DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma e Prof. Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02-05-2019, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., LDA. (doravante designada por “Requerente”), Pessoa Coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, representante legal da B..., LDA. (doravante designada por “B...”), pessoa coletiva n.º..., veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a anulação da liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2017..., de 22-12-2017, e respetiva demonstração de liquidação de juros, referentes ao período de tributação de 2014, bem como a decisão da reclamação graciosa n.º ...2018... .
A Requerente pede ainda restituição do montante pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-02-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 09-04-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 02-05-2019.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido.
Por despacho de 14-06-2019 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
A) A B... era uma sociedade de direito português que prosseguia a atividade principal de “serviços de saúde na área da oftalmologia”, sujeita ao regime geral de determinação do lucro tributável em sede de IRC e ao regime de isenção para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).
B) Em 22-09-2015, ocorreu a fusão por incorporação da sociedade B... na sociedade A..., LDA (NIF...), com transferência global do seu património, tendo em comum os mesmos sócios e a atividade prosseguida, medicina oftalmológica;
C) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016..., iniciada em 16 de Maio de 2017, data em que se verificou a respetiva assinatura pelo sócio-gerente da ora Requerente, a B... foi objeto de uma inspeção de natureza externa e com um âmbito parcial de IVA e retenções na fonte de IRS, com incidência sobre o período de tributação de 2014;
D) Em 12-12-2017, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
3.1 - CORREÇÕES PROPOSTAS EM SEDE RETENÇÕES NA FONTE (IRS)
(...)
Analisados os balancetes analíticos, confirmou-se a necessidade de efetuar uma análise retrospetiva dos saldos evidenciados pelas contas correntes identificadas no quadro 3 seguinte (cfr. ANEXO 3), declarados pelo SP na IES/DA do exercício de 2014, exigindo-se a sua conciliação com os restantes elementos contabilísticos da sociedade:
F) Na sequência dos elementos até então recolhidos, no dia 08/09/2017, notificou-se pessoalmente o SP (cfr. ANEXO 4), tendo sido solicitados os seguintes esclarecimentos:
"1 - Identifique os meios de pagamento utilizados pelos seus clientes no exercício em análise (numerário, cheque ou transferência bancária).
2- As transferências bancárias dos clientes eram processadas para as contas bancárias da sociedade ou particulares dos médicos?
3 - Em nome de quem é que eram emitidos os cheques dos clientes (em nome da sociedade ou em nome dos médicos que prestam serviços em nome da sociedade) e em que contas bancárias foram os mesmos depositados (da sociedade ou particulares dos médicos).
4 - Porque não eram os cheques recebidos dos clientes depositados nas contas bancárias da sociedade B... LDA? Os valores depositados noutras contas bancárias eram depois, de alguma forma, transferidos para as contas bancárias da sociedade?
5- Como era efetuada essa transferência? Pelo valor total ou parcial?
6 - Nos exercícios anteriores a 2014 também depositava e transferia para as contas bancárias da sociedade todos os valores pagos pelos clientes?
7 - No exercício em análise, os valores monetários da sociedade estavam todos depositados em bancos ou a sociedade possuía valores em caixa? No caso de a sociedade possuir valores em caixa naquele exercício, concretize os locais onde estes se encontravam e se eram elaboradas folhas de caixa?
8 - No exercício em análise, a sociedade possuía ativos financeiros líquidos (meios financeiros líquidos) não refletidos na contabilidade. Em caso afirmativo, identifique-os e justifique.
9 - Qual a justificação para o saldo devedor das contas 26821 Activo Corrente/ Empréstimos a Sócios da contabilidade da sociedade, à data de 31/12/2014, no valor de € 1.064.000,00?
10 - Foram celebrados contratos de mútuo entre a sociedade e os sócios ou ata da Assembleia Geral que justifique o saldo devedor, em 31/12/2014, de €1.064.000,00 nas contas 26821 Activo Corrente/ Empréstimos a Sócios, referente a dívidas dos sócios à sociedade (268211 C... € 532.000,00; 268212 D..., € 532.000,00)? Em caso afirmativo, deverá identificá-los temporalmente e precisar os valores mutuados.
11 - Os empréstimos aos sócios efetuados em 2014 foram feitos de uma só vez ou parcialmente? Por que meios foram feitos os pagamentos ou as retiradas de dinheiro da sociedade (numerário, cheque ou transferência bancária), ficando desde já notificado para juntar cópia dos documentos comprovativos dos fluxos financeiros subjacentes.
12 - Foram realizados pagamentos de imposto de selo, pela sociedade com referência àquele(s) mútuo(s)?
13 - Foi realizada escritura pública do mútuo, tal como é exigível nos termos dos art. 1143.º do Código Civil, para mútuas superiores a € 25.000,00, conforme redação em vigor?
14 - Analisado o livro de Actas da Assembleia Geral da sociedade, pudemos constatar que na Acta nº 24 de 31/03/2014 é aprovado por unanimidade a realização de empréstimos aos sócios C... e D... a titulo de mútuos, tendo o sócio C... justificado a sua necessidade "...de modo a suprirem compromissos financeiros a curto prazo optimizando assim os encargos suportados pelos financiamentos a entidades externas....". Neste sentido, especifique os compromissos financeiros decorrentes de financiamentos a entidades externas d que se referiu.
15 - Qual a natureza da conta corrente "124 Bancos a regularizar'' na contabilidade da sociedade de 2014, com um saldo inicial do exercício de € 1.110.417,90 e ura saldo final nulo em 31/12/2014?
16- Alguma vez foi efetuada uma distribuição de lucros por parte da sociedade?
17 - Quem é que estava autorizado a movimentar as contas bancárias da sociedade no exercício em análise e em exercícios anteriores?
18 - Concretize para o ano em análise e para os anos anteriores, qual a sua função na sociedade, bem como da sócia D..., e como foram remunerados pela sociedade (forma de pagamento), peto exercício da prestação de trabalho dependente ou pelo exercício de cargos sociais, se for caso disso?"
De notar que as questões formuladas na notificação pessoal de 08/09/2017 constavam num Termo de Declarações que nos propúnhamos a lavrar naquele mesmo dia (08/09/2017), reproduzindo fielmente os esclarecimentos que fossem prestados pelo Dr. C... . Contudo, porque o Dr. C... afirmou que preferia responder posteriormente, para poder consultar o seu contabilista certificado (Dr. E...) e socorrer-se da informação que lhe poderia disponibilizar, atendeu-se à solicitação e formularam-se essas mesmas perguntas numa notificação pessoal.
G) Em 15/09/2017, o sócio-gerente enviou um email (com o registo da entrada na DF de Lisboa nº2017..., integrado no ANEXO 5), no qual:
informa que não será possível apresentar toda a informação elencada na notificação pessoal no prazo aí estipulado, a terminar no dia 18/09/2017;
solicita a extensão do prazo por um período de 15 dias, comprometendo-se a entregar a informação requisitada até ao dia 03/10/2017.
Em resposta ao solicitado, foi enviado email ao sócio-gerente, no qual se informou "...atendemos que o prazo concedido na notificação pessoal do dia 03/09/2017 seja alargado de B (oito) para 15 (quinze) dias, com início a 09/09/2017 e términus no dia 25/09/2017 (1º dia útil seguinte)." (vide ANEXO 5)
H) A resposta à notificação pessoal de 08/09/2017 foi remetida por email pelo representante nomeado pelo SP nos termos do artº52º do RCPITA em 25/09/2017 (com o registo de entrada nº20l7..., integrado no ANEXO 4), fazendo constar em ficheiro anexo, denominado "B...,Lda. - Respostas.docx", os esclarecimentos apresentados, que se reproduzem:
"1-No exercido em análise, os meus clientes utilizaram os meios de pagamento disponíveis e usuais para a tipologia de serviços em apreço (e.g., numerário e transferência bancária).
2-As transferências bancárias dos clientes eram processadas para a conta bancária da sociedade.
3 - Os cheques dos clientes eram emitidos em meu nome e depositados na conta da sociedade. Eventualmente se um cheque fosse creditado na conta pessoal era transferido para a conta da sociedade.
4 - Respondido no ponto 3.
5 - Respondido no ponto 3.
6 - Em primeiro lugar, importa referir que, nos termos do n.º1 do artigo 45º da Lei Geral Tributária "o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos (...)". A este respeito, acrescenta o n.º4 do mesmo artigo que "o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário". Desta forma, apenas teceremos comentários a partir de 1 de janeiro de 2013. Em face do exposto, e relativamente ao período em apreço remeto também os meus comentários para o ponto 3.
7 - A sociedade não possuía valores em caixa.
8 - A sociedade não possuía ativos financeiros líquidos que não estivessem refletidos na contabilidade.
9 - Nas contas 26821 Ativo Corrente/Empréstimos a Sócios encontram-se registados mútuos concedidos aos sócios, decorrentes de necessidades de financiamento dos mesmos, tal como mencionado na Ata n.º24.
