DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. A..., contribuinte fiscal n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios, no montante de € 177.923,23, referentes ao ano de 2014.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A liquidação em IRC resultou de uma ação de inspecção referente ao exercício fiscal de 2014, mas que assentou nas conclusões de um anterior procedimento inspetivo que teve por objecto o exercício de 2012, em que veio a entender-se que a Requerente, embora se encontre constituída formalmente como uma associação para fins desportivos, desenvolve uma atividade comercial consubstanciada na exploração de um ginásio, cujos rendimentos não podem considerar-se isentos de IRC ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, do Código de IRC.
Tendo a Requerente impugnado através de um pedido de pronúncia arbitral as correcções efectuadas na sequência da acção inspectiva relativa ao ano de 2012, que foi julgado parcialmente procedente através do acórdão proferido no Processo n.º 584/2017-T, os actos de liquidação de IRC referentes ao ano de 2014 encontram-se cobertos pela autoridade do caso julgado.
A Requerente, na prossecução dos seus objetivos estatutários, desenvolve a exploração de instalações desportivas, em especial, para atividades de ginásio, natação, hidroginástica e aulas de diversas modalidades de índole desportiva, de saúde e bem-estar e realiza ainda torneios desportivos e outras iniciativas de lazer, desporto e bem-estar, de modo gratuito, aos seus associados, utilizando para o efeito um imóvel que lhe foi cedido para exploração pela sociedade B..., S.A.
Nos termos dos Estatutos, os associados pagam um montante de joia no acto de inscrição e uma quota mínima anual correspondente ao montante de seguro desportivo legalmente obrigatório, além de uma quota mensal fixada em conformidade com as modalidades desportivas praticadas pelos associados.
Para incentivar a prática desportiva e um modo de vida saudável, a Requerente estabeleceu um plano de descontos para agregados familiares, jovens e idosos e permite ainda a suspensão do pagamento de quotas mensais a associados que se encontrem em situação financeira precária ou se vejam impossibilitados da prática desportiva por razões médicas, motivos profissionais ou alteração de residência.
É assim um facto assente que a Requerente é uma associação desportiva e realiza a sua actividade no quadro do seu objeto social.
Para efeito de desconsiderar a sua qualidade de associação desportiva, a Administração Tributária deu relevo à detenção de participações sociais numa sociedade comercial, à ocorrência de acumulação de funções de um membro da Direcção da Associação com o de assalariado da B..., à existência de vínculos laborais com alguns associados, à não utilização dos excedentes de exploração na prossecução dos fins estatutários e à restrição de votos e da capacidade eletiva de algumas categorias de sócios.
O primeiro dos aspectos mencionados reporta-se à detenção de cerca de 30% do capital da B..., SA, mas como se concluiu na decisão arbitral proferida no Processo n.º 584/2017, no ano de 2012, a Requerente não auferiu rendimentos de capital derivados dessa participação social, nem os órgãos directivos da Requerente tinham interesse, direto ou indireto, nos resultados de exploração das actividades prosseguidas pela associação.
Por outro lado, em 2012, não é possível estabelecer qualquer nexo causal entre os interesses de um dos membros dos órgãos directivos da Requerente e o investimento realizado na B..., sendo que a pessoa indicada como assalariado dessa empresa (C...) não fazia parte, nesse ano, dos quadros representativos da Requerente.
Por outro lado, a alegação de que os excedentes gerados pela sua actividade são utilizados em função das decisões dos órgãos representativos, sem qualquer intervenção dos restantes associados - com que se pretende descaracterizar a actividade associativa da Requerente -, não tem em devida consideração que todos os associados têm o direito a tomar parte nas assembleias gerais, bem como o direito de eleger e serem eleitos para cargos associativos e que os excedentes que eventualmente resultem da sua actividade são aplicados no interesse coletivo dos associados. E, nesse sentido, a Autoridade Tributária não pode sujeitar as quotas pagas pelos associados ao regime geral de tributação em sede de IRC com o fundamento que a Requerente não presta a sua atividade exclusivamente aos seus associados, mas antes prossegue uma atividade de carácter comercial.
Está ainda demonstrado que a contrapartida paga pelos associados não é uma mensalidade sinalagmática correlativa a serviços prestados e ajustada aos preços de mercado, mas antes uma contribuição estabelecida estatutariamente e cujos montantes são definidos em função das condições pessoais dos associados, sendo que a possibilidade de pessoas não associadas usufruírem das modalidades desportivas disponibilizadas pela Requerente é muito restrita, existindo um controlo efetivo do acesso de pessoas não associadas. E, em qualquer caso, o acesso é totalmente gratuito, não gerando qualquer rendimento para a associação.
