposições legais que impõem que sejam contratados, aceites e praticados valores de mercado e (ii) as operações consideradas no Projeto de Relatório no âmbito de aplicação do MPCM não são comparáveis e que, em consequência, deveria o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária ser alterado, concluindo-se pela inexistência de qualquer correção à matéria coletável da Requerente, no exercício de 2011.
k) Ulteriormente foi a Requerente notificada do Relatório Final de Inspeção Tributária, o qual converteu em definitiva a correção anteriormente proposta (cf. cópia do citado e junto Relatório Final de Inspeção Tributária – Doc 5, com a PI;
l) Concluiu a Inspeção Tributária (cf. págs 60 e segs do RIT), que:
“I. O preço praticado pela A..., Lda nas operações vinculadas de venda das participações detidas nos parques solares fotovoltaicos do ... [B..., S.A.] e do ... [B..., S.A.] não respeita o princípio de plena concorrência;
II. Existe evidência sobre operações realizadas entre entidades independentes com características idênticas às operações vinculadas em análise que poderão constituir potenciais comparáveis para aferição do preço de mercado adequado às mesmas, num contexto de aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado.
Relativamente aos potenciais comparáveis identificados, respeitantes ao preço de mercado das licenças fotovoltaicas atribuídas através de concurso público, assinala-se a indisponibilidade de informação oficial, com vista à comprovação das diferenças de comparabilidade apontadas e à aferição do impacto no preço das operações decorrente das mesmas, com a subsequente ponderação da viabilidade de realização de ajustamentos de comparabilidade, nos termos do parágrafo 1.33 da Guidelines da OCDE [2010]5.
Nas operações descritas nos pontos, III-1.9.1 C... vende 30% da participação no capital da B..., S.A. e III-1.9.2 D... SGPS, F... SGPS e G... vendem no total, 30% das participações no capital da B..., S.A., praticadas entre a C..., S.A. e a E..., S.A., assim como entre esta última e a F..., a D... SGPS e G... não existem relações especiais, ou seja, são operações entre entidades independentes, pois nenhuma das entidades exerce influência significativa nas decisões de gestão da E..., S.A. nem esta exerce essa influência naquelas, atendendo à informação disponível relacionada com a estrutura acionista e os órgãos sociais assim como às diversas alíneas do disposto no n.º 4 do artigo 63.º do CIRC.
Como tal é de admitir as transações realizadas entre aquelas entidades, ocorridas em Novembro de 2009 e Abril de 2010, como operações potenciais, comparáveis num contexto de ajustamento do preço de transferência, até porque, as referidas transações têm como objeto partes de capital nas sociedades visadas nas operações vinculadas assegurando, assim, a comparabilidade ao nível das condições subjacentes aos ativos transacionados.
Quanto ao impacto na avaliação dos parques decorrente da conclusão da sua construção e obtenção da Licença de Exploração, conclui-se que aquelas operações, descritas em III-1.9.1 e
III-1.9.2, ocorrem ainda durante o desenvolvimento dos referidos parques, ao contrário do que sucede no caso das operações vinculadas, onde os esforços de desenvolvimento dos parques
solares fotovoltaicos já foram realizados estando estes já em fase de exploração.
Nesse sentido, a utilização do preço efetivo destas operações, traduz-se numa solução de ajustamento que não é desfavorável ao sujeito passivo.
Em conclusão, os elementos obtidos permitiram demonstrar que foram praticadas condições diferentes daquelas que seriam praticadas entre entidades independentes, pelo que é devida uma correção positiva ao lucro tributável, dos exercícios de 2010 e 2011, nos termos do nº8 do artigo 63º do CIRC e n.º1 do artigo 3º da Portaria 1446-C/2001,de 21.12, por forma a que estes não sejam diferentes do que seria apurado na ausência de relações especiais.
Tendo em conta que se demonstrou que entre entidades independentes a venda das ações teria sido efetuada por montantes bastante superiores, é devido um ajustamento ao lucro tributável de cada um dos exercícios de 2010 e 2011, do s.p A..., Lda, para o valor apurado nas condições de plena concorrência.
Relativamente à C..., S.A. não é efetuado qualquer ajustamento porque se trata de um investimento financeiro que não tem qualquer impacto imediato na contabilidade da empresa em termos de resultados.”
Conforme resulta do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária, foi emitido a favor da Requerente, em 3 de Julho de 2007, um Pedido de Informação Prévia (“PIP”) favorável à ligação à rede de energia elétrica de um centro electroprodutor fotovoltaico a instalar no ..., Madeira.
m) Em 31 de Dezembro de 2007, a Requerente tinha garantido a atribuição do ponto de receção, de acordo com a alínea b) do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 312/2001, de 10 de Dezembro, para os seguintes projetos:
- Fotovoltaico 2MW ...;
- Fotovoltaico 6MW ...;
- Biomassa 5 MW ...; e
- Biomassa 5MW ...– Madeira.
n) Estes projetos encontravam-se registados nos ativos da Requerente (imobilizações em curso) pelo valor de € 7.000,00...
o) ... em consequência do que o balanço da Requerente, a 31 de Dezembro de 2007, apresentava uma situação de falência técnica com os capitais próprios negativos no montante de € 13.880,08 (cf. cópia do Balanço da Requerente a 31 de Dezembro de 2007 – Doc 6, com a PI)
p) Nesta fase, a Requerente era confrontada com o cumprimento do disposto no art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 312/2001, de 10 de Dezembro, referente aos prazos de execução das instalações e caducidade, prevendo-se, em consequência, muitas dificuldades para a Requerente conseguir materializar estes projetos atendendo, por um lado, à fase embrionária em que os mesmos se encontravam e, por outro, às exigências de prazos previstos para a prestação de cauções junto da Direção Geral de Energia e para a conclusão dos trabalhos de instalação.
q) À data (dezembro de 2007), a Requerente era uma sociedade unipessoal de que era sócia J... (“J...”), contribuinte fiscal n.º..., casada com K..., contribuinte fiscal n.º... ...
r) ... pelo que, no dia 28 de Março de 2008, a Requerente, a C..., S.A., a D..., SGPS, S.A., a L..., SGPS, S.A., a F..., SGPS, S.A., K... e J..., celebraram um Contrato de Parceria (cf. Anexo 8 do citado Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária)...
s) ... em que as partes se propunham desenvolver um conjunto de projetos, incluindo parques fotovoltaicos e centrais de biomassa (cf. Considerandos do referido Anexo 8 do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária).
t) Estipularam as partes nesse contrato de parceria que “todos os custos de desenvolvimento relativos aos projetos (…), bem como aqueles relativos à manutenção e gestão da A..., LDA, serão suportados, na sua totalidade, pela N..., salvo acordo contrário assinado por ambas as partes” (cf. Considerando N) do referido Anexo 8 do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária).
u) Em consequência, no dia 4 de Abril de 2008, foi celebrada escritura pública de cessão de quota, aumento de capital e alteração do pacto social da Requerente, tendo sido admitida como sócia a sociedade N..., S.A. (atualmente designada por C..., S.A.) – cf. Anexo 1 do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária.
v) ... tendo a C... S.A., adquirido então uma quota com o valor nominal de € 100,00 pelo preço de € 50.000,00, “considerando o goodwill adquirido” e...
x) ...em virtude do aumento de capital, no montante de € 5.000,00, subscrito e realizado pela C..., S.A., passou esta sociedade a deter 51% do capital da Requerente, sendo que a sócia J... passou a deter 49% do capital social.
z) Ou seja: tendo por finalidade a participação nos projetos que a Requerente se propunha a desenvolver, a C..., S.A. pagou desde logo um “prémio” de participação no valor de € 50.000,00, para além de a referida sociedade se ter comprometido a suportar todos os custos de desenvolvimento relativos aos projetos.
aa) Por força do citado contrato de parceria [cláusula quarta – nº 1] a Requerente obrigou-se a “constituir sociedades anónimas independentes para cada projeto [“sociedades veículos”] que venha a obter autorização de construção e que seja decidido pela Gerência levar por diante”, referindo o n.º 2 da cláusula quarta desse contrato, que as sociedades anónimas referidas venham a reger-se pelos Estatutos que constituem o Anexo II ao Contrato (cf. Anexo 8 do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária).