10 - Sim. A este respeito remeto os meus comentários para o ponto 9. Em paralelo, identifico, de seguida, quer os montantes, quer a data, em que foram formalizados os mútuos a favor dos sócios: C...- 2/1/2014 de €266.000.00, 8/2/2014 de €24.000.00, 19/3/2014 de €24.000.00, 19/4/2014 de € 24.000.00, 21/5/2014 de € 24.000.00, 20/6/2014 de € 24.000.00, 8/7/2014 de € 24.000.00, 10/8/2014 de € 24.000.00, 18/9/2014 de €24.000.00, 2/10/2014 de €24.000.00, 22/11/2014 de € 24.000.00 e 15/12/2014 de €24.000.00.
D...- 2/1/2014 de € 268.000.00 €, 20/2/2014 de € 24.000.00, 15/3/2014 de € 24.000.00, 19/4/2014 de €24000.00, 15/5/2014 de €24.000.00, 19/6/2014 de € 24.000.00, 22/7/2014 de € 24.000.00, 2/8/2014 de € 24.000.00, 15/9/2014 de € 24.000.00, 16/10/2014 de € 24.000.00 €, 17/11/2014 de € 24.000.00 e 27/12/2014 de €24.000.00.
11 - Em função das efetivas saídas de dinheiro, em anos anteriores, para os sócios, apercebemo-nos que não estava devidamente registada contabilisticamente e formalizada a forma de financiamento acordada. Neste sentido, a celebração do contrato de mútuo visou apenas dar substância jurídica aos fluxos financeiros canalizados para os sócios anteriores a 1 de janeiro de 2013, período que, face ao prazo previsto no artigo 45ºda Lei Geral Tributária, se encontra encerrado para inspeção e eventuais liquidações da Autoridade Tributária e Aduaneira.
12 - Não.
13 - Não. Foi apenas quando ocorreu a fusão com a Sociedade A... Lda
14 - Não entendemos a questão, uma vez que, tal como referido no ponto 9, estamos a falar de necessidades de financiamento na esfera dos sócios.
15 - Como a contabilidade não espelhava devidamente a realidade dos factos ocorridos, os mútuos realizados aos sócios encontravam-se espelhados na conta "124 Bancos a regularizar", tendo-se optado em 2014 pela formalização da celebração dos mútuos, tal como referido nos nossos comentários ao ponto 11.
16 - Não.
17 - Os sócios Gerentes.
18 - Eu e a D... éramos sócios-gerentes da sociedade e ambos não auferimos quaisquer remunerações.
Lisboa 25 de Setembro de 2017
E...
C..."
l) Ainda dentro das diligências efetuadas, importa sublinhar que foram efetuados pedidos de colaboração ao principal cliente do SP, F... LDA (NIF...), através de notificação sob o ofício nº ... de 15/05/2017, tendo-se solicitado cópia dos meios de pagamento e dos mapas de apuramento dos valores pagos ao SP em análise, respeitantes aos honorários médicos prestados pelo Dr. C... nos exercícios de 2014 e 2015. Analisada a resposta obtida, confirmou-se que a faturação emitida pelo SP nestes dois exercícios foi sempre paga por este cliente através de cheque emitido em nome do médico Dr. C... e não em nome da sociedade. Importa notar que, a circularização efetuada junto da sociedade cliente do SP, através de notificação, também serviu para confirmar o correto enquadramento do SP em sede de IVA.
J) Analisados os registos contabilísticos dos fluxos financeiros do exercício de 2014 (cfr. ANEXO 6) e os extratos bancários da sociedade no Banco G... (conta bancária nº..., vide ANEXO 7), disponibilizados pelo SP, daquele mesmo exercício, confirma-se a falta de correspondência entre ambos, não tendo sido feita pela contabilidade a necessária reconciliação bancária. Para atestar este facto, salientam-se as fragilidades encontradas a este nível:
> Em 2014, foi criada na contabilidade do SP a conta 124 Bancos a Regularizar, como atesta o Diário de aberturas do exercício (integrado no ANEXO 3), onde não constava essa conta, que registava movimentos de fluxos financeiros sem qualquer suporte bancário.
Paralelamente, foi recolhida outra peça contabilística, o balancete inicial de 2014, onde já figura a conta 124 Bancos a Regularizar, com um saldo devedor de € 1.110.417,90, o que comprova que foi promovida uma retificação contabilística às contas de depósitos à ordem, como evidencia o quadro 4, sem assegurar a reconciliação bancária.
No exercício de 2014, a conta 124 Bancos a Regularizar, para além do saldo inicial devedor (€ 1.114.417,90), apenas registou movimentos a crédito, relativos a pagamentos efetuados pela Sociedade aos Sócios (mútuos da sociedade aos sócios, documentados com os contratos de mútuo e recibos de mútuo) e regularizações contabilísticas por contrapartida da conta ... (de forma a provisionar o saldo da conta), apresentando em 31/12/2014 um saldo nulo.
A propósito deste facto, inserido num pedido de esclarecimentos, em 17/05/2017 foi solicitado ao SP, através de email enviado ao sócio-gerente e ao contabilista certificado/representante nomeado pelo SP nos termos do artº52º do RCPITA, que explicitasse por escrito a natureza da conta corrente "124 Bancos a Regularizar" na contabilidade de 2014 (vide questão C) do email de 17/05/2017, integrado no ANEXO 8). Em 23/05/2017, da parte do contabilista certificado da sociedade foi respondido que "A conta corrente "124 Bancos a Regularizar" é utilizada quando existem despesas em nome da sociedade cujos valores são pagos pelas contas pessoais dos sócios ou quando, eventualmente não são apresentados atempadamente os extratos bancários. Posteriormente esta conta é reconciliada com as contas bancárias ou com "Mútuos"." (integrada no ANEXO 8) Na notificação pessoal de 08/09/2014 (vide ANEXO 4), voltou-se a questionar o sócio-gerente sobre esta matéria, na questão 15, "Qual a natureza da conta corrente "124 Bancos a regularizar" na contabilidade da sociedade de 2014, com um saldo inicial do exercido de € 1.110.417,90 e um saldo final nulo em 31/12/2014?", tendo-se obtido em resposta, "15 - Como a contabilidade não espelhava devidamente a realidade dos factos ocorridos, os mútuos realizados aos sócios encontravam-se espelhados na conta "124 Bancos a regularizar", tendo-se optado em 2014 pela formalização da celebração dos mútuos, tal como referido nos nossos comentários ao ponto 11".
> O registo dos fluxos financeiros na contabilidade da sociedade no exercício de 2014 é também assegurado pela conta corrente de 121 Depósitos à Ordem/... (vide ANEXO 6), estando evidenciados a débito, os recebimentos provenientes das prestações de serviço médicas da sociedade e regularizações contabilísticas de forma a provisionar o saldo da conta (por contrapartida da conta 124 Bancos 3 Regularizar), a crédito. Os pagamentos a terceiros (fornecedores, Estado) e aos sócios (mútuos da sociedade aos sócios contabilizados em dezembro de 2014, documentados com recibos de mútuo)!
> Na "declaração de responsabilidade final de exercício", respeitante ao exercício de 2014, emitida a pedido do contabilista certificado da sociedade, o sócio-gerente da sociedade, o Dr. C..., em 31/12/2014, assume que "Não foram apresentados os movimentos financeiros adequados nem justificadas algumas verbas que se encontram em contas a regularizar" (integrada no ANEXO 2);
> Analisando os extratos bancários da sociedade respeitantes à conta ordem no banco G... (integrados no ANEXO 7), conclui-se que:
—> Os lançamentos contabilísticos efetuados nas contas correntes 121 Depósitos à Ordem/..., respeitante à conta à ordem no banco G..., em nome da sociedade (conta nº...), e na 124 Depósitos à Ordem/Bancos a Regularizar, não são confirmados pelos movimentos bancários. O quadro 5 destaca a análise efetuada em 2014, em termos de saldos mensais, evidenciando bem a diferença entre o valor registado pela contabilidade e pelo banco:
—> Em 2014, a nível dos influxos na conta bancária de depósitos à ordem da sociedade no banco G..., identificam-se fluxos de entrada respeitantes a transferências bancárias de contas dos clientes e de contas particulares do sócio-gerente, bem como depósitos ("depósito múltiplo);
—> A nível dos exfluxos da conta bancária de depósitos à ordem do banco G..., identificaram-se pagamentos de múltiplas despesas a fornecedores, ao Estado, transferências bancárias, cheques emitidos e levantamentos de multibanco, não se detetando, nas datas dos contratos de mútuo e dos recibos de mútuo, que titulam os empréstimos da sociedade aos sócios, fluxos de saída na conta bancária que correspondam aos valores mutuados aos sócios no exercício de 2014, no montante total de € 1.064.000,00;
—> Note-se que, no exercício de 2014, a conta bancária à ordem da empresa era provida dos recursos financeiros necessários para o cumprimento das obrigações da sociedade. As entradas de dinheiro efetuadas pelo sócio-gerente na conta bancária da sociedade neste exercício não são reposições das entregas efetuadas pela sociedade ao sócio neste ou noutros exercícios, mas sim dotações de liquidez que a sociedade precisava para cumprir com as responsabilidades, as quais poderiam ser repostas aos sócios, assim que a empresa gerasse liquidez;
—> Os lançamentos contabilísticos registados nas contas 12 Depósitos à Ordem no exercício de 2014 não passam de meras regularizações contabilísticas do saldo bancário, sem estarem suportadas por evidências das entregas efetivas de recursos financeiros da conta bancária da sociedade para os sócios ao longo do exercício em análise (2014), alegadas nos contratos e recibos de mútuo que suportam os empréstimos da sociedade aos sócios contabilizados naquele ano.
