Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 664/2018-T
Data da decisão: 2019-07-18  Selo  
Valor do pedido: € 206.486,75
Tema: IS - Verba 17 TGIS; Artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros, Fernanda Maçãs (Presidente), Ricardo Marques Candeias e Vera Figueiredo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, para formar o Tribunal Arbitral decidem o seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

1.            FUNDO ESPECIAL FECHADO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO A..., com o número de identificação fiscal ..., representado pela B...– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, com o número de identificação fiscal ... e sede na Rua ... n.º..., ...-... Lisboa, ..., adiante designada como “Requerente”, vem ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral e submeter pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada como “Requerida” ou “AT”), e que tem por objeto a decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada com vista à anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo melhor identificados infra, no montante global de € 206.486,75.

2.            O pedido de constituição de tribunal arbitral foi apresentado pela Requerente em 21-12-2018, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 26-12-2018.

3.            A Requerente optou por não designar árbitro, tendo, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º e do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designado os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.

4.            As partes foram devidamente notificadas da nomeação em 8 de fevereiro de 2019, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma.

5.            Em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 28-02-2018.

6.            Em 04-03-2019, a Requerida foi notificada do despacho proferido pelo tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, para apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo.

7.            Em 05-04-2019, a Requerida juntou aos autos a sua resposta, na qual pugnou pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, atenta a falta de prova que o imposto do selo ora contestado respeita aos valores inscritos nas guias de imposto do selo entregues, correspondentes aos de 2016 a 2018, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.

8.            A Requerida juntou o processo administrativo aos autos em 05-04-2019.

9.            Não havendo lugar a produção de prova constituenda, nem tendo sido suscitada matéria de exceção, por despacho datado de 06-04-2019, notificado às partes em 08-04-2019, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT). O Tribunal ordenou a notificação das partes para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do despacho, sendo concedida à Requerida a faculdade de apresentar alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo. No mesmo despacho, foi designado o dia 28-08-2019 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

10.          Na sequência da Resposta apresentada pela Requerida e do despacho arbitral proferido no dia 08.04.2019, a Requerente apresentou em 16-04-2019 requerimento de junção de elementos adicionais de prova: i) Contrato de Financiamento e ii) Faturas recibo;

11.          O Tribunal Arbitral Coletivo notificou a Requerida para se pronunciar, querendo, no prazo de dez dias, sobre o requerimento da Requerente, mediante despacho datado de 19-04-2019 notificado às partes em 22-04-2019.

12.          A Requerida pronunciou-se em 06-05-2019, tendo pugnado pela improcedência do pedido, considerando que os documentos juntos aos autos continuam a não permitir identificar a que ato/operação em concreto respeita o pagamento aí referido, e, subsidiariamente, caso seja considerada a prova junta relevante e procedente o pedido de pronúncia arbitral, pela condenação da Requerente em custas por entender que foi aquela que deu azo à ação.

13.          O Tribunal Arbitral Coletivo emitiu novo despacho em 12-05-2019, notificado às partes em 16-05-2019, nos termos do qual, em nome do princípio do inquisitório e da procura da verdade material, deferiu o Requerimento de junção dos documentos aos autos feito pela Requerente, dado que a mesma fez tal pedido antes de esgotado o prazo para alegações, por um lado, e dado que, por outro lado, não existiu oposição da Requerida, quando exerceu contraditório.

14.          Nos termos do mesmo despacho, o Tribunal Arbitral Coletivo determinou que o prazo para alegações fixado por despacho de 6-04-2019 começaria a contar a partir da notificação do presente despacho, mantendo-se inalterado em tudo o mais.

15.          Nem a Requerente, nem a Requerida apresentaram alegações escritas no prazo dado pelo despacho supra.

II.            SANEAMENTO

16.          O presente Tribunal Arbitral considera-se regularmente constituído para apreciar o litígio (n.º 1 e n.º 2 do artigo 5.º, n.º 1 do artigo 6.º e artigo 11.º do RJAT).

17.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3.º, 6.º e 15.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.ºdo RJAT).