bb) Ficou assim estabelecido ou clausulado no citado contrato de parceria que “(...)em cada projeto fotovoltaico a realizar será constituída uma sociedade anónima com a seguinte distribuição de capital:
----a – J... …………………… 10%----
----b – K... ………………….. 10%----
----c – D..., SGPS, S.A. ………. 1%----
----d – L..., SGPS, S.A. ……… 1%----
----e – F..., SGPS, S.A. …… 1%----
----f – A..., LDA. …………………. 51%----
----g – N..., S.A. …. 26%----
cc) Ficou ainda clausulado nesse contrato de parceria [4.1, da cláusula quarta] que a “N... [atual e posteriormente denominada C..., SA] financiará a J... e K... os valores, após impostos, necessários, à realização do capital social de cada sociedade, por uma ou mais vezes, nas datas de constituição da sociedade e respetivos aumentos de capital, até ao limite temporal correspondente ao momento do início de venda de energia elétrica à rede pública, de forma a que ambos, em conjunto, possuam sempre nas respetivas sociedades uma participação de 20% do capital social total, calculado com base num capital próprio de 20% do investimento total” e ainda que...
dd) ... “(...) quer nos projetos fotovoltaicos, quer nos projetos de biomassa e/ou projeto integrado, a A... LDA obriga-se a vender à N... a totalidade das suas participações referidas em 3 e 4, por um valor igual ao montante total das suas participações em cada projeto, a partir do momento da ocorrência do prazo previsto no Artigo 16º do Decreto-Lei nº 312/2001” [cf,em particular, n.º 5 da Cláusula Quarta]
ee) Em cumprimento do referido Contrato de Parceria, os Parceiros (C..., S.A., K..., J..., G..., F..., SGPS, S.A., e D..., SGPS, S.A), procederam ao desenvolvimento de um conjunto de projetos, constituindo para o efeito duas “sociedades veículo” (cf. Anexos 11, 12 e 14, do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária): (i) B..., SA, constituída em 14-4-2009, detentora, a partir de 27-4-2010 da licença de exploração do Parque fotovoltaico de ... e (ii) B..., SA, constituída em 31-10-2009 e detentora, a partir de 21-12-2010, da licença de exploração do Parque fotovoltaico do ... (cfr ainda anexos 9 e10, do citado Relatório.
ff) Foi na sequência da constituição das sociedades veículos mencionados, que foram celebrados acordos parassociais com ambas as sociedades: em 14-4-2009, com a M..., com um aditamento em 31-10-2009 e em 31-10-2009, com a B... [Anexos 13 e 14 do Relatório da Inspeção Tributária].
gg) Nos termos dos nºs 4, 8, 9 e 10 da Cláusula Terceira do Acordo Parassocial com a B.../Aditamento, a C... S.A. (à data denominada N..., SA), obrigou-se a colocar à disposição da Requerente os meios financeiros para que esta pudesse realizar o capital social da B..., S.A., e, ainda, os meios financeiros futuros indispensáveis a prover futuros aumentos de capital social (cf. Anexo 14 do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção):“(...)
TERCEIRO-
(Capitais Próprios)
(...)
4. A “N...” coloca à disposição de K... e de J... os meios financeiros indispensáveis para que estes possam realizar o capital social da nova sociedade “B...” onde subscrevem, cada um deles, oito por cento (8%) desse capital, bem como colocará à disposição dos mesmos K... e J... os meios financeiros indispensáveis a prover eventuais futuros aumentos do capital social ou a realizar, por qualquer outra forma que seja deliberada, designadamente, prestações acessórias e suprimentos, os fundos necessários a aportar ao projeto, de acordo com a participação que detêm na sociedade e independentemente da relação capitais próprios / capitais alheios a contratar com as respetivas entidades financeiras.
8. A N... coloca à disposição da A..., Lda., os meios financeiros indispensáveis para que esta possa realizar o capital social inicial da nova sociedade e, bem assim, os meios financeiros indispensáveis a prover eventuais futuros aumentos de capital ou a realizar, por qualquer outra forma que seja deliberada, os fundos próprios necessários a aportar ao projeto, de acordo com a participação que a A..., Lda. detém na sociedade.
9. Em contrapartida, A “A..., LDA.” transmitirá obrigatoriamente à “N...”, no momento em que o parque fotovoltaico do ... entrar em funcionamento, as suas ações na B..., S.A., sem que na sequência e por causa dessa transmissão seja devida, direta ou indiretamente, aos outorgantes, K...e/ou J..., enquanto sócios da “A...” ou à “A...”, enquanto tal, qualquer importância suplementar, uma vez que a contrapartida referida no número anterior já engloba e consome a compensação de todos os valores associados.
10. A presente cláusula deste Acordo Parassocial adapta e substitui, no que toca à “B...” o que dispõe nos pontos 4., 4.1., 4.2., 4.3 e 5 do Contrato de Parceria, referido nos Considerandos iniciais” (destaque e sublinhado nosso).
hh) Em cumprimento do assim acordado, a C... S.A. realizou o capital social da B... S.A., em nome e por conta da Requerente, no montante de € 25.500,00 (51% do capital social)...
ii) ... tendo ainda realizado o capital social da B... S.A., em nome e por conta da K... e J..., no montante de € 8.000,00 (16% do capital social),
jj) ...e subscreveu também 20% do capital social da B... S.A., no montante de € 10.000,00.
kk) Assim é que, na sequência da entrada no capital social da Requerente e em virtude da estrutura acionista da B..., S.A., a C..., S.A., detinha, no capital social da B..., S.A., uma participação direta de 20%, com um custo de aquisição de € 10.000,00, bem como uma participação indireta de 26%, via detenção de 51% do capital social da Requerente, com um custo de aquisição de € 50.000,00.
ll) Todavia, a C..., S.A., subscreveu, ainda, capital social em nome e por conta da Requerente e de K... e J..., no montante total de € 33.500,00.
mm) A participação no projeto fotovoltaico do ... custou à C..., S.A., numa fase inicial, cerca de € 93.500,00,
nn) Sendo que, no que se refere ao capital social subscrito em nome e por conta de K... e J..., resultava do Acordo Parassocial que estes apenas se obrigavam a ceder à C..., S.A., ações correspondentes a 1% do capital social da B..., S.A. (cf. Anexo 14 do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária).
oo) K... e J... lograram, exclusivamente em virtude de um investimento suportado pela C..., S.A., obter os apoios financeiros necessários à construção do parque fotovoltaico de ...,
pp) E, sem qualquer esforço financeiro, passaram a deter uma participação total na B..., S.A., no montante de 41%, (participação direta de 16% e uma participação indireta, via Requerente, de 25%).
qq) A C..., S.A. alienou, a favor da F..., SGPS, S.A. e D..., SGPS, S.A., 19% do capital social que detinha na B..., S.A....
rr) ...passando a deter uma participação direta de 1% no capital social da B..., S.A., e uma participação indireta de 26%, via detenção de 51%, do capital social da Requerente,...
ss) ... mas manteve, conforme supra, a obrigação exclusiva de colocar à disposição da Requerente, bem como de K... e J..., todos os meios financeiros indispensáveis para que estes realizassem o capital social inicial da nova sociedade e, bem assim, os meios financeiros indispensáveis a prover eventuais futuros aumentos de capital ou a realizar, por qualquer outra forma que seja deliberada, os fundos próprios necessários a aportar ao projeto por parte daqueles acionistas.
tt) Em consequência, e já após a entrada de um novo acionista no capital social da B..., S.A., é celebrado um Acordo de Realização de Fundos Próprios, em 8 de Julho de 2010, nos termos do qual a C..., S.A., assumiu a obrigação de realizar prestações acessórias e suprimentos, em nome individual e em nome de todos os acionistas (incluindo a Requerente, K... e J...) na proporção de 70% (cf. Anexo 16 do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção).
uu) Neste sentido, e conforme resulta do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária (cf. página 34), a C..., S.A. realizou prestações acessórias e suprimentos, em nome individual e em nome da Requerente, até 20 de Dezembro de 2010, no montante de € 580.398,52 (correspondente a 52% dos suprimentos realizados, em virtude da detenção, pela Requerente, de 51% do capital da B..., S.A., e em virtude da detenção, pela C..., S.A., de 1% do capital da B..., S.A.).
vv) Pelo que realizou, em seu nome, apenas € 11.161,51, em virtude da detenção de 1% no capital social da B..., S.A., tendo realizado, em nome e por conta da Requerente o montante remanescente de prestações acessórias e suprimentos, no valor de € 569.237,01,
xx) Na medida em que J... detinha 49% da Requerente, e atendendo a que as prestações acessórias e suprimentos devidos pela Requerente foram realizados pela C..., S.A., é possível concluir que a referida acionista obteve um benefício, ainda que de forma indireta (uma vez que não teve necessidade de dotar a Requerente de fundos próprios tendo em vista as obrigações assumidas referentes à B..., S.A.), no montante de € 278.926,14 (€ 569.237,01*49%).
zz) Adicionalmente, a C..., S.A., realizou prestações acessórias e suprimentos, em nome e por conta de K... e J..., no montante de € 178.584,16!
aaa) Em consequência do exposto, a participação no projeto fotovoltaico do ... custou à C..., S.A., numa fase inicial, cerca de € 93.500,00, referentes à aquisição de uma participação social na Requerente e à constituição do capital social da B..., S.A., ...