L) Ao longo do exercício em análise, na contabilidade do SP, identificam-se registos contabilísticos assumindo empréstimos da sociedade aos sócios (cfr. ANEXO 9), que se resumem de seguida no quadro 6:
REGISTOS CONTABILÍSTICOS ASSUMINDO EMPRÉSTIMOS DA SOCIEDADE AOS SÓCIOS NO EXERCÍCIO DE 2014
Em 2014, face ao elevado saldo inicial da conta de "12 Depósitos à ordem" (€ 1.114.075,43), a sociedade registou na contabilidade a existência de empréstimos aos sócios C... e D..., creditando as contas correntes 124 Depósitos à Ordem/Bancos a Regularizar (de janeiro a dezembro) e 121 Depósitos à Ordem/... (em dezembro) por contrapartida das contas correntes de sócios, 268211 Ativo Corrente - Empréstimos a Sócios/C... e 268212 Ativo Corrente - Empréstimos a Sócios/D... . Ao longo do exercício de 2014, a canta 12 Depósitos à Ordem foi desta forma reduzida, no montante total de € 1.064.000,00, tal como ilustra o quadro 6, passando as duas contas indicativas de créditos concedidos aos sócios a ter um saldo devedor global, em 31/12/2014, precisamente no mesmo valor.
Deste modo, no exercício de 2014, a contabilidade indica que foram mobilizados recursos financeiros da sociedade registados nas contas 12 Depósitos à Ordem, no montante total de € 1.064.000,00 (€ 12.000,00 da conta 121 Depósitos à Ordem/..., € 1.052.000,00 da conta 124 Depósitos À Ordem/Bancos a Regularizar), transferindo-os para a esfera dos seus sócios, com a natureza de empréstimo ou mútuo aos sócios.
Tal como ilustra o quadro 6, cada lançamento contabilístico de registo dos mútuos da sociedade aos sócios tem como documento suporte um "contrato de mútuo" ou um "recibo de mútuo" (integrados no ANEXO 9), como se resume:
Dois contratos de mútuo no valor de € 268.000.00 cada, celebrados em 02/01/2014, nos termos do artº1142º do Código Civil, entre a sociedade e cada um dos sócios, C... e D..., que referem na sua cláusula 1ª, "O mutuante entrega nesta data ao mutuário a quantia de 268.000,00 euros, (duzentos e sessenta e oito mil euros) a título de mútuo, quantia que este recebe e na qual se reconhece e confessa devedor". Definem ambos como prazo de amortização do empréstimo 36 meses e as partes acordam que o mútuo não tinha caráter oneroso, não sendo sujeito ao pagamento de qualquer juro, nem estaria sujeito a Imposto do Selo. Referem ainda na cláusula 5ª o não reconhecimento notarial das assinaturas e dispensam as partes das formalidades previstas no artº1143º do Código Civil. Ambos os contratos foram assinados pelo Dr. C..., como primeiro outorgante (mutuante) e novamente, mas em nome pessoal, como segundo outorgante (mutuário).
22 recibos de mútuo, 11 assinados pelo sócio C... e 11 pela sócia D..., assumindo mensalmente, ao longo do exercício de 2014, um valor pago ao mutuário (ao sócio em questão) inferior a € 25.000.00, quantia que cada um reconhece ter recebido e da qual se confessa devedor, assinando o respetivo recibo de mútuo. Tal como nos contratos de mútuo, os mútuos concretizados sob a forma de "recibo de mútuo" também não estariam sujeitos ao pagamento de qualquer juro, nem estariam sujeitos a Imposto do Selo.
Através destes documentos assinados pelos sócios-gerentes, os mesmos assumem que foi transferido para a sua esfera pessoal um fluxo financeiro.
De notar que a deliberação por unanimidade da decisão de realização de empréstimos aos dois sócios a título de mútuo, em reunião de Assembleia-geral da sociedade, só veio a ocorrer posteriormente, em 31/03/2014, conforme Acta nº 24 da Assembleia-geral (integrada no ANEXO
M) Reproduzem-se ainda alguns excertos relacionados com a justificação dos empréstimos da sociedade aos sócios, retirados dos esclarecimentos prestados pelo sócio-gerente, em resposta à notificação pessoal de 08/09/2017 (integrado no ANEXO 4):
—> "9 - Nas contas 26821 Ativo Corrente/Empréstimos a Sócios encontram-se registados mútuos concedidos aos sócios, decorrentes de necessidades de financiamento dos mesmos, tal como mencionado na Ata n.º24.", necessidades de financiamento que não especificou quando foi questionado, respondendo "14 - Não entendemos a questão, uma vez que, tal como referido no ponto 9, estamos a falar de necessidades de financiamento na esfera dos sócios." (respostas às questões 9 e 14);
—>"77 - Em função das efetivas saídas de dinheiro, em anos anteriores, para os sócios, apercebemo-nos que não estava devidamente registada contabilisticamente e formalizada a forma de financiamento acordada. Neste sentido, a celebração do contrato de mútuo visou apenas dar substância jurídica aos fluxos financeiros canalizados para os sócios anteriores a 1 de janeiro de 2013, período que, face ao prazo previsto no artigo 45º da Lei Geral Tributária, se encontra encerrado para inspeção e eventuais liquidações da Autoridade Tributária e Aduaneira." (resposta à questão n). Esta foi a resposta apresentada pelo SP quando foi notificado para apresentar cópia dos documentos comprovativos dos fluxos financeiros subjacentes aos empréstimos efetuados pela sociedade aos sócios em 2014, não tendo apresentado prova de quaisquer fluxos financeiros;
—> "15- Como a contabilidade não espelhava devidamente a realidade dos factos ocorridos, os mútuos realizados aos sócios encontravam-se espelhados na conta "124 Bancos a regularizar", tendo-se optado em 2014 pela formalização da celebração dos mútuos, tal como referido nos nossos comentários ao ponto 11." (resposta à questão 15).
Efetuado o levantamento documental, propõe-se a apreciação dos documentos que titulam os mútuos da sociedade aos sócios (contratos de mútuo, recibos de mútuo), analisando os movimentos contabilísticos subjacentes em contas correntes de sócios e de depósitos à ordem, acompanhando a sua coerência com os extratos bancários da sociedade.
Análise dos factos
Importa elencar os factos que indiciam a falta de retenção na fonte de IRS sobre rendimentos da sociedade lançados a débito em conta corrente de empréstimos a sócios no exercício de 2014 (créditos a favor dos sócios):
1) Tendo a sociedade iniciado a sua atividade em 1997, reproduz-se de seguida um quadro resumo com algumas informações pertinentes de 2003 a 2014, extraídas das IES/DA entregues pelo SP.
2) Da análise dos valores declarados pelo SP nas IES/DA, resulta que:
> Nos anos anteriores a 2014, verifica-se que, em anos sucessivos e com uma tendência crescente, foram sempre declarados no balanço da sociedade saldos finais acumulados na conta de "Depósitos bancários e caixa", não sendo declarado qualquer saldo na conta de empréstimos a sócios, na rubrica "Outros Activos Correntes";
> Na IES do exercício de 2014, foram declarados no balanço da sociedade, € 1.116.150,00 em "Outros Activos Correntes" (segundo o balancete analítico indica € 1.064.000,00 de empréstimos a sócios *- € 52.150,00 acréscimos de rendimentos), um saldo final de "Caixa" nulo e um saldo de "Depósitos à ordem" de € 17.986,20;
> O SP praticou uma política de retenção de lucros (nunca distribuiu lucros), acumulando-os em "Outras Reservas" e "Resultados Transitados" ao longo dos vários anos de existência da sociedade;
> No exercício em análise, os gastos com pessoal declarados dizem respeito às remunerações e encargos suportados com a única funcionária (H..., NIF...).
