DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
O árbitro Professor Doutor Jónatas Machado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para integrar o presente Tribunal Arbitral, profere a seguinte decisão:
1 RELATÓRIO
1. A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de identificação fiscal português..., com sede em ..., ... ..., Alemanha, (doravante designado de “Requerente”), representado por B..., na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, vem, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT. para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2016, ou colocação da questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) através do reenvio prejudicial, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre Funcionamento da União Europeia (TFUE).
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 12.02.2019.
3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro singular o Professor Doutor Jónatas Machado, em 15.02.2019.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Por força do preceituado na alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 23.04.2019.
6.A AT (ou “Requerida”), tendo sido notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, para apresentar a sua resposta, veio sustentar, em contestação de 29.05.2019, a improcedência do presente pedido de pronuncia arbitral, a manutenção na ordem jurídica do ato tributário de liquidação impugnado e a sua absolvição do pedido.
7. Por não ter sido requerida pelas partes e ser considerada desnecessária, o tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, através de despacho proferido em 30.05.2019.
8. Nas suas alegações finais, apresentadas pela Requerente em 21.06.2019, e 3m 15.07.2019, pela Requerida, as partes sustentaram e reforçaram essencialmente as suas posições, tendo esta formulado as suas próprias questões de reenvio prejudicial.
1.1 Descrição dos factos
9. A Requerente, com residência fiscal na Alemanha, é uma pessoa coletiva de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”) constituído sob a forma contratual e não societária, comumente designada de fundo de investimento, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país.
10. A Requerente é um fundo aberto autónomo que se baseia num contrato entre a entidade gestora “B...”, os seus investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários, tendo como objeto a administração, gestão e investimento do seu património e sendo gerido por aquela entidade gestora de fundos de investimento, com sede na Alemanha, segundo o esquema:
11. A entidade gestora investe o capital depositado por parte dos investidores em seu próprio nome, estando os ativos pertencentes ao fundo Requerente – dissociados dos demais ativos da entidade gestora e do banco responsável pela custódia – num regime de compropriedade com os respetivos investidores.
12. Ao abrigo da lei aplicável na Alemanha, regra geral, não existem restrições quanto ao número de unidades de participação que podem ser emitidas. Os investidores podem adquirir unidades de participação através da entidade gestora, do banco responsável pela custódia ou de terceiros. nenhum direito de voto está associado às unidades de participação.
13. Os investidores tornam-se comproprietários dos ativos detidos pela Requerente na proporção dos seus investimentos, não lhes sendo atribuído o direito de dispor dos ativos da Requerente. Somente a entidade gestora tem o direito de dispor dos ativos pertencentes à Requerente, sendo que ambos estão sujeitos a supervisão por parte da entidade federal de supervisão da prestação de serviços financeiros.
14. É à entidade gestora que cabe decidir, distribuir ou reservar os proveitos da Requerente, sendo que os direitos dos investidores estão limitados ao direito de receber dividendos e de solicitar, a qualquer momento, o resgate das unidades de participação.
15. Do ponto de vista tributário, a Requerente é uma entidade residente fiscal na Alemanha, sujeita a imposto sobre as pessoas coletivas no seu país de residência, tendo-lhe sido todavia concedida uma isenção (nos termos da Secção 1 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – “German Corporate Income Tax Act” – e da secção 11 parágrafo 1,2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – “German Investment Tax Act”) – consubstanciando uma situação de transparência fiscal que conduz à tributação na esfera dos investidores – o que impossibilita o fundo Requerente de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional ou formular qualquer pedido de reembolso, dos impostos suportados ou pagos no estrangeiro.
16. No ano de 2016, a Requerente era detentor de lotes de participações sociais nas seguintes sociedades residente em Portugal, sob a custódia do banco F...:
C... SGPS, S.A. 54.036,00
D... S.A. 82.220,00
E...SGPS S.A. 92.188,00
17. A Requerente, no ano de 2016, na qualidade de acionista de sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos, os quais foram sujeitos a tributação por retenção na fonte à taxa de 25% prevista no artigo 87.º, n.º 4, do Código do CIRC, no valor total de 11.958,96 €, nos seguintes termos:
18. Convencida de que a mencionada retenção na fonte constitui uma violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, a Requerente apresentou, em 29.12.2017, ao abrigo dos artigos 98.º e 137.º do CIRC, 132.º do CPPT e 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2016, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da União Europeia, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal.
19. No dia 15.11.2018, a Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa, fundada no entendimento de que não competiria à AT “avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, nem tampouco apreciar a sua constitucionalidade.