bbb) ... e, numa fase subsequente, suportou uma obrigação de financiamento da B..., S.A., no montante total de € 781.305,70, apenas no exercício de 2010.
ccc) Assim é que, em consequência de todas as operações mencionadas e do mencionado investimento realizado pela C..., SA, o preço acordado referente à alienação das participações sociais detidas pela Requerente na B..., S.A., a favor da C..., S.A., correspondeu ao valor de mercado, sendo justificado o montante da contrapartida (realização do capital social no montante de € 25.500,00) em função da qual a Requerente estava contratualmente obrigada a transmitir as suas ações na B..., S.A. (Cláusula Terceira, n.º 9 do Acordo Parassocial) à C..., S.A., no momento em que o Parque Fotovoltaico do ... entrasse em funcionamento (cf. Anexo 14 do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária).
ddd) Mais especificamente: o preço de venda mencionado foi determinado em função do exato valor realizado pela C..., S.A., em nome e por conta da Requerente, no capital social da B..., S.A., equivalente a 51%, ou seja, € 25.500,00 (preço da venda)
eee) Os suprimentos, também realizados pela C..., S.A., em nome da Requerente, uma vez que, na data da entrada em funcionamento do Parque Fotovoltaico do ..., não se tinham ainda vencido e transitariam para o novo titular das ações.
fff) O financiamento do parque fotovoltaico do..., foi garantido, junto do Banco ..., na modalidade de “Project Finance”, até ao montante de € 18.350.000 (cf. cópia do contrato de financiamento - Documento 7, com a PI;
ggg) Nos termos do modelo financeiro aprovado e a preços constantes o parque fotovoltaico do ...faturaria previsivelmente, no 1.º ano, € 3.018.000 (cf. cópia do Modelo Financeiro - Documento 9, junto com a PI);
hhh) Havia sido emitido, em nome da Requerente, em 3 de Julho de 2007, um PIP para a construção do Parque Fotovoltaico do ... (cf. página 18 e Anexo 4 do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária).
iii) O PIP permitiu a apresentação de um pedido de atribuição de ponto de receção de energia elétrica, nos termos previstos no art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 312/2001, de 10 de Dezembro, o qual veio a ser concedido à Requerente em 20 de Abril de 2007 (cf. Anexo 6 do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária).
jjj) A atribuição do ponto de receção conferia, apenas, a possibilidade de a Requerente solicitar a respetiva licença de estabelecimento, de forma a poder iniciar os trabalhos de instalação.
kkk) Mas então, por imposição legal (Decreto-Lei n.º 312/2001, de 10 de Dezembro, art.º 17.º n.º 4) “para garantia da conclusão das obras, os promotores devem prestar à entidade operadora da rede uma caução” e ”a não conclusão dos trabalhos nos prazos previstos nos n.os 1, 2 e 3, por motivo imputável ao promotor, faz caducar a respetiva licença de estabelecimento e o respetivo ponto de receção”. (artigo 17º-5, do citado Dec-Lei);
lll) Após a atribuição do ponto de receção, era essencial para a Requerente (o balanço da Requerente a 31 de Dezembro de 2007 apresenta uma situação de falência técnica com os capitais próprios negativos de € 13.880,08) reunir os meios financeiros necessários ao desenvolvimento do projeto de construção do parque solar fotovoltaico, sem os quais não podia, naturalmente, solicitar a respetiva licença de estabelecimento e concluir as obras de instalação (cf. Documento 6).
mmm) Em virtude da necessidade de financiamento do projeto em questão é que foi celebrado o citado Contrato de Parceria de 28 de Março de 2008, o qual esteve na génese da constituição da B..., S.A., exigindo-se, forçosamente, tendo em vista os efeitos pretendidos pelos Parceiros, que esta última entidade fosse maioritariamente detida pela Requerente ...
nnn) ...isto porque os pontos de receção (nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 312/2001, de 10 de Dezembro), são intransmissíveis, exceto a transmissão, mantendo se a respetiva finalidade, para entidades que preencham uma das seguintes condições:
a. Sejam maioritariamente detidas, direta ou indiretamente, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, pela entidade titular do ponto de receção;
b. Sejam maioritariamente detentoras, direta ou indiretamente, nos termos do Código das Sociedades Comerciais da entidade titular do ponto de receção;
c. Sejam o novo promotor técnico e financeiro de uma co-geração contratado pela entidade titular do ponto de receção, se esta for o consumidor prioritário da energia elétrica ou térmica, de acordo com artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 538/99, de 13 de Dezembro;
d. Sejam herdeiros do titular do ponto de receção.
nnn) Daí a citada constituição, em 31 de Outubro de 2009, da B..., S.A., detida maioritariamente pela Requerente, tendo por finalidade exclusiva o desenvolvimento e exploração do projeto do parque fotovoltaico do ... (cf. citado Anexo 12 do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária),
ooo) ... e, na mesma data, ou seja, 31 de Outubro de 2009, foi celebrado o mencionado Acordo Parassocial nos termos do qual, logo após a entrada em funcionamento do Parque Fotovoltaico do ..., deveria a Requerente, pelas razões apontadas, transmitir as participações que detinha na B..., S.A., as quais resultavam de capital que havia sido integralmente realizado pela C..., S.A., em seu nome (cf. Anexo 14 do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária).
ppp) A Requerente nunca foi obrigada a desenvolver qualquer esforço financeiro tendo em vista o desenvolvimento da B..., S.A.
qqq) E todas as contribuições financeiras tendo em vista o desenvolvimento da sociedade B..., S.A., foram suportadas pelos próprios acionistas da B..., S.A., - em particular pela C..., S.A. ;
rrr) Foi, designadamente, a C..., S.A. que desenvolveu esforços para que a B..., S.A. arrendasse o terreno para instalação do Parque Fotovoltaico do ..., tendo o contrato sido celebrado em 27 de Novembro de 2009 (cf. cópia do contrato de arrendamento - Documento 11 com a PI); e ...
sss) ...que logrou instalar o Parque na Zona Franca da Madeira, com Despacho de 4 de Março de 2010, beneficiando todos os acionistas (cf. cópia do despacho do gabinete do secretário regional do Plano e das Finanças - Documento 12,com a PI;
ttt) ... e obteve do Ministério da Economia a extensão da capacidade disponível na RAM para a obtenção de tarifa garantida para os 6MW do Parque do ... e...
uuu) ...assegurou a disponibilidade para financiar o projeto em condições que garantiam a sua viabilidade económico-financeira;
vvv) Na licença de estabelecimento de 27 de Agosto de 2008, pode ler-se que a mesma se encontra expressamente condicionada, para efeitos de tarifa, à quota que vier a ser atribuída à Região Autónoma da Madeira, ou seja, naquela data não existia ainda tarifa garantida (sublinhado do Tribunal) (cf. Anexo 7 do Relatório de Conclusões da Acão de Inspeção Tributária: “Esta licença fica sujeita à seguinte cláusula para efeitos de remuneração pelo fornecimento de eletricidade entregue à rede pública:
- a potência declarada para efeitos do sistema remuneratório do Anexo II do Decreto-Lei n.º189/88, de 27 de Maio e legislação subsequente, nomeadamente o Decreto-Lei n.º33-A/2005, de 16 de Fevereiro, dependerá da quota a atribuir à R.A.M., podendo não satisfazer a totalidade da potencia emitida para o ponto de receção”;
xxx) E foi ainda por especial intervenção da C..., S.A., que a DRCIE confirmou, por Ofício de 13 de Outubro de 2008, a tarifa garantida para a B..., S.A., dizendo expressamente (cf. cópia do Ofício - Documento 13 com a PI): “Relativamente ao assunto em epígrafe, informamos V.Exa que a quota de potência atribuída pela Direcção-Geral de Energia e Geologia à Região Autónoma da Madeira para efeitos do sistema remuneratório do anexo II do Decreto-Lei n.º189/88, de 27 de Maio, e legislação subsequente, satisfaz a totalidade da potência emitida para os pontos de receção atribuídos referentes às seguintes instalações:
- Central Fotovoltaica do ... – 6MW
- Central Fotovoltaica do ... – 2 MW
Face ao exposto informamos V Exas que estão reunidas as condições para darmos continuidade aos respetivos processos de licenciamento”.-
zzz) A Requerente não se conformou com a liquidação objeto dos autos, em virtude de considerar que as referidas correções efetuadas pela Autoridade Tributária são ilegais e, em consequência, apresentou, em 19 de Maio de 2014, Reclamação Graciosa contra aquela liquidação ora sob impugnação arbitral (cf. Documento 19, com a PI)
a´) A Requerente foi notificada do despacho do Diretor de Finanças, proferido no dia 5 de Novembro de 2014, de indeferimento da Reclamação Graciosa, com o n.º ...2014... (cf. cópia da respetiva notificação - Documento 22 com a PI);
b´) Em consequência, apresentou a Requerente, em 5 de Dezembro de 2014, Recurso Hierárquico desse ato de indeferimento (cf. Documento 23, com a PI);
c´) Ulteriormente foi a Requerente notificada do Despacho da Subdiretora-geral (por subdelegação de competências), de 11 de Abril de 2018, de indeferimento do supra referido Recurso Hierárquico (cf. cópia do despacho - Documento 24 com a PI);
d´) O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 16-7-2018.
