DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A) AS PARTES E A CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
1. A..., contribuinte fiscal nº..., residente em ..., ..., ..., Reino Unido (doravante designada por Requerente), apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa, pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT). tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o nº 2018..., referente ao ano de 2017, no montante de €38.231,36 (trinta e oito mil, duzentos e trinta e um euros e trinta e seis cêntimos).
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pelos Requerentes em 14-11-2018 e na mesma data foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD. Foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20-11-2018. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 04-01-2019, a ora signatária como Árbitro a integrar o Tribunal arbitral singular, o qual se constituiu em 24-01-2019, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro. Na mesma data, ou seja, em 24-01-2019 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.
3. Em 26-02-2019, a Requerida AT veio juntar aos autos a sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida. Não juntou processo administrativo (PA), por este não existir.
4. Em 03-04-2019, foi proferido nos autos despacho arbitral, para as partes se pronunciarem sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, e, em 17-04-2019 foi proferido despacho arbitral, cuja fundamentação se dá por integralmente reproduzida, a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, dada a ausência de prova testemunhal a produzir e a evidência da natureza das questões suscitadas pelas partes, que se configuram como questões exclusivamente de direito, pelo que o processo se encontrava em condições de prosseguir para alegações escritas, facultativas e decisão final. Nesta conformidade, o tribunal arbitral, no mesmo despacho, facultou às partes a possibilidade de apresentarem as suas alegações escritas, fixando o prazo de 15 dias, igual e sucessivo, para esse efeito. No mesmo despacho foram as partes notificadas do prazo provável de prolação da decisão arbitral, até ao termo do prazo fixado no artigo 21º do RJAT e do prazo de pagamento da taxa de justiça subsequente, a efetuar até 10 dias antes do prazo de prolação da decisão.
5. A Requerente juntou as suas alegações escritas em 06-05-2019 e a Requerida juntou as suas alegações em 24-05-2019. Em 04-07-2019 foi ainda proferido despacho arbitral a solicitar às partes o envio dos respetivos ficheiros informáticos, no âmbito do princípio da colaboração, e foi fixada data para prolação da decisão arbitral até 24-07-2019.
6. Os Requerentes pagaram a taxa de justiça subsequente em 08-07-2019.
B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
7. A Requerente vem no presente pedido arbitral pretende a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS referente ao ano de 2017 e a sua anulação, no todo ou em parte, bem assim como a restituição do imposto pago a mais pela requerente acrescido dos juros indemnizatórios devidos, nos termos previstos nos artigos 43º e 100º da LGT, desde a data do pagamento até efetivo reembolso. Alega, em síntese, que este ato tributário enferma de vício de violação de lei, porquanto no apuramento do seu rendimento coletável, a AT não aplicou a regra constante do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, que prevê a redução para metade do ganho resultante das mais-valias geradas pela alineação onerosa do direito de propriedade.
8. Segundo a Requerente o entendimento da AT, subjacente aos atos impugnados, assenta numa interpretação e aplicação do n.º 2, do artigo 43.º, do CIRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto a 50% (cinquenta por cento) as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em Portugal, realizadas por um sujeito passivo residente noutro Estado membro da União Europeia, limitando aquela incidência do imposto unicamente a sujeitos passivos residentes em território português, consubstancia uma violação do atual artigo 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que corresponde ao artigo 56.º, do Tratado que institui a Comunidade Europeia, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os residentes noutro Estado membro da União Europeia. Alega, em suma, que o artigo 43º, nº 2 do CIRS, ao estabelecer um regime diferenciado para tributação das mais-valias realizadas por residentes e não residentes em território nacional, estabelece uma discriminação inaceitável à luz do disposto no artigo 56º do Tratado da União Europeia, quando aplicado a residentes noutro estado membro que realizem mais-valias decorrentes da alienação de imóveis situados em Portugal. Assim, entendem os Requerentes que a liquidação impugnada é ilegal, porquanto tem a sua origem na aplicação do disposto no artigo 43º, nº 2 do CIRS, do qual resultou, no caso concreto, a aplicação da taxa de IRS sobre a totalidade da mais-valia e não apenas sobre 50%, apenas porque os Requerentes sendo residentes noutro Estado da União Europeia não cumprem o pressuposto previsto na norma legal em causa. Invoca, em favor do seu entendimento, jurisprudência diversa, quer arbitral quer dos nossos Tribunais superiores, bem assim como do TJUE.
C – A RESPOSTA DA REQUERIDA
9. A Requerida AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual pugna pela manutenção na ordem jurídica do ato impugnado. Consente que os factos alegados pela Requerente nos artigos 1º a 12º do pedido arbitral são verdadeiros, apenas com a menção de ter sido restituído à Requerente o montante de € 3.296,43. transferido para a Requerente a 26-11-2018, data posterior à entrada do presente pedido no CAAD.