18.          Não foram alegadas questões prévias que obstem à decisão de mérito.

 

III.          MATÉRIA DE FACTO

 

A.           Factos dados como provados

19.          Com interesse para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos.

a)            O Fundo representado pela Requerente, é um fundo de investimento imobiliário aberto de acumulação, regulado pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro.

b)           A constituição do Fundo foi autorizada por deliberação do Conselho Diretivo do Mercado de Valores Mobiliários em 12-07-2001, tendo o Fundo iniciado a sua atividade em 19-07-2001.

c)            O Fundo é constituído "por um conjunto de valores pertencentes a uma pluralidade de pessoas singulares ou colectivas e constitui um património autónomo que não responde pelas dívidas dos participantes ou da entidade gestora".

d)           De acordo com o Regulamento de Gestão em vigor, a finalidade económica e social do Fundo "será prosseguida através da mobilização e aplicação das poupanças de aforradores, singulares ou colectivos (...) contribuindo, desse modo, para a diversificação do mercado de capitais, para o crescimento da actividade imobiliária e para o desenvolvimento económico do país"

e)           Na prossecução dos seus objetivos e no âmbito da atividade que desenvolve, o Fundo tem vindo a recorrer a financiamento junto do Banco C..., SA, sociedade com pessoa coletiva n.º ... e sede na Rua ... n.º..., ...-... Lisboa.

f)            O Fundo celebrou com o Banco C..., SA os seguintes contratos de empréstimo:

i)             Contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado em 17-07- 2015, e com um aditamento de 20-07-2016 – Contrato n.º...;

ii)            Contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado a 28-03-2017 e com um aditamento datado de 28-11-2017 – Contrato n.º... .

g)            O Banco C..., SA, sujeito passivo do imposto do selo, liquidou e entregou Imposto do Selo devido com referência àqueles contratos, ao abrigo da Verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo ("TGIS"), através das correspondentes guias de pagamento de imposto, conforme declarações que emitiu e que foram juntas aos autos como documento n.º 2:

h)           Conforme resulta das faturas-recibo, aviso de juros e extratos de saldos e movimentos, emitidos pelo Banco C... ao Requerente, juntas aos autos como documentos n.º 4 e n.º 5, o Banco debitou o Imposto do Selo relativamente ao Contrato n.º ... nos seguintes montantes:

i)             Conforme resulta das faturas-recibo e extratos de saldos e movimentos, emitidos pelo Banco C..., SA ao Requerente, juntas aos autos como documentos n.º 4 e n.º 5, o Banco debitou o Imposto do Selo relativamente ao Contrato n.º ... nos seguintes montantes:

j)             A Requerente apresentou reclamação graciosa em 20-06-2018, junto da Direção de Finanças de Lisboa, a que foi atribuído o n.º ...2018..., relativamente às liquidações de Imposto do Selo que suportou, por entender que as operações de financiamento subjacentes aos atos tributários sub judice beneficiavam da isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

k)            A Requerida não decidiu de forma expressa a reclamação apresentada pela Requerente até à data de entrada do presente pedido de pronúncia arbitral.

l)             Em 21-12-2018, a Requerente apresentou o presente pedido de constituição do tribunal arbitral junto do CAAD.

B.            Factos não provados

Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

C.            Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.º do CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.ºdo RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, não contestados pelas partes.

 

IV.          MATÉRIA DE DIREITO

Colhidos os autos, é manifesto que o caso se revela de alguma simplicidade, em termos de direito, porquanto se reduz, na verdade, à valoração probatória dos pagamentos efetuados por parte da Requerente (FUNDO), na importância total de € 206.486,75. Se se concluir que estes pagamentos foram efetuados a título de liquidação de IS, por referência a juros e utilização de crédito que encontram a sua sustentação em dois contratos de mútuo celebrados com o Banco C... (o BANCO), n.º..., de 17 de julho de 2015, aditado a 20 de julho de 2016, e n.º..., de 28 de março de 2017, aditado a 28 de novembro de 2017, então tudo se encaminhará para se aplicar o regime de isenção, por aplicação do disposto no art 7.º, 1, e), CIS.  Se a resposta for negativa, então, o FUNDO não deve beneficiar desse regime de isenção.

A resposta à matéria de facto, nomeadamente, a transcrita nos pontos f) a i), é esclarecedora.

Vejamos.

 

IV. i) A posição das partes

Para demonstrar que deve beneficiar da isenção prevista no art 7.º, 1, e), CIS, o FUNDO veio alegar que é um fundo de investimento imobiliário aberto de acumulação, regulado pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro. Para desenvolver a sua atividade, celebrou com o BANCO, enquanto entidade mutuante, os referidos contratos de empréstimo já mencionados.