Factos não provados
O Tribunal não considerou provado que:
(i) o preço de venda das ações ou da participação da Requerente na sociedade B... aquando da sua venda à C..., SA, não fosse o adequado, justo ou de mercado nas circunstâncias objetivas e subjetivas em que foi efetuada essa venda e a que se alude supra, no elenco de factos provados;
Motivação ou fundamentação da matéria de facto
Preliminarmente dir-se-á, na linha de uniforme Jurisprudência, que o Tribunal não está obrigado a pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cf. ainda artº.123º, nº.2, do C.P.P.Tributário, ex vi artigo 29º, do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cf. artºs .607, nº5, do C.P.Civil). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa, não tendo os mesmos sido impugnadas pela requerida AT. Aliás e em boa verdade, pode dizer-se que as partes não têm divergências substanciais quanto à pura realidade dos factos mas antes reduzem essas divergências quanto a conclusões e enquadramentos legais.
De todo o modo, para além dos documentos e do processo administrativo, de que foi junta cópia pela AT, foram relevantes, o depoimento prestado perante o Tribunal, de forma presencial, pela testemunha H..., engenheiro e administrador de empresas, antigo presidente do Conselho de Administração da D..., SA (atualmente denominada C..., SA) e administrador da N..., SGPS, SA. Este depoimento revelou-se fundamental pela forma, que o Tribunal considerou verdadeira ou credível, como foi prestado por pessoa que acompanhou direta e pessoalmente todo o processo de negociação a que os factos supra fazem referência, confirmando, designada, essencial e perentoriamente, que a C... adquiriu, por compra, as participações que detinha sobre o capital social da Requerente, pelo seu valor nominal nos termos previamente acordado e não outro, porquanto todo o desenvolvimento dos projetos de instalação e ligação à rede dos centros eletroprodutores fotovoltaicos do ... e ... foi feito pela C... que igualmente suportou todos os custos; por outro lado, na data de fixação do preço de venda, a requerente apenas tinha no seu ativo os PIP´s relativos à intalação de painés fotovoltaicos sem, no entanto, ter qualquer garantia quanto às tarifas asseguradas, elemento essencial para um investimento deste tipo; por todas essas razões a venda das ações objeto dos autos, no enquadramento e pressupostos respetivos, não podia ser nunca idêntica às efetuadas em 5 de abril de 2010 [ referidas em f), do elenco supra de factos provados e que serviram de base de cálculo da AT do “PCM (Preço comparável de mercado)]
Este depoimento, conjugado com o que foi prestado pela testemunha indicada pela AT, I... – este prestado no âmbito do processo nº 336/2018-T e aproveitado, por acordo das partes, para o presente processo - inspetora tributária que foi incumbida de realizar a inspeção à Requerente que conduziu à liquidação adicional, tudo conjugado com os citados documentos e analisado de forma crítica, constituem a base da convicção do Tribunal quanto à realidade dos factos descrita supra.
III FUNDAMENTAÇÃO (Cont)
De Direito
A – A exceção da caducidade
Na sua resposta a Requerida AT invoca a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, por caducidade do direito de ação por considerar que se mostra ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação do acto tributário de liquidação, em concreto, em sede arbitral.
A Requerida AT entende que o art.º 10.º do RJAT estabelece, quanto a actos de liquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 102.º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) retirando para o caso dos autos, que o estipulado prazo de 90 (noventa) dias seria contado da notificação da demonstração de liquidação ora impugnada – cf. alínea b) do n.º 1 do art.º 102.º, n.º 1 do CPPT.
In casu a liquidação adicional foi notificada ao sujeito passivo ora Requerente em 20 de Dezembro de 2013 e o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral foi apresentado a 2018-07-13 razão pela qual o pedido formulado pela Requerente e, tendo em conta que a Requerente apenas ataca tal liquidação e as correcções resultantes de acção inspectiva que deram origem à mesma, seria intempestivo e o tribunal não pode dele conhecer.
Por seu lado entende a Requerente, nas alegações apresentadas, que deve ser julgada improcedente a excepção da caducidade do direito à acção deduzida pela Requerida AT uma vez que na situação sub judice, a contagem do prazo de 90 dias, referido no art.º 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, inicia-se a partir da notificação da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, ou seja, começa no dia 17 de Abril de 2018 (dia seguinte ao da mencionada notificação) e terminaria no dia 16 de Julho de 2018 (o prazo terminaria no dia 15 de Julho de 2018, domingo, pelo que se transferiu para o dia útil seguinte), pelo que, na medida em que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 13 de Julho de 2018, o mesmo foi apresentado tempestivamente.
Cumpre decidir.
Como resulta do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, o pedido foi apresentado tendo por finalidade a “apreciação da ilegalidade do acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2013..., e correspondentes juros compensatórios, mantido na sequência de despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2015..., proferido pela Exma. Senhora Subdirectora-Geral (por subdelegação), em 11 de Abril de 2018, e notificado em 16 de Abril de 2018”.
Consequentemente, a Requerente não se conformou com a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico que é também objecto e fundamento do pedido de pronúncia arbitral.
Entende-se que o prazo de 90 dias previsto no art.º 10.º do RJAT deve ser contado a partir da notificação da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, na medida em que, ainda que a Requerente não tenha peticionado expressamente a anulação da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, remetendo essa anulação para os demais efeitos da procedência do pedido, mas apenas, de forma autónoma, a declaração expressa de ilegalidade do acto de liquidação, os dois objectos integram o conhecimento do tribunal arbitral, já que a pronúncia pela ilegalidade dos actos de liquidação stricto sensu implicará, necessariamente, ainda que porventura implicitamente, a ilegalidade da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, pelo que tal questão não contende directamente com a determinação do prazo para efeitos de apresentação do pedido de pronúncia arbitral.
Neste sentido, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 17 de Março de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 8998/15, que aprecia um recurso interposto contra uma decisão arbitral relativamente à mesma excepção, que refere o facto de existirem “inúmeros acórdãos, alguns dos quais citados pela Impugnante, em que se decidiu que o prazo para impugnar (o prazo de 90 dias que a Impugnante dispunha para formular o pedido de constituição arbitral), nas situações em que houve reclamação graciosa seguida de decisão expressa, se conta da notificação desta última decisão e não do terminus do prazo de pagamento voluntário da liquidação, que há uma estreita relação e interdependência entre os objecto mediato e imediato e que a apreciação ou interpretação do pedido nestas situações não pode deixar de relevar essas circunstâncias de facto e direito” continuando no sentido de que “a questão da existência da reclamação, ainda que não traduzida expressamente na formulação do pedido, não foi olimpicamente ignorada pela Impugnante, que à mesma faz expressa referência logo nos artigos 2.º e 3.º do seu articulado inicial (...). Donde, no limite, não podia o Tribunal Arbitral ter deixado de equacionar a hipótese de que eram efectivamente aquelas, ou ambos os actos o objecto do pedido de impugnação, e subsequente anulação”.
Face ao exposto, entende-se que a Requerente não se conformou com a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, a qual sempre integrará o objecto do processo arbitral para efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, pelo que falece a excepção de caducidade invocada pela Requerida AT.