3) Dos elementos contabilísticos recolhidos na contabilidade do SP do exercício em análise, verificou-se o seguinte:
=> A liquidez da sociedade deixou de ser assegurada por elevados valores na conta "12 Depósitos à Ordem" (saldo devedor abertura 2014 = € 1.114.075,43; saldo devedor final 2014 = € 17.986,20), como evidenciam os quadros 3, 4 e 5 do relatório, distribuídos por duas Contas correntes (121 Depósitos à Ordem/... e 124 Depósitos a Ordem/Bancos a Regularizar) que não tinham aderência à conta bancária da sociedade associada, efetuando diversos lançamentos contabilísticos ao longo do exercício de 2014, como se resumiu no quadro 6, cujos montantes totalizaram € 1.064.000,00, creditando as contas 121 Depósitos à Ordem/... e 724 Depósitos à Ordem/Bancos a Regularizar, por contrapartida da conta de empréstimos a sócios, 26827 Activo Corrente – Empréstimos a Sócios (268211 Ativo Corrente - Empréstimos a Sócios/C... €532.000,00; 265272 Ativo Corrente - Empréstimos a Sócios/D..., € 532.000,00), que passa a ter um saldo devedor global naquele mesmo valor em 31/12/2014.
=> Ou seja, a contabilidade do exercício em análise alterou os procedimentos contabilísticos seguidos nos anos anteriores (acumulação dos saídos devedores em "depósitos bancários", com uma tendência crescente), transferindo diretamente o montante total de € 1.064.000,00, em 2014, de "Depósitos à Ordem" para a esfera dos sócios, como uma "dívida" dos sócios à sociedade, apenas documentados por "contratos de mútuo" e "recibos de mútuo."
4) Com efeito, a verificação contabilística efetuada ao exercício em análise confirma que:
=> Não existem na contabilidade do exercício de 2014 documentos comprovativos dos fluxos financeiros subjacentes às entregas efectivas de liquidez da sociedade para os sócios, alegadas nos contratos e recibos de mútuos firmados. Da análise dos extratos bancários da sociedade deste exercício, verifica-se que na conta bancária ficavam depositados os recursos financeiros necessários para assegurar o cumprimento das obrigações da sociedade;
=> Em 2014, identificaram-se fluxos de entrada na conta bancária à ordem da sociedade respeitantes a transferências bancárias de clientes/contas particulares do Sócio-gerente ou depósitos múltiplos (de cheques que terão sido emitidos em nome do médico, tal como assume o SP em resposta à questão 3 da notificação pessoal de 08/09/2017, vide ANEXO 4), que asseguraram as responsabilidades da sociedade perante terceiros;
=> De notar que, essas entradas bancárias de recursos financeiros, provenientes de contas pessoais do sócio-gerente ou depósitos de cheques, não são reposições das entregas efetuadas pela sociedade ao sócio neste ou em exercícios anteriores, mas sim dotações de liquidez na conta à ordem da sociedade para fazer face às suas responsabilidades, as quais poderiam ser repostas aos sócios, assim que a empresa gerasse liquidez.
5) Em 08/09/2017, o sócio-gerente foi notificado para prestar um cabal esclarecimento sobre estas matérias, mas na resposta que apresentou (vide ANEXO 4), confirmou a existência de contratos de mútuo ou de empréstimo da sociedade aos sócios, tal como foi aprovado na Acta da Assembleia-geral da sociedade nº24 de 31/03/2014, formalizados nas datas e nos montantes que a contabilidade reproduz, para justificar as saídas efectivas de fluxos financeiros para os sócios ao longo dos anos. Quando questionado para especificar os compromissos financeiros decorrentes de financiamentos a entidades externas que justificaram a necessidade de realizar empréstimos da sociedade aos sócios a título de mútuos, tal como se encontra vertido na Acta nº24 de 31/03/2014, não os especificou, assumindo que se referiam a necessidades de financiamento na esfera dos sócios. Tendo sido notificado para apresentar cópia dos comprovativos dos fluxos financeiros subjacentes aos mútuos da sociedade aos sócios, nada apresentou.
6) Nunca foi deliberado pela sociedade em Assembleia-geral, a decisão de realização de "empréstimos aos sócios" até à acta nº 24 de 31/03/2014, como se impunha. Logo, a existência dos aludidos "empréstimos" e a consequente disponibilização de liquidez da sociedade aos sócios não foi mencionada até então, em qualquer prestação de contas comunicada quer à Administração Tributária, quer à Conservatória do Registo Comercial, ou outra entidade.
7) Analisando os documentos que titulam os mútuos reconhecidos na contabilidade da sociedade no exercício de 2014, em análise, conclui-se que:
—> Os contratos de mútuos celebrados em 2014 (2 contratos celebrados em 02/01/2014, no valor de € 268.000.00 cada, com cada sócio) constituem contratos celebrados por simples documento particular, assinados pelo sócio-gerente, o Dr.C..., sempre como primeiro outorgante (mutuante). Destaca-se aqui que, num deles, o primeiro e o segundo contraente são representados pela mesma pessoa, o Dr. C... e, no outro contrato, o segundo outorgante (mutuário) é a sócia-gerente D..., esposa do sócio-gerente;
—> Note-se que em relação a estes contratos de mútuo não foi pago qualquer Imposto do Selo, que sempre seria devido se a verdadeira natureza fosse essa, nem foi contabilizado qualquer pagamento de juros decorrente dos mesmos. Ainda que previsto no Código Civil, importa considerar que não é comum a inexistência de juros num contrato de mútuo, pois se os contratos fossem firmados entre entidades independentes, não seriam certamente esses os pressupostos. Por outro lado, ao disponibilizar aos sócios a liquidez gerada pela empresa, impediu que esta beneficiasse dos juros associados a qualquer aplicação que pudesse ter efetuado;
—> Não podemos deixar de mencionar que os alegados "contratos de mútuo", celebrados entre entidades relacionadas, deveriam tê-lo sido por escritura pública, como dispõe o artº1143º do Código Civil, ficando assim atacada a sua validade. Assim, verificados os alegados contratos de mútuo, e atento ao seu valor, não tendo sido os mesmos sujeitos a escritura-pública, conclui-se que se tratam de contratos em que a falta de forma legal implica a nulidade do negócio jurídico, conforme prevê o artº220º do Código Civil;
—> Sobre os 11 recibos de mútuo assinados pelo sócio C... e os 11 recibos de mútuo assinados pela sócia D... (num total de 22 recibos de mútuo), assumindo mensalmente ao longo do exercício de 2014 um valor pago ao mutuário (ao sócio em questão), inferior a € 25.000,00, verifica-se que, atendendo ao valor mutuado de cada recibo, a sua validade formal não se encontra diminuída à luz do disposto no artº1143º do Código Civil, contudo, questionam-se peto facto de esses "empréstimos" não serem onerosos, como é comummente consagrado em empréstimos entre entidades independentes, uma vez que se os empréstimos fossem firmados entre entidades independentes, não seriam esses os pressupostos. Por outro lado, ao disponibilizar aos sócios a liquidez gerada pela empresa, impediu que esta beneficiasse dos juros associados a qualquer aplicação que pudesse ter efetuado;
—> Em complemento, uma vez que não é possível confirmar nos extratos bancários da sociedade os exfluxos financeiros subjacentes às operações descritas nos documentos que titularam os empréstimos de mútuo da sociedade aos sócios (contratos e recibos do mútuo), os mesmos serão considerados documentos circunstanciais, que pretendiam aparentar a existência de empréstimos aos sócios;
—> Estas operações registadas contabilisticamente em 2014, independentemente da natureza que assumiram, deveriam sempre pressupor uma deliberação societária, a constar em acta dos órgãos decisores, justificando e identificando as operações, decisão essa que só veio a ocorrer em 31/03/2014;
8) Finalmente, refletindo os valores evidenciados na contabilidade, o SP com a entrega da IES/DA respeitante ao exercício de 2014, no balanço da empresa, vem declarar que, em 31/12/2014, detinha ativos respeitantes a empréstimos concedidos a sócios (cfr. quadro resumo 6 do presente relatório), aproveitando este exercício para corrigir os valores declarados em depósitos bancários, abandonando a política de acumulação de saldos bancários da sociedade, sem correspondência aos saldos efectivamente depositados na conta da sociedade em instituições bancárias.