1.2 Argumentos das partes
20. Os argumentos trazidos aos autos centram-se na questão da conformidade da aplicação da retenção na fonte aos dividendos distribuídos à Requerente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
21. A Requerente alega que o ato de liquidação viola a liberdade de circulação de capitais do artigo 63.º do TFUE com argumentos que a seguir se sintetizam:
a) Nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 20.º do CIRC, os dividendos são considerados proveitos resultantes de rendimentos financeiros;
b) No que diz respeito ao regime interno de tributação dos dividendos, sempre que os mesmos sejam pagos por uma entidade residente a um sujeito passivo também ele residente em Portugal, tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte por conta do imposto devido a final a uma taxa de 25%, nos termos do artigo 94.º, n.º 1 alínea c), n.º 3 alínea b) e n.º 4 do CIRC;
c) Nos casos de OIC constituídos de acordo com a legislação nacional, os mesmos estavam, à data dos factos tributários, isentos de IRC sobre dividendos obtidos, nos termos do artigo 22.º do EBF, pois como estipula o n.º 3 do referido preceito legal, “Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS”;
d) O Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, procedeu à reforma do regime de tributação dos OIC, alterando o EBF e o Código do Imposto do Selo (“CIS”), sendo o novo regime aplicável aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015;
e) Nos termos do Regime Geral dos OIC (Lei n.º 16/2015, alterada pelo Decreto-Lei n.º 124/2015, de 7 de julho), a constituição de um fundo de investimento de acordo com a ordem jurídica nacional implica a sua residência em Portugal, estando, assim, vedada a possibilidade de um OIC residente noutro Estado-Membro da União Europeia estar constituído de acordo com a legislação nacional e beneficiar da norma de isenção prevista no artigo 22.º do EBF;
f) Nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do Regime Geral dos OIC, a constituição de um OIC em Portugal depende de autorização prévia da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a quem cabe verificar o cumprimento de múltiplos requisitos ali previstos;
g) Um OIC constituído ao abrigo de legislação estrangeira (em concreto, ao abrigo da legislação de um outro Estado-Membro da União Europeia) e aí sujeito aos poderes de supervisão da respetiva entidade reguladora não cumpre os pressupostos previstos na legislação portuguesa e certamente não estará sujeito à supervisão da CMVM;
h) Nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória de 25%, tal como preceituado nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), n.º 3 alínea b), e n.º 4 e 87.º, n.º 4, do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º do EBF;
i) Um OIC constituído ao abrigo do Regime Geral dos OIC, quando da distribuição de dividendos provenientes de sociedades sediadas em Portugal, estava sujeito, no ano de 2016, a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um OIC constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado-Membro da União Europeia aquando da distribuição de dividendos de fonte portuguesa;
j) A Requerente não consegue recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), em virtude do seu estatuto de entidade isenta de tributação, que afasta a aplicação das normas da correspondente Convenção sobre Dupla Tributação (CDT).
k) O TFUE fornece um conjunto comum de regras para o comércio e as relações económicas entre os Estados-Membros da UE, visando a criação de um mercado interno e de uma união económica e monetária;
l) O artigo 18.º do TFUE estabelece uma proibição genérica de discriminações baseadas na nacionalidade, princípio esse concretizado, no que diz respeito à livre circulação de capitais, no artigo 63.º, o qual proíbe todas as formas de discriminação baseadas na nacionalidade ou no local de investimento entre entidades/pessoas residentes em Estados-Membros da UE;
m) O Anexo I da Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1988, estabelece uma nomenclatura de movimentos de capitais, a qual conservou o valor indicativo que tinha para a definição do conceito de movimento de capitais (ver acórdão de 16 de março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colet., p. I-1661, n.° 21), precisando que este conceito inclui as operações de distribuição de dividendos;
n) A distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao ora Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988;
o) A distribuição de dividendos entre Estados-Membros da UE não pode estar sujeita a quaisquer restrições, nem tão pouco a quaisquer discriminações baseadas na nacionalidade ou no local do investimento, uma vez que o Direito da União Europeia estabelece um quadro legal destinado a eliminar quaisquer discriminações na circulação de capitais, nomeadamente em investimentos transfronteiriços (diretos ou indiretos), bem como eliminar quaisquer restrições que possam afetar a livre circulação de capitais;
p) Da jurisprudência da União Europeia resulta que a proibição geral de discriminação, enquanto restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do Tratado cobre quer as restrições diretas, quer as restrições indiretas, incluindo as medidas administrativas e orientações administrativas em relação a qualquer tipo de investimento;
q) O CIRC sujeita a imposto os OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa (ainda que isentos) e os OIC constituídos ao abrigo das normas de outros Estados-Membros - no nosso caso, a Requerente - não restando, pois, qualquer dúvida de que os OIC estão em situações efetivamente comparáveis;
r) À luz da jurisprudência do TJUE (e.g. C 493/09, Commission v. Portugal, 06.11.2011; C-338/11 a C-347/11 – Santander Asset Management SGIIC, S.A, 10.05.2012; C-480/16 – Caso Fidelity Funds, 21.06.2018) é clara a comparabilidade da situação dos OIC residentes em Portugal ou noutro Estado-Membro, sendo igualmente notório, que a legislação portuguesa em análise não visa estabelecer qualquer medida anti-abuso ou evitar práticas abusivas em matéria fiscal, pelo que o tratamento discriminatório conferido aa Requerente não encontra aqui qualquer justificação;
s) Existe um tratamento discriminatório e uma clara restrição da liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE e pelo artigo 1.º da Diretiva 88/361, uma vez que a ora Requerente está sujeita a tributação em Portugal sobre os dividendos aqui obtidos, ao passo que os OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa estão isentos sobre os mesmos rendimentos;
t) A norma do EBF aqui sindicada mostra-se contrária ao Direito da União Europeia, uma vez que colide com as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais previstas no seu artigo 63.º, tendo como efeito dissuadir os OIC estabelecidos noutros Estados-Membros de investirem os respetivos capitais em sociedades com sede em Portugal e obstaculizar a recolha de capitais em Portugal;
u) As normas de Direito da União Europeia prevalecem sobre o direito interno, por força do princípio da primazia do direito internacional, conforme preceituado no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e no artigo 1.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), não carecendo de qualquer ato de transposição de carácter interno.