B. POSIÇÕES E ARGUMENTOS DAS PARTES
B.I. Posição da Requerente
No entender da Requerente a liquidação em crise é ilegal em virtude de (i) o alegado valor de mercado apurado pela Autoridade Tributária não ter qualquer justificação económica e financeira, constituindo uma clara violação das disposições legais aplicáveis, e (ii) não comparabilidade das operações consideradas pela Autoridade Tributária como comparáveis, uma vez que:
i) A Requerida AT não logrou demonstrar, e muito menos de forma fundamentada, que o preço praticado na operação em análise não foi razoável ou de mercado, atendendo, especialmente, a todas as circunstâncias que envolveram a definição do preço, na medida em que se bastou com a mera demonstração de ter havido uma transacção entre entidades relacionadas e outras, tidas como comparáveis, entre entidades não relacionadas;
ii) Inexiste uma qualquer quantificação, por parte da Requerida AT, com base em elementos e estudos de comparabilidade robustos e tecnicamente inatacáveis, do valor de mercado da B... S.A., que afastem os elementos apresentados pela Requerente no sentido de justificar o preço adoptado;
iii) Por outro lado, os termos e condições da operação de alienação da participação social objecto de análise pela Requerida AT, em sede de preços de transferência, respeitou o princípio da plena concorrência, na medida em que se demonstrou que o preço praticado foi definido, entre entidades não relacionadas, no dia 28 de Março de 2008, em data muito anterior à operação de alienação objecto de ajustamento por parte da Autoridade Tributária (31 de Janeiro de 2011);
iv) Acresce que ficou ainda a C... S.A. obrigada a colocar à disposição da Requerente, bem como de K... e J..., todos os meios financeiros indispensáveis para que estes realizassem o capital social inicial da B... S.A. e, bem assim, os meios financeiros indispensáveis a prover eventuais futuros aumentos de capital ou a realizar, por qualquer outra forma que seja deliberada, os fundos próprios necessários a aportar ao projecto por parte daqueles accionistas;
v) No âmbito do financiamento do parque fotovoltaico do ..., a C... S.A. vinculou-se à prestação de garantias onerosas, o que não sucedeu relativamente à sócia originária da Requerente (e igualmente accionista na B... S.A.) e K... (também accionista da B... S.A.), os quais tão pouco foram parte no contrato de financiamento ou no contrato de prestação de garantias, o que influiu naturalmente na determinação do preço de aquisição pela C... S.A. da participação na B... S.A.;
vi) Sem prejuízo, entende a Requerente que, caso se considere que a Requerida AT logrou demonstrar que o preço praticado na transacção entre entidades relacionadas não respeitou o princípio de plena concorrência, sempre haverá que concluir pela necessária desconsideração das operações qualificadas pela Requerida AT como sendo alegadamente “comparáveis” para efeitos de determinação do referido valor de mercado;
vii) Para efeitos de avaliação do valor de mercado das participações detidas na B... S.A., a Requerida AT não poderia ter adoptado o critério do Preço Comparável de Mercado, uma vez que as operações utilizadas como comparáveis não são substancialmente idênticas, dado que as suas características económicas e financeiras relevantes não demonstram ser análogas ou suficientemente similares, afectando de forma significativa a determinação dos termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado.
B.II. Posição da Requerida
a) Na sua resposta, bem como nas alegações posteriormente apresentadas, a Requerida AT mantém o entendimento de que a liquidação controvertida consubstancia uma correcta aplicação do Direito, não enfermando de qualquer vício.
b) A Requerida AT entende que, nos termos previstos no nº 2 do artigo 63º do CIRC, bem como no artigo 4º da Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, o sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.
c) O artigo 4º nº 2 da referida Portaria considera como “(…) método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente contratados, aceites e praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com a melhor qualidade maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.”
d) O objecto do pedido de pronúncia arbitral prende-se com a liquidação adicional de IRC decorrente do acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2011 que tem na origem um ajustamento efectuado ao abrigo das regras sobre preços de transferência previstas no artigo 63.º do Código do IRC.
e) Tal ajustamento resultou da correcção do preço praticado na operação de alienação, pela Requerente, da participação social detida na sociedade B..., S.A correspondente a 51% do capital, a favor da sociedade C..., S.A., realizada em 31.01.2011.
f) Em conformidade com o disposto no n.º 3 do art.º 77.º da LGT, sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei relativamente a operações vinculadas, tal como definidas na alínea b) do n.º 3 do art.º 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:
a) Descrição de relações especiais;
b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;
c) Aplicação dos métodos previstos na lei; e
d) Quantificação dos respectivos efeitos.
g) Os trabalhos desenvolvidos para dar concretização a cada um dos requisitos estão detalhadamente desenvolvidos nos pontos III-1.6 a III-1.9 do RIT para o qual se remete, donde a AT logrou demonstrar de forma fundamentada a verificação dos referidos requisitos, carecendo de qualquer fundamento a alegação de falta de fundamentação invocada pela requerente.
h) À data da alienação das acções da B..., a Requerente é detida em 51% pela sociedade adquirente D..., SA (C..., SA), pelo que eram entidades relacionadas, i.e., entidades entre as quais existem relações especiais, nos termos do n.º 4 artigo 63º do Código do IRC (alínea d) do n.º 3 do art.º 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001), porquanto, aquela sociedade detinha 51% do capital da requerente, o que lhe permitia exercer não só uma influência significativa nas decisões de gestão da participada como a gestão directa da mesma.
i) Na situação em apreço, a parceria estabelecida com a C..., S.A. foi levada a cabo em duas fases: 1) em 20.03.2008, com a assinatura do “Contrato de Parceria”; e 2) em 04.04.2008, com a transformação da Requerente em sociedade por quotas, aumento do capital e a entrada daquela sociedade na estrutura societária, ficando detentora de uma quota representativa de 51% do capital.
j) Portanto, a partir de 04.04.2008, a sociedade C... passou a deter a maioria do capital e o controlo da Requerente e, sendo assim, a existência de relações especiais está comprovada, desde logo pela verificação dos critérios previstos na alínea a) do n.º 4 do art.º 63.º do Código do IRC.
k) Em decorrência deste enquadramento legal, as operações realizadas entre entidades relacionadas devem ser pautadas pelo princípio de plena concorrência enunciado no n.º 1 do art.º 63.º do Código do IRC e no n.º 1 do art.º 1.º da Portaria.
l) Donde, a existência de relações especiais, por força das situações previstas na alínea a) do n.º 4 do art.º 63.º do Código do IRC, levou a AT a analisar se o preço adoptado na referida operação respeitava o princípio da plena concorrência.
m) E a razão para subordinação ao princípio de plena concorrência reside justamente no facto de que entre entidades relacionadas ocorrerem transacções e que não estão sujeitas à mesma lógica das realizadas no mercado aberto entre empresas independentes e, por isso, os preços convencionadas para essas operações - “que são assimiladas a transferências internas realizadas no seio da mesma empresa e daí a designação de preços de transferência”1- desviam-se dos termos e condições acordados em operações idênticas ou similares entre entidades independentes, conduzindo a uma alocação dos lucros de acordo com os objectivos internos do grupo.
n) A existência de relações especiais, por força das situações previstas nas alíneas a) e c) do n.º 4 do art.º 63.º do Código do IRC, levou a AT a analisar se o preço adoptado na referida operação respeitava o princípio da plena concorrência.
o) Não logrou a requerente provar que as condições ou termos praticados relativamente às operações com a C..., SA respeitavam o preço de plena concorrência.
p) A requerente alega que na génese do contrato de compra e venda das acções das sociedades anónimas detentoras dos parques fotovoltaicos entre a A... e a D... está o contrato de Parceria assinado a 28 de Março de 2008.
q) Ora, as condições estabelecidas no contrato de parceria são já definidas e estabelecidas num contexto de relações especiais entre as partes envolvidas. No âmbito da parceria estabelecida, foi alterada a estrutura do capital social, o pacto social da A..., a C... passou a deter os referidos 51% da A... após 2008/04/04.
r) Assim, o Acordo de Parceria Estratégica de 28.04.2008 não pode ser invocado para justificar a alienação das acções da B... à margem das regras sobre preços de transferência, tanto mais que se trata de uma deliberação sobre as relações internas do grupo e, como tal, é normal desviarem-se das regras pelas quais se pauta o relacionamento entre entidades independentes.
s) A AT elegeu o Método do Preço Comparável de Mercado que consiste na comparação direta de operações, através da comparação dos preços praticados em operações vinculadas com os preços praticados em operações comparáveis não vinculadas (operações em mercado aberto), constituindo o preço um indicador direto.
t) Face às características das operações e à informação disponível, o Método do Preço Comparável de Mercado revelou-se no caso em apreço o mais apropriado, em conformidade com o previsto no nº 2 do artigo 4º da Portaria 1446-C/2001.
u) Considerando o valor do ativo intangível - principalmente a licença de estabelecimento da instalação do Parque Solar - na fase prévia ao desenvolvimento/construção do parque fotovoltaico do ..., assim como as expectativas de receitas futuras subjacentes, bem concluiu o Relatório Final do Procedimento de Inspeção que a venda das participações da requerente na B..., S.A. à C..., S.A., pelo valor nominal, não reflete o valor da sociedade transacionada pelo que não corresponde ao preço que seria praticado entre entidades independentes, não respeitando o principio de plena concorrência.
v) Tenha-se em conta a diferente valorização das ações da B..., S.A. consoante a sua transmissão seja efetuada entre entidade relacionada (C..., S.A.) com a qual o preço praticado corresponde ao valor nominal, ou entre entidades independentes (no caso D... SGPS, S.A., a F..., SGPS, S.A., G... e a E..., SGPS, S.A.) com a qual é praticado um preço superior ao valor nominal.