Enquadramento legal dos rendimentos atribuídos aos sócios em 2014
Sistematizando os factos observados, apurou-se o seguinte:
A sociedade gerou rendimentos no exercício em análise por força da actividade profissional desenvolvida pelo sócio-gerente, oftalmologista, o Dr. C..., que nunca distribuiu lucros. O único prestador de serviços era o seu sócio-gerente, que formalmente laborava na sociedade a título gratuito e que dela não retirava quaisquer rendimentos;
Ficou demonstrado que até ao exercício de 2013 a contabilidade do SP não refletiu a existência de qualquer "empréstimo" da sociedade aos sócios;
Analisadas as IES/DA dos anos anteriores a 2014, verificou-se que foram sempre declarados no balanço da sociedade saldos devedores acumulados na rubrica de "Depósitos bancários e caixa", totalizando aquele ativo da sociedade o valor de € 1.114.075,43 em 2013, não sendo declarado ao longo dos anos qualquer empréstimo a sócios;
No entanto, em 01/01/2014 o dinheiro da sociedade contabilizado em depósitos à ordem, no valor de € 1.114.075,43 (na conta 121 Depósitos à Ordem/... segundo o diário de abertura do exercício de 2014), que justifica os resultados transitados acumulados pela sociedade ao longo de vários anos, efetivamente não se encontrava na sociedade, uma vez que o saldo inicial dos extratos bancários da sociedade naquela instituição bancária (G...), naquela data, só justifica € 8.332,20;
O sócio-gerente, nas declarações que prestou em 25/09/2017 (vide ANEXO 4), em resposta à questão 7 da notificação pessoal de 08/09/2017, "No exercício em análise, os valores monetários da sociedade estavam todos depositados em bancos ou a sociedade possuía valores em caixa? No caso de a sociedade possuir valores em caixa naquele exercido, concretize os locais onde estes se encontravam e se eram elaboradas folhas de caixa?", assumiu que" 7 - A sociedade não possuía valores em caixa. ";
Em 2014, foram sendo promovidos lançamentos na contabilidade, onde o SP procurou demonstrar entregas aos sócios (transferindo diretamente valores de "depósitos à ordem" para o património dos sócios e contabilizando-as diretamente como um crédito concedido aos sócios), que ocorreram na sequência de contratos de mútuo e recibos de mútuo, celebrados entre a sociedade e os sócios ao longo deste exercício;
Não se verificando os elementos caraterísticos dos empréstimos, apesar de terem sido apresentados contratos e recibos de mútuo, pelas suas fragilidades, que se tem vindo a sublinhar (inexistência de prova dos exfluxos financeiros em favor do sócios alegados no âmbito dos contratos e recibos de mútuos; inexistência de fixação de um preço - juros - que permita compensar a indisponibilidade do dinheiro e o risco associado; não prestação de garantia pessoal ou real; não pagamento de Imposto do Selo tal como o respetivo Código prevê), conclui-se que não é essa a natureza das operações;
No seguimento da análise efectuada no âmbito do presente procedimento inspetivo, de todos os factos observados, dos documentos avaliados e dos esclarecimentos prestados, conclui-se que a empresa não concretizou quaisquer empréstimos aos sócios. O que as entregas de recursos financeiros efetuadas pela empresa aos sócios refletem objetivamente, com origem em "Depósitos à ordem", é a colocação à disposição dos sócios de rendimentos, constituindo um incremento patrimonial dos seus rendimentos. Também não estão reunidos os pressupostos para que tal colocação à disposição seja considerada rendimentos do trabalho (nomeadamente, o facto de não haver qualquer conexão dos valores em causa com o trabalho prestado). Com efeito, apenas se pode concluir que se está perante rendimentos de capitais, sob a forma de distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros;
Tendo-se demonstrado a inexistência de mútuos da sociedade aos sócios, face à inexistência de outro fundamento válido para fazer afastar a presunção prevista no artº6, nº4 do CIRS (como resultarem da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais), terão que prevalecer as datas de lançamento dos mútuos expressas pela contabilidade;
Neste sentido, ficou demonstrado que no exercício em análise, a sociedade reconheceu no seu balanço, o montante total de empréstimos concedidos aos sócios de € 1.064.000,00, lançados contabilisticamente em contas correntes de empréstimos a sócios, conforme quadro 8 seguinte, declarando-os na IES/DA do exercício de 2014 (declaração com a identificação nº 2014...), que submeteu em 13/07/2015, declaração esta que transpõe os documentos de prestação de contas da sociedade daquele exercício, que foram objecto de deliberação e aprovação pelos sócios em Assembleia-geral, já comunicadas quer à Administração Tributária, quer à Conservatória do Registo Comercial, dando a conhecer a informação financeira sobre a gestão e a situação patrimonial da sociedade daquele exercício.
Desta forma, encontram-se reunidos os elementos necessários, em função dos quais, se conclui que a colocação à disposição dos sócios das importâncias que a sociedade detinha em "Depósitos à Ordem" se refere a distribuição de lucros ou adiantamentos por conta de lucros, não podendo de forma alguma ser caracterizada como empréstimos/mútuos ou rendimentos do trabalho.
Conclui-se que o SP procurou fazer sair da sociedade a favor dos sócios, os seus resultados, evitando a tributação dos mesmos, quer ao nível da sociedade, quer dos sócios.
A distribuição de lucros e de adiantamento por conta de lucros ocorreu no momento em que, de uma forma objectiva, se reconheceu contabilisticamente a sua colocação à disposição dos sócios, o que sucedeu mediante o crédito dos "depósitos à ordem" por débito dos sócios.
No seguimento do que se referiu anteriormente, conclui-se que os rendimentos assim distribuídos aos sócios constituem rendimentos de capitais (categoria E) por força do nº1 do artº 5º do CIRS, cujo enquadramento está especificado na alínea h) do nº2 do mesmo artº 5º do CIRS. Segundo este normativo, estão sujeitas a IRS, por enquadramento na categoria E, "Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros...".
Assim, com base na alínea h) do nº2 do artº5º do CIRS, a disponibilização da sociedade aos sócios de importâncias que a empresa tinha registado em "depósitos à ordem" e que totalizaram o montante de € 1.064.000,00 em 2014, será de considerar que ocorreram a título de distribuição de lucros ou de adiantamento por conta de lucros.
Recolhida a prova contabilística, deu-se por preenchido o fundamento legal base da presunção estatuída no artº6, nº4 do CIRS, segundo o qual "Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros" (redação em vigor à data dos factos tributários - 2014, anterior à republicação do CIRS pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro). Neste sentido, o montante de € 1.064.000,00 constitui o montante dos rendimentos lançados na contabilidade do SP ao longo do exercício de 2014, em contas correntes dos sócios, que tiveram por base transferências de valores de contas de "depósitos à ordem" (121 Depósitos à ordem/... e 124 Depósitos à ondem/Bancos a Regularizar), assumindo a natureza de distribuição de lucros ou adiantamentos por conta de lucros enquadráveis como rendimentos da categoria E (artº5, nº2, al. h) do CIRS).
A distribuição de lucros e os adiantamentos por conta de lucros estão sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, em sede de IRS, conforme dispõe o artº 71º, nº1, al. c) do CIRS, que conforme o indicado no nº3 do artº98º do mesmo diploma deverá ser entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que se reporta.
Note-se que a sociedade inspecionada não procedeu à retenção do l RS devido, a que estava obrigada nos termos do artº101º, nº2, al. a) do CIRS8.
Momento da tributação e repartição dos rendimentos de capitais a tributar por período
Sintetizando, € 1.064.000,00 constitui o montante das entregas totais da sociedade aos sócios contabilizadas no exercício de 2014, que foram considerados pelo SP como empréstimos aos sócios, qualificação essa que deve ser desconsiderada, tal como se comprovou anteriormente, por configurarem uma distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros (facto tributário), enquadráveis no disposto artº5, nº2, al. h) e no artº6, nº4, ambos do CIRS.
Os factos descritos traduzem a existência de valores contabilizados em contas de "depósitos à ordem" que indubitavelmente foram entregues aos sócios, consumando-se a transferência de propriedade dos mesmos em benefício dos sócios, que assim viram o seu património aumentar.
No que respeita aos montantes sujeitos a tributação, foi fixado o valor correspondente às importâncias colocadas à disposição dos sócios, conforme relevam as contas da contabilidade da sociedade, como se de empréstimos aos sócios se tratassem.
O artº7º, nº1 e nº3, alínea a), nº29 do CIRS consagram que o momento a partir do qual ficam sujeitos os rendimentos de capital (categoria E) corresponde à data da colocação à disposição.
Assim, em função dos factos já apresentados e comprovado o facto tributário, todas as eventuais dúvidas quanto ao momento da entrega dos rendimentos de capitais aos sócios são dissipadas tendo em conta que a informação constante nas demonstrações financeiras declaradas pelo SP ao longo dos anos (seja respeitante aos seus activos, onde se encontram os "saldos bancários", seja a que se reporta às "reservas" e aos resultados obtidos, ou ainda as operações que se referem a entregas de valores de "depósitos à ordem" aos sócios) constitui uma informação aprovada e certificada pelos sócios anualmente, em Assembleia-geral e comunicada a várias entidades.
Atendendo a todas as evidências anteriormente expostas, considera-se que a distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros ocorreu no momento em que se reconheceu contabilisticamente a sua colocação à disposição dos sócios, registando as entregas efectivas dos saldos de contas de "depósitos à ordem" em contas específicas de empréstimos aos sócios. Ou seja, quanto ao momento da tributação foi fixado o mês em que as entregas de valores ocorreram - artº7º do CIRS, definindo-se esse momento em que o imposto se torna exigível.
O quadro seguinte apresenta a repartição dos rendimentos de capitais - lucros e adiantamento por conta de lucros - distribuídos aos sócios, por período (mês), sujeitos a uma taxa de retenção na fonte à taxa de 28%, sem que tivesse sido efetuado pelo SP, apurando-se o respetivo montante de retenção em falta.
Do quadro 9, concluímos que os montantes de retenção em falta apurados no exercício em análise, por terem sido colocados à disposição dos sócios rendimentos de capitais, ascendem a € 297.920,00.
Referência a Jurisprudência relacionada com os factos em apreço
Importa destacar alguma jurisprudência firmada no contencioso tributário, que de alguma forma se relaciona com o caso em apreço, contribuindo para a sustentação da presente proposta de correção em várias das suas vertentes e que se passa a identificar:
- Acórdão do TCA Sul - Processo nº 01429/06 de 24/04/2007;
- Acórdão do TCA Sul - Processo nº 02371/08 de 15/07/2008;
- Acórdão do TCA Sul - Processo nº 02544/08 de 25/11/2008;
- Acórdão do TCA Sul - Processo nº 03221/09 de 13/10/2009;
- Acórdão do TCA Sul - Processo nº 04357/10 de 11/01/2011;
- Acórdão do TCA Sul - Processo nº 04487/11 de 22/02/2011;
- Decisão Arbitral do CAAD - Processo nº 130/2012-T 14/06/2013;
- Decisão Arbitral do CAAD - Processo n.º 131/2012-T 25/06/2013.
- Acórdão do TCA Sul - Processo nº 07384/14 de 27/03/2014;
- Acórdão do TCA Norte - Processo nº 279/09.2BEPRT de 27/11/2014.
(...)
X - CONCLUSÃO
A AT ao longo relatório de Inspeção Tributária descreveu e provou exaustivamente a base da presunção legal estatuída no artº 6º, nº 4 do CIRS e os fundamentos para a desconsideração dos mútuos da sociedade aos sócios, fazendo prevalecer a natureza real das quantias colocadas à disposição dos sócios, em detrimento da forma documental que envolveu essa transferência.
Concluído que se mostra o prazo concedido, verifica-se que o sujeito passivo não exerceu o Direito de Audição, não tendo procedido à correspondente regularização da sua situação tributária em sede de retenções na fonte de IRS, pelo que devem manter-se as correções propostas no presente Relatório Final de Correções de Inspeção, conforme factos e fundamentos descritos no capítulo III (ponto 3.1) do relatório.
Em face do informado, propõe-se o encerramento da presente ordem de serviço, refletindo as correções propostas em sede de retenções na fonte de IRS.
Para o efeito, foram elaborados os documentos de correção em sede de retenções na fonte.
Nos termos dos artigos 62º do RCPITA e 77º da LGT, o sujeito passivo vai ser notificado da conclusão da ação inspetiva.
E) Na sequência da ação inspetiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de retenções na fonte relativa ao ano de 2014 n.º 2017..., de 22-12-2017, no valor de € 297.920,00, e as respetivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017 ..., 2017 ... e 2017..., no valor global de € 42.048,59, determinado o valor total a pagar de € 339.968,59 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
F) Em 23-01-2018, a Requerente pagou a quantia liquidada de € 339.968,59 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
G) A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas que foi indeferida com a fundamentação que consta da informação reproduzida no documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
> Da ilegalidade do procedimento inspeção
Invoca o reclamante a ilegalidade do procedimento de inspeção, solicitando a anulação da liquidação reclamada, alegando que o referido procedimento excedeu o prazo máximo de seis meses conferido nos termos do n.º 2 do art.º 36.º do RCPITA.
Ora, sobre o alegado pela reclamante cumpre tecer as seguintes considerações.
O art.º 36.º do RCPITA dispõe sobre o momento até ao qual o procedimento de inspeção tributária pode ser iniciado (cfr. n.º 1) e, bem assim, sobre o prazo para a respetiva conclusão (cfr. n.º 2 e seguintes).
Com efeito, nos termos do n.º 2 da referida disposição legal:" O procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início."
Contudo, em qualquer caso, o incumprimento do prazo máximo de seis meses, por si só, não tem qualquer efeito invalidante sobre os atos de liquidação decorrentes das conclusões do procedimento de inspeção tributária, pelo que se afigura de natureza meramente ordenadora, indicativa ou disciplinadora.
Na mesma esteira, o n.º 7 (aditado pela Lei n.º 756-A/2014, de 30 de setembro) dispõe que o decurso do prazo do procedimento de inspeção não afeia o direito à liquidação dos tributos, não determinando qualquer outra consequência que não seja o fim da realização dos atos externos de inspeção.
Pelo que se conclui que não colhe o alegado pela reclamante, quanto à ilegalidade do procedimento de inspeção.
> Da caducidade do facto tributário
Nos termos do n.º 4 do artigo 63.º-C da LGT, a AT pode aceder a todas as informações ou documentos bancários relativos à conta ou contas em que os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, sem dependência do consentimento dos respetivos titulares.
Refere a reclamante que da análise ao extrato bancário disponibilizado pela ora Reclamante, é possível concluir que não se verificaram, em 2014 exfluxos financeiros da sociedade da conta bancária para os sócios, nem em montante sequer aproximado de €1.064.000,00.
Contudo este não refere que em processo inspetivo foi efetuada a circularização do cliente F..., Lda, NIF..., de onde se verificou que os pagamentos efetuados através de cheque foram emitidos em nome do médico Dr. C... e não em nome da sociedade.
Em processo inspetivo foi efetuada uma análise aos extratos bancários da sociedade respeitantes à conta ordem no banco G..., com os lançamentos contabilísticos efetuados nas contas correntes 121 Depósitos à Ordem/... e na conta 124 Depósitos à Ordem/Bancos a Regularizar, de onde se concluiu que os referidos lançamentos não são confirmados pelos movimentos bancários.
De referir que em 2014, foi criada na contabilidade da Reclamante a conta 124 Bancos a Regularizar, que registava movimentos de fluxos financeiros sem qualquer suporte bancário, verificando-se e comprovando que foi promovida uma retificação contabilística às contas de depósitos à ordem, sem assegurar a reconciliação bancária.
Refere a reclamante que atendendo à evidência documental prestada, da qual decorre os exfluxos financeiros da B... para os sócios não se verificaram em 2014, mas sim por maioria da razão, em exercícios anteriores, pode-se concluir que o facto tributário (i.e., a colocação à disposição) ocorre em períodos que se encontram encerrados para inspeção eventuais liquidações da AT.
Nos termos do artigo 123.º do CIRC, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada, devendo estas nos termos do n.º 2 obedecer a determinados requisitos, e nos termos do n.º 3 não é permitido atrasos na sua execução superiores a 90 dias, por sua vez e acordo com o n.º 3 do artigo 17.º do CIRC a contabilidade deve refletir todas as operações efetuadas pelo SP, espelhar a exata situação patrimonial e o resultado efetivamente obtido.
Daqui resulta que nos termos do art.º 75º da LGT que nos casos em que a declaração do contribuinte estiver em conformidade com os elementos constantes na sua contabilidade e esta se mostrar organizada nos termos da lei e não se verificarem erros, inexatidões, ou outros indícios fundados de que ela não corresponde à realidade, presume-se que a matéria tributável declarada é a real.
Este facto é resultado do nosso sistema jurídico assentar no princípio declarativo para o apuramento da matéria tributável. De acordo com este princípio, presume-se a veracidade dos dados e dos apuramentos constantes na sua contabilidade ou escrita, sempre que estas estejam organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
Apesar, da reclamante referir que no processo inspetivo que na sequência dos esclarecimentos adicionais solicitados pela AT, que "a celebração do contrato de mútuo visou apenas dar substancia jurídica aos fluxos financeiros canalizados para os sócios anteriores a 1 de janeiro de 2013 (...), essa situação não se encontrava refletida na contabilidade no ano de 2014, todos os movimentos que originaram a correção se encontram lançados e refletidos no ano de 2014, tendo ficado demonstrado que até ao exercício de 2013 a contabilidade da reclamante não refletiu a existência de qualquer "empréstimo" da sociedade aos sócios, não podendo a AT decidir em sentido contrário ao que foi efetuado.
H) Os extratos bancários da conta da B..., Lda., no Banco G..., S.A., são os que constam do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
I) Foram efetuados na conta da A..., Lda., no Banco G..., S.A., os movimentos que constam do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido duas transferências concretizadas pelo sócio Dr. C... para a sociedade A..., Lda, uma no montante de €320.000,00, efetuada em 11-01-2018, e outra de € 372.301,02 efetuada em 22/01/2018;
J) Em 20-02-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.
Não se provou que a conta bancária da Requerente no G... referida nos autos seja a única e nem mesma principal contra bancária através da qual se processam os movimentos bancários relativos à faturação da Requerente, pois, como se refere no Relatório da Inspeção Tributária, o principal cliente da Requerente, F... LDA (NIF...), confirmou que «a faturação emitida pelo SP nestes dois exercícios foi sempre paga por este cliente através de cheque emitido em nome do médico Dr. C... e não em nome da sociedade».
Não se provou que estas quantias que não foram pagas em nome da B... tivessem sido transferidas para esta, designadamente antes do ano de 2014, em que nela não se encontravam, nem que quanto a elas tivesse existido qualquer ato desta sociedade que revele intenção de as colocar à disposição de sócios, designadamente o montante de € 1.064.000,00 que foi objeto de lançamentos contabilísticos em 2014.
O sócio-gerente da B... foi notificado para apresentar comprovativos dos movimentos bancários correspondentes à disponibilização daquelas quantias e não os apresentou.
Neste contexto, não há qualquer prova de que «as efetivas saídas de dinheiro, em anos anteriores, para os sócios» que o sócio-gerente da B... confessa terem ocorrido tivessem saído na sequência de disponibilização por esta empresa.
Não se provou que os pagamentos que em 2018 foram efetuados na conta da A..., Lda., no Banco G..., S.A., que se referem no documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral constituam reembolso parcial de quantias mutuadas. Com efeito, não foi apresentada qualquer prova da finalidade daquelas transferências.
3. Matéria de direito
3.1. Posições das Partes
A Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou uma inspeção à Requerente, que incluiu o exercício de 2014, tendo entendido, além do mais, em suma, que:
– em 01/01/2014 o dinheiro da sociedade contabilizado em depósitos à ordem, no valor de € 1.114.075,43 que justifica os resultados transitados acumulados pela sociedade ao longo de vários anos, efetivamente não se encontrava na sociedade;
– em 2014, foram sendo promovidos lançamentos na contabilidade, onde o SP procurou demonstrar entregas aos sócios, na sequência de contratos de mútuo e recibos de mútuo, celebrados entre a sociedade e os sócios ao longo deste exercício;
– a empresa não concretizou quaisquer empréstimos aos sócios;
– o que as entregas de recursos financeiros efetuadas pela empresa aos sócios refletem objetivamente, é a colocação à disposição dos sócios de rendimentos, constituindo um incremento patrimonial dos seus rendimentos;
– não estão reunidos os pressupostos para que tal colocação à disposição seja considerada rendimentos do trabalho, pelo que apenas se pode concluir que se está perante rendimentos de capitais, sob a forma de distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros;
– tendo-se demonstrado a inexistência de mútuos da sociedade aos sócios, face à inexistência de outro fundamento válido para fazer afastar a presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4, do CIRS, terão que prevalecer as datas de lançamento dos mútuos expressas pela contabilidade;
– a sociedade reconheceu no seu balanço o montante total de empréstimos concedidos aos sócios de € 1.064.000,00, lançados contabilisticamente em contas correntes de empréstimos a sócios, declarando-os na IES/DA do exercício de 2014;
– a distribuição de lucros e de adiantamento por conta de lucros ocorreu no momento em que, de uma forma objetiva, se reconheceu contabilisticamente a sua colocação à disposição dos sócios, o que sucedeu mediante o crédito dos "depósitos à ordem" por débito dos sócios;
– os rendimentos assim distribuídos aos sócios constituem rendimentos de capitais (categoria E) por força do nº 1 do art. 5º do CIRS, cujo enquadramento está especificado na alínea h) do nº2 do mesmo art. 5º;
– os factos descritos traduzem a existência de valores contabilizados em contas de “depósitos a ordem” que indubitavelmente foram entregues aos sócios, consumando-se a transferência de propriedade dos mesmos em benefício dos sócios, que assim viram o seu património aumentar;
– considera-se que a distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros ocorreu no momento em que se reconheceu contabilisticamente a sua colocação a disposição dos sócios, registando as entregas efetivas dos saldos de contas de “depósitos a ordem" em contas especificas de empréstimos aos sócios;
A Requerente imputa os seguintes vícios à correção e liquidação impugnada:
– ilegalidade do procedimento de inspeção, à face do artigo 36.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) por ter duração superior a 6 meses sem que tivesse havido prorrogação;
– caducidade do direito à liquidação de imposto, por a colocação à disposição dos sócios das importâncias em causa ter ocorrido antes do ano de 2014;
– tendo a AT alegado que o facto tributário dos adiantamentos por conta de lucros aos sócios da B... se verificou em 2014, cabia-lhe fazer prova dos factos constitutivos do direito que invocou - o que não logrou efetuar, nem poderia, uma vez que tal como ficou provado, não ocorreram em 2014 quaisquer adiantamentos por conta de lucros;
– não há fundamento para presumir que a colocação dos rendimentos à disposição dos sócios da Requerente tenha ocorrido na data em que foram efetuados os lançamentos;
– ocorreu reembolso (parcial) da quantia mutuada.
3.2. Questão da ilegalidade do processo de inspeção por ter durado mais de seis meses
O artigo 36.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) estabelece que «o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início», prazo este que pode ser ampliado por mais dois períodos de três meses.
A Ordem de Serviço n.º OI2016... em se baseou o procedimento de inspeção foi assinada pelo sócio-gerente da Requerente em 16-05-2017, data que, nos termos do artigo 51.º, n.º 2 do RCPITA, determina o início do procedimento externo de inspeção.
A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária em 12-12-2017, data em que, nos termos do artigo 62.º, n.º 2, do RCPITA, se considera concluído o procedimento de inspeção.
Assim, o procedimento não foi concluído no prazo de seis meses a contar do seu início e não houve ampliação.
Como tem vindo a entender o Supremo Tribunal Administrativo, o excesso do prazo de inspeção tributária não tem, só por si, efeito invalidante da notificação, apenas implicando a cessação do efeito suspensivo da caducidade do direito de liquidação previsto no n.º 1 do artigo 46.ºda LGT. ( )
O artigo 36.º do RCPITA inclui atualmente um norma em que se consagra este entendimento jurisprudencial, que é o n.º 7, aditado pela Lei nº 75-A/2014, de 30 de Setembro, que estabelece que «o decurso do prazo do procedimento de inspeção determina o fim dos atos externos de inspeção, não afetando, porém, o direito à liquidação dos tributos».
Assim, a Requerente não tem razão quanto a esta questão, pelo que improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a este vício.
3.3. Questão da caducidade do direito de liquidação
3.3.1. Prazo de caducidade do direito de liquidação relativo a factos tributários ocorridos em 2014
O prazo de caducidade do direito de liquidação é de quatro anos (artigo 45.º, n.º 1, da LGT).
Este prazo pode ser suspenso nos termos do artigo 46.º da LGT.
Neste caso, o procedimento de inspeção externa não tem efeito suspensivo do prazo de caducidade do direito de liquidação, pois foi excedido o prazo de seis meses previsto no n.º 1 daquele artigo 46.º e não se verifica qualquer das situações prevista no n.º 5 do artigo 36.º do RCPITA em que se estabelece a suspensão do prazo para conclusão do procedimento de inspeção.
O prazo para emitir liquidações por falta de retenção na fonte a título definitivo, quando a tributação deve ser efetuada por retenção na fonte a título definitivo, conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto tributário (artigo 45.º, n.º 4, da LGT).
Por isso, o prazo para emitir liquidações por falta de retenção na fonte que deviam ser efetuadas em 2014 terminava em 31-12-2018.
A liquidação relativa às retenções na fonte foi emitida foi emitida em 22-12-2017, pelo que foi emitida antes do decurso do prazo de 4 anos.
Por isso, as liquidações impugnadas não enfermam do vício de caducidade do direito de liquidação que a Requerente lhes imputa, na medida em que têm por base factos tributários ocorridos em 2014.
3.3.2. Caducidade do direito de liquidação relativo a factos anteriores a 2014
A Requerente defende, porém, que terá ocorrido a caducidade o direito de liquidação por a colocação à disposição dos sócios da B... dos adiantamentos por conta de lucros não ocorreu ao longo de 2014, o que pretende comprovar com o extrato bancário da B... referente ao ano de 2014, que não apesenta «efluxos financeiros da sociedade em montante sequer aproximado a Euro 1.064.000,00 - montante de adiantamentos por conta de lucros que a AT alegou ter ocorrido nesse ano» (artigos 77.º a 79.º do pedido de pronúncia arbitral).
No entanto, pelo que se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, provou-se que os pagamentos referentes a parte da faturação da B..., inclusivamente os pagamentos efetuados pelo seu mais importante cliente, não eram efetuados em nome da B..., mas sim em nome pessoal do seu sócio-gerente e não se fez qualquer prova de que os montantes por este recebidos fossem entregues à sociedade.
Por outro lado, não foi apresentada qualquer documentação bancária relativa a anos anteriores a 2014, que permitisse concluir que neles foram efetuadas transferências para sócios por decisão da B... .
A prova dessas transferências se existissem, seria decerto fácil para a Requerente, pelo que o facto de não as apresentar induz, à face das regras da experiência comum, a conclusão processual de que elas não terão existido.
É de notar, neste contexto, que a colocação à disposição dos associados de lucros ou adiantamentos por conta de lucros que a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS configura como facto tributário que pressupõe um ato da sociedade de que se possa concluir que decidiu atribuir aos sócios quantias, o que não sucede quando, à revelia da vontade social, haja uma mera apropriação por sócios de quantias retiradas da sociedade ou que não chegaram sequer a ser entregues à sociedade.
Isto não significa que a mera apropriação ilícita afaste a tributação em sede de IRS no âmbito da categoria E, já que a ilicitude da obtenção de rendimentos de capitais não afasta a tributação em IRS, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, do CIRS. Na verdade, como se infere do uso da palavra «designadamente» ao elencar as várias situações descritas nas alíneas do n.º 2 do artigo 5.º do CIRC, estas são mera concretização não exaustiva dos rendimentos de capitais tributáveis genericamente definidos no seu n.º 1.
Mas, o facto de, eventualmente, terem ocorrido factos em anos anteriores a 2014, tendo por objeto a disponibilidade por sócios de quantias pertencentes à sociedade, que poderiam ser tributados no âmbito da categoria E de IRS, relativamente às quantias que em 2014 vieram a ser indicadas como objeto de contratos de mútuo, não obsta a que seja aplicada a tributação a factos tributários que ocorreram em 2014, designadamente a colocação à disposição pela sociedade de lucros ou adiantamentos por conta de lucros a que se refere a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS. Na verdade, são frequentes ( ) as situações em que as normas de incidência tributária são potencialmente aplicáveis a uma mesma realidade económica substancial, como é o caso, desde logo, da própria alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º, ao prever cumulativamente a tributação da colocação à disposição dos associados do adiantamento por conta de lucros e dos próprios lucros quando vierem a ser distribuídos. Em situações deste tipo, de concurso de normas de incidência tributária, será de afastar, em regra, a cumulação de tributação relativamente a um mesmo rendimento (por força dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da justiça), mas não haverá qualquer fundamento para não aplicar qualquer das normas se não ocorreu a cumulativa aplicação de outra.
Por isso, no caso em apreço, não tendo havido tributação por qualquer facto anterior a 2014 conexionada com a disponibilidade pelos sócios da Requerente das quantias que foram indicadas como objeto de contratos de mútuo em 2014, a questão que se coloca é apenas a de saber se os factos ocorridos se inserem no âmbito de incidência do referido artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do CIRC.
Com a certeza de que, quanto a factos tributários ocorridos em 2014 não ocorreu a caducidade do direito de liquidação.
3.3.3. Questão do enquadramento dos factos ocorridos em 2014 na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, designadamente em face da invocada existência de mútuos
Como se referiu, a colocação à disposição dos associados de lucros ou adiantamentos por conta de lucros que a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS configura como facto tributário que pressupõe um ato da sociedade de que se possa concluir que esta decidiu transferir quantias para a disponibilidade dos sócios.
Os únicos atos provados de que se pode inferir que a B... disponibilizou quantias aos sócios C... e D... são os praticados em 2014, a título de mútuos, nomeadamente os dois contratos celebrados em 02-01-2014, a ata n.º 24 de 31-03-2014, e os 22 recibos de mútuos emitidos ao longo desse ano.
A mera saída de dinheiro da sociedade ou falta de entrega à sociedade de quantias que lhe deviam ser entregues sem a prática de qualquer ato pela sociedade que permita concluir que houve transferência para os sócios do poder de disporem desses meios pecuniários, não configura colocação à disposição dos associados para efeitos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRC.
O facto de ter sido dada a aparência de mútuos aos atos que manifestam a vontade social de colocar as quantias na disponibilidade dos sócios, não afasta o enquadramento da situação na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, pois no direito tributário vigora uma regra de aplicação generalizada que «a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária» (artigo 36.º, n.º- 4, da LGT).
Por isso, o que releva no âmbito das normas de incidência tributária, por força dos princípios da igualdade e da tributação com base na da capacidade contributiva, é a substância económica do facto tributário, como se refere explicitamente e com vocação para aplicação generalizada no n.º 3 do artigo 11.º da LGT.
Neste caso, foram formalizados por escrito contratos de mútuo e emitidos recibos, mas, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no RIT, não existe «prova dos exfluxos financeiros em favor dos sócios alegados no âmbito dos contratos e recibos de mútuos», não existe prova de tenha ocorrido por efeito de contratos de mútuo a transferência de bens que é característica essencial do contrato de mútuo. Na verdade, «o mútuo é, de sua natureza, um contrato real, no sentido de que só se completa pela entrega (empréstimo) da coisa» ( ), a entrega é um efeito do contrato.
Aliás, o próprio sócio-gerente da B... reconheceu que os contratos não correspondiam a mútuos efetuados em 2014, tendo alegado que foram efetuados para regularizar contabilisticamente situações anteriores. Apesar de nos contratos se referir que "O mutuante entrega nesta data ao mutuário a quantia de 268.000,00 euros», as declarações do próprio sócio gerente da B... à Inspeção Tributária, comprovam que esta afirmação não em correspondência com a realidade, pois nenhum entrega foi feita nessa data., nem nas datas a que se reportam os recibos.
Por outro lado, não se demonstrou a existência de movimentos bancários na conta da B... correspondentes aos alegados contratos e emissão de recibos relativos a empréstimos.
Assim, os atos referidos praticados em 2014 não configuram contratos de mútuo, mas sim atos jurídicos praticados pela sociedade que, em 2014, reconhecem o direito dos sócios a disporem das quantias a que se reportam, que eventualmente já estariam em seu poder sem que a sociedade tivesse praticado qualquer ato disponibilizando-as aos sócios.
Estes atos, independentemente da designação que lhe foi dada, são os únicos que se provou terem sido praticados pela sociedade disponibilizando aos sócios essas quantias, e configuram objetivamente a colocação de adiantamentos de lucros à disposição dos sócios referidos, pelo que têm enquadramento na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRC, inclusivamente por força da presunção que o n.º 4 do artigo 6.º do CIRS associa ao lançamento contabilístico.
Conclui-se, assim, que não ocorreu a caducidade do direito de liquidação relativamente a esses factos.
3.4. Questão do reembolso parcial da quantia mutuada
A Requerente afirma pretender «afastar a presunção de adiantamento por conta de lucros prevista no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, pelo facto de os lançamentos contabilísticos em contas correntes de sócios têm como base a existência de efectivos mútuos».
Pelo que se refere na fundamentação que antecede não se provou que tivessem existido os «efectivos mútuos», antes pelo contrário, os invocados contratos e recibos de quantias pretensamente mutuadas em 2014 não têm qualquer correspondência com a realidade, como foi reconhecido pelo sócio-gerente da Requerente.
Consequentemente, também não se provou que as quantias que são referidas em transferências realizadas em 2018 tenham sido feitas a título de reembolso de quantias alegadamente mutuadas, designadamente aquelas que cuja disponibilização está subjacente à liquidação impugnada.
Na verdade, para além da inexistência dos mútuos a que se reportam os contratos e recibos, apenas foi junto aos autos um documento que demonstra que foram realizadas transferências, sem que tenha sido apresentado que elemento de prova da finalidade a que se destinaram as transferências.
Pelo exposto, não se prova que tivessem existido os «efectivos mútuos» que a Requerente invoca e, pelo que se referiu, a prova produzida aponta no sentido de não terem sido realizadas quaisquer transferências pecuniárias para os sócios como efeito de contratos de mútuo.
De qualquer modo, sendo a existência de «efectivos mútuos» alegada pela Requerente e não havendo razões para crer que eles existiram, a hipotética dúvida que subsistisse sobre essa existência sempre teria de ser valorada processualmente contra a Requerente, por força d preceituado no n.º 1 do artigo 74.º da LGT.
3.5. Decisão da reclamação graciosa
Não se demonstrando ilegalidade da liquidação, pelo que se referiu, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que a manteve também não enferma das ilegalidades que a Requerente lhe imputa.
4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios
A Requerente pede reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios.
Não se demonstrando ilegalidade da liquidação ela subsiste na ordem jurídica, pelo que não há fundamento para reembolso da quantia paga.
Os juros indemnizatórios dependem da existência de pagamento indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT) e, neste caso, não se demonstrou que o pagamento fosse indevido.
Improcedem, assim, estes pedidos de reembolso e juros indemnizatórios.
5. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 339.968,59.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.814,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 08-07-2019
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Clotilde Celorico Palma)
(Paulo Jorge Nogueira da Costa)