O BANCO, na qualidade de sujeito passivo de IS, por força do disposto no art. 2.º, 1, b), do Código de Imposto de Selo (CIS), liquidou e entregou o IS devido ao abrigo da Verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), o que fez através das correspondentes guias de pagamento de imposto. Por sua vez, o BANCO repercutiu o IS liquidado na esfera do FUNDO, tendo este suportado, entre junho de 2016 a novembro de 2016 e entre abril de 2017 a maio de 2018, o valor total € 206.486,75.

No entanto, o FUNDO considera que deveria beneficiar do regime de  isenção por aplicação do disposto no art 7.º, 1, e), CIS, pois (i) as operações financeiras em causa são operações associadas a “concessão de crédito” –, (ii) a entidade mutuante é qualificada como “instituição de crédito”, nos termos da lei, e (iii) o Fundo, na qualidade de mutuário, configura uma “instituição financeira” nos termos previstos “na legislação comunitária”. Além disso, como se ainda não fosse suficiente o motivo da isenção, invoca também o Parecer n.º 25/2013, de 28 de junho de 2013, da autoria do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros (CEF), que se pronunciou no sentido de que os fundos (Fundos de Capitais de Risco) cabem na qualificação de instituição financeira, ao considerar que estes se incluem na lista de entidades descritas no n.º 2 do artigo 3.º da Directiva n.º 2005/60/CE. Acrescenta ainda à tela argumentativa, para reforço da sua tese, as conclusões da Informação vinculativa elaborada no âmbito do Proc. 2017... - IVE Nº 11733, com despacho concordante da Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 07 de julho de 2017.

Por estes motivos, pede o FUNDO a anulação dos atos de liquidação de IS melhor identificados supra, na importância de € 206.486,75.

Por sua vez, a AT veio responder referindo que o FUNDO não apresentou a prova adequada para suportar facticamente o que alegava ou, pelo menos, que o suporte documental junto não era suficiente para permitir a subsunção do normativo de isenção ao caso. Por um lado, porque não foram juntos os contratos de empréstimo referenciados pelo FUNDO, a declaração bancária foi junta sem qualquer suporte documental e os extratos bancários não eram conclusivos. Por outro lado, que mesmo apresentadas aos autos as guias de pagamento de IS, as mesmas seriam insuficientes porque mencionam um valor global, o que impede a identificação das operações/titulares do encardo do imposto.

 A AT, não obstante apreciar criticamente a prova apresentada e o que dela resulta para efeitos de o FUNDO beneficiar da isenção de IS, não coloca, no entanto, em questão, o enquadramento legal que resulta do regime de isenção do IS para os presentes autos e a sua respetiva interpretação, no pressuposto que essa prova fosse positivamente conclusiva.

Aliás, até vai mais longe, tendo plasmado que:

 

Portanto, a defesa apresentada pela AT relativamente à pretensão do FUNDO prende-se exclusivamente com a prova de que as liquidações de IS se enquadram no referido art. 7.º, 1, e), CIS.

 

IV. ii) A prova

Refere, em concreto, a AT, que “não obstante a referência no ppa aos contratos de empréstimo celebrados entre a Requerente e a instituição bancária, tais documentos não são juntos pela Requerente.”, acrescentando ainda que foi “apenas junta uma declaração da entidade bancária, mas sem qualquer suporte documental, sejam as guias de pagamento de IS aí mencionadas, seja outro documento que sustente as operações aí alegadas” bem como “os extratos bancários juntos com o ppa não permitem identificar a que ato/operação respeita o pagamento aí referido”.

Acaba mesmo por afirmar que “as guias de pagamento de IS, mesmo que tivessem sido juntas, se revelariam insuficientes, porquanto mencionam apenas um valor global, não identificando operações/titulares do encargo do imposto”.

Como já se disse, o FUNDO juntou a 16.04.2019 elementos adicionais de prova, que consistiram nos contratos de financiamentos e em faturas recibo relacionadas com os pagamentos em causa, e que acresceram aos documentos que já se encontravam juntos aos autos, tendo a AT reafirmado, não obstante isso, a sua posição de insuficiência da prova.

Como resultou da prova produzida, confirmou-se que o FUNDO celebrou os já melhor identificados contratos de abertura de crédito em conta corrente com o BANCO.