w) No caso em análise, a aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado é viabilizada pela possibilidade de comparação dos preços que foram praticados nestas transações com a avaliação do valor de mercado da participação alienada, efetuada por uma entidade independente no âmbito de uma outra operação, ocorrida em data próxima.
x) Efectivamente, no dia 2010/04/05 a empresa E... SGPS, S.A. adquiriu 30% do capital da B..., S.A. da seguinte forma:
- Aquisição de 14,5% das ações à empresa D... SGPS, S.A., com um valor nominal de € 7.250,00 pelo preço de € 535.000,00;
- Aquisição de 14,5% das ações à empresa F... SGPS, S.A., com um valor nominal de €7.250,00 pelo preço de € 535.000,00;
- Aquisição de 1% das ações a G..., com um valor nominal de €500,00 pelo preço de € 70.000,00.
y) Nestas operações (entre a D... SGPS, S.A., a F... SGPS, S.A., G... e a E... SGPS, S.A.) existe um elevado grau de comparabilidade com a operação em análise, sendo susceptível de ser utilizada como padrão para efeitos de avaliação dos termos e condições das transações efetuadas.
z) Respeitando estas operações ao mesmo investimento – parque fotovoltaico do ...– as características do ativo subjacente à operação são as mesmas, assim como os riscos assumidos e o enquadramento económico.
aa) Como resulta do n.º 1 do art.º 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001 “O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes o método mais apropriado a cada operação ou série de operações” dentre os que são apresentados nas alíneas a) e b) do mesmo preceito.
bb) Esclarece o n.º 2 do art.º 4.º que “Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas (…)”.
cc) Por sua vez, o n.º 3 do art.º 4.º indica que “Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.”
dd) Assim, uma vez identificadas operações comparáveis individualizadas, tanto no objecto como nos demais termos e condições, o método do preço comparável de mercado é o método que se reputa de apropriado para a determinação do preço de mercado, pois, deve ser o adoptado, de acordo com a alínea b) do n.º 2 do art.º 6.º da Portaria, “Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transacção da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.”
C. O regime dos preços de transferência:
1. Questão central no âmbito do presente processo diz respeito a saber da existência de relações especiais entre as partes contratantes na operação de compra e venda de acções de 31 de Janeiro de 2011, cujo valor foi corrigido pela AT para efeitos de apuramento da base fiscal de IRC. Com efeito, a falta de independência das partes constitui o pressuposto subjetivo essencial, aliás a primacial razão de ser da convocação e aplicação do regime de preços de transferência previsto no artigo 63.º, n.ºs 1 e 4 do CIRC.
2. Cumpre, por isso, fazer uma digressão teórica prévia pelo regime dos preços de transferência para, de seguida, analisar o caso concreto.
3. O regime de “preços de transferência”, constitui uma cláusula anti-abuso, através da qual visa-se evitar que «entidades relacionadas» - entidades entre as quais existem relações especiais nos termos previstos no n.º 4 do artigo 63.º (correspondente ao anterior artigo 58.º) do Código do IRC (CIRC) - nas relações que desenvolvem entre si, estabeleçam, contratem ou pratiquem operações, nos termos descritos no art.º 9.º da Convenção Modelo da OCDE e no n.º 1 do art.º 63.º (ex-58.º) do CIRC, que sejam substancialmente diferentes das que seriam contratadas entre entidades independentes.
4. Pretende-se, com o regime dos preços de transferência, que a tributação de operações entre entidades que mantenham relações especiais se faça com base nos valores que seriam acordados em situações normais de mercado, dando-se à administração tributária a possibilidade de fazer as correcções que entenda necessárias ao lucro tributável de um sujeito passivo de modo a que esse resultado, para efeitos exclusivamente tributários, seja o que devia ser em condições normais de mercado, expurgando-o, assim, dos efeitos fiscais imputáveis à especialidade das relações entre os contraentes (assim, v. decisão proferida no processo nº 300/2013-T).
5. Tem sido pacífico o entendimento de que os pressupostos legais para que a AT possa corrigir a matéria coletável ao abrigo do anterior artigo 58.º e atual artigo 63.º do CIRC são os seguintes (assim, cfr., entre outros, o Ac. do TCA Sul, proc. n.º 01573/98, de 9.4.2002 e, em sentido idêntico, a decisão proferida no processo nº 300/2013-T):
a) A existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa;
b) Que entre ambos se tenham estabelecido condições diferentes das normalmente acordadas entre pessoas independentes;
c) Que tais relações especiais sejam causa adequada das ditas condições;
d) Que aquelas tenham conduzido a um lucro apurado diverso do que se apuraria na sua ausência.
6. O legislador pretende, desta forma, limitar os eventuais abusos que as operações entre entidades com relações próximas – “relações especiais” – podiam implicar face à (eventual) concertação dos termos e das condições em que contratam.
7. Dito de outra forma, o regime consiste na política de preços que vigora nas relações internas de empresas interdependentes, que devido as relações especiais, podem gerar a fixação de preços artificiais, diferentes dos preços de mercado.
8. O regime dos preços de transferência pretende, por conseguinte, determinar a correcção do preço praticado intra-grupo, se a isso houver lugar.
9. Sempre que existam relações especiais (vg pelo facto de a entidade participante deter uma percentagem igual ou superior a 10 por cento do capital da sociedade participada), deve consequentemente ser dado cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 58.º do CIRC (actual artigo 63.º), ou seja, nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que seriam normalmente contratados, aceites ou praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
10. Tal significa que, funcionando o artigo 58.º do CIRC (actual artigo 63.º) como uma cláusula anti-abuso, tipicamente ao dispor da Administração Tributária, verificando-se relações especiais nos termos do n.º 4 do artigo 58.º (actual n.º 4 do artigo 63.º), e se as partes não observarem as condições que seriam acordadas entre pessoas independentes, há lugar a correcções de forma a repor a tributação de acordo com os valores de mercado ou de plena concorrência (assim, cfr. acórdão proferido no processo nº 239/2015-T do CAAD, parágrafos 59. e 60 e, em sentido idêntico, acórdão proferido no processo n.º 733/2015-T).
11. Emerge aqui o princípio de plena concorrência, como paradigma do regime dos preços de transferência, em torno do qual se foi firmando um amplo consenso internacional por se entender que a sua adopção permite não só estabelecer uma paridade no tratamento fiscal entre as empresas integradas em grupos internacionais e empresas independentes como neutralizar certas práticas de evasão fiscal e assegurar a consequente protecção da base tributável interna (cfr. preâmbulo da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro).
12. O princípio de plena concorrência permite assim assegurar que todos os operadores económicos são tratados do mesmo modo no que concerne à determinação da base tributável para efeitos de imposto sobre o rendimento, independentemente do facto de fazerem parte de um grupo ou de constituirem entidades independentes no mercado.
D. O pressuposto da existência de relações especiais para aplicação do regime de preços de transferência:
13. Constitui pressuposto basilar e essencial de aplicação do regime de preços de transferência a existência de relações especiais entre as partes que, uma vez verificadas, serão qualificadas como “partes relacionadas”.
14. Uma vez confirmada a existência de uma operação entre partes ligadas por relações especiais, tal como definidas na lei, impõe-se observar o princípio da plena concorrência, sem a necessidade de demonstração de elementos adicionais, como seja um intuito abusivo dos intervenientes (cfr. n.º 1 do art. 63.º do CIRC, n.º 1 do art. 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001, bem como n.º 3 do art. 77.º da LGT) (neste sentido, cfr. acórdão proferido no processo nº 733/2015-T).
15. O conceito de relações especiais é, por isso, essencial para enquadrar a aplicação do regime dos preços de transferência sendo fundamental verificar se existem ou não relações especiais perante a análise dos preços praticados entre duas empresas.
16. Este conceito encontra-se previsto no artigo 9º do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE sobre o Rendimento e o Património e no n.º 4 do artigo 63º do CIRC (e, bem-assim, no n.º 4 do artigo 58.º do anterior CIRC).
17. É certo que a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, confere às entidades que se encontrem em relação especial a responsabilidade de dispor de um conjunto de informação e documentação relativa às suas práticas e metodologias adotadas em termos de preços de transferência.
18. Mas esta constitui uma obrigação acessória dessas entidades.
19. No quadro das obrigações fiscais em sede de Preços de Transferência, os sujeitos passivos do IRC que pratiquem operações com entidades relacionadas devem estar em condições de comprovar, perante a Autoridade Tributária, que os termos e condições praticados nessas operações vinculadas, em cada período de tributação, observam o princípio da plena concorrência, devendo fazê-lo, em condições normais, no Dossier Fiscal de Preços de Transferência.