10. Alega, em síntese, que a posição da Requerente não deve obter provimento, face à alteração do artigo 72º do CIRS, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 9) e 8 (atual n.º 10). Assim, o n.º 8 (atual n.º 10) do artigo 72° do CIRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro). O mesmo é referido no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS: sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. Como tal, entende a AT que para efeitos de tributação pela taxa do artigo 68°, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68° do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro). Quer isto dizer que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data da jurisprudência do TJUE aqui invocada pelos Requerentes, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12. Salienta, ainda, a AT que o artigo que a Requerente pretende que lhe seja aplicado (43° n.º 2 do Código do IRS) está incluso no capítulo II do Código do IRS que tem como epígrafe "Determinação do rendimento coletável". Para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias) os artigos relevantes são o 9° e 10° do Código do IRS. Assim, o disposto no n.º 2 do artigo 43° do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise. Em suma, retira-se do que vem alegado pela AT que esta considera que o facto de os titulares dos rendimentos de capitais (mais-valias) serem residentes ou não em Portugal coloca-os em situação objetivamente diferente, pelo simples facto de se encontrarem em situação de diferente residência, mas sim, pelo que tal representa em termos de regime jurídico fiscal estabelecido pela lei portuguesa. De facto, reconhece a AT, tratando-se de sujeitos passivos residentes, o saldo positivo apurado relativamente às mais-valias - que são de englobamento obrigatório - releva para efeitos de tributação às taxas gerais de IRS, em apenas 50% do seu valor. De acordo com o disposto no nº1, do artigo 15.º do CIRS, sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. Ou seja, decorre inequivocamente do regime tributário acabado de explicitar que os sujeitos passivos residentes e não residentes não se encontram, de modo algum, em situação idêntica, do ponto de vista da tributação anual dos seus rendimentos, em sede de IRS. No caso dos autos, os Requerentes, tratando-se, como se trata, de sujeitos passivos não residentes, e não optando estes pela tributação como residente, a liquidação foi-lhe efetuada de acordo com o disposto no artigo 72°, nº 1, do CIRS, que determina a aplicação de uma taxa proporcional de 25% ao valor das mais-valias realizadas, no caso com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Por último, veio a AT alegar que, caso assim não se entenda, se proceda ao reenvio prejudicial para o TJUE. Conforme supra exposto, o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12. Na verdade, alega a AT que, após a decisão proferida no Acórdão C-443/06 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11 (Hollmann), o legislador nacional procedeu à adaptação da legislação nacional à decisão ali sufragada, aditando ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (atual n.º 9) e o n.º 8 (atual n.º 10) cujo teor à data dos factos, era o seguinte:
«9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.“
Ora, a AT considera que para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes. Neste pressuposto, a decisão proferida no Acórdão Hollmann, refere-se a situações ocorridas na vigência da redação anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, do artigo 72º do Código do IRS. Alega, ainda, a AT que foram os Requerentes que escolheram o regime de tributação, sendo que não optaram pelas taxas gerais do artigo 68.º do CIRS - relativamente aos rendimentos sujeitos a retenção liberatória - artigo 72.º, n.º 7 do CIRS escolheu, de forma livre e consciente, a tributação descrita, em traços gerais, no artigo anterior. Regime de opção este que teve (e tem) como efeito uma neutralização do eventual tratamento discriminatório conferido aos não residentes em Portugal face aos residentes, em matéria de tributação de mais-valias em caso de alienação de direitos reais sobre bens imóveis. Conclui pugnando pela legalidade das liquidações de IRS impugnadas e pela improcedência do pedido arbitral e, caso se entenda de modo diferente, entende que deve o Tribunal arbitral julgar não verificada a hipótese de ato claro ou de ato aclarado, pelo que tem de forçosamente considerar que se levantam dúvidas suficientes que obstam à aceitação do entendimento da Requerente sem prévia consulta ao TJUE, para que este possa exercer as suas competências próprias, nos termos dos Tratados.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
11. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, nº1, alínea a) do RJAT.
12. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
13. O processo não padece de vícios que o invalidem.
14. Tendo em conta o a prova documental junta aos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.
III – DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A) Factos Provados
15. Como matéria de facto relevante, dá o tribunal por assente os seguintes factos:
a) A Requerente, à data do facto tributário, era residente no Reino Unido, concretamente, em ..., ...;
b) E Em 26 de Outubro de 2017, a Requerente procedeu à venda da sua quota parte de 50% da fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar esquerdo do prédio em regime de propriedade horizontal situado na Rua ..., nºs..., em Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ..., da qual era comproprietária com B..., e que havia adquirido por doação em 17 de Julho de 2008, como resulta dos documentos nºs 3 e 4 juntos ao pedido arbitral;
c) A Requerente, no seguimento da referida alienação, reportada a um imóvel situado em território nacional, do qual era titular de uma quota-parte de 50%, apresentou individualmente a declaração de IRS Modelo 3, acompanhada do Anexo G, para declaração daquela alienação onerosa, na respetiva proporção, bem como, das despesas e encargos relevantes para apuramento de mais-valias;
d) Nessa declaração de IRS foi mencionada a condição de “Não residente” e de “Residente em país da EU”, e solicitada a tributação pelo regime geral, como bem consta do quadro 8B, campos 04, 06 e 07 da declaração Modelo 3 do IRS;
e) Esta declaração foi apresentada em substituição de uma primeira, em que não havia sido mencionada a condição de não residente e, por isso, foram englobados os rendimentos do trabalho obtidos fora do território nacional, originando a liquidação de IRS nº 2018 ... que apurou imposto a pagar no montante de 41.527,79 €, que a requerente pagou em 31.08.2018 conforme consta do sistema informático da AT, evidenciado nos documentos nºs 6 e 7 juntos ao pedido arbitral;.
f) Em resultado da apresentação da declaração de substituição, constituída exclusivamente pelo Anexo G para declaração da alienação onerosa supra descrita, a AT procedeu à emissão da liquidação de IRS nº 2018..., impugnada nestes autos, datada de 31.08.2018, apurando imposto a pagar no montante de €38.231,36 e, consequentemente, um reembolso de €3.296,43, decorrente do excesso do valor da anterior liquidação;
g) Este valor foi reembolsado à Requerente, em 26-11-2018, já após a apresentação do presente pedido arbitral;
h) Na liquidação de IRS impugnada a AT apurou o rendimento global da requerente resultante da mais-valia decorrente da alienação onerosa supra descrita, no montante de 136.540,59 €, ao qual aplicou a taxa de 28% prevista no artigo 72º, nº 1, alínea a) do CIRS para os rendimentos dos não residentes, de que resultou imposto a pagar no valor de 38.231,36 €.
i) A taxa prevista para os rendimentos dos não residentes foi aplicada sobre a totalidade da mais-valia apurada;
j) O valor de aquisição da quota-parte do imóvel alienado foi de 1.748,29 €, por ser de 3.496,57 € o valor patrimonial tributário do imóvel doado à requerente e a B..., em partes iguais, sobre o qual incidiria Imposto do Selo se aplicável, valor que corrigido pelo coeficiente de desvalorização da moeda de 1,08 decorrente da Portaria nº 326/2017, de 30.10, é de 1.888,15 €.
k) E o valor de realização pela alienação da quota-parte pertencente à Requerente é de 147.500 €, correspondente a metade do preço de venda de 295.000 €, deduzido das despesas e encargos no valor de 9.071,25 € mencionados na declaração de IRS, cifrando-se, assim, em 138.428,75 €, conforme resulta dos elementos constantes da escritura de compra e venda e da declaração Modelo 3 do IRS apresentada, como resulta dos docs. 3 e 5 juntos com o pedido arbitral;
l) A diferença entre estes valores, traduzida na mais-valia obtida pela requerente, é de 136.540,59 €.
m) Ora, a liquidação de IRS aqui impugnada menciona um rendimento global de 136.540,59 €, que corresponde à totalidade da mais-valia obtida pela requerente, ao qual foi aplicada a taxa de 28% prevista no artigo 72º, nº 1, alínea a) do CIRS para os rendimentos dos não residente, e não considerou o disposto no nº 2 do artigo 43º do CIRS, e, consequentemente, tributada apenas 50% da mais-valia realizada pela requerente,
n) Em 13-11-2019 a Requerente apresentou o presente pedido arbitral.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
16. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
17. Os factos supra descritos foram dados como provados com base na prova documental que os requerentes juntaram aos autos e a posição da AT, que aceitou como verdadeiros os factos sustentados na prova documental apresentada. Assim, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, suportados em prova documental e consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.