A promoção da prática desportiva está também subjacente aos cheques oferta/vouchers da sociedade D..., Lda., que têm em vista o incentivo à prática desportiva através da divulgação junto de um público mais alargado, visando a angariação de novos associados, pelo que não pode ser assimilada a uma atividade comercial, nem tem como finalidade a prossecução do lucro.
A Administração confunde ainda os associados colectivos com os acordos de colaboração com terceiras entidades e que se destinam a permitir a atribuição de descontos aos associados da Requerente em serviços ou produtos que essas entidades comercializam, tendo como contrapartida que os seus trabalhadores possam também beneficiar de desconto na joia quando pretendam inscrever-se como associados da Requerente, sendo que essa prática tem em vista estimular a atividade desportiva e proporcionar benefícios adicionais aos associados da Requerente.
A Requerente discute ainda a não indispensabilidade dos custos incorridos com a aquisição de viaturas ligeiras de passageiros para a deslocação de funcionários e dirigentes, referindo a esse propósito que o artigo 11.º , n.º 2, do Código do IRC não estabelece qualquer condição para a concessão da isenção de imposto relacionada com a indispensabilidade dos gastos efetuados pelo sujeito passivo e que a aquisição de veículos ligeiros de passageiros tem subjacente razões de racionalidade económica e tem directamente em vista a prossecução dos fins estatutários.
Conclui pela procedência do pedido.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a excepção da intempestividade do pedido arbitral, considerando que o prazo de 90 dias para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, deve contar-se da notificação do acto tributário de liquidação adicional de IRC - e não da demonstração do acerto de contas -, e devendo considerar-se a Requerente notificada desse acto no primeiro dia útil após férias judiciais, ou seja, em 3 de Setembro de 2018, o prazo terminava no dia 3 de Dezembro seguinte, sendo o pedido apresentado em 22 desse mês intempestivo.
Reportando-se à excepção do caso julgado, a Autoridade Tributária refere que à data em que a Requerente foi notificada das conclusões do relatório de inspecção referente ao exercício de 2014, em 10 de Agosto de 2018, ainda não havia sido proferida decisão sobre o Processo n.º 584/2017-T, o que apenas ocorreu em 26 de Setembro seguinte, pelo que não pode entender-se que se tenha formado caso julgado por efeito da prolação da referida decisão.
Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária alega que não houve lugar a qualquer correcção que tenha por base os rendimentos auferidos em resultado da participação social detida pela Requerente ou do interesse dos membros dos órgãos sociais nos resultados da sua exploração, assim como também a correcção se não relaciona com falada acumulação de funções de um membro dos órgãos sociais na sociedade B... .
Quanto ao funcionamento da Requerente a Autoridade Tributária refere que existem diversos tipos de sócios (fundadores, efectivos, sócios, coletivos e proponentes), mas o direito de voto e de ser eleito para cargos associativos são exclusivos dos sócios fundadores e dos sócios efectivos (propostos pela Direção), verificando-se que apenas um grupo restrito de sócios, que, na quase totalidade, têm vínculo laboral com a Requerente é que detém as tarefas de direcção e de controlo da actividade associativa.
Por outro lado, a Requerente prossegue uma actividade de carácter comercial que se consubstancia na exploração de um ginásio, cujo acesso não é exclusivo a sócios e cuja contrapartida pela sua utilização corresponde a montantes mensais variáveis ou vouchers e não a uma quota fixa. Apurou-se ainda que os documentos que se reportam ao pagamento de quotas não indicam o número, nem o nome do sócio, mas apenas o número de pagamento, sendo de concluir que o acesso ao ginásio é efectuado através de um “contrato de adesão” em tudo similar ao que pode ser disponibilizado por empresa comercial.
Também os cupões comercializados pela sociedade D... possuem várias opções de utilização, mediante uma inscrição prévia por telefone ou internet, traduzindo-se num pré-pagamento que titula a prestação de serviços ou um desconto que tem sempre um fim comercial.
A Requerente estabeleceu ainda protocolos ou acordos de colaboração com outras pessoas coletivas com vista à utilização das instalações da Requerente pelos trabalhadores, colaboradores ou estudantes dessas entidades e que envolve como contrapartida a atribuição de descontos aos associados da Requerente.