22. A AT contra-argumentou com base nos seguintes fundamentos:
a) A AT não pode aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu;
b) A Requerente optou por não solicitar o reembolso ao abrigo do n.º 2 do artigo 10.º, da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha, que estabelece um limite máximo para o imposto cobrado no Estado da fonte de 15% do montante bruto dos dividendos;
c) A opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, mediante a subtração à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, é indissociável da deslocação da tributação para a esfera do Imposto do Selo;
d) Foi aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos;
e) A tributação em Imposto do Selo apenas recai sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira;
f) Os dividendos, além de não integrarem a matéria coletável do IRC, também beneficiam da isenção de retenção na fonte (cfr. n.º 10 do artigo 22.º do EBF);
g) A Requerente nada adianta sobre a sujeição dos OIC a taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do CIRC, prevista no n.º 8 do artigo 22.º do EBF, que revela a intenção do legislador de subsumir os dividendos obtidos por estes organismos ao disposto no n.º 11 do referido artigo 88.º,
h) Os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF – tal como ocorre com os fundos de pensões - por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma, à taxa de 23%, incidente sobre os lucros distribuídos, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano;
i) Os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso da Requerente, não está sujeito a tributação autónoma sobre os dividendos;
j) Apenas, nos casos em que um OIC abrangido pelo artigo 22.º do Código do IRC aufere dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal e as correspondentes partes sociais sejam detidas, de modo ininterrupto por período inferior a um ano, a carga fiscal é inferior à que recai sobre os dividendos pagos a um Fundo de investimento estabelecido na Alemanha;
k) Os Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação alemã – até 31 de dezembro de 2017 – eram geralmente tratados como veículos de investimento transparentes, sendo qualquer rendimento por eles gerado tributável na esfera dos seus investidores na Alemanha, independentemente de ter sido distribuído aos investidores;
l) O rendimento distribuído e o rendimento imputado (assim como os ganhos intercalares) eram geralmente classificados como rendimentos de capital e tributados a uma taxa fixa de 25%, acrescida de uma sobretaxa de solidariedade e, se aplicável, um imposto da igreja, a uma taxa máxima de 28,625%;
m) Os dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal a um Fundo de Investimento constituído ao abrigo da legislação alemã, em 2016, apenas foram objeto de retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 15% (taxa máxima estabelecida no artigo 10.º da CDT) e como os rendimentos gerados no Fundo, distribuídos e imputados, apenas, eram tributados na esfera dos investidores, certamente, os impostos suportados pelo Fundo eram igualmente imputados aos investidores;
n) Se a Requerente tivesse sido constituída ao abrigo da legislação nacional, não teria incidido qualquer retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos auferidos no ano de 2016, mas poderia ter incidido a tributação autónoma, à taxa de 23%, e, eventualmente, o imposto do selo previsto na Verba 29 da TGIS;
o) Os investidores alemães dos Fundos de Investimento eram tratados como se detivessem diretamente os ativos dos fundos de investimento, portanto, qualquer rendimento gerado na esfera do Fundo era atribuída aos investidores e tributada em conformidade, mas, para a determinação dos rendimentos imputados por unidade de participação, os Fundos de Investimento estavam obrigados a publicar, no diário federal eletrónico, relatórios diários e anuais com informações fiscalmente relevantes;
p) Os regimes fiscais aplicáveis aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional e dos OIC constituídos e estabelecidos na Alemanha não são genericamente comparáveis, pois que a tributação dos primeiros compreende uma tributação em IRC sobre um lucro tributável que integra rendimentos marginais e repousa sobretudo no Imposto do Selo, ao passo que os segundos estavam isentos de tributação no imposto sobre o rendimento e, aparentemente, também de outros impostos;
q) Não pode afirmar-se de forma categórica que um OIC constituído ao abrigo do Regime Geral dos OIC aquando da distribuição de dividendos provenientes de sociedades sediadas em Portugal, estava sujeito, no ano de 2016, a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um OIC constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado-Membro da União Europeia aquando da distribuição de dividendos de fonte portuguesa;
r) Para efeitos de comparação da carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e os OIC constituídos na Alemanha, é redutor, e manifestamente insuficiente para extrair conclusões, atender apenas ao imposto retido na fonte e abstrair de outras imposições suscetíveis de onerar fiscalmente os dividendos;
s) Não está demonstrado cabalmente que, embora a Requerente não consiga recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), devido ao seu estatuto de entidade isenta de tributação, a parte do imposto não recuperado pelo fundo não venha a ser recuperada pelos investidores;
t) À luz dos artigos 63.º e 65.º do TFUE, para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento, em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos;
u) O imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores, questão que a Requerente também omitiu, ou, pelo menos, não esclareceu;
v) Não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário, existindo apenas uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos;
w) SANEAMENTO
23. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
24. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
25. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.