V – DECISÃO DA MATÉRIA DE DIREITO: fundamentação da decisão de mérito
18. Fixada a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente.
Nos presentes autos está em causa aferir se, no caso de mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis, o regime diferenciado de tributação aplicável a residentes e a não residentes no território nacional, tal qual resulta do disposto no CIRS. Na verdade, o legislador introduziu no CIRS uma limitação da incidência de imposto, para os residentes, a qual onera apenas 50% do saldo das mais-valias. A questão é a de saber se, a não aplicação deste princípio aos não residentes, quando residam noutro Estado membro da UE, nos exatos termos em que está previsto para os residentes, configura uma situação de discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais, inadmissível à luz do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
A este propósito veio a AT invocar a necessidade de proceder a reenvio prejudicial para o TJUE. Assim, cumpre decidir previamente esta questão, a qual é necessariamente prejudicial.
A) Quanto à questão do Reenvio Prejudicial:
19. O thema decidendum no presente processo refere-se ao regime de tributação autónoma incidente sobre as mais-valias imobiliárias, auferidas por não residentes em território português mas residentes em território de outro Estado da União Europeia (no caso, na Alemanha), decorrente do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, alínea h), 43.º, n.ºs 1 e 2 e 72.º, n.º 1, alínea a), todos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS). Está, concretamente, em causa determinar se, atento o disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, o saldo positivo apurado a título de mais-valias, no ano de 2017, deverá ou não ser considerado em apenas 50% do seu valor, uma vez que os Requerentes são residentes na Alemanha.
Para a Requerente, o valor apurado a título de mais valia deve ser considerado em apenas 50% do seu valor, pois entendem que o disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS é também aplicável aos não residentes em Portugal, mas residentes num Estado-membro da União Europeia. Invoca a favor deste entendimento diversa jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e arbitral, ambas ancoradas na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente, no processo C-443/06, em 11 de outubro de 2007 (caso Hollmann).
20. Efetivamente, nesta questão de direito importa ter em conta a jurisprudência arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa nas decisões arbitrais proferidas:
(i) No Processo n.º 45/2012-T, de 05/07/2012;
(ii) No Processo n.º 127/2012-T, de 14/05/2013;
(iii) No Processo n.º 748/2015-T, de 27/07/2016;
(iv) No Processo n.º 89/2017-T, de 05/07/2017;
(v) No Processo n.º 644/2017-T, de 30/05/2018;
(vi) No Processo n.º 520/2017-T, de 04/06/2018;
(vii) No Processo n.º 617/2017-T, de 22/06/2018;
(viii) No Processo nº 590/2018-T, de 8/07/2019,
Todas disponíveis em www.caad.org.pt, porquanto concordamos com essa jurisprudência e nela nos revemos inteiramente, decisões arbitrais que decidiram no mesmo sentido quanto ao tema, relativamente à mesma questão de direito que se suscita no presente processo arbitral, sendo que se mantém inalterado o regime geral do CIRS que enquadrou e fundou a jurisprudência citada.
21. Esta mesma questão de direito tem vindo, também, a ser decidida de modo uniforme pelo Supremo Tribunal Administrativo (Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo) nos Acórdãos proferidos:
(i) No Processo n.º 0439/06, de 16/01/2008 (Relator, Conselheiro JORGE DE SOUSA);
(ii) No Processo n.º 01031/10, de 22/03/2011 (Relatora, Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA);
(iii) No Processo n.º 01374/12, de 30/04/2013 (Relatora, Conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA); e
(iv) No Processo n.º 01172/14, de 03/02/2016 (Relator, Conselheiro FONSECA CARVALHO),
Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
22. Acresce que, a mesma questão foi, ainda, objeto de reenvio prejudicial por parte do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão proferido no Processo n.º 0439/06, de 28/09/2006, Relator, Conselheiro JORGE DE SOUSA) , e, sobre ela se pronunciou o Tribunal de Justiça da União Europeia (Quarta Secção), no Acórdão proferido no Processo C-443/06, de 11/10/2007 (“Acórdão Hollmann”, Relator, R. SILVA DE LAPUERTA), consultável em www.curia.europa.eu, cuja cópia se junta como Doc. n.º 8, jurisprudência comunitária que foi acolhida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no referido Acórdão, proferido no Processo n.º 0439/06, de 16/01/2008 (Relator, Conselheiro JORGE DE SOUSA). Neste Acórdão, decidiu o STA (e bem) que o artigo 56.° CE “deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”
23. No pedido arbitral conclui a Requerente que o regime de tributação das mais valias, decorrente do disposto nos artigos, 10º e 43º, nº 2 do CIRS, é incompatível com o direito europeu, não sendo de considerar sanada tal incompatibilidade com o aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8 (atuais números 9 e 10), pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (OE 2008), porquanto persiste uma situação de discriminação no tratamento de residentes e não residentes, com prejuízo para estes últimos, ainda que residam em país da EU.
24. A Requerida, por seu turno, entende que o quadro legal, assim como a obrigação declarativa, já não é aquele que existia à data da prolação do mencionado acórdão pelo TJUE, tendo em conta a predita alteração legislativa ao artigo 72.º do Código do IRS; assim, segundo a Requerida, o acórdão Hollmann refere-se a situações ocorridas na vigência do artigo 72.º do Código do IRS, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro. Afirma, ainda, que a questão em apreciação não corresponde ao chamado ato aclarado, pela decisão proferida no acórdão Hollmann, uma vez que a referenciada alteração legislativa não foi ainda objeto de apreciação pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial, para efeitos de apreciação do cumprimento das disposições conjugadas dos artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do TFUE. Em suma, entende a Requerida que o Tribunal Arbitral deve considerar que a aludida jurisprudência não é vinculativa, em face do atual quadro legal nacional, bem como julgar não verificada a hipótese de ato claro ou de ato aclarado, pelo que tem necessariamente de considerar que existem dúvidas suficientes que obstam à aceitação do entendimento preconizado pelo Requerente, sem prévia consulta ao TJUE.