A Autoridade Tributária sustenta, em suma, que a Requerente, embora se encontre formalmente constituída como uma associação, exerce uma actividade comercial e encontra-se como tal sujeita a tributação em sede de IRC.
No que se refere à existência de viaturas ligeiras de passageiros, constatou-se em face da actividade desenvolvida e do seu carácter associativo, que esses veículos não são indispensáveis à obtenção dos rendimentos ou à manutenção da fonte produtora, não podendo os respectivos custos ser considerados para efeitos fiscais.
2. No seguimento do processo foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenado o prosseguimento para alegações, por prazo sucessivo, também destinadas ao exercício do direito ao contraditório por parte da Requerente quanto à matéria da excepção.
Em alegações, a Requerente pronunciou-se sobre a excepção da intempestividade do pedido arbitral invocada pela Autoridade Tributária, dizendo, em síntese, que o documento de demonstração da liquidação adicional de IRC deve ser visto de forma integrada e em conjunto com a demonstração de acerto de contas, assim resultando o imposto a pagar pelo sujeito passivo, pelo que o prazo para impugnação judicial, como é entendimento jurisprudencial, se deve contar, do termo do prazo fixado para o pagamento voluntário do imposto.
Quanto à matéria de fundo, a Requerente procurou fixar a matéria de facto que deve ser dada como assente, invocou a autoridade do caso julgado resultante da decisão proferida no Processo n.º 584/2017-T e, subsidiariamente, defendeu a ilegalidade da liquidação de IRC nos termos já constantes da petição inicial.
Em alegações, a Autoridade Tributária limitou-se a reiterar os argumentos já aduzidos na resposta, concluindo pela procedência da excepção da intempestividade do pedido arbitral e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 6 de março de 2019.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e foi invocada a excepção da intempestividade do pedido arbitral.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2015..., de 10 de julho de 2015, relativa ao exercício fiscal de 2014, destinada à verificação do cumprimento das obrigações tributárias em sede de IRC e IVA;
B) No Relatório da Inspecção Tributária, elaborado no âmbito do procedimento inspectivo, sob a epígrafe “Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas”, consta o seguinte (III 1):
“Nos registos informáticos da AT consta que através da Ordem de Serviço OI 2015... . foi efectuada uma acção inspectiva externa à Associação, para o ano de 2012. Desta acção resultou a alteração ao regime de tributação do IVA e foi concluído em sede de IRC, que as prestações de serviços efetuadas, não se enquadravam no âmbito da não sujeição cfr nº 3 do artigo 53º do CIRC, mas consubstanciavam sim, rendimentos sujeitos a IRC cfr alínea a) do nº 1 do artigo 2º e artigo 10.º ambos do CIRC, bem como rendimentos sujeitos a tributação em sede de IVA, nos termos da alínea a) do artigo 10 do Código do IVA:
II.3.4.6 – Conclusão
Dos factos relatados constata-se assim que, muito embora estejamos perante uma associação normalmente constituída, a utilização dos recursos não se esgota na persecução dos objetivos preconizados nos seus estatutos, uma vez que gera excedentes que depois não afeta à execução das suas prestações, sendo estes excedentes utilizados em função das decisões de um grupo restrito dos seus associados, o que lhe retira o carater "associativista" decorrente do desenvolvimento das suas atividades, para além de, como já se disse e demonstrou, prestar esses serviços quer a sócios quer a não sócios. Consequentemente,
Entendemos que a atividade desenvolvida por esta associação que se consubstancia na exploração de um ginásio com a marca “E...”, é uma atividade comercial e como tal, os rendimentos resultantes dessas atividades não podem ser considerados quotas fixas pagas pelos seus associados, até porque, como já se apresentou e justificou no ponto II.3.3.3.2, o próprio documento de quitação assim o demonstra, estando assim tais rendimentos sujeitos a:
• IVA nos termos da alínea a) nº 1 do art. 1.º do Código do IVA e
• IRC conforme alínea a) do nº 1 do art. e 2º e artº 1.º do CIRC (documento n.º 4);
C) No mesmo Relatório, sob a epígrafe “Correcções em sede de IRC, refere-se o seguinte (ponto III 2.3.):
“Conforme já se referiu, não obstante o contribuinte ter inscrito o montante de € 2.027.657,96 no campo 411 – volume de negócios da declaração modelo 22 IRC, na demonstração de resultados da IES apenas declarou como rendimento o montante de € 97,80 relativo a juros, dividendos e outros rendimentos similares, tendo apurado matéria colectável de IRC nesse valor de € 97,80, i.é., apenas este rendimento foi declarado como rendimento sujeito a tributação no regime normal.
Pelo que, pelos fundamentos atrás invocados iremos proceder à alteração do lucro tributável de € 76,77 para € 624.704,96, enquadrável no regime normal de tributação, que se traduz numa alteração à matéria colectável no montante de € 624.628,19 (€ 624.704,96 - € 76,77), de acordo com o seguinte quadro, onde se espelha as correcções efectuadas (…)” (documento n.º 4);
D) A Requerente impugnou os actos tributários de liquidação em IRC referentes ao exercício de 2012, que resultaram do procedimento inspectivo realizado relativamente a esse ano, através da apresentação de um pedido de pronúncia arbitral, que correu termos no âmbito do Processo n.º 584/2017T, e que foi julgado parcialmente procedente;
E) A Requerente é uma associação sem fins lucrativos, tendo sido constituída a 10 dezembro de 2004, conforme escritura lavrada no Cartório Notarial de Competência Especializada de ... (documento n.º 6);
F) Os Estatutos da Requerente foram alterados em 12 de Agosto de 2013 sem modificações significativas quanto ao objecto social (documento n.º 7);
G) Na prossecução do seu objecto social, cabe à associação: a) realizar acções de formação para os seus Associados e/ou a terceiros para a orientação e administração de actividades desportivas, culturais e recreativas; b) colaborar na realização de acções de divulgação da sua actividade, bem como apoiar acções de promoção do bem-estar física em geral;
H) A Associação compreende sócios fundadores, sócios efectivos (que são propostos pela Direcção), sócios (pessoas singulares que requeiram a sua admissão à Direcção e cuja admissão seja aprovada pela mesma), sócios colectivos, sócios proponentes (pessoas singulares que tendo preenchido a proposta de admissão se encontrem a aguardar a aprovação da Direcção) e sócios honorários;
I) A Assembleia Geral é constituída pelos sócios fundadores e sócios efectivos e só estes têm direito de voto;
J) São direitos exclusivos dos sócios colectivos celebrar protocolos com a Associação com vista à utilização das instalações desta última, pelos trabalhadores, colaboradores, estudantes do sócio colectivo, conforme aplicável, e desde que sejam fixados os termos e condições dessa utilização e assegurado o pagamento pelo sócio colectivo;
K) Constituem receitas da Associação: a) o produto das joias e quotas a pagar pelos Associados; b) os subsídios que o Estado ou outras pessoas colectivas de direito publico lhe concedam com vista a realização dos fins estatutários da Associação; c) as contribuições ou donativos de quaisquer outras entidades ou de pessoas singulares; d) as importâncias cobradas pelas prestações de serviços efectuadas, designadamente, as mensalidades das instalações desportivas.
L) A Requerente tem a sua sede na ..., n.º..., ..., no local onde, na prossecução dos seus objetivos estatutários, desenvolve a actividade de exploração de instalações desportivas, em especial, instalação capacitada para actividades de ginásio, natação, hidroginástica e aulas de diversas modalidades de índole desportiva, de saúde e bem estar;
M) As instalações onde a Requerente exerce a sua actividade foram cedidas em exploração pela B..., S.A., mediante contrato de cessão de exploração celebrado no dia 3 de janeiro de 2005;
N) O contrato de cessão de exploração vigorava até dia 31 de Dezembro de 2005, sendo automaticamente e sucessivamente renovado por períodos de um ano, nos termos da sua cláusula 3.ª do respetivo contrato;
O) O contrato mantém-se em vigor e foi objecto de adendas em 30 de março de 2007 e 9 de abril de 2012 (documentos n.ºs 9 a 11);
P) Os associados pagam um montante de joia de inscrição no montante máximo de € 60, uma quota mínima anual de € 10, correspondente ao montante de seguro desportivo obrigatório, e uma quota mensal fixada em conformidade com as modalidades desportivas praticadas de acordo com uma tabela pré-fixada (Documento n.º 12);
Q) Nessa tabela incluem-se descontos para agregados familiares, jovens e idosos;
R) Encontra-se ainda prevista a possibilidade de suspensão do pagamento de quotas mensais a associados, sem que percam esta qualidade, nos casos (a) em que se vejam em situação financeira precária por desemprego, (b) se vejam impossibilitados da prática desportiva nas instalações da Requerente (c) por razões médicas, (d) por motivos profissionais ou (e) de alteração de residência;