20. Pretende-se, dessa forma, que, perante a constatação da existência de relações especiais entre duas entidades, a AT demonstre que as condições praticadas são diferentes das que existiriam entre partes não relacionadas, em consequência de uma análise factual ponderada e neutra da situação que lhes permita concluir se se está ou não perante o estabelecimento de condições diferentes das condições que seriam normalmente acordadas (neste sentido, ainda que num contexto diverso, cfr. acórdão proferido no Processo nº 609/2015-T).
21. Nos termos do n.º 6 do artigo 63.º do CIRC, a entidade deve preparar e disponibilizar informação e documentação respeitantes à política adoptada na determinação dos preços de transferência prevendo o artigo 117.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (‘RGIT’) que a falta de apresentação no prazo que a administração tributária fixar da documentação respeitante à política adotada em matéria de preços de transferência seja punível com coima, por cada período de tributação em que se verifique a falta de documentação de Preços de Transferência, nos casos em que aquela deva existir.
22. Esta obrigação acessória não se verifica quando a entidade, no exercício anterior, tenha um volume de negócios inferior a 3 milhões de euros, não obstante dever assegurar a verificação do princípio da plena concorrência.
23. Por tudo isto, e assentando o regime dos preços de transferência em dois princípios basilares - o da plena concorrência e o da comparabilidade – cabe à AT demostrar que o regime dos preços de transferência não foi correctamente aplicado, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º, da Lei Geral Tributária, devendo seguir-se igualmente o disposto no artigo 77.º, n.º 3 do CIRC.
24. Por outras palavras, e conforme resultava do n.º 1 do artigo 58.º (actual artigo 63.º) do CIRC e do n.º 1 do art. 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001, que se reportam ao “dever” de contratar, aceitar e praticar “termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”, as regras sobre preços de transferência estabelecem, para efeitos de determinação da matéria coletável, a obrigação, para as entidades em situação de relações especiais, de adotarem, nas transações entre si efetuadas, critérios de determinação do valor idênticos aos utilizadas por entidades independentes em operações equivalentes.
25. É a violação desta obrigação legal – não a prévia deteção de um qualquer objetivo abusivo – que determina a necessidade de correções à matéria colectável por parte da AT, como se conclui do n.º 3 do art. 77.º da LGT quando alude à “determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais” “sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei” para a situação de relações especiais.
E. Análise concreta: partes não relacionadas:
26. Aqui chegados, a primeira questão que importa examinar prende-se com a aferição da existência de relações especiais entre as partes contratantes na operação de compra e venda de acções de 31 de Janeiro de 2011, cujo valor foi corrigido pela AT para efeitos de apuramento da base fiscal de IRC.
27. Com efeito, a falta de independência das partes constitui o pressuposto subjetivo essencial, aliás a primacial razão de ser da convocação e aplicação do regime de preços de transferência previsto no artigo 63.º, n.ºs 1 e 4 do CIRC.
28. Neste âmbito, está provado que em 31 de Janeiro de 2011 a Requerente alienou à N..., S.A. (actualmente C..., S.A.), a participação social que detinha na sociedade B..., S.A., e que correspondia a 51% do capital social desta última, pelo preço de € 5,00 por acção coincidente com o seu valor facial (um preço total de € 25.500,00, respeitante a 5.100 acções).
29. A entidade alienante, a ora Requerente, é detida em 51% pela entidade adquirente, a N..., S.A. (C..., S.A.), pelo que ambas estão em situação de relação especial nos termos do artigo 63.º, n.º 4, a) do CIRC, segundo o qual, na redacção à data dos factos, existem relações especiais entre duas entidades na situação em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra; o que se considera verificado, designadamente, entre uma entidade e os titulares do respetivo capital, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto.
30. Assim, com referência ao momento em que se realizou a operação de compra e venda das acções, as duas entidades, alienante e adquirente, estavam em situação de relações especiais.
31. No entanto, esta operação provém de um Acordo de Parceria que foi celebrado entre partes não relacionadas, em 28 de Março de 2008, em contexto de mercado.
32. Aliás, o próprio contrato de compra e venda das ações, remete para o referido Contrato de Parceria, de 28 de Março de 2008 (bem como para os ulteriores Acordo Parassocial de 14 de Abril de 2009 e Aditamento ao Acordo Parassocial de 31 de Outubro de 2009, que ligam as partes do contrato), estabelecendo que o “preço global convencionado é o correspondente ao valor nominal das acções (€ 25.500,00), que a "A...” declara devidamente compensado com as importâncias disponibilizadas pela "N..." a favor da "A...” no acto da realização da participação desta no capital social da "B...”, deixando inteiramente claro que o preço alcançado era reflexo de um equilíbrio de compensações entre aquelas entidades, e que, portanto, o valor transaccionado só se encontraria plenamente espelhado no somatório do preço com aquilo que tinha sido “devidamente compensado” antes da transacção.
33. O Acordo de Parceria envolveu a Requerente, a sua sócia e respectivo cônjuge, por um lado, e a N..., S.A., a D... SGPS, S.A., a L..., SGPS, S.A., e a F..., SGPS, S.A., por outro lado. Quando da celebração da parceria a Requerente e a sua sócia eram entidades independentes em relação às empresas do universo da D..., circunstância que não vem controvertida.
34. Também é consensual que a Requerente, à data do Acordo de Parceria, era titular de dois Pedidos de Informação Prévia (“PIP”) que lhe permitiam instalar dois pontos de recepção de energia eléctrica (Parques Fotovoltaicos), dos quais um (o do ... Madeira) está em discussão nos presentes autos. Porém, os capitais próprios da Requerente eram negativos e esta não dispunha de estrutura e de recursos – meios financeiros, técnicos e humanos – para concretizar o investimento necessário e expressivo que a instalação de um Parque Fotovoltaico implicava e implica e que no caso concreto se cifrou em quase 10 (dez milhões) de euros.
35. Deste modo, com relevância para a questão em discussão nos presentes autos, a Requerente possuía um activo – o PIP para instalação de um Parque Fotovoltaico no ..., Madeira –, mas não reunia as condições para o desenvolver, sendo que, quer o PIP, quer a ulterior licença de estabelecimento, estavam sujeitas a prazos de caducidade. Por outro lado, a N..., S.A. dispunha de meios técnicos e de condições financeiras para realizar o investimento e operacionalizar a exploração energética com recurso parcial a crédito bancário (e credibilidade para o obter).
36. Como o ponto de recepção (de energia eléctrica) do ..., Madeira estava sujeito a um ónus de inalienabilidade até à entrada em funcionamento e exploração do Parque Fotovoltaico, nos termos da legislação aplicável, a Requerente, a sua sócia e a N..., S.A. (e demais parceiros) acordaram num conjunto de condições em que, de forma resumida, esta última desenvolvia e financiava exclusivamente o projeto (relembra-se, de cerca de 10 milhões de euros), ficando a seu cargo ainda a manutenção e gestão da própria Requerente. Em contrapartida, a sócia da Requerente e o seu cônjuge recebiam (e receberam) um pagamento inicial e diversas contribuições ulteriores, relativas ao valor das entradas de capital (incluindo aumentos de capital), prestações suplementares e suprimentos (na proporção que lhes cabiam) da sociedade-veículo que foi criada para este efeito (a B..., S.A.). Acresce que a Requerente e a sua sócia comprometiam-se a vender participações sociais detidas na sociedade-veículo, logo que o projecto entrasse em exploração “por um valor igual ao montante total das suas participações em cada projecto”.
37. Assim, ao contrário do que vem afirmado pela AT, não foram entidades em situação de relações especiais que definiram os contornos da parceria, as condições contratuais destas emergentes e as relações de troca respectivas. Foram, sim, entidades independentes, com interesses distintos e conflituantes, em momento anterior (quase três anos antes), ao da realização das operações.
38. É verdade que o Acordo de Parceria não refere “valor nominal”, relativamente ao preço pelo qual a venda das acções da sociedade-veículo havia de ser realizada. Afigura-se, porém, que tal conclusão está implícita neste e no Acordo Parassocial subsequente (e aditamento) e perpassa na expressão “por um valor igual ao montante total das suas participações em cada projecto”.
39. Convém notar a ulterior actuação da sócia J..., que veio a impugnar a deliberação de venda das acções pelo valor nominal, de 30 de Junho de 2010, e o negócio de 2 de Julho de 2010 (em Assembleia Geral da Requerente realizada em 28 de Março de 2011), dando início a diversos litígios nos tribunais, que foram sistematicamente (e sem excepção) decididos em sentido contrário ao pretendido pela referida sócia, validando, por conseguinte, o negócio e as condições em que foi realizado pela Requerente (valor nominal). Tal que significa que se esse valor (nominal) não estivesse em conformidade com o Acordo de Parceria e com o Acordo Parassocial teria certamente sido invalidado o negócio, nas condições em que foi feito (i.e., precisamente pelo valor nominal).