25. Neste enquadramento, cabe a este Tribunal arbitral decidir se deverá suspender a presente instância arbitral e sujeitar a questão em apreço ao TJUE, por via de reenvio prejudicial, nos termos do disposto no artigo 267.º do TFUE.
Ora, entende este Tribunal arbitral que não há necessidade de proceder ao Reenvio Prejudicial, pelas razões que a seguir se expõem, aliás, corroboradas e alicerçadas numa vasta jurisprudência, arbitral e dos nossos Tribunais superiores.
Assim, tudo visto, não temos dúvidas que não se verificam os pressupostos de que depende a admissibilidade do reenvio prejudicial para o TJUE, estatuídos no artigo 267.º do TFUE, e, face à vasta jurisprudência nesta matéria, dado que o caso em apreço não configura “um caso novo ou diferenciado a decidir num quadro total ou parcialmente novo”. Por outro lado, o próprio TJUE já se pronunciou sobre o caráter discriminatório de um regime de opção como o que aqui está em causa, no acórdão Gielen, proferido em 18/03/2010, no processo C-440/08, sendo aplicável neste caso a teoria do ato claro, ao contrário do que vem alegado pela AT, como a seguir melhor se esclarecerá.
Dispõe o artigo 19.º, n.º 3, do TUE estatui o seguinte:
“3. O Tribunal de Justiça da União Europeia decide, nos termos do disposto nos Tratados:
a) Sobre os recursos interpostos por um Estado membro, por uma instituição ou por pessoas singulares ou colectivas;
b) A título prejudicial, a pedido dos órgãos jurisdicionais nacionais, sobre a interpretação do direito da União ou sobre a validade dos actos adoptados pelas instituições;
c) Nos demais casos previstos pelos Tratados.
No artigo 267.º do TFUE é estatuído o seguinte:
“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível. “
26. A primeira questão que aqui se coloca prende-se com a competência para submeter questões prejudiciais ao TJUE, a qual pertence aos órgãos jurisdicionais dos Estados-membros da União Europeia; contudo, a qualidade de órgão jurisdicional não está densificada em qualquer dos Tratados da União, sendo tal conceito interpretado pelo TJUE.
Relativamente aos tribunais arbitrais, sempre que estes cumpram os requisitos elencados na jurisprudência do TJUE – a origem legal do órgão que lhe submeteu o pedido, a usa permanência, o caráter obrigatório da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação, por esse órgão, das regras de Direito e a sua independência –, este Tribunal não tem hesitado em qualificá-los como órgãos jurisdicionais para efeitos do disposto no artigo 267.º do TFUE. No preâmbulo do diploma legal que institui o RJAT é referido o seguinte: “Nos casos em que o tribunal arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é susceptível de reenvio prejudicial em cumprimento do §3 do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.”
De resto, esta questão é hoje pacífica face à jurisprudência do TJUE, vertida no Acórdão “Ascendi”, prolatado em 12/06/2014, no processo C-377/13, no qual o TJUE concluiu pela qualificação dos tribunais arbitrais em matéria tributária, constituídos sob a égide do CAAD, como órgãos jurisdicionais de um Estado-membro, para efeitos do artigo 267.º do TFUE.
Assim, atualmente é inquestionável que os tribunais arbitrais em matéria tributária portugueses são qualificados como órgãos jurisdicionais de um Estado-membro e, por isso, é-lhes admitida a possibilidade de submeterem questões prejudiciais ao TJUE, desde que tal se afigure necessário e adequado á luz dos pressupostos de base para operacionalizar o reenvio prejudicial.
Sucede, porém, que no caso em apreço não se vislumbra qual a necessidade de proceder a esse reenvio. Como bem resulta da jurisprudência do TJUE sobre esta questão, “o reenvio prejudicial é um instrumento de cooperação judiciária (…) pelo qual um juiz nacional e um juiz comunitário são chamados no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos Estados membros” (acórdão Schwarze, de 01/12/1965, processo n.º 16/65).
27. Assim, entende-se como questão prejudicial, no âmbito do processo de reenvio, toda e qualquer questão que um órgão jurisdicional nacional considere necessária à resolução de um litígio pendente; essas questões prejudiciais submetidas ao TJUE poderão ser, por um lado, de validade ou de interpretação e, por outro lado, de reenvio obrigatório ou facultativo. Sempre que a questão prejudicial seja suscitada no âmbito de um processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial, previsto no direito interno, o reenvio prejudicial é obrigatório. Se da decisão do órgão jurisdicional nacional couber recurso ordinário, nos termos do direito interno, então o reenvio é em princípio facultativo.
As decisões arbitrais proferidas pelos tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD são, em regra, irrecorríveis quanto ao mérito; com efeito, a recorribilidade permitida circunscreve-se aos casos de violação de normas constitucionais (recurso para o Tribunal Constitucional) ou de desrespeito pela jurisprudência do Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo (recurso por oposição de acórdãos para o Supremo Tribunal Administrativo). Acontece, porém, que, como decidido pelo TJUE (acórdão Cilfit, de 06/10/1982, processo C-283/81), a aludida obrigatoriedade de reenvio não se verifica “quando, sendo a questão prejudicial de interpretação, (a) exista já jurisprudência na matéria – e desde que o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicação dessa jurisprudência ao caso concreto – ou (b) sempre que o correcto modo de interpretação da norma jurídica em causa seja inequívoco, ou (c) a questão prejudicial não seja necessária nem pertinente para o julgamento do litígio no órgão jurisdicional nacional.”
28. No caso concreto, estão preenchidas duas das três elencadas exceções à obrigatoriedade de reenvio prejudicial para o TJUE. Por um lado, existe uma vasta jurisprudência nesta matéria, sendo disso exemplo as diversas decisões arbitrais proferidas por tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD, já supracitadas.
Por outro lado, também não subsistem dúvidas sobre a correta interpretação das normas jurídicas em causa nestes autos; com efeito, as normas são perfeitamente claras e, por isso, não está já em causa interpretá-las, mas sim aplicá-las, o que é da competência do Tribunal Arbitral, tendo aqui total cabimento a teoria do ato claro.