26. O processo não padece de nulidades nem foram invocadas exceções, podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.
2 FUNDAMENTAÇÃO
2.1 Factos dados como provados
27. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:
a) A Requerente, com residência fiscal na Alemanha, é uma pessoa coletiva de direito alemão, mais concretamente um OIC constituído sob a forma contratual e não societária. (Documentos 1, 2, 3, 4, 6);
b) A Requerente é uma entidade residente fiscal na Alemanha, sujeita a imposto sobre as pessoas coletivas no seu país de residência, tendo-lhe sido concedida uma isenção (nos termos da Secção 1 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – “German Corporate Income Tax Act” – e da secção 11 parágrafo 1,2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – “German Investment Tax Act”) (Documentos 3,4,5,6);
c) Na data de 11.05.2016 foram distribuídos à Requerente dividendos no montante bruto de € 47 835, 80 e sujeitos a retenção de imposto no valor de € 11 958, 95 (Documento 7);
d) A Requerente é a beneficiária dos rendimentos (cfr. documento n.º 7 e 8);
e) O F..., S.A., responsável pela custódia dos títulos, procedeu à retenção e entrega à AT (Documento 7 e 8);
f) No dia 29.12.2017 a Requerente apresentou reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2016, solicitando a respetiva anulação por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da União Europeia, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal (cfr. documento n.º 9);
g) No dia 15.11.2018, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa, fundada no entendimento de que não competiria à AT “avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, nem tampouco apreciar a sua constitucionalidade. (Documento n.º 10).
2.2 Factos não provados
28. Com relevo para a decisão sobre o mérito não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados.
2.3 Motivação
29. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
30. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
31. Assim, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
2.4 Questão decidenda
32. A questão decidenda consiste em determinar a conformidade dos normativos do CIRC e do EBF em vigor à data dos factos tributários relativos ao regime de tributação dos dividendos auferidos pelo OIC em presença com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE. Por outras palavras, em causa está saber se a retenção na fonte em IRC sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos noutros Estados-Membros da União Europeia (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, ou não, o artigo 63.º do TFUE.
33. Importa ter presente a conexão interna que o artigo 26.º do TFUE estabelece entre a criação do mercado interno e a liberdade de circulação de capitais. Esta é arvorada, pelo artigo 63.º do TFUE, como uma liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia . Nessa qualidade, a mesma goza da primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efetividade da livre circulação de capitais.
34. Aos tribunais nacionais, na sua qualidade de tribunais europeus em sentido amplo, compete assegurar a primazia de aplicação do direito da União Europeia, desaplicando o direito nacional de sentido contrário. Neste âmbito, deve salientar-se a importância do papel interpretativo do TJUE, nomeadamente em sede de ações por incumprimento e de reenvios prejudiciais, devendo os tribunais nacionais conformar-se com o entendimento das normas dos Tratados que venha a ser vertido na jurisprudência daquele tribunal, sob pena de incumprimento do direito da União Europeia e de responsabilidade por parte do Estado-Membro, na linha da jurisprudência Francovich .
Liberdade de circulação de capitais
35. Consagrada no artigo 63.º do TFUE, a liberdade de circulação de capitais estabelece uma íntima relação com as demais liberdades fundamentais, a saber, de circulação de pessoas, de estabelecimento e de prestação de serviços, diferenciando-se delas na medida em que sem estende a terceiros Estados. A liberdade de circulação de capitais implica a proibição de discriminação entre capitais do Estado-Membro e capitais provenientes de fora. Os Estados-Membros podem regular em alguma medida a circulação de capitais, mas não podem discriminar. Quando se trata de densificar conceitualmente o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais observa-se a inexistência de uma definição deste conceito. Por este motivo, o TJUE tem sucessivamente acolhido e sublinhado o valor enumerativo e indicativo, mas não exaustivo, da Diretiva n.º 88/361/CEE, incluindo o respetivo Anexo I, nomeadamente o número IV, onde se subsumem ao conceito uma vasta constelação de operações e transações transfronteiriças sobre certificados de participação em organismos de investimento coletivo, em que se incluem as relevantes in caso . Com efeito, a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao ora Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988.
36. Devem ser salientados, porque se revestem de grande relevância hermenêutica e metódica, pelo menos quatro aspetos fundamentais de regime jurídico. O primeiro diz respeito à aplicabilidade direta do artigo 63.º TFUE e da inerente proibição de restrições injustificadas da liberdade de circulação de capitais. O segundo refere-se ao facto de as liberdades fundamentais do mercado interno terem como principais destinatários os Estados-Membros, que devem abster-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais de restrição das mesmas. O terceiro aspeto prende-se com a relação de complementaridade – e por vezes de sobreposição – que a liberdade de circulação de capitais estabelece com as liberdades de circulação de mercadorias e de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços. O quarto aspeto tem que ver com o reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno, especialmente a partir da criação da União Económica e Monetária (UEM) . Um dos principais objetivos da UEM consiste, precisamente, em facilitar a livre transferência de capital entre os Estados-Membros no quadro do mercado interno e das relações económicas e financeiras com Estados terceiros. A criação de um mercado interno supõe, por definição, a gradual e efetiva abolição dos diferentes mercados nacionais, em favor de um único mercado interno, de forma a potenciar o crescimento económico à escala europeia através da mais fácil disponibilização de capital.