40. Em suma, a venda de acções em causa fez parte de um acordo global, que envolveu diversas contrapartidas, tendo toda a parceria ou “Joint Venture” sido delineada e acordada entre partes independentes, pelo que não se trata de um caso de preços de transferência.
41. É verdade que, posteriormente, tais partes passaram a ser relacionadas, mas o que se verificou foi a execução faseada no tempo de compromissos previamente assumidos entre partes independentes (nos quais se inclui a compra e venda de partes sociais da sociedade-veículo especificamente criada para o efeito), pelo que os preços praticados foram, por definição, de plena concorrência, i.e., “contratados, aceites e praticados […] entre entidades independentes em operações comparáveis”, conforme postula o artigo 63.º, n.º 1 do CIRC.
F. Análise concreta: falta de comparabilidade
42. Acresce assinalar que, ainda que se entendesse que a venda das acções pela Requerente à C..., S.A. tinha sido realizada por sociedades em situação de relações especiais, impunha-se, nessas circunstâncias, a adopção de um método de determinação do respectivo preço susceptível de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade.
43. Para se alcançar esse desiderato da comparabilidade, estabelece-se que os sujeitos passivos devem seguir um de três métodos (o método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado), ou, na sua impossibilidade ou insuficiência, outros métodos (nomeadamente o método do fracionamento do lucro ou o método da margem líquida da operação, conforme preceitua o artigo 63.º, n.º 3, a) e b) do CIRC).
44. Quanto à comparabilidade, estabelece o artigo 4.º, n.º 3 da Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, que “Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.” (sublinhado nosso)
45. Assim, todas as características que sejam susceptíveis de afectar o preço têm de ser semelhantes, designadamente e com relevância para o caso, as funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos; os termos e condições contratuais e a estratégia das empresas (estes e outros factores de comparabilidade são enunciados pelo artigo 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001).
46. Considerações estas que advêm dos princípios estabelecidos no seio da OCDE, referindo-se no parágrafo § 1.33 das Guidelines: “Application of the arm’s length principle is generally based on a comparison of the conditions in a controlled transaction with the conditions in transactions between independent enterprises. In order for such comparisons to be useful, the economically relevant characteristics of the situations being compared must be sufficiently comparable. To be comparable means that none of the differences (if any) between the situations being compared could materially affect the condition being examined in the methodology (e.g. price or margin), or that reasonably accurate adjustments can be made to eliminate the effect of any such differences.”
47. Aliás, o artigo 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001 limita-se a reproduzir os cinco factores que, de acordo com os parágrafos § 1.36 e seguintes das Guidelines da OCDE, podem determinar a comparabilidade dos preços (ou das margens) das operações: “Attributes or «comparability factors» that may be importante when determining comparability include the characteristics of the property or services transferred, the functions performed by the parties (taking into account assets used and risks assumed), the contractual terms, the economic circumstances of the parties, and the business strategies pursued by the parties.”
48. Quanto à metodologia a adoptar pelos sujeitos passivos para se assegurar essa comparabilidade, esclarece também a Portaria nº 1446-C/2001, no seu artigo 4.º, n.º 2: “Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.” (sublinhado nosso)
49. A opção, no caso vertente, pelo “método do preço comparável de mercado” significa que a AT entendeu preenchido o requisito do “grau mais elevado de comparabilidade”, através da identificação de uma das situações que o aconselham: “Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares” (artigo 6.º, n.ºs 1 e 2, a) da Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de Dezembro).
50. Todavia, este entendimento da AT desconsidera diversos factores de comparabilidade, cuja análise permite alcançar a conclusão contrária: o negócio de 31 de janeiro de 2011, através do qual a Requerente vendeu as acções que detinha na B..., S.A. (pelo valor nominal), tem condicionantes bem distintas daquelas que presidiram ao negócio de alienação, em 30-10-2009 e 04-11-2009, pela C..., S.A., de participações perfazendo 30%, na B..., S.A. à E..., SGPS, S.A.. Não são, portanto, comparáveis.
51. Desde logo, a disparidade de preços, usada como referencial pela AT, aliada ao preço simbólico de € 1,00, põe em causa a adequação do próprio comparável. Importa não esquecer que a operação em causa é de transmissão de participações sociais e que a aplicação de um método desta natureza (MPCM), para ser fidedigno, deveria basear-se em cotações múltiplas.
G. Ónus da Prova:
52. Na ausência da documentação relativa a operações com entidades relacionadas no exercício de 2011, a Requerente foi notificada pelos Serviços de Inspecção, em 25 de Fevereiro de 2013, para que demonstrasse que, na referida operação de compra e venda de acções, praticada entre entidades em situação de relações especiais, tinham sido contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, apresentando, para o efeito, todos os elementos a que se refere o artigo 63.º, n.º 6 do CIRC.
53. A Requerente respondeu a esta solicitação explicando o contexto do Acordo de Parceria no qual essa operação se inseriu, e alegando que, em seu entender, as operações foram realizadas entre partes independentes, em concreto: “Na génese dos contratos de venda das ações das sociedades anónimas detentoras dos parques fotovoltaicos, entre a A... Unipessoal e N... SA, está o Contrato de Parceria assinado a 28 de março de 2008, sublinhe-se entre partes não relacionadas”.
54. Explicitou também que a sua participação nos investimentos se deveu a imperativos legais (o ónus de inalienabilidade do ponto de recepção de energia até ao momento da entrada em exploração), e que a entidade promotora dos mesmos foi a B..., S.A., empresa que concentrou, nos termos dos Acordos Parassociais, todo o esforço financeiro e económico de desenvolvimento dos projectos, facultando os elementos documentais à AT.
55. Convém ainda referir que a Requerente estava dispensada da obrigação de dispor de informação e documentação respeitantes à política adoptada na determinação dos preços de transferência, por não atingir o patamar de valor anual de vendas líquidas e outros proveitos previsto no artigo 13.º, n.º 3 da Portaria n.º 1446-C/2001.
56. Nestes termos, atenta a dispensa legalmente prevista e o facto de a Requerente ter dado resposta oportuna ao pedido de esclarecimentos dos Serviços de Inspecção, tendo facultado todos os elementos necessários à compreensão da transacção e do negócio global em que a mesma se inseriu, não pode considerar-se que tenha sido violado ou incumprido o dever de colaboração e que se justifique uma inversão do ónus da prova.
57. Acresce que da análise dos elementos facultados pela Requerente aos Serviços de Inspecção é de concluir que aquela justificou devidamente a aderência ao Princípio de Plena Concorrência (o “Arm’s Length Principle”) das condições estabelecidas na venda da participação por si detida na B..., S.A. à C..., S.A..
58. Cabia, deste modo, à Requerida, ao abrigo do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o ónus de demonstrar o afastamento das condições de mercado. O que não fez, seja por aplicar um método (MPCM) desadequado ao tipo de transacção (respeitante à venda de partes de capital), seja, em especial, por desconsiderar relevantes factores condicionantes da operação comparada – funções desempenhadas, riscos suportados, condições contratuais previamente acordadas e estratégia da empresa – que afastam inequivocamente a comparabilidade das transacções (a comparada e a alegadamente comparável).
E. Conclusão
59. À face do exposto, o ato tributário de liquidação de IRC supra identificado, referente ao exercício de 2011, é anulável por vício de violação de lei, em conformidade com o disposto no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), com correspondência no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.
60. Com efeito, para além de a operação em causa ter sido gizada e as respectivas condições acordadas entre partes independentes, no âmbito de um prévio Acordo de Parceria, mesmo que assim não se considerasse, a quantificação levada a efeito pela AT, desconsiderou factores de comparabilidade incontornáveis e assentou em operações cujos atributos não são comparáveis, em violação do disposto no artigo 63.º, n.º 2 do Código do IRC e dos artigos 4.º a 6.º da respectiva Portaria de regulamentação.
61. Ilegal é também o indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico sucessivamente deduzidos contra o mencionado ato tributário e que o confirmaram.
IV – DECISÃO:
Em face de tudo quanto antecede, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular o acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2013..., e correspondentes juros compensatórios, mantido na sequência de despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2015..., proferido pela Subdiretora-geral (por subdelegação), em 11 de Abril de 2018, e notificado em 16 de Abril de 2018.
b) Condenar a Requerida nas custas processuais, tudo com as legais consequências.
V - VALOR DO PROCESSO:
De harmonia com o disposto no artigo 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 720.866,70 (setecentos e vinte mil oitocentos e sessenta e seis euros e setenta cêntimos).
VI – CUSTAS:
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas, a cargo da Requerida AT, em € 10.404,00 (dez mil quatrocentos e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Lisboa, 29 de julho de 2019
O Árbitro Presidente
(José Poças Falcão)
O Árbitro Vogal
(Nuno Cunha Rodrigues)
A Árbitra Vogal
(Sofia Cardoso)