O próprio TJUE já teve oportunidade de se pronunciar sobre todas as questões que a Requerida coloca ao nível do direito comunitário.
Assim, no que diz respeito à existência de um regime de opção, em tudo igual ao introduzido no artigo 72.º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, pronunciou-se o TJUE no acórdão Gielen, proferido em 18/03/2010, no processo C-440/08, a que acima fizemos referência. É certo que, como aponta a Requerida, aquele referido Acórdão tem como tema de fundo a liberdade de circulação de pessoas, e não a liberdade de circulação de capitais, onde se enquadra a matéria em discussão nos presentes autos. Não obstante, a jurisprudência vertida no referido acórdão é transponível para a matéria relativa à liberdade de circulação de capitais, designadamente, quando se afirma que: “o Tribunal de Justiça precisou que, perante uma vantagem fiscal cujo benefício é recusado aos não residentes, uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de contribuintes pode ser qualificada de discriminação, na acepção do Tratado FUE, quando não haja nenhuma diferença objectiva de situação susceptível de justificar diferenças de tratamento, quanto a este aspecto, entre as referidas categorias de contribuintes (acórdãos, já referidos, Talotta, n.° 19 e a jurisprudência citada, e Renneberg, n.° 60).” .
Ora, esta segunda questão, relativa à existência ou não de uma “diferença objectiva de situação susceptível de justificar diferenças de tratamento” na matéria que ora nos ocupa, foi também ela já objeto de resposta pelo TJUE no Acórdão proferido no processo C‑184/18, onde se pode ler que “não existe nenhuma diferença objetiva das situações dessas duas categorias de contribuintes (...) que justifique a desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais‑valias por eles realizadas em resultado da alienação de um bem imóvel situado em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontram os contribuintes não residentes, (...) é comparável à dos contribuintes residentes.” .
29. Ao que vem exposto acresce que do referido Acórdão Gielen resulta, claramente, que é ao órgão de reenvio que compete aferir, designadamente, se o regime aplicável “está ligada à capacidade pessoal dos contribuintes” , e que entendimento de que a jurisprudência comunitária na matéria é suficientemente clara na matéria, é igualmente confirmado pela jurisprudência do STA, que no Acórdão de 20-02-2019, proferido no processo 0901/11.0BEALM 0692/17, decidiu questão idêntica à que se coloca no processo sub iudice, sem proceder a qualquer reenvio prejudicial.
Nestes termos, concluímos pela inexistência de qualquer fundamento para proceder ao peticionado reenvio prejudicial para o TJUE que, por isso, é indeferido.
Resta, assim, conhecer da questão de direito suscitada nos presentes autos.
B) Da Questão de Direito a decidir nos presentes autos
30. Resolvida a questão relativa ao reenvio prejudicial, constata-se que a principal questão a decidir é, assim, a de saber se a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, no artigo 43º, nº 2 do CIRS, para residentes e não residentes em território nacional, da base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é ou não incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. A questão coloca-se, naturalmente, para os não residentes em Portugal que residam noutro Estado membro da UE, por força da proibição de discriminação, quer da proibição genérica, tal como resulta do disposto no artigo 18º do Tratado, quer da proibição de qualquer restrição (direta ou indireta) à liberdade de circulação de capitais, por força de tal discriminação se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes.
31. No caso em apreciação nos presentes autos, ficou provado que a AT considerou, para efeitos de determinação do rendimento coletável e consequente liquidação do IRS à Requerente, não residente em Portugal, mas num outro Estado-Membro da UE, a totalidade da mais-valia realizada na alienação do imóvel identificado nos autos. Ou seja, no caso dos presentes autos foi declinada a aplicação do regime preceituado no n.º 2, do artigo 43.º do Código do IRS, segundo o qual: “O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor”. (sublinhado nosso)
Entende a AT, que tal disciplina apenas é aplicável aos sujeitos passivos que se sujeitem às especificidades do regime interno de tributação das pessoas singulares, vigente em Portugal, assente no princípio do englobamento e da progressividade. Nesse contexto, vem a AT alegar que os Requerentes poderiam beneficiar do mesmo benefício e que se isso não sucede não é por serem não residentes, mas sim por não optarem pelo englobamento e aplicação do regime normal de tributação aplicável aos residentes. Ora, não podemos aceitar tal argumento, pois isso seria exigir uma condição impossível aos Requerentes, bem assim como a todos os cidadãos europeus residentes noutro país da EU, pois nunca estariam em condições de se submeter a tal condição. Dito de outro modo, a seguir o entendimento da AT apenas os residentes podem, efetivamente, beneficiar do disposto no artigo 43º, nº2 do CIRS. Aliás, nisso mesmo consiste a discriminação.
32. A questão em apreço foi já apreciada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no Acórdão, de 11 de outubro de 2007, proferido no processo C-443/06, designado por “Acórdão Hollmann”. Na sequência deste Acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) português concluiu que “o n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, (…) que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.”
A Jurisprudência invocada pela Requerente não é questionada pela AT, embora defenda uma outra interpretação, por considerar que a introdução, pela Lei de Orçamento de Estado para 2008 (Lei n.º 67-A/2007 de 31 de dezembro) da possibilidade de opção do não residente pela tributação de acordo com as taxas previstas no artigo 68º do CIRS, embora nesse caso, sejam considerados todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora do território nacional. Este regime, constante do artigo 72º do CIRS, repõe a igualdade de tratamento entre residentes e não residentes, pelo que, do ponto de vista da AT, qualquer discriminação estaria dirimida.
33. De notar que os nºs 9 e 10 do artigo 72º do CIRS foram introduzidos com a LOE para 2008. Alega, assim, a AT que para além do regime geral que se manteve idêntico, o legislador nacional instituiu, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, posterior à jurisprudência do Acórdão Hollmann, um regime de opção, alegadamente, para equiparação dos não residentes aos residentes, com o objetivo de obviar ao tratamento diferenciado dos não residentes comunitários e do espaço económico europeu que realizem mais-valias imobiliárias em Portugal.
Chegados aqui, importará aferir se com esta alteração estará dirimida a causa que está na origem do tratamento discriminatório entre residentes e não residentes, quando estes últimos sejam residentes em algum estado da UE.
O princípio da não discriminação, previsto no Tratado, é um princípio fundamental na construção da União Europeia, imperativo desde a constituição do projeto europeu, e deve ser lido como imposição de tratamento igual entre cidadãos europeus, independentemente da sua nacionalidade ou residência. Este princípio está, aliás, bem sedimentado na jurisprudência do Tribunal de Justiça, que ao longo das últimas décadas o vem afirmando com clareza e determinação. Também a jurisprudência do STA tem vindo a ser firme nas decisões proferidas nesta matéria, bem assim como a jurisprudência arbitral já proferida nesta matéria.
Neste enquadramento, não oferece dúvidas que o disposto no nº 2, do artigo 43º do CIRS constitui, objetivamente, uma discriminação de tratamento entre residentes e não residentes. A própria AT, entidade requerida, nos presentes autos, está consciente dessa discriminação, como se retira da análise dos articulados juntos aos autos.
34. Não obstante, alega a AT, que a introdução da opção pela tributação ao abrigo do regime geral das taxas previstas no artigo 68º do CIRS, repõe a necessária igualdade de tratamento, bastando para tal que o sujeito passivo opte pela tributação nesses termos. Daqui conclui que, se existiu discriminação no caso dos presentes autos, tal se deveu exclusivamente à decisão da Requerente, por não ter exercido a opção legal ao seu dispor. Segundo a AT, esta opção de equiparação, a que se refere a AT, permite aos não residentes em Portugal, mas residentes em algum dos Estados membros da UE, a opção pela tributação desses rendimentos em condições similares às aplicáveis aos residentes em Portugal, eliminando qualquer discriminação.
Será isso suficiente para concluirmos pela não violação do princípio da não discriminação?
Se assim fosse, porque não optou o legislador português pela pura e simples eliminação da referência aos “residentes”, no texto do artigo 43º, nº 2 do CIRS, com os ajustamentos eventualmente necessários?
Teria sido mais simples e resolveria o problema sem margem para qualquer dúvida. Mas, constata-se que o legislador não fez essa opção e preferiu uma via pela qual todos os não residentes seriam, igualmente discriminados, porquanto para se submeterem à aplicação do mesmo regime de tributação que os residentes teriam de cumprir uma condição que não é adequada ou compatível com a sua qualidade de não residentes.
É, pois, entendimento deste Tribunal arbitral que a solução adotada pelo legislador português não garante, como alega a AT, a eliminação da discriminação resultante do disposto no nº2, do artigo 43º. Dispõem os n.ºs 8 e 9 do artigo 72.º do Código do IRS (versão introduzida pela Lei nº 66-B/2012 de 31 de dezembro – LOE para 2013):
“8 – Os rendimentos previstos nos nºs 4 a 7 podem ser englobados por opção dos respetivos titulares residentes em território português.
9- Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nos n.ºs 1 e 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português
10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”
Ora, tal regime, julga-se, não resolve a questão.
Isso mesmo resulta claro na decisão Hollmann, sobre a aplicação exclusiva a residentes em Portugal do limite da incidência de IRS a 50% das mais-valias imobiliárias, prevista no n.º 2 do artigo 43.º do respetivo Código, e a sua desconformidade com o disposto no artigo 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia (atual artigo 63.º do TFUE). De notar que o TJUE, no Acórdão proferido no processo C‑184/18, veio dizer que mesmo relativamente a não residentes no espaço da EU a limitação não será aceitável.
35. A questão em apreciação deve ter em conta, ainda, os princípios do primado do direito europeu e da prevalência da interpretação do TJUE sobre o direito de fonte comunitária, como aliás resulta do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Neste enquadramento, diga-se que a jurisprudência Hollmann, proferida pelo TJUE concluiu que a norma nacional, contida no n.º 2, do artigo 43.º do Código do IRS, viola o artigo 63.º do TJUE (antigo art. 56º do TUE), por revestir carácter discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritiva da liberdade de circulação de capitais entre Estados membros. Esta interpretação é, pois, inequívoca e clara.
A decisão proferida no supracitado Acórdão vem fundamentada, entre outros, com os seguintes tópicos argumentativos:
“- Uma operação de liquidação de um investimento imobiliário constitui um movimento de capitais, prevendo o Tratado uma norma específica que proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais;
- No caso de venda de um bem imóvel sito em Portugal, ocorrendo a realização de mais-valias, os não residentes ficam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos;
- Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% sobre a totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%;
- Este regime torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado;
- A discriminação da norma nacional não é justificável pelo objectivo de evitar penalizar os residentes (que se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas que podem ser muito superiores e são tributados sobre uma base mundial, ao contrário dos não residentes, que são tributados à taxa proporcional de 25%, não ocorrendo o englobamento), porque, como acima salientado, sendo o escalão mais elevado 42% conduz sempre, nas mesmas condições, a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta a redução a 50% do rendimento colectável do residente, não existindo, objectivamente, nenhuma diferença que justifique esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias, entre as duas categorias de sujeitos passivos.”
36. Ainda a este propósito, como bem se refere, entre outras, nas decisões arbitrais nº 45/2012-T e 127/2012-T, considerando o disposto no artigo 43º, nº2 do CIRS, deparamo-nos, com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do TFUE. Este entendimento tem sido mantido em diversas decisões arbitrais posteriores, como vem invocado pelos Requerentes. Entendimento esse, por sua vez, confirmado pela jurisprudência do STA.
É que, aos olhos da citada jurisprudência arbitral e corroborada pelos nossos tribunais superiores, a opção de equiparação, introduzida no sistema tributário português, após a prolação do Acórdão Hollmann, constante dos n.ºs 8 a 10 do artigo 72.º do Código do IRS, vigentes à data do facto tributário, não permite afastar o juízo de discriminação do TJUE sobre a previsão restritiva do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS a sujeitos passivos residentes. Desde logo, há que registar que a solução introduzida pelo legislador para obviar à discriminação contida na supramencionada norma nacional, não garante que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, respeitante a transmissões efetuadas por não residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, seja apenas considerado em 50% do seu valor, tal como acontece com os residentes, por força do disposto no art.º 43.º/1 e 2 do CIRS.
Efetivamente, o regime dos n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º do CIRS não dispõe sobre a base da incidência, mas apenas sobre a taxa aplicável aos rendimentos referidos nos n.ºs 1 e 2 do mesmo art.º 72.º, sendo por isso verdade, como reitera a Requerida em sede arbitral, que aquele regime não implica a tributação de todos os rendimentos auferidos pelos não residentes, mas apenas da mais valia. Com efeito, do regime em questão, não resulta uma alteração da base de incidência, sendo os rendimentos tributados os mesmos, e estando apenas prevista uma alteração da taxa aplicável, que deixa de ser a dos n.ºs 1 e 2 daquele art.º 72.º, e passa a ser a que resulta do art.º 68.º, nº1 do CIRS (o que quer dizer, desde logo, que tal taxa pode ser inferior à consagrada nos n.ºs 1 e 2 daquele art.º 72.º - desde que a taxa média seja inferior a 28% - ou superior).
37. Continua, pois, a verificar-se a discriminação proscrita pelo Acórdão Hollmann, entre residentes e não residentes. É que, se os n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º dispõem sobre a taxa, e não sobre a base de incidência, a mesma não é alterada pela opção consagrada nos mesmos, ou seja: a base de incidência será - quer seja exercida a opção prevista naquelas normas, quer não - a mesma, o que quer dizer que quer exerçam aquela ou opção, quer não, os não residentes não verão, em qualquer caso, o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias por si realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, ser considerado apenas em 50% do seu valor.
Por outro lado, sendo entendimento da AT, subjacente ao ato tributário em apreciação, o de que não é aplicável o art.º 43.º, nº 2 do CIRS aos não residentes, para efeitos da sua tributação nos termos do n.º 1 do art.º 72.º, a mesma norma continuará a não ser aplicável, caso os mesmos exerçam a opção consagrada no n.º 9 e 10 do mesmo artigo 72.º, porquanto estas normas, como se referiu, não alteram a base de incidência do imposto, mas apenas a taxa a aplicar àquela.
38. Concretizando, como o n.º 10, do art.º 72.º do CIRS, apenas releva a aplicação das normas aplicáveis aos residentes, para efeitos da determinação da taxa e não para efeitos da determinação da base tributável, a mais-valia, nos termos desse regime, relevará, em 50% unicamente para efeitos do cômputo dos rendimentos que determinará a taxa a aplicar nos termos do art.º 68.º nº 1 do CIRS, mas a taxa assim determinada continuará a ser aplicada a 100% das mais valias, uma vez que, segundo a AT, o art.º 43.º, nºs 1 e 2, do CIRS não será aplicável aos não residentes, por se reportar apenas a residentes e não resulta, como se viu, dos n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º a aplicação daquelas normas (nºs 1 e 2 do art.º 43.º do CIRS) , para efeitos da determinação da base tributável.
39. Ora, em sintonia com o recentemente decidido no processo arbitral nº 590/2019-T, “este entendimento, traduz, precisamente, a discriminação de tratamento entre residente e não residente censurada pelo acórdão Hollmann, já que os residentes pagarão sempre a taxa que resulta do art.º 68.º, nº 1 sobre 50% das mais valias, enquanto que os não residentes pagarão ou aquela taxa, determinada de acordo com as regras aplicáveis aos residentes, ou 28%, sempre sobre 100% das mais valias.
A isto acresce um outro reparo que resulta da complexidade de funcionamento do imposto, agravado pela “opção pelo englobamento” de todos os rendimentos obtidos no outro país, para além de outras questões relevantes associadas ao princípio da territorialidade previsto artigo 15º do CIRS, às condições de pessoalização e à progressividade do imposto, dificilmente compatível com uma adequada consideração dos valores auferidos noutro estado membro, no estado atual do direito comunitário. O que vale por dizer que a alteração legislativa operada assenta em pressupostos inquinados pela intenção de manter uma tributação mais onerosa sobre os não residentes, mesmo que estes residam no espaço da EU, o que se afigura inaceitável aos olhos da referida jurisprudência do TJUE.”
40. Dito de outro modo, a AT não demonstrou (nem conseguiria) que a opção pelo englobamento, como forma de equiparação, tal qual foi introduzida nos nºs 9 e 10 do artigo 72º do CIRS, seja suficiente para excluir a discriminação em causa. Acresce ainda que como vimos, sempre ficaria a dúvida de sobre a razão que levou o legislador a não optar pela via da eliminação direta da discriminação contida na norma do artigo 43º, nº2 do CIRS.
Não colhe, pois, a alegação da AT, segundo a qual a solução adotada no artigo 72º, nºs 8 a 10 é bastante, porquanto também para os residentes em território português, estes rendimentos estão sujeitos ao englobamento. Ora, tal argumento não parece adequado porquanto não leva em linha de conta todas as outras condições de tributação inerentes ao funcionamento de um imposto com as características do imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares e evidencia uma intenção de tributação em função dos rendimentos auferidos no outro país (quando englobados) bem sabendo que se trata de realidades incomparáveis, facilmente falseadas por toda uma realidade de base que escapa à soberania fiscal do estado português.
Não temos, pelo exposto, dúvida que a solução adotada pelo legislador português não elimina o caráter discriminatório no tratamento de residentes e não residentes, em matéria de mais-valias decorrentes de alienação de imóveis.
41. Ainda neste sentido e em reforço do que vem exposto, impõe-se a referência a um outro Acórdão do TJUE, no qual o Tribunal se pronunciou sobre questão semelhante à que resulta nos presentes autos, quanto à apreciação da opção introduzida pelo legislador português. Assim, se pronunciou o TJUE, no Acórdão, de 18 de Março de 2010, proferido no processo C-440/08, designado por “Acórdão Gielen”, numa situação idêntica à que agora apreciamos, com a única diferença de que neste processo estava em causa a violação do artigo 49.º e não a do artigo 63.º do TFUE .
Ora, neste Acórdão salienta o TJUE que “a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório”.
Considera, ainda, o TJUE no mesmo Acórdão que tal opção não é passível de excluir todos os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais, acrescentando que “o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório.”
Concluiu, por isso, o TJUE que “o Tratado se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”.
Como bem se refere na Decisão arbitral nº45/2012-T, as consequências do que se deixa exposto, em conformidade com a jurisprudência do TJUE supra referida, pode eventualmente resultar numa tributação mais favorável das mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes em Portugal, que residam na União Europeia, do que por residentes, pois, para além de beneficiarem de igual modo da redução a 50% da base de incidência de IRS, são sujeitos a uma taxa de tributação, que será, na maioria dos casos, inferior às taxas progressivas dos residentes, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, a que acresce o facto de estes últimos terem de englobar todos os seus rendimentos. Porém, esta é uma consequência da fiscalidade direta ser um domínio da competência dos Estados membros, cabendo a estes resolver no plano interno este tipo de discrepâncias.
Uma coisa é certa e incontornável, no atual estádio do Direito da União Europeia, não se vislumbra um princípio ou norma que impeça a discriminação positiva dos não residentes face aos residentes , mas é clara a proibição de discriminação dos não residentes, nos termos supra explanados.
Este entendimento é, desde 2011, sufragado pelo STA, como se extrai da jurisprudência do Acórdão de 22 de Março de 2011, proferida no processo n.º 1031/10, que anulou o ato de liquidação emitida pela AT, que “perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS): à taxa prevista para os não residentes (25%, nos termos do artigo 72.º n.º 1 do Código do IRS) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56.º do TJCE (actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), sujeitando deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário.”.
42. Acresce que, no Ac. do STA de 20-02-2019, proferido no processo 0901/11.0BEALM 0692/17, foi já decidida questão em tudo idêntica à que ora nos ocupa, tendo o Supremo Tribunal decidido no sentido da tributação de 50% das mais valias, concluindo-se pela sua aplicação aos não residentes, sem que seja feita a opção do n.º 9 do art.º 72.º.
Ora, os tribunais em geral, e também os tribunais arbitrais, julga-se, estão vinculados ao dever de ter “em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.” (art.º 8.º/3 do Código Civil).
Por outro lado, e nos termos do art.º 25.º/2 do RJAT, “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”.
Daí que uma decisão, na matéria sub iudice, que vá contra a jurisprudência emitida pelo STA na matéria, verificando-se, como se verifica, identidade dos factos e do direito a aplicar a estes, entre o presente caso e o já julgado pelo STA, seria, não só suscetível de recurso nos termos do referido art.º 25.º/2 do RJAT, como, com um elevado grau de probabilidade, passível de ser revogada pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Ainda a este propósito, aderimos igualmente à jurisprudência vertida na recente decisão arbitral, proferida no processo n.º 74/2019-T (corroborada no Acórdão arbitral proferido no processo 590/2018-T, de 08-07-2019) que passamos a citar:
"Por fim, observa a Requerida AT que, após a prolação do Acórdão Hollmann, foi introduzido no sistema tributário português uma opção de equiparação com a qual se pretendia afastar o juízo de discriminação do TJUE sobre a previsão restritiva do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS aplicável aos sujeitos passivos residentes.
Assim, a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2008), introduziu os n. os 7 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS estabelecendo um regime opcional de equiparação dos não residentes (estes devendo ser residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu) aos residentes.
Posteriormente, face à remuneração operada pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro estes dispositivos passaram a n.ºs 9 e 10, dispondo à data, 2017, o seguinte:
«9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.».
Sucede que a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa.
De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:
1. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e
2. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.
Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa.
Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.
Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º), o seguinte:
1. «a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório», frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.».
2. «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório».
3. O Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes».
Esta orientação tem sido acolhida no CAAD, nomeadamente, nos Processos n. os 45/2012-T, 127/2012-T, 748/2015-T, e 89/2017-T.
Em particular, no Processo 127/2012-T considerou-se que «(…) a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes.”
Concluindo aquele aresto que «ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário.»
Repare-se que foi a própria AT que, perante a declaração de rendimentos da Requerente, liquidou o imposto, à taxa de 28%, prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 72.º do Código do IRS, considerando a totalidade da mais-valia realizada por aquele e não apenas sobre 50% daquela, nos termos prescritos do n.º 2 do artigo 43.º do mesmo diploma legal, numa interpretação e aplicação desta disposição legal que não está em conformidade, quer com o Direito da União Europeia, na qual se inclui a jurisprudência comunitária, quer ainda com a jurisprudência portuguesa judicial e arbitral.
Neste sentido, veja-se, ainda, o acórdão proferido pelo STA, de 22/03/2011 (Processo n.º 1013/10), “foi a Administração Fiscal que, perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS): à taxa prevista para os não residentes (25%, nos termos do artigo 72.º n.º 1 do Código do IRS) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56.º do TJCE (actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), sujeitando deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário”.
Consequentemente, a existência deste regime, meramente opcional, para além de criar um ónus adicional nos contribuintes não residentes face aos residentes – o qual consiste na necessidade do exercício dessa opção não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS ora impugnada. Adicionalmente sempre se diga que a Requerida AT não está totalmente dependente do que lhe é apresentado pelo contribuinte existindo vários exemplos em que à administração é conferida a possibilidade de corrigir o que lhe é submetido à apreciação (cfr. artigos 19.º, n.º 9; 36.º. n.º 4 e 79.º, n.º 2 todos da Lei Geral Tributária e art.º 48.º, n.º 1 do CPPT)."
43. Nesta conformidade, as liquidações impugnadas afiguram-se ilegais, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, com a sua consequente anulação.
Em face do exposto, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando as liquidações de IRS impugnadas, com o consequente reembolso do valor pago em excesso.
VI - Quanto a Juros indemnizatórios:
44. A Requerente cumula com o pedido anulatório da liquidação, ainda, o pedido de condenação na restituição do valor pago em excesso, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.
Face à procedência do pedido anulatório, deverá ser restituída a quantia paga indevidamente, em excesso, pela Requerente, relativamente ao ato tributário anulado. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à AT, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, calculados com base no respetivo valor do excesso de imposto liquidado e pago, até à sua integral devolução aos Requerentes, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil, à taxa legal em vigor.
Acresce que, de harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT), que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que nas suas competências se compreendem os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
Ao que acresce, ainda, que o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), e que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
O n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação impugnado, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.
45. Assim, deverá a AT dar execução à presente decisão arbitral, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo à Requerente o montante pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, os quais são devidos desde a data do pagamento efetuado até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT).
VI I- DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular os atos tributários objeto dos presentes autos e condenar a AT a restituir à Requerente o valor de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, a contar da data em que foi efetuado o pagamento.
b) Condenar a AT nas custas do processo.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €38.231,36 (trinta e oito mil, duzentos e trinta e um euros e trinta e seis cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de julho de 2019
O Tribunal Arbitral singular,
(Árbitro: Maria do Rosário Anjos)