As guias de pagamento são identificadas pelo FUNDO através dos seus números. Sendo documentos entregues à AT, o ónus da prova dos factos que delas constam “considera-se satisfeito” nos termos do art. 74.º, 2, LGT, pois o interessado procedeu à correta identificação desses documentos, não tendo sido mencionado que os números indicados estejam incorretos ou não tenham sido efetuados os pagamentos correspondentes.

Resulta das faturas-recibo e extratos de saldos e movimentos que estamos perante o pagamento de IS relativamente aos contratos de abertura de crédito em conta corrente já identificados.

Existindo um contrato de abertura de crédito em conta corrente entre o FUNDO e o BANCO é de presumir, à face das regras da experiência comum e de normalidade, que o IS liquidado respeitam à utilização de crédito em conta corrente, que é a situação prevista nas verbas 17.3.1 e 17.1.4.

Com efeito, a finalidade económica dos contratos referidos é o de permitir a utilização de crédito em conta corrente pelo FUNDO e, por isso, dando-se a liquidação de IS com fundamento na norma que prevê a tributação da utilização de crédito dessa forma, é de presumir que foi essa utilização que foi tributada, quando não se vislumbra, nem sequer é alegado, que as liquidações se reportem a qualquer facto de outro tipo.

Poder-se-á, aliás, defender que tanto é assim desde logo porque foi esse o entendimento da AT quando recebeu as quantias liquidadas, sem efetuar qualquer correção ou pedir quaisquer esclarecimentos ao BANCO ou ao FUNDO.

De qualquer modo, a AT nem alvitra sequer que os tributos não se reportem a utilização de crédito em conta corrente. Se existissem hipotéticas dúvidas, elas seriam fundadas pelo que se referiu, pelo que teriam de ser valoradas a favor do contribuinte, por força do art 100.º, 1, CPPT, ex vi art. 29.º, 1, c), RJAT, o que se reconduz processualmente a considerar provada a alegação do FUNDO.

Posto isto, a apreciação crítica dos contratos referidos, das guias de pagamento do imposto, das faturas recibo bem como dos extratos de saldos e movimentos permitiram demonstrar, perante os autos, para além de uma dúvida razoável, que a importância global paga efetuada a título de liquidação de IS, por referência a juros e utilização de crédito que encontram a sua sustentação em dois contratos de mútuo celebrados com o BANCO, já identificados, ascendem a um total de € 174.542,43 — cfr. as referidas alíneas f) a i) da matéria dada como provada. No entanto, o FUNDO não logrou demonstrar a que título pagou o remanescente relativamente ao valor peticionado, isto é, € 31.944,32.

Com efeito, de acordo com a matéria dada como provada, e quanto ao contrato de empréstimo n.º..., de 17 de julho de 2015, aditado a 20 de julho de 2016, o FUNDO não logrou demonstrar a que título pagou a importância de € 37,65, do período de novembro de 2016, (verba 17.3.1.), e, quanto ao contrato de empréstimo n.º..., de 28 de março de 2017, aditado a 28 de novembro de 2017, o FUNDO não logrou demonstrar a que título pagou as importâncias de € 17.160,00, do período de agosto de 2017 (verba 17.1.4.) e € 14.746,67, do período de janeiro de 2018 (verba 17.1.4.)

 

IV. iii) O regime da isenção previsto no art. 7.º, CIS

O art. 1.º do CIS determina que o IS incide sobre “todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.

Por sua vez, a TGIS — Verba 17, plasma que a incidência referida considera as “Operações Financeiras” nomeadamente as que respeitam a “utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título” (17.1), bem como “Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras” (17.3).

Na indicada Verba 17.3 inclui-se: “17.3.1 - Juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação;  17.3.2 - Prémios e juros por letras tomadas, de letras a receber por conta alheia, de saques emitidos sobre praças nacionais ou de quaisquer transferências; 17.3.3 - Comissões por garantias prestadas; 17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.

 

No entanto, determina o art.  7.º, 1, e), CIS, que são isentos do imposto "Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças".

 

E, o n.º 7 da norma citada positiva que “o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea."

De acordo com António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás, Tributação do património, IMI-IMT e Imposto de Selo (Anotados e comentados), 2.ª Edição, Almedina, 2018, p. 679, “a presente norma visa isentar as operações financeiras strictu senso promovidas no âmbito da atividade bancária e de intermediação financeira pelas instituições de crédito e sociedades financeiras.