Âmbito normativo e tributação
37. O âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais do artigo 63.º do TFUE abrange vários domínios (v.g. movimento físico da moeda; investimento em propriedade imobiliária e títulos de crédito), sendo um deles, justamente, o do tratamento fiscal dos movimentos de capitais, que cai sob alçada da respetiva aplicabilidade direta . Embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, a mesma deve ser exercida no respeito do direito da União Europeia, sem de qualquer discriminação em razão da nacionalidade ou da residência.
38. O problema específico do tratamento fiscal da distribuição de dividendos tem ocupado um lugar central na jurisprudência europeia, incluindo não apenas o TJUE, mas também o Tribunal EFTA . Tanto este último órgão, no caso Focus Bank , como o TJUE, em casos como ACT GLO , Denkavit , Amurta , Truck Center , Aberdeen Property , Comissão v. Países Baixos , Comissão v. Portugal , Santander Asset Management e Sofina SA , para citar apenas alguns dos mais relevantes exemplos, pese embora algumas diferenças factuais e jurídicas nas respetivas decisões, apontam globalmente no sentido de dever considerar-se que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes – v.g. imputando aos investidores residentes um crédito de imposto e sujeitando as entidades não residentes a retenção de imposto sem imputação; retendo imposto sobre dividendos pagos a não residentes e não retendo no caso de dividendos pagos a residentes – configurar, em princípio, uma violação da liberdade de circulação de capitais e nalguns casos também da liberdade de estabelecimento, pondo em causa o funcionamento do mercado interno.
39. Embora não estejam sempre numa situação comparável, residentes e não residentes são colocados nessa posição a partir do momento em que o Estado-Membro que se considere, unilateralmente ou por convenção, opte por tributar os acionistas não residentes de maneira menos favorável que os residentes, relativamente aos dividendos que uns e outros recebam de sociedades residentes. Especialmente relevante, em sede das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais, é o facto de o tratamento fiscal menos favorável dos não residentes os dissuadir, na qualidade de acionistas, de investirem no Estado da residência das empresas distribuidoras de dividendos, e constituir, igualmente, um obstáculo à obtenção de capital no exterior por parte dessas empresas.
40. Por outro lado, a jurisprudência europeia tem insistido na noção de que um Estado-Membro não pode deixar de cumprir as suas obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno por considerar que outro Estado-Membro se encarregará de compensar de alguma maneira o tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação . Neste domínio vale o princípio geral de que as liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento requerem a igualdade de tratamento fiscal dos dividendos pagos a residentes e não residentes pelo Estado-Membro anfitrião, no caso de ambos estarem sujeitos a tributação de dividendos .
41. Quando se trata de interpretar e aplicar as liberdades fundamentais do mercado interno, prevalece o entendimento, amplamente sufragado pelo TJUE, segundo o qual a liberdade é a regra e as restrições à liberdade são a exceção. Estas últimas compreendem, quer as limitações ao exercício da liberdade, quer as discriminações no exercício da liberdade. Atento o caráter excecional das restrições, devem as mesmas ser devidamente fundamentadas e objeto de interpretação restritiva. A admissibilidade de restrições à liberdade de circulação de capitais por parte dos Estados-Membros encontra-se prevista no artigo 65.º do TFUE, na senda das derrogações à liberdade de circulação de capitais já previstas na Diretiva n.º 88/361/CEE. A análise do caso concreto deve ser levada a cabo com base nas premissas normativas acima sintetizadas.
Comparabilidade das situações
42. O artigo 65.º alínea a) do TFUE prevê a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem disposições pertinentes de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência ou ao lugar onde o capital é investido. No entanto, essa previsão deve ser atenuada pelo requisito do artigo 65.º, n.º 3, do mesmo Tratado, segundo o qual qualquer exceção não pode constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida pelo artigo 63.º. Ou seja, as restrições têm como limite a garantia da própria liberdade de circulação de capitais . Importa, pois, para este efeito, saber se a situação dos fundos de investimento residentes e não residentes em Portugal é objetivamente comparável.
43. Recorde-se que, no caso de fundos de investimento residentes na Alemanha, o artigo 10.º da relevante CDT , permite que o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, seja limitado à taxa de 15%. No entanto, como os fundos de investimento em causa gozam de uma isenção à luz do direito alemão, sendo considerados fiscalmente transparentes, não podem beneficiar do referido artigo. Numa primeira análise, poder-se-ia dizer que essa impossibilidade resulta do facto de gozarem de uma vantagem fiscal, a isenção, de que os seus congéneres portugueses não usufruem. Estes, beneficiam da isenção de retenção, ao mesmo tempo que estão sujeitos a dois impostos – IRC e Imposto do Selo – cujo efeito cumulativo pode, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.
44. Por outro lado, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores individualmente considerados. Num caso e noutro, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos fundos alemães. Estas diferenças podem ser invocadas, prima facie, para sustentar que não se trata de situações comparáveis.
45. Porém, em causa está saber se a determinação da comparabilidade da situação dos fundos residentes e não residentes em Portugal deve entrar em linha de conta com a situação fiscal em que se encontram os fundos de investimento não residentes em Portugal no respetivo Estado de residência – tendo em conta pertinente regime jurídico e as CDT’s entre Portugal e esses Estados – especialmente no caso dos Estados-Membros da União Europeia ou integrantes do Espaço Económico Europeu, ou ainda levar em conta a situação concreta dos respetivos investidores . Soluções normativas que obrigassem a ter em conta, para efeitos de comparação, a situação concreta dos fundos de investimento dos 28 Estados-Membros, a partir das relevantes CDT’s, se os houver, ou a indagar do impacto fiscal da retenção e das medidas de mitigação da dupla tributação económica na situação fiscal de cada investidor individualmente considerado seriam extremamente complexas, mesmo numa situação em que os acionistas fossem, eles próprios, pessoas coletivas, cada qual residente numa jurisdição diferente.
46. Por outras palavras, se se quiser fazer uma determinação caso a caso para cada fundo de investimento não residente ou investidor individual, o trabalho administrativo envolvido, embora possa compensar os Estados-Membros por via de um aumento das receitas, acaba por ser, tendo em conta o grande número de investidores de alguns fundos, administrativamente impraticável. Tanto os fundos residentes em Portugal como os não residentes podem ter acionistas institucionais e individuais de todos os Estados da União Europeia e de terceiros Estados. Em causa estão, na prática, diferenças significativas de facilidade e praticabilidade administrativa. Diferentemente, se se circunscrever a análise ao nível da situação fiscal dos fundos residentes e não residentes a quem são distribuídos dividendos, uma única determinação será suficiente.
47. Neste contexto, o que deve relevar é o impacto direto que as normas tributárias têm na atividade dos fundos e não na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, já que hoje é extremamente fácil levar a cabo investimentos transfronteiriços, sendo que esse mesmo é um dos objetivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais. O rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.
48. O fundo Requerente, residente na Alemanha, pode ter investidores estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, incluindo alemães. A presente ação não foi intentada pelos investidores nem os mesmos são partes nela, nem é lícito chamar à colação a posição (para efeitos fiscais) dos referidos investidores. O artigo 22.º do EBF não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC —residentes ou não residentes — e a situação fiscal dos seus detentores de participações. Da mesma forma, a AT não afere da posição dos investidores em OIC estabelecidos (e residentes para efeitos fiscais) em Portugal para reconhecer a estes o regime fiscal previsto no artigo 22.º do EBF.
49. Deve, por conseguinte, considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes – e não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respetivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos respetivos investidores. Do ponto de vista do Estado-Membro que se considere, fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à respetiva tributação . Como sublinhou o TJUE no caso Santander Asset Management , quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação. Também não parece a este Tribunal Arbitral ser relevante aferir do impacto fiscal que, nas mais variadas situações individuais e concretas, a sujeição da Imposto de Selo dos OIC residentes em Portugal possa produzir neste ou naquele fundo de investimento, visto tratar-se aí de um imposto sujeito a uma lógica patrimonial totalmente distinta da tributação do rendimento. O critério a ter em conta é, em primeira linha, o da letra do artigo 22.º do EBF, só depois havendo que tomar em consideração outros fatores.
50. Como se sublinhou acima, os fundos residentes e não residentes são colocados numa posição comparável a partir do momento em Portugal opta por tributar os não residentes de maneira menos favorável do que os residentes, dissuadindo aqueles, na qualidade de acionistas, de investirem das empresas residentes distribuidoras de dividendos e dificultando a obtenção de capital no exterior por parte destas mesmas empresas. Por outro lado, Portugal não pode deixar de cumprir as obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno por considerar que os outros Estados-Membros se encarregarão, de alguma forma, de compensar de tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação .
Justificação da diferenciação
51. No âmbito das liberdades fundamentais do mercado interno assume a maior importância a problemática dos chamados limites dos limites. Importa, assim, indagar sobre se a diferenciação entre fundos residentes e não residentes, nos termos do artigo 22.º do EBF na redação relevante à data dos factos, pode ser justificada, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, nomeadamente por se tratar de uma medida indispensável para impedir infrações às leis e regulamentos nacionais, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras. Sublinhe-se que a própria derrogação prevista nesse preceito é ulteriormente limitada pelo disposto n.o 3, do mesmo artigo – uma norma especial de limite dos limites – que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.o 1 “não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.°” .
52. No entender do presente Tribunal Arbitral, dificilmente se poderia argumentar de forma convincente no sentido da indispensabilidade da medida diferenciadora em apreciação. Em primeiro lugar, é o Estado português que, no exercício da sua jurisdição fiscal, opta deliberadamente por diferenciar entre fundos residentes e fundos não residentes, isentando os primeiros da retenção de imposto sobre a distribuição de dividendos e sujeitando à mesma os segundos, colocando-os numa situação comparável, e em seguida tratando-os de forma diferente. Ora, não se vê em que medida é que essa diferenciação é indispensável à prevenção de infrações fiscais. Com efeito, não se percebe que a diferenciação em causa possa prevenir a evasão fiscal, nada existindo na mesma que se refira à prevenção de montagens ou construções meramente artificiais, desprovidas de genuína substância económica. Recorde-se que o critério da indispensabilidade aponta para a justificação da diferenciação fiscal em causa apenas quando não existam meios alternativos menos restritivos – de limitação e diferenciação – à disposição do Estado-Membro em presença , adequados à salvaguarda do sistema fiscal ou de supervisão.
53. Em segundo lugar, e na linha do que acaba de ser dito, sempre seria possível isentar de retenção (ou diminuir o respetivo montante) tanto os fundos residentes em Portugal como os fundos residentes noutros Estados-Membros e, simultaneamente, dar um tratamento fiscal em geral idêntico aos investidores residentes em Portugal pelos dividendos recebidos de sociedades residentes em Portugal ou noutros Estados-Membros, seguindo as orientações definidas pela jurisprudência do TJUE em sede de dupla tributação económica . A existência de alternativas menos restritivas de relativamente fácil concretização legislativa constitui evidência de que se está, no caso, perante uma diferenciação desproporcional e, portanto, ilegítima . Por outro lado, o TJUE tem sustentado que um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União devido à eventual existência de outros benefícios . Nas suas palavras, se os Estados Membros utilizarem a liberdade de sujeitar a imposto os rendimentos gerados no seu território, são obrigados a respeitar o princípio da igualdade de tratamento e as liberdades de circulação garantidas pelo direito primário da União .
54. Acresce que, e este é um terceiro aspeto relevante em sede do artigo 65.º n.º1 e 3 do TFUE, a garantia da coerência do sistema fiscal português também não pode ser invocada para justificar a diferenciação de regime da retenção, na medida em que a jurisprudência do TJUE exige uma ligação direta entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem através de uma imposição específica, situação que não se verifica necessariamente através da eventual sujeição dos OIC’s às taxas de tributação autónoma de IRC e da Verba 29 da Tabela Geral do Imposto Selo, sendo este um tributo de natureza e lógica patrimonial.
55. A aplicação trimestral do Imposto de Selo a fundos em diferentes condições (v.g. fundos com valorização súbita de ativos, seguida de alienação e distribuição de dividendos; fundos com perfil conservador de investimento e valor da carteira de investimentos relativamente constante), estando dependente da eventual capitalização dos rendimentos provenientes dos dividendos, pode gerar, dentro de cada um dos sucessivos exercícios, consideráveis disparidades arbitrárias de tratamento fiscal entre os vários fundos de investimento residentes e entre estes e os não residentes, com impacto evidente nos respetivos fundos de caixa . Esta realidade é tanto mais significativa quanto é certo que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, a apreciação da existência de um eventual tratamento desvantajoso dos dividendos pagos a não residentes deve ser efetuada em relação a cada ano fiscal individualmente considerado .
56. Por outro lado, a aplicação da taxa de tributação autónoma de 23% prevista no artigo 88.º n.º 11 do CIRC – por força do artigo 22.º do EBF – está dependente do facto eventual da não permanência, de modo ininterrupto, das partes sociais a que correspondem os lucros na titularidade dos sujeitos passivos aí previstos durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição, e da sua não manutenção durante o tempo necessário para completar esse período, situações de ocorrência eventual e incerta. Ora, as disparidades de tratamento fiscal assim geradas não asseguram necessariamente a neutralização da desvantagem fiscal em que ficaram colocados os fundos não residentes, sujeitos a uma retenção de imposto suscetível de os dissuadir de investirem em Portugal e de dissuadir os residentes em Portugal de investirem em fundos de investimento de outros Estados-Membros .
57. Também não colhe o argumento do interesse geral na garantia de uma repartição e equilibrada do pode de tributar, devendo entender-se, com o TJUE, que quando um Estado Membro tenha optado por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários de tais rendimentos . Ou seja, em caso algum se poderá entender que se trata aqui de restrições justificadas por razões de segurança pública ou ordem pública .
58. Do mesmo modo, em quarto lugar, a garantia da efetividade da supervisão financeira não justifica, por si só, a diferenciação de tratamento entre fundos residentes e fundos não residentes em Portugal. Como efeito, se é certo que um OIC constituído ao abrigo de legislação estrangeira (em concreto, ao abrigo da legislação de um outro Estado-Membro da UE) e aí sujeito aos poderes de supervisão da respetiva entidade reguladora não cumpre os pressupostos previstos na legislação portuguesa e certamente não estará sujeito à supervisão da CMVM, também o é que o TJUE já sustentou, num caso envolvendo o nosso país, a inadmissibilidade de uma regulamentação nacional que impeça de forma absoluta um determinado fundo de fazer prova de que satisfaz as exigências que lhe permitiriam beneficiar da isenção, nomeadamente fornecendo os documentos comprovativos pertinentes que permitam às autoridades fiscais nacionais verificar, de forma clara e precisa, que esses fundos preenchem, no seu Estado de residência, exigências equivalentes às previstas pela legislação nacional .
59. Como tem sido sucessivamente afirmado pelo TJUE, a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE deve ser interpretada em sentido amplo e as possibilidades de restrição à mesma, previstas e limitadas no artigo 65.º do mesmo Tratado devem ser indispensáveis à prossecução de interesses públicos ponderosos, devidamente fundamentadas e interpretadas de maneira restritiva . É sobre o Estado português que recai o ónus de provar que os seus objetivos fiscais e financeiros não poderiam ser prosseguidos por meios alternativos menos restritivos do que a diferença de tratamento fiscal em causa , ónus esse que manifestamente não foi cumprido pela argumentação expendida pela AT, sem prejuízo de se reconhecer o empenhado e competente esforço nesse sentido. A orientação de fundo seguida pela jurisprudência do TJUE sobre o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais, os seus limites e os limites dos limites, torna inviável essa missão probatória no caso concreto.
60. O presente Tribunal Arbitral aceita como boa a noção, várias vezes sustentada pelo TJUE, de que o reconhecimento de uma ampla margem de conformação dos Estados-Membros em sede de regulação dos capitais tornaria a respetiva liberdade de circulação ilusória . Dada a linguagem prudente nelas incorporada, resulta claro que as exceções do artigo 65.º, nº 1, alínea a) e do n.º 3 do TFUE devem ser aplicadas somente em circunstâncias raras e especiais. Esta é uma barreira significativa de difícil superação por parte do Estado português.
61. A jurisprudência do TJUE acima referida permite que o presente Tribunal Arbitral sustente que o artigo 63.º do TFUE consubstancia, para o caso sub judice, uma situação de ato esclarecido (acte éclairé) . A mesma, suportada em múltiplos casos, fornece parâmetros suficientemente seguros sobre a interpretação e aplicação que deve ser feita do preceito em causa relativamente às circunstâncias fácticas e normativas do caso concreto. Tendo o TJUE proferido diversas decisões no sentido de julgar incompatíveis com a liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais múltiplas diferenciações em matéria de retenção na fonte por dividendos distribuídos a residentes e não residentes em casos com contornos substancialmente semelhantes ao aqui presente – independentemente da natureza dos processos que levaram a essas decisões e mesmo que os factos não fossem estritamente idênticos – o presente Tribunal, no exercício dos deveres que lhe incumbem, de afirmar a primazia do Direito da União Europeia sobre o direito interno e de seguir a orientação interpretativa acolhida pelo TJUE, e na qualidade que lhe é reconhecida de órgão jurisdicional de reenvio , conclui pela inexistência, em concreto, do dever de reenvio prejudicial de interpretação previsto no artigo 267.º § 1 alínea a) e § 3 do TFUE , entendendo que se está claramente diante de uma restrição não indispensável nem justificada da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE.
3.5. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
62. A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela AT, bem como de pagamento de juros indemnizatórios. Nos termos disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
63. Não obstante o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilizar a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, há muito que se entende que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
64. Apesar de ser, essencialmente, um processo de anulação de atos tributários, o processo de impugnação de admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
65. Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Este entendimento decorre do princípio da tutela jurisdicional efetiva e da correspondente ampliação dos poderes conformadores da jurisdição administrativa e tributária. Por isso, a Requerente tem o direito de ser reembolsada do imposto pago e juros indemnizatórios por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
66. No caso em apreço, em causa está a aplicação, pela AT, da isenção e das retenções resultantes, respetivamente, dos artigos 22.º do EBF e 94.º n.º 1 alínea c), n.º 3 alínea b), e n.º 4 e 87.º, n.º 4, do CIRC, criando uma diferenciação entre fundos de investimento residentes e não residentes, com potencial impacto dentro de cada um de sucessivos exercícios fiscais, em violação da liberdade de circulação de capitais, uma liberdade fundamental do mercado interno, consagrada no artigo 63.º da TFUE, em termos, de resto, que sempre dariam lugar a responsabilidade por Estado português, na linha da jurisprudência Francovich. Na sua atuação, a AT aplicou as normas jurídicas nacionais em vigor, a despeito de as mesmas violarem o direito da União Europeia tal como ele vem sido interpretado pelo TJUE. Sendo a primazia do direito da União Europeia relativamente ao direito nacional uma primazia de aplicação e não uma primazia de validade, cabe ao presente Tribunal arbitral desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União Europeia, declarando a respetiva ilegalidade. Caso em que, nos termos do artigo 43.º n.º 3 da LGT, são devidos juros indemnizatórios, a partir do trânsito em julgado da sentença.
3 DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
1) Declarar a ilegalidade dos atos tributários de retenção na fonte ora sindicados por erro nos pressupostos de direito, a saber, por violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE;
2) Condenar a Requerida à restituição da quantia de 11.958,96 € relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2016, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF e ao pagamento de juros indemnizatórios a partir do trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 43.º n.º 3 da LGT;
3) Julgar improcedente o pedido de reenvio prejudicial de interpretação previsto no artigo 267.º § 1 alínea a) e § 3 do TFUE.
4 VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 11.958,96 € nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
5 CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem 918.00 € a cargo da Requerida em nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de julho de 2019
O Árbitro
Jónatas E. M. Machado