S) É permitido que pessoas, não sócias, possam frequentar as instalações desportivas da Associação, como convidadas de um sócio em pleno gozo dos seus direitos nas seguintes condições: (a) sejam convidadas expressamente por um Associado em pleno gozo dos seus direitos, e este o acompanhe a todo o momento no usufruto das modalidades desportivas disponibilizadas nas instalações desportivas da Associação; (b) o convidado só pode estar nas instalações desportivas, enquanto o sócio que o convida também esteja presente, responsabilizando-se o Associado perante a Associação pelo comportamento do seu convidado, e pelo cumprimento dos regulamentos em vigor; (c) o convidado apresente cartão de identificação e preencha a ficha de convidado; (d) o convidado não tenha nessa qualidade frequentado as instalações desportivas da Associação mais de uma vez por cada trimestre;
T) A Requerente adquiriu dois veículos ligeiros de passageiros, com as seguintes matrículas: ..., marca ..., modelo ..., adquirido em 2008, pelo preço de € 80.000,00; ..., marca ..., modelo 221, adquirido em 2012, pelo preço de € 60.000,00;
U) A viatura com a matrícula ... foi vendida a 12 de Fevereiro de 2012, pelo preço de € 37.500,00;
V) A data limite de pagamento do imposto resultante das correcções efectuadas na sequência do procedimento inspectivo era 27 de Setembro de 2018;
W) A Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo em 26 de Dezembro de 2018.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta e na alegação de factos não questionados.
Matéria de direito
Intempestividade do pedido arbitral
5. A Autoridade Tributária suscita a questão da caducidade do direito de ação por entender que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado para além do prazo de 90 dias contado da data de notificação dos actos tributários impugnados, tendo em consideração que a notificação do acto de liquidação adicional de IRC ocorreu em 3 de Dezembro de 2018 e o pedido de constituição do tribunal arbitral deu entrada em 26 de Dezembro de 2018.
A arguição é manifestamente improcedente.
O referido prazo de pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conta-se a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma, e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão de recurso hierárquico.
Segundo o disposto no artigo 102.º, n.º 1, do CPPT para que remete esse dispositivo (o n.º 2 foi entretanto revogado), a impugnação será apresentada, designadamente, a partir do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” (alínea a)) ou da “notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação” (alínea b).
É assim patente que a contagem do prazo de impugnação se conta, não necessariamente da data da notificação do ato tributário, mas, havendo liquidação e fixação de prazo para pagamento da prestação tributária, do termo do prazo para proceder voluntariamente a esse pagamento.
No caso vertente, o prazo para pagamento das liquidações ocorria em 27 de Setembro de 2018, pelo que a apresentação do pedido arbitral em 26 de Dezembro seguinte se mostra tempestivo, visto que a essa data ainda não tinha decorrido o referido prazo de 90 dias.
Autoridade do caso julgado
6. A Requerente invoca a autoridade de caso julgado resultante do acórdão proferido no Processo n.º 584/2017-T, que julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido contra os actos de liquidação referentes ao ano de 2012, por considerar que a liquidação agora impugnada assentou nas conclusões do anterior procedimento inspetivo que teve por objecto o exercício fiscal relativo àquele ano.
Segundo argumenta, o Relatório de Inspecção Tributária elaborado no âmbito do acção inspectiva referente ao ano de 2014 limitou-se a reproduzir as conclusões do Relatório emitido no procedimento inspectivo relativo ao período de tributação de 2012, no tocante à qualificação da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo, vindo a entender-se que a Requerente, embora se encontre constituída formalmente como uma associação para fins desportivos, desenvolve uma atividade comercial consubstanciada na exploração de um ginásio, cujos rendimentos não podem considerar-se isentos de IRC.
E uma vez que a Administração parte de um pressuposto que já foi considerado inválido no referido acórdão tirado no âmbito do Processo n.º 584/2017-T a questão encontra-se coberta pela autoridade do caso julgado.
Quanto a este ponto, a Autoridade Tributária refere que não se verifica a excepção do caso julgado, visto que, à data em que a Requerente foi notificada das conclusões do relatório de inspecção referente ao exercício de 2014, em 10 de Agosto de 2018, ainda não tinha sido proferida decisão no Processo n.º 584/2017-T, o que apenas ocorreu em 26 de Setembro seguinte.
Em primeiro lugar, cabe dizer que a Autoridade Tributária parece confundir a excepção do caso julgado com a autoridade do caso julgado.
De facto, os efeitos do caso julgado material poderão projetar-se numa relação processual posterior por duas vias: ou através da invocação de uma exceção dilatória, que impede que o tribunal se pronuncie noutro processo sobre a questão de mérito já anteriormente decidida, e que conduzirá à absolvição da instância, o que se entende como sendo o efeito negativo do caso julgado (artigo 577.º, alínea i), do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT); ou através da invocação da força de caso julgado, que vincula o tribunal a aplicar a definição do direito já transitada em julgado relativamente a uma mesma questão que volte a suscitar-se numa outra ação, o que caracteriza o efeito positivo do caso julgado (artigo 619.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT). No primeiro caso, havendo total identidade do objeto do processo relativamente a um outro já anteriormente decidido (por estar em causa uma mesma pretensão), o tribunal não tem de emitir qualquer pronúncia e declara extinta a instância; no segundo caso, o tribunal limita-se a adotar o conteúdo da decisão anterior relativamente ao aspeto jurídico que se encontra coberto pelo caso julgado (quanto a esta distinção, LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, 2.º vol., 3.ª edição, pág. 749).
No caso em presença, a Requerente, ao basear o efeito do caso julgado numa relação de prejudicialidade entre objetos processuais, terá em vista assegurar não a proibição de repetição de julgamento, que a lei previne através da exceção dilatória, mas a proibição de contradição, que é garantida através da autoridade do caso julgado.
E nestes termos, a questão não tem de ser analisada como exceção dilatória, mas como pressuposto ou condição da decisão de mérito a proferir, carecendo de ser considerada no âmbito da matéria de fundo.
Entendido neste plano substantivo, o caso julgado obsta “a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por uma anterior decisão, e portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados” (cfr. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pág. 317).
Por outro lado, tem-se entendido que a autoridade do caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir a que alude o artigo 581º do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT, tendo como pressuposto, não a identidade entre relações jurídicas - que visa impedir que uma mesma relação jurídica seja submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional -, mas uma relação de prejudicialidade que opera quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objeto de uma ação posterior (cfr. acórdãos do STJ de 23 de novembro de 2011, Processo n.º 644/08, de 6 de março de 2008, Processo n.º 08B402, e de 13 de dezembro de 2007, Processo n.º 07A3739) .
Quanto ao âmbito objetivo do caso julgado, o entendimento dominante aponta também para uma acepção ampla segundo a qual o caso julgado não cobre apenas a parte decisória da sentença, mas toda a matéria apreciada incluindo os fundamentos da decisão (cfr. acórdãos do STJ de 7 de maio de 2015, Processo n.º 15698/04 e de 21 de março de 2013, Processo n.º 3210/07). Nesse sentido, TEIXEIRA DE SOUSA, sublinha que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” (Estudos sobre o novo processo civil, Lisboa, 1997, págs. 578-579).
7. No caso em apreço, a Requerente formula um pedido de pronúncia arbitral tendo por objeto a liquidação adicional de IRC que resultou do procedimento inspectivo referente ao ano de 2014, invocando que a questão que determinou a correcção da matéria tributável tinha já sido analisada em sentido favorável ao contribuinte na decisão proferida no Processo n.º 584/2017-T.
E, de facto, assim é.
Como resulta dos factos tidos como assentes, a Autoridade Tributária desencadeou uma acção inspectiva destinada a averiguar o cumprimento das obrigações tributárias do sujeito passivo em IRC e, como fundamento das correcções que entendeu dever efectuar, limitou-se a reproduzir a conclusão que se havia extraído no Relatório de Inspecção Tributária elaborado no âmbito do procedimento inspectivo relativo ao período de tributação de 2012.
Assim, quanto à natureza da actividade desenvolvida pela Requerente, o Relatório incidente sobre o procedimento inspectivo relativo a 2014, sem qualquer nova indagação ou a invocação de quaisquer novos factos, partiu do princípio de que a atividade desenvolvida pela Requerente se consubstancia numa atividade comercial de exploração de um ginásio e que os rendimentos que aufere a esse título não podem ser considerados como quotas dos associados.
Como necessária decorrência, a Administração considerou que os rendimentos gerados pela actividade da Requerente não podem considerar-se abrangidos pela isenção de IRC a que se refere o artigo 11.º, n.º 1, do Código de IRC, que é apenas aplicável a proventos directamente derivados do exercício de actividades culturais, recreativas e desportivas.
Note-se que, para assim concluir, a Autoridade Tributária não efectuou qualquer diligência que lhe permitisse verificar se ocorreu, em 2014, qualquer alteração de circunstâncias, relativamente ao período de tributação precedente, que justificasse caracterizar a actividade da Requerente como sendo de natureza comercial. E limitou-se a dar como certa a conclusão extraída no Relatório anterior – que transcreveu – para daí partir para as correcções aritméticas consentâneas com o exercício de uma actividade comercial.
Ora, no citado acórdão tirado no âmbito do Processo n.º 584/2017-T concluiu-se que a Requerente tem a forma legal exigida pela lei e tem como objeto social o desenvolvimento de atividades culturais, recreativas e desportivas, cumprindo o estatuído no artigo 11.º do Código do IRC para beneficiar do regime de isenção de tributação relativamente aos lucros gerados diretamente por aquelas atividades. E que não se provaram quaisquer dos factos em que a Administração se baseou para concluir que o sujeito passivo exerce uma actividade comercial. E nesse sentido julgou procedente o pedido arbitral na parte em que se refere às correcções à matéria colectável decorrente da qualificação da Requerente como entidade de natureza comercial.
A decisão arbitral adquire neste contexto a força de caso julgado, impedindo que possa ser discutida numa segunda ação a questão da natureza da actividade exercida pela Requerente quando não foram invocados quaisquer novos factos que possam justificar um juízo divergente. Subsiste aqui uma clara relação de prejudicialidade entre a decisão transitada em julgado e a apreciação do objeto do presente pedido arbitral, na medida em que, tendo sido confirmados, por decisão transitada, o carácter associativo da Requerente e a natureza desportiva da sua actividade, fica já definido um pressuposto que se torna indiscutível e condiciona necessariamente a apreciação dessa mesma questão numa acção interposta posteriormente (neste sentido, em situação similar, o acórdão proferido no Processo n.º 168/2018-T).
E nesses termos, não sendo possível, por efeito da autoridade de caso julgado, reapreciar a questão da isenção de IRC no tocante aos rendimentos auferidos pelo contribuinte, o pedido arbitral mostra-se ser, nesta parte, improcedente.
Aquisição de veículos ligeiros de passageiros
8. A Requerente discute ainda a correcção da matéria tributável que terá decorrido da não consideração da indispensabilidade dos custos com a aquisição de veículos ligeiros para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Neste ponto, a decisão arbitral antes referida julgou improcedente o pedido, pelo que a questão não pode considerar-se coberta pela autoridade do caso julgado.
Por outro lado, a Requerente reporta-se a uma correcção que terá sido efectuada na sequência do procedimento inspectivo realizado ao período de tributação de 2012 e baseia-se num excerto que consta do Relatório de Inspecção Tributária elaborado por referência a essa outra acção de inspecção.
Estando em causa, no presente processo, as correcções propostas no âmbito do procedimento inspectivo relativo ao ano de 2014 não tem cabimento alargar o âmbito da impugnação a correcções que resultaram de um anterior procedimento inspectivo e foram já objecto de apreciação jurisdicional no âmbito do Processo n.º 584/2017-T.
O certo é que o Relatório de Inspecção Tributária de 2012 referia-se à aquisição de dois veículos ligeiros de passageiros com as matrículas ... e ..., sendo que o primeiro desses veículos havia já sido vendido em Fevereiro de 2012. Por outro lado, o Relatório de Inspecção Tributária de 2014, que originou as correcções à matéria tributável em relação a esse exercício, apenas menciona uma correcção relativa a gastos de depreciações e amortizações no montante de € 69.768,73 incidente sobre o veículo de matrícula ... (cfr. quadro constante do ponto III 2.3 do Relatório).
A Requerente nada diz quanto ao acréscimo da matéria tributável relacionada com a viatura automóvel e não explicita, por conseguinte, qual é o objecto do pedido, nem os fundamentos que poderiam justificar a declaração de ilegalidade do acto tributário, pelo que é de julgar improcedente a acção nesta parte.
Vícios de conhecimento prejudicado
Face à solução dada à causa, fica prejudicado o conhecimento de ilegalidades que haviam sido suscitadas a título subsidiário.
III – Decisão
Termos em que se decide julgar procedente o pedido arbitral e anular o acto de liquidação n.º 2018 ... e a correspondente liquidação de juros compensatórios, salvo quanto à correcção efectuada no que se refere à aquisição de veículos automóveis.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 177.923,33, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, que fica a cargo da Requerida na percentagem de 95% e da Requerente na percentagem de 5%.
Notifique.
Lisboa, 27 de Julho de 2019
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
José Nunes Barata
O Árbitro vogal
Sofia Ricardo Borges, com a declaração de voto anexa
Declaração de Voto
Com todo o devido respeito pelas posições em sentido contrário, ficam-nos dúvidas quanto a que se verifique, no caso, uma situação de ocorrência do efeito preclusivo próprio da “autoridade de caso julgado”. Com efeito - é o que nos é dado neste momento entender - para verificar-se uma proibição de incorrer em contradição que se imponha ao julgador terá a mesma que decorrer da definição da relação material delineada na decisão transitada em julgado (mas) por referência à data de prolacção da mesma.
Sem prejuízo de um maior aprofundamento que a questão nos exigiria, e não indo a nossa posição no sentido de alterar a decisão final que faz vencimento nos autos, refira-se tão só que, quanto a nós, é desde logo muito específica a colocação da questão da invocada autoridade de caso julgado em sede de contencioso de anulação de actos tributários. Antes de mais, pelo facto de estarmos a tratar, em regra (ainda que excepções possam ocorrer), de distintos actos, aos quais se reportam diferentes relações materiais, criadas precisamente em consequência da introdução de tais actos na Ordem Jurídica e associadas às quais estarão determinadas (alegadas) lesões da posição jurídica subjectiva do impugnante, posição jurídica que é concretizada no tempo.
Procurando ser mais claros, e descendo ao caso dos autos, vemos a referência feita pela Requerida no RIT aqui em causa (reportado ao exercício de 2014) às conclusões a que chegara em processo inspectivo à Requerente que incidira sobre o exercício de 2012 - “(…) através da ordem de serviço externa OI 2015... foi efectuada uma acção inspectiva externa à Associação, para o ano de 2012. Desta acção resultou (…) e foi concluído em sede de IRC, que as prestações de serviços efectuadas, não se enquadravam no âmbito de não sujeição (…) mas consubstanciavam sim rendimentos sujeitos a IRC (…)” e “(…) Uma vez que as condições da actividade do contribuinte se mantêm para o ano em análise, iremos proceder às devidas correcções técnicas (...)” (cfr. RIT, PA1, pp. 40 e 41) - como querendo significar que se verifica - no exercício de 2014 - uma situação como a que se concluiu (pela anterior acção inspectiva) verificar-se no exercício de 2012. Mas - agora - o facto (ou a situação fáctico-jurídica) sendo novo, por ocorrido no exercício de 2014. E, logo por isso, afigura-se-nos, não poderá o julgador ficar impedido de, no seu prudente juízo decisório, julgar de forma que se afaste (“contradiga”) daquela forma como antes foi julgada aquela, outra, relação material controvertida. Desenhada no exercício de 2012.
Por outras palavras, assim nos parece, não se tinha firmado um pressuposto indiscutível (que a decisão anterior, transitada em julgado, constituiria) de uma outra decisão de mérito (que é a presente) ao ponto de o objecto na primeira decisão ser prejudicial na presente acção. Ou, dito ainda de outra maneira, o objecto da decisão arbitral anterior não se inscrevia, diríamos, no objecto da presente como um pressuposto necessário - desde logo porque ali, diferentemente do que sucede aqui, estávamos no âmbito da situação ocorrida no exercício de 2012. Que não aqui. (Não estando nós com isto a apreciar, essa será outra questão, se a Requerida andou bem quando assim procedeu no RIT de 2014).
Inclinamo-nos, em tese, para uma concepção mais restrita quanto à eficácia do caso julgado - perspectivado na sua vertente positiva de força e autoridade de caso julgado - do que a que na presente decisão poderá considerar-se contida. Atentando num conjunto de limites objectivos e temporais (sendo que os subjectivos aqui se não colocam), e aproximando-nos mais de um entendimento no sentido de que “a concepção mais restrita da eficácia do caso julgado (…) além de ser mais justa, é também a que mais favorece a correcção de eventuais injustiças.”
Finalizando. Acompanhando o sentido da decisão (a que chegaríamos pela apreciação de vícios invocados cujo conhecimento ficou prejudicado), e sempre com o muito devido respeito, não nos é dado acompanhar a fundamentação da mesma na parte que se refere à autoridade de caso julgado.
Sofia Ricardo Borges