Como já se escreveu por intermédio do douto Acórdão deste Tribunal, n.º 348/2016, “a isenção prevista na alínea e) do artigo 7.º do CIS assume natureza mista, em parte objetiva e noutra parte subjetiva. É objetiva na medida em que abrange todas as operações aí previstas “os juros e comissões cobradas, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituição de crédito”. É, por outro lado, subjetiva porquanto a isenção de tais operações se restringe às realizadas entre determinadas entidades: instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras.”

Quando ao seu âmbito objetivo, não nos restam dúvidas que as operações discutidas nos autos se encontram por ela abrangidas.

Do mesmo modo, não temos dúvidas em considerar que um fundo de investimento imobiliário também se encontra, subjetivamente, abrangido pela hipótese da norma ora analisada. A própria AT assim o considera, desde logo, na sequência das conclusões da Informação vinculativa elaborada no âmbito do Proc. 2017... - IVE Nº 11733, com despacho concordante da Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 07 de julho de 2017.

Veja-se, por todos, o mais recente acórdão do CAAD, com o n.º 670/2017-T, que vai exatamente neste sentido, e que, nesta parte argumentativa, se dá aqui por integralmente reproduzido.

Face ao referido, e sem mais desenvolvimentos, porque nos parecem absolutamente desnecessários, não assiste razão à AT, ao não considerar a isenção de IS a que o FUNDO tem direito a beneficiar, no montante total de € 174.542,43.

Chegados aqui, só nos resta concluir pelo deferimento do pedido de declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de Imposto do Selo, por erro sobre os pressupostos de facto, e consequente anulação das mesmas: quanto ao contrato n.º..., as guias n.ºs..., no valor de € 1.300,58, ..., no valor de € 998,27, ..., no valor de € 926,50, ..., no valor de € 545,66, ..., no valor de € 280,73, e ..., esta última apenas no valor de € 89,01, o que perfaz a importância total de € 4.140,75; quanto ao contrato n.º..., as guias n.ºs..., no valor de € 5.866,67, ..., no valor de € 20.533,34, ..., no valor de € 15.880,00, ..., no valor de € 27.089,00, ..., mas apenas no valor de € 4.030,00, ..., no valor de € 18.978,33, ..., no valor de € 20.276,76, ..., no valor de € 19.190,01, ..., no valor de € 16.610,00, ..., mas apenas no valor de € 3.706,66, ..., no valor de € 15.253,34, e ..., no valor de € 2.986,67, o que perfaz a importância total de € 170.401,68. No demais, vai o pedido de ilegalidade e consequente anulação indeferido, por manifesta falta de prova.

 

IV. iv) Os juros indemnizatórios

Pede o FUNDO que lhe sejam pagos, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, ambos da LGT, os respetivos juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária.

De acordo com art. 24.º, 1, b), RJAT, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso (...) b) Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito.  

Na mesma direção caminha o disposto no 100.º, LGT, ao dispor que «[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Conforme defendem Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalho Pereira (Coord.), Guia da Arbitragem Tributária, Revisto e Atualizado, Almedina, 2017, p. 231, “Nos processos arbitrais tributários há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, em caso de precedência da pretensão do sujeito passivo, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, considerando-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da Administração Tributária, devidamente publicadas.”

Com efeito, tanto a doutrina como a jurisprudência têm sustentado que são abrangidas pela competência dos tribunais arbitrais, com a fixação dos efeitos das suas decisões, os mesmos termos previstos para a impugnação judicial, nomeadamente, quanto à condenação em juros indemnizatórios.

No mesmo sentido segue o acórdão 348/2016-T, do CAAD, e que transcrevemos: “pese embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais tributários, não fazendo referência expressa a decisões constitutivas (anulatórias) e decisões condenatórias, deverá entender-se, de harmonia com a autorização legislativa supra transcrita e, bem assim, com os efeitos assacados às decisões arbitrais previstos no artigo 24.º do RJAT, que se compreendem nas competências dos tribunais arbitrais tributários os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais judiciais tributários em relação aos atos cuja apreciação de (i)legalidade se insere nas suas competências.”

Mais refere que “Deste modo, se apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação – conforme o disposto nos artigos 99.º e 124.º do CPPT – pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida, idêntica conclusão deverá resultar no âmbito do processo arbitral tributário.

Quanto aos juros indemnizatórios, prevê o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Portanto, este dispositivo apenas reconhece o direito a juros indemnizatórios quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

De acordo com a matéria dada como provada, o FUNDO apresentou reclamação graciosa em 20-06-2018, junto da Direção de Finanças de Lisboa, a que foi atribuído o n.º ...2018..., relativamente às liquidações de Imposto do Selo que suportou, por entender que as operações de financiamento subjacentes aos atos tributários sub judice beneficiavam da isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 artigo 7.º do CIS.

Como se pode ler na Decisão Arbitral 748/2016-T: “(…) quanto ao acto de autoliquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.

 

“No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido acolhida a pretensão da Requerente, quanto à ilegalidade da autoliquidação e o não acolhimento das pretensões é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

“Este caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção ( )”.

 

Assim sendo, deverá entender-se que, a partir do momento em que se completou o prazo de decisão da reclamação graciosa, começaram a contar juros indemnizatórios.

 

Os juros indemnizatórios serão calculados à taxa legal e pagos nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal).

Sendo assim, o FUNDO tem direito a juros indemnizatórios, mas apenas desde a data em que se completou o prazo de decisão da reclamação graciosa apresentada, porquanto só a partir desse momento se pode concluir pela existência de erro imputável à AT.

 

V.           DECISÃO

 

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

 

a)      Julgar procedente, por violação da alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do Código do Imposto do Selo, o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação que incidiram sobre juros e utilização de crédito, a que se referem as seguintes Guias de Imposto do Selo:

Contrato ...:

jun/16 – guia ... - € 216,58 + € 1.084,00;

jul/16 – guia n.º ... - € 178,27 + € 820,00;

ago/16 – guia n.º … - € 73,17 + € 853,33;

set/16 – guia n.º … - € 145,66 + € 400,00;

out/16 – guia n.º...- € 74,06 + € 206,67;

nov/16 – guia n.º ... – apenas no valor de € 12,34 + € 76,67;

Contrato n.º...:

abr/17 — guia n.º ... - € 0 + € 5.866,67;

mai/17 – guia n.º ...- € 2.933,34 + € 17.600,00;

jun/17 – guia n.º ... - € 0 + € 15.880,00;

jul/17 – guia n.º...- € 12.009,99 + € 15.080,00;

ago/17 – guia n.º...- € 4.030,00;

set/17 – guia n.º…- € 4.005,00 + € 14.973,33;

out/17 – guia n.º…- € 3.850,00 + € 16.426,67;

nov/17 – guia n.º ... - € 3.943,34 + € 15.246,67;

dez/17 – guia n.º ... - € 2.143,33 + € 14.466,67;

jan/18 – guia n.º ... - € 3.706,66;

fev/18. – guia n.º... – 3.306,67 + 11.946,67;

mar/18 – guia n.º ... – 2.986,67 + 0.

 

b)           Julgar como não procedente e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido quanto às partes das liquidações, nos montantes seguintes, que incidiram sobre juros e utilização de crédito, a que se referem as seguintes Guias de Imposto do Selo:

nov/16 – guia n.º ... – na parte correspondente a juros, no valor de € 37,65;

ago/17 – guia n.º ... – na parte correspondente à utilização de crédito, no valor de € 17.160,00;

jan/18 – guia n.º ... - na parte correspondente à utilização de crédito, no valor de € 14.746,67.

 

c)            Anular as liquidações e partes das liquidações referidas na alínea a) bem como o indeferimento tácito da reclamação graciosa nos exatos termos agora declarados como ilegais.

d)           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente a quantia de € 174.542,43;

 

e)           Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios a partir da data em que se completou o prazo de decisão da reclamação graciosa apresentada, nos termos da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT.

VI.VALOR DA CAUSA

Em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do CPC e da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.°-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPTA), fixa-se ao processo o valor de € 206.486,75, (duzentos e seis mil quatrocentos e oitenta e seis euros e setenta e cinto cêntimos).

 

VII.CUSTAS

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4. 284,00, nos termos a Tabela I, do RCPTA, repartidas na proporção do decaimento das partes, respetivamente em 15% a cargo da Requerente e de 85% a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

Lisboa, 18 de julho de 2019

 

Os Árbitros,

 

Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente)

 

Ricardo Marques Candeias

 

Vera Figueiredo

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131º, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, redigido segundo a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto.