DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros José Poças Falcão (presidente), Jorge Bacelar Gouveia e Ana Teixeira de Sousa (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente tribunal arbitral, acordam no seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A..., S.A. (doravante designada por “Requerente”) Pessoa Coletiva n.º..., com sede na Avenida ..., n.º ..., ...-... Lisboa, tendo sido notificada do despacho do Senhor Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes (integrante da Autoridade Tributária e Aduaneira) com sede na Rua do ..., n.º..., ...-... Lisboa, através do qual indeferiu expressamente a reclamação graciosa associada ao procedimento n.º ...2018..., oportunamente apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, relativa ao período de tributação de 2015, apresentou em 29/10/2018 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral.
1.2. A 31 de dezembro de 2015, a ora Requerente (à data, denominada B..., SGPS, S.A.) era a sociedade dominante de um perímetro de entidades que integravam o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), nos termos do artigo 69.º do Código do IRC.
1.3. Na qualidade de sociedade dominante, a ora Requerente submeteu, por referência ao período de tributação de 2015, a declaração de rendimentos “Modelo 22” (DM22) do IRC respeitante ao aludido consolidado fiscal, uma vez que, nos termos do artigo 115.º do Código do IRC, na redação à data (a qual se mantém), recaía sobre a sociedade dominante a responsabilidade pelo pagamento do IRC (e, naturalmente, a entrega prévia da DM22 do Grupo), sendo as demais entidades do grupo solidariamente responsáveis pelo pagamento do imposto.
1.4. Na DM22 do consolidado fiscal que domina, submetida no dia 31 de maio de 2016 foi apurado um resultado fiscal consolidado negativo no montante de Euro 105.801.650,02 e um montante total de tributações autónomas de Euro 437.245,64.
1.5. A ora Requerente procedeu, no dia 31 de maio de 2017, à submissão da DM22 de substituição, com a identificação n.º..., respeitante ao perímetro fiscal do Grupo A... .
1.6. Posteriormente, e sem impactos na situação de seguida exposta, a ora Requerente procedeu, no dia 19 de dezembro de 2017, à submissão de nova DM22 de substituição, com a identificação n.º..., respeitante ao perímetro fiscal do Grupo A... na qual foi apurado um resultado fiscal consolidado negativo no montante de Euro 74.742.019,81, não se verificando qualquer alteração ao nível do montante de tributações autónomas (i.e., Euro 437.245,64).
1.7. No âmbito da última DM22 submetida, a ora Requerente dispunha, em sede de benefícios fiscais, de um montante total de Euro 2.606.981,65 relativos à aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), dos quais transitam para os períodos seguintes Euro 2.445.097,97, após a dedução do período (Euro 161.883,68).
1.8. O objeto do pedido de pronúncia é ser anulada a decisão de indeferimento expresso impugnada e, por via disso ser parcialmente anulado o acto tributário em causa, com as legais consequências - mormente pelo reembolso do imposto no valor global de Euro 437.245,64, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à taxa legal.
1.9. O Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo legal.
1.10. No dia 9/01/2019 ficou constituído o tribunal arbitral.
1.11. Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 22/01/2019 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo (PA).
1.12. Em 25/02/2019 a Requerida veio apresentar a sua Resposta.
1.13. O tribunal em 25/04/2019 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com base na inexistência de exceções a conhecer e na desnecessidade de convidar as partes a corrigir as peças processuais, notificando as partes para apresentar alegações escritas em 20 dias simultâneos.
1.14. Foi designada data para prolação da decisão para 27/06 tendo sido prorrogada por mais 2 meses, nos termos dos despachos de 25/04/2019 e 05/07/2019.
1.15. A Requerida apresentou alegações em 24/05/2019 reproduzindo tudo o que expôs na sua Resposta, não tendo a Requerente utilizado a faculdade de apresentação de alegações.
2. POSIÇÃO DAS PARTES
2.1. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente invoca, essencialmente, em seu favor, que:
2.2. Entende a ora Requerente que, por respeito ao período de tributação de 2015, ao montante agregado de tributação autónoma paga pelo consolidado fiscal dominado pela ora Requerente, cifrado em Euro 437.245,64, deverá ser deduzido integralmente o crédito correspondente ao RFAI existente, pelo que a ora Requerente deverá ser ressarcida do montante total, liquidado em excesso, ou seja, do montante de Euro 437.245,64, tendo em conta o total do crédito de RFAI existente de Euro 2.445.097,97.
2.3. Com vista a fundamentar a sua posição, a Requerente traz à presente discussão jurisprudência arbitral produzida relativamente a esta matéria, a qual, no seu entendimento, vem ao encontro dos argumentos por si aduzidos no presente Pedido de Pronúncia Arbitral, veja-se entre outros os Acórdãos nos Processos 672/2016-T, 219/2015-T, 769/2014-T, 370/2015, Processo 637/2015-T, de 28 de abril de 2016, e ao Processo 669/2016-T, de 13 de junho de 2017.
2.4. Neste mesmo sentido, aponta ainda decisões arbitrais bastante recentes, nomeadamente, as referentes aos Processos n.º 490/2017-T, de 20 de abril de 2018, n.º 45/2018-T, de 15 de junho de 2018, e n.º 626/2017-T, de 14 de julho de 2018
2.5. A Requerente salienta que já obteve, por referência ao período de tributação de 2014, decisão favorável do CAAD relativamente a uma questão em tudo idêntica à que agora apresenta (cfr. Acórdão do CAAD Processo n.º 536/2016-T, cuja cópia se junta como Documento n.º 10).
2.6. A dedutibilidade do benefício fiscal RFAI ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC não se compadece com a exigência da existência de lucro tributável - outrossim apenas se exige o apuramento de coleta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas.
2.7. As tributações autónomas são IRC, tal como veio esclarecer a nova redação do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a) do Código do IRC. Efectivamente,
2.8. Nos termos do artigo 90.º n.º 2 alínea d) do CIRC, “ao montante apurado nos termos do número anterior [coleta de IRC] são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada: d) A relativa ao pagamento do RFAI a que se refere o artigo 106.º”;
2.9. Prevê, portanto, o CIRC que a dedução referente ao RFAI deve ser efetuada até à concorrência da coleta de IRC apurada no período de tributação relevante;
2.10. O facto de existir no regime do IRC algumas regras específicas para as tributações autónomas, como sucede no artigo 88.º do CIRC, no qual se estabelece a base de incidência e taxas aplicáveis à tributação autónoma, não pode ser utilizado para se defender que as tributações autónomas não qualificam de IRC, na medida em que elas derivam do facto de o próprio regime do IRC, que é um imposto de formação sucessiva, incluir elementos de obrigação única que é precisamente o caso das tributações autónomas.
2.11. Por este motivo, e por aplicação das regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, forçoso é concluir que sempre foi intenção do legislador qualificar as tributações autónomas como IRC (isto é, ela própria é IRC), intenção esta, no presente, literalmente consagrada no artigo 23.º- A n.º 1 alínea a) do CIRC.
2.12. Especificamente no que se refere à dedução do RFAI a Requerente extrai a seguinte conclusão relativamente a um potencial conflito entre o interesse público da arrecadação de receita e o da tutela de interesses extra fiscais: “ É certo que as tributações autónomas, além de terem por objetivo garantir um mínimo de coleta relativamente às sociedades que apresentem prejuízos, visam reduzir a “comparticipação fiscal” em certas despesas e, eventualmente, desincentivar a sua realização, sendo que tais objetivos serão menos logrados com a possibilidade de a respetiva coleta poder ser objeto de deduções. Mas, por outro lado, os benefícios fiscais são medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º, n.º 1, do EBF)” (cfr. Acórdão do CAAD Processo n.º 370/2015-T).
2.13. “No confronto entre estes dois objetivos, é a própria lei que nos indica o que deve prevalecer. Os interesses públicos que determinam a criação de um benefício fiscal são, por natureza, superiores aos da tributação que impedem. Tal é, ainda mais, manifesto relativamente aos incentivos fiscais ao investimento, uma vez que constituem uma verdadeira promessa pública, no sentido de que aos sujeitos passivos que adotarem determinados comportamentos, supostamente do maior interesse económico e social, é garantida determinada “recompensa fiscal”” (cfr. Acórdão do CAAD Processo n.º 370/2015-T).
2.14. Por outro lado, no dia 31 de março de 2016, entrou em vigor a Lei do Orçamento do Estado para 2016. que aditou o n.º 21 ao artigo 88º, de onde decorre que “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.
2.15. Ora o presente tema tem sido amplamente discutido na doutrina e na jurisprudência portuguesas, tendo-se, de forma unânime, considerado que para que uma norma seja interpretativa é necessário que se verifiquem, de forma cumulativa, dois requisitos, designadamente (i) a existência de uma norma (a interpretar) que é incerta e controversa na sua interpretação; e (ii) a norma interpretativa integrar uma interpretação que a jurisprudência poderia, por si só, ter adotado (por respeito à norma interpretada).
2.16. E ainda que seja claro que o primeiro requisito se encontre cumprido (com efeito, trata-se de uma norma incerta e controversa),
2.17. Não é de todo verdade que a norma interpretativa em apreço integre uma interpretação que a jurisprudência poderia, por si só, ter adotado, até porque existem múltiplas decisões que demonstram que a jurisprudência adotou exatamente o entendimento inverso, citando a Requerente a este respeito o entendimento preconizado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 75/95, publicado no dia 21 de fevereiro, por respeito ao Processo nº 840/93.
2.18. Conclui a Requerente solicitando:
a) ser anulada a decisão de indeferimento expresso impugnada e, por via disso;
b) ser parcialmente anulado o acto tributário em causa, com as legais consequências - mormente pelo reembolso do imposto no valor global de Euro 437.245,64, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à taxa legal;
c) Ser a Fazenda Pública condenada a pagar as custas e demais encargos com o processo, porque ao mesmo deu causa.
2.19. Nos termos da notificação, para o efeito, a AT apresentou a sua Resposta, acompanhada do Processo Administrativo, sustentando a total improcedência do pedido da Requerente, arguindo em seu favor, entre o mais, o entendimento plasmado nas Decisões Arbitrais proferidas nos processos arbitrais nºs, 603/2014-T, 697/2014-T ou o recente processo 542/2017 deste CAAD. Alega, fundamentalmente, o seguinte:
2.20. Na realidade, a integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, o sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do nº1 do art.º90º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por forca de obedecerem a regras diferentes.
2.21. E isso, pois, num caso, trata-se da aplicação da(s) tax(s) do art.º 87º do CIRC a matéria coletável determinada segundo as regras contidas no capítulo III do Código e, noutro caso, trata-se da aplicação das taxas aos valores das matérias coletáveis relativas às diferentes realidades contempladas no art.º 88.º do CIRC.
2.22. Ou seja, ao contrario do que é afirmado no ponto 9 da declaração de voto de vencido anexa à Decisão Arbitral proferida no processo n.º697/2014-T, não há uma liquidação única de IRC, mas antes dois apuramentos.
2.23. Convém clarificar que a liquidação das tributações autónomas é efetuada com base nos artigos 89º e 90 nº1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto.
2.24. Num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87º à matéria coletável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e
2.25. No outro caso, são apuradas diversas coletas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.
2.26. Ou seja, em termos globais, a coleta do IRC apurada nos termos do art.º89 e do nº1 do artigo 90º tem natureza compósita, cindível, por um lado entre a coleta do imposto propriamente dita, resultante da estrutura geral de apuramento do IRC, que é devida com fundamento constitucional assente no dever geral de cada um (neste se englobando as pessoas coletivas) de contribuir para as despesas públicas segundo os seus haveres (Art.º 103º, nº1 da CRP), a que se deduzem as importâncias referidas no nº2 do art.º 90º, nos termos e modos ali referenciados e, por outro, o somatório das coletas das tributações autónomas que incorporam um sentido e fundamentos próprios e que, por isso, não devem ser objeto de confusão.
2.27. Pretender converter um sistema dual tributação em IRC constituído pelo regime-regra de tributação dos rendimentos das pessoas coletivas pela tributação autónoma de certas realidades, com um sistema unitário de tributação em IRC, conduz inevitavelmente à errada e injustificada tese de que existe uma única coleta o IRC e inferencialmente lhe podem ser efetuadas as deduções referidas no nº2 do art.º 90º.
2.28. Pois bem, quando se trata das deduções previstas no nº2 do art.º 90.º do CIRC, pretende a Requerente – ancorando-se salvo o devido respeito, num leitura simplista e descontextualizada deste normativo – que a expressão “montante apurado nos termos do número anterior” deve ser entendida como abrangendo o somatório do montante do ITC, apurado sobre a matéria coletável determinada segundo as regras do capítulo III e às taxas previstas no art.º87º do mesmo Código, e o montante das tributações autónomas, calculado com base nas regras previstas no art.º88.º.
2.29. Na realidade, faça-se notar que o traço comum a todas as realidades refletidas nas deduções referidas no nº2 do art.º 90.º do CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria coletável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados no imposto, sendo, por isso, inteiramente alheios às realidades que integram os facos gerados das tributações autónomas.
2.30. No que tange à dedução relativa a benefícios fiscais (alínea b) do nº2 do art.º90.º), quando se trata de benefícios ao investimento – como é o caso do RFAI -, tem subjacente a filosofia de que o beneficio constitui um prémio cuja amplitude varia com rendibilidade dos investimentos, pois, quanto mais elevado foi o lucro/matéria coletável do IRC maior será a capacidade para efetuar a dedução.
2.31. Verifica-se, portanto, uma ligação indissociável entre o montante do credito de imposto por investimento e a parte da coleta do IRC calculada sobre a matéria coletável baseada no lucro e, a não ser assim, subverter-se-ia a necessária articulação que, no plano material, deve existir entre os objetivos prosseguidos pelo benefícios fiscais e o seu impacto na própria grandeza que serve de base ao calculo da matéria coletável e da coleta o lucro.
2.32. Importa ainda salientar que os argumentos ora esgrimidos já foram apresentados em sede arbitral, e, concreto nos Processos nº603/2014- T, Processo nº697/2014-T ou recente Processo 542/2017-T todos decididos a favor da Requerida, cujo objeto único era a dedução à coleta da parte do IRC produzia pelas taxas de tributação autónoma.
2.33. Quanto à alteração introduzida pelo Orçamento de Estado para 2016 com o aditamento do número 21 ao artigo 88.º do CIRC, atribuindo ao mesmo caracter interpretativo.
2.34. A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89º e tem por base os valores e as taxas que resultem do imposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.
2.35. Posto isto, resulta que o próprio efeito interpretativo conferido por aquela Lei seria, per si, desnecessário, porquanto, conforme de demonstrou, nenhuma outra interpretação seria passível de ser efetuada tendo em considerarão a teleologia e hermenêutica jurídica das normas apreço.
2.36. A Requerida refere ainda argumentação já anteriormente utilizada nomeadamente considerando que a posição defendida pela AT tem um apoio explícito no disposto no n.º 5 do art.º 90.º do CIRC – através do qual o legislador fornece uma indicação clara de que o montante do imposto liquidado, ao qual são efectuadas as deduções referidas no n.º 2 do mesmo artigo, não inclui o montante correspondente às tributações autónomas –, ao estatuir que as deduções que são imputadas aos sócios ou membros de entidades abrangidas pelo regime da transparência fiscal estabelecido no art.º6.º (entidades que estão sujeitas ao pagamento das tributações autónomas, por força do art.º12.º) são «deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo». Dado que o comando deste normativo se dirige aos sócios ou membros de entidades transparentes – os quais, no processo de apuramento do lucro tributável, devem integrar no mesmo os valores (relativos ao lucro tributável/prejuízo fiscal ou à matéria colectável, consoante o caso) que lhe são imputados – o que o legislador indica, de forma inteiramente clara, é que as deduções previstas no n.º2 do art.º90.º do CIRC, que igualmente são imputadas aos sócios ou membros, devem ser efectuadas ao montante do imposto apurado com base na matéria colectável em que esteja reflectida a imputação prevista no art.º 6.º do CIRC.” (cfr. artigos 50.º e 51.º da Contestação).
2.37. Ora, se é este o procedimento a adoptar pelos sujeitos do IRC que são sócios ou membros de entidades transparentes, relativamente às deduções respeitantes à entidade transparente na qual participam, seria de todo incongruente, para além de não ter qualquer apoio na lei, defender a tese de que, para as deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, que directamente respeitam a esses sujeitos passivos, as mesmas poderiam ser efectuadas ao montante apurado com as tributações autónomas.” (cfr. artigo 53.º da Contestação).
2.38. Finalmente a Requerida considera que, para que a AT incorra no dever de pagamento de juros indemnizatórios, deverá verificar-se uma qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser necessariamente imputável a erro dos serviços. Ora, a liquidação em causa não provém de qualquer erro dos serviços mas decorre directamente da aplicação da lei. A AT limitou-se, portanto, a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes à correcção efectuada, pelo que deverá ser, também, julgada improcedente a impugnação quanto aos juros peticionados.
2.39. Conclui a Requerida pela total improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências.
3. SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído com base nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 do RJAT, sendo competente para apreciar e decidir o pedido de pronúncia arbitral.
As partes, que estão devidamente representadas, gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. Factos que se consideram provados:
a) Em 31 de dezembro de 2015, a Requerente (à data, denominada B..., SGPS, S.A.) era a sociedade dominante de um perímetro de entidades que integravam o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), nos termos do artigo 69.º do Código do IRC.
b) Na qualidade de sociedade dominante, a ora Requerente submeteu, por referência ao período de tributação de 2015, a declaração de rendimentos “Modelo 22” (DM22) do IRC respeitante ao aludido consolidado fiscal.
c) Por referência ao período de tributação de 2015, a ora Requerente procedeu à submissão da DM22 do consolidado fiscal que domina, no dia 31 de maio de 2016 ( cuja cópia se junta como Documento n.º 1), na qual foi apurado um resultado fiscal consolidado negativo no montante de Euro 105.801.650,02 e um montante total de tributações autónomas de Euro 437.245,64.
d) Posteriormente, a Requerente procedeu, no dia 19 de dezembro de 2017, à submissão de nova DM22 de substituição, com a identificação n.º..., respeitante ao perímetro fiscal do Grupo A... (cfr. segunda DM22 de substituição do Grupo, por referência ao período de tributação de 2015, cuja cópia se junta como Documento n.º 3), na qual foi apurado um resultado fiscal consolidado negativo no montante de Euro 74.742.019,81, não se verificando qualquer alteração ao nível do montante de tributações autónomas (i.e., Euro 437.245,64).
e) No âmbito da última DM22 submetida, a ora Requerente dispunha, em sede de benefícios fiscais, de um montante total de Euro 2.606.981,65 relativos à aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), dos quais transitam para os períodos seguintes Euro 2.445.097,97, após a dedução do período (Euro 161.883,68).
f) A Requerente não efectuou dedução de qualquer montante do RFAI à colecta derivada de tributações autónomas.
g) A Requerente considera que se verificou um erro no apuramento de tributações autónomas a suportar, que distorceu, de forma materialmente significativa, o imposto a reembolsar ao Grupo - motivo pelo qual apresentou, no dia 30 de maio de 2018, a competente Reclamação Graciosa junto do Serviço de Finanças Lisboa-... (cfr. Documento n.º 5).
h) A referida reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 31-07-2018 proferido pelo Senhor Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de Subdelegação de competências (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
O referido despacho manifesta concordância com uma informação cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
l - DESCRIÇÃO SUMÁRIA DAS ALEGAÇÕES DA RECLAMANTE
1 - Vem o contribuinte identificado em epígrafe apresentar uma reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC do exercício de 2014 efetuada na declaração de rendimentos mod. 22 (fls. 19 a 27 do processo).
2 - Solicita o reembolso do montante de € 125.362,41, alegando, em síntese, o seguinte:
• É ponto assente na doutrina e na jurisprudência que as tributações autónomas assumem a natureza de IRC.
• Não existindo no Código do IRC qualquer disposição que preveja termos específicos para a liquidação das tributações autónomas, ter-se-á que concluir que o seu art° 90" abrange o apuramento do montante de coleta que resulta das taxas aplicáveis aos factos tributários que, por força do art° 88° do mesmo Código, se encontram sujeitos a tributação autónoma, tanto mais que este tributo assume a natureza do IRC.
• A DSIRC, tendo em consideração o seu entendimento quanto à natureza das tributações autónomas (junta documento a fls. 29 a 36), admite a possibilidade de serem deduzidos ao seu valor, quer os créditos fiscais de SIFIDE aprovados no próprio período de tributação, quer aqueles que respeitam a períodos anteriores e que se encontrem ainda disponíveis para dedução.
• Uma vez que a reclamante apurou uma coleta de tributação autónoma no montante de € 125.362,41, à luz daquele entendimento, poderia ter deduzido, até à sua concorrência, o valor de benefícios fiscais - no caso, o SIFIDE - ainda disponível. O valor do SIFIDE que se encontrava disponível para dedução no período de 2014, e que não foi deduzido por alegada insuficiência de coleta, ascendia a € 4.603.239,40.
• A título subsidiário, se a AT entender não ser possível efetuar a dedução do crédito fiscal de SIFIDE ao montante das tributações autónomas, argumentando que a sua liquidação não tem enquadramento no art° 90° do CIRC, então a reclamante considera que aquelas tributações autónomas não se mostrariam devidas por inexistência de norma de liquidação, pelo que solicita o reembolso do respetivo montante.
3 - Solicita ainda juros indemnizatórios, ao abrigo do art° 43° da LGT, sobre o montante pago indevidamente.
II - ANÁLISE DO PEDIDO
1 - A reclamante tem legitimidade (art° 9° do Código de Procedimento e Processo Tributário), e o pedido é legal e foi apresentado em tempo, dentro do prazo de dois anos após a entrega da declaração, nos termos do n° 1 do art° 131° do CPPT (datas de entrega da declaração m/22, 28-05-2015, fl. 19; reclamação entregue em 29-02-2016, fl. 4).
Para efeitos do disposto no n" 3 do art° 111° do CPPT, verificou-se, por consulta ao Sistema Informático, que até à presente data não foi apresentada impugnação judicial com o objeto da reclamação em análise.
2 - A reclamante alega que o valor do benefício fiscal SIFIDE por deduzir com referência ao exercício de 2014 deve poder ser deduzido ao das tributações autónomas apuradas na declaração mod. 22 desse exercício, com base no n° 2 do art° 90° do CIRC, por as tributações autónomas revestirem a natureza do IRC e por não haver norma de liquidação além desse artº 90°.
Com efeito, as tributações autónomas a que se refere o art° 88° do CIRC têm a natureza de IRC, mas liquidado autonomamente.
Ao contrário do afirmado na reclamação, não consta na informação da DSIRC junta à mesma (fls. 29 a 36) a possibilidade de qualquer dedução ao montante das tributações autónomas.
De acordo com o disposto no n° 21, aditado ao art° 88° do CIRC pela Lei n" 7-A/2016 de 30/3 (Lei do OE para 2016): "A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.° e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado."
A esse n° 21 foi atribuída natureza interpretativa pelo art° 135° da mesma lei.
Assim, com base nessa norma legal, os benefícios fiscais não são dedutíveis ao montante das tributações autónomas.
Quanto à alegação, a título subsidiário, de ausência de base legal para a liquidação das tributações autónomas, é de referir, conforme expresso na norma acima transcrita, que a respetiva liquidação é efetuada nos termos previstos no artigo 89°, com base nos valores e taxas que resultam do disposto no art° 88°, ambos do CIRC.
3 - Dado que, conforme exposto no ponto anterior, não assiste razão à reclamante, propõe-se o indeferimento do pedido, mantendo-se a liquidação de IRC objeto de reclamação.
Acrescenta-se, ainda, que por não se verificarem in casu os pressupostos do n° 1 do art° 43° da LGT, não assiste à reclamante o direito a juros indemnizatórios.
III - AUDIÇÃO PRÉVIA
A reclamante foi notificada do projeto de decisão de indeferimento por transmissão eletrónica de dados no dia 06-09-2016, conforme consta a fls. 45 e 46 do processo, para exercer o direito de audição prévia previsto no artº 60° da Lei Geral Tributária.
Com a notificação foi enviada cópia do projeto de decisão, tendo sido respeitado o prazo de 15 dias conforme o n° 6 do art» 60° da Lei Geral Tributária.
Decorrido o referido prazo, a reclamante não exerceu o direito.
Dado o exposto, e tendo em atenção os factos e fundamentos invocados nos pontos anteriores e que reproduzem o referido projeto de decisão, propõe-se que o pedido seja decidido no mesmo sentido do indeferimento (cf. ponto 111-3 acima).
k) Em 29/10/2918, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
4.2. Factos que não se consideram provados
Não existem quaisquer factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa, não tendo os mesmos sido impugnadas pela Requerida AT
5. QUESTÃO DECIDENDA
A única questão a resolver é a de saber se o valor do benefício fiscal relativo ao RFAI pode ser deduzido às quantias devidas a título de tributações autónomas do exercício fiscal de 2015.
6. Matéria de Direito
6.1. Aplicabilidade dos artigos 89.º e 90.º do CIRC ao cálculo das tributações autónomas
6.2. Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção vigente até 31.12.2013 e na redacção posterior dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, vigente durante o ano de 2014:
Artigo 89.º
Competência para a liquidação
A liquidação do IRC é efectuada:
a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;
b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.
Artigo 90.º
Procedimento e forma de liquidação
1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;
c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação internacional;
b) A relativa a benefícios fiscais;
c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;
d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.
3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/2010)
4 - Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.
5 - As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
6 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.
7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.
8 - Relativamente aos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, ao montante apurado nos termos do n.º 1 apenas são de efectuar as deduções previstas nas alíneas a) e e) do n.º 2 (redacção vigente a partir de 01.’1.2014).
9 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 não pode resultar valor negativo (redacção vigente a partir de 01.01.2014)
10 - Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4 (anterior nº 8).
11 - Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.
6.3. Antes de prosseguirmos relembremos que os inúmeros processos que têm chegado aos tribunais, solicitando a decisão sobre a dedução à colecta, especificamente colecta da tributação autónoma, dos valores previstos no nº 2 do artigo 90ºdo CIRC, são em certa medida uma decorrência lógica das dúvidas do intérprete acerca da possibilidade legal de deduzir as próprias tributações autónomas ao IRC.
6.4. A dúvida acerca da dedutibilidade das tributações autónomas no âmbito da anterior redação do Código do IRC surgiu em consequência da margem interpretativa criada pela conjugação de duas normas: por um lado, o princípio geral de dedutibilidade de encargos comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os de natureza fiscal e parafiscal, que resultava do artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC e, por outro lado, a regra de não dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do mesmo Código, nos termos da qual não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável o IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros.
6.5. Em concreto, as dúvidas surgiram porque a norma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC (com a redação em vigor em 2010) não mencionava expressamente as tributações autónomas e porque o princípio geral em sede de IRC era e é o da dedutibilidade de encargos indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Assim, face a um princípio geral de dedutibilidade de encargos e à ausência de referência expressa às tributações autónomas, a dúvida surge sobre se o legislador quis incluí-las ou não na exceção de não dedutibilidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º.
6.6. As tributações autónomas foram introduzidas no ordenamento jurídico português através do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, que previu a tributação autónoma, à taxa de 10%, das despesas confidenciais, tendo-se posterior e progressivamente avançado para tributar autonomamente um conjunto tão distinto de realidades como despesas de representação, encargos com viaturas, indemnizações e remunerações variáveis de mebros de órgãos estatutários.
6.7. Acabou por se tornar pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC.
6.8. Veja-se, por exemplo, a conclusão do processo n.º 209/2013 – T, em que entendeu o CAAD que “(…) o regime legal das tributações autónomas em questão apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC.”, acrescentando ainda que “A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.”.
6.9. Veja-se igualmente o Acórdão do STA no processo 0146/16 datado de 09/27/2017: “ Desde logo, porque, apesar de, como deixámos dito, as tributações autónomas constituírem uma imposição tributária distinta do IRC, a verdade é que, pelo menos desde 1 de Janeiro de 2001, com a entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro – que, nos seus próprios termos, reforma a tributação do rendimento e adopta medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais, alterando, para além do mais, o CIRC –, sempre as tributações autónomas foram incluídas neste Código. Ou seja, formalmente, sempre as tributações autónomas foram tratadas no âmbito do IRC, dentro do Código que regula este imposto, sendo liquidadas simultaneamente com este.
Essa situação, por si só, poderá ter convencido o legislador da desnecessidade de consagrar expressamente na alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC as tributações autónomas (A inclusão das tributações autónomas nesse conceito de IRC, aliás, nunca foi objecto de controvérsia até que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, na esteira do mencionado voto de vencido lavrado no acórdão n.º 18/2011 do Tribunal Constitucional, veio salientar a natureza distinta das tributações autónomas relativamente ao IRS.).
Tanto mais que, a nosso ver, a teleologia das tributações autónomas impõe a recusa da dedutibilidade dos encargos fiscais suportados com as mesmas. Essa recusa é evidente relativamente àquelas despesas que não são, elas mesmas, dedutíveis para efeitos de determinação da matéria tributável, como é o caso das despesas não documentadas e quanto às importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal privilegiado. Mas também nos casos – como o de que ora nos ocupamos – em que as tributações incidem sobre encargos fiscalmente dedutíveis, mal se compreenderia que a intenção do legislador, que é a de atenuar ou mesmo anular o efeito financeiro decorrente da dedução, fosse depois contrariada pela dedução dos encargos com essas tributações. Se a tributação autónoma serve, nestes casos, para fazer face à dificuldade de controlo rigoroso de despesas da carácter empresarial e de carácter pessoal, desincentivando a realização das mesmas, e para compensar a perda de receita fiscal decorrente dessa realização, constituindo, ao final, uma redução do montante dos custos dedutíveis na determinação da matéria tributável, não faria sentido que, depois, fosse permitir a dedução dos encargos com a tributação autónoma”.
6.10. Este foi igualmente o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, que sustentou recorrentemente que “as tributações autónomas não consubstanciam, ontologicamente, um tipo de imposto distinto do IRC, como, por exemplo, é a derrama”, com as quais “as características que as tornam um imposto distinto e especial em relação ao IRC”, pelo que “as tributações autónomas não são nem nunca foram um imposto especial autónomo”, e que “numa perspectiva teleológica, sistemática e funcional, (…) as tributações autónomas hão-de considerar-se um adicional do IRC”, assentando a AT tais conclusões no entendimento de que a finalidade das tributações autónomas “é indubitavelmente acessória da tributação do rendimento”, não sendo “correcto afirmar que a tributação autónoma se alheia, quer da função e natureza do IRC, quer mesmo do apuramento do lucro tributável.”, posição citada no Processo do CAAD n.º 411/2016-T, de 26/06/2017.
6.11. De resto, para além da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.
6.12. Seguindo aqui a posição expressa em diversos acórdãos do CAAD, nomeadamente nos processos nº 59/2017-T e 221/2018-T:
6.13. O artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).
6.14. Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.
6.15. Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.
6.16. Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.
6.17. No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).
6.18. Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ( )
6.19. De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária a autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente. ( )
6.20. Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».
6.21. Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independentemente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».
6.22. Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.
6.23. Conforme referido supra quer a AT, quer os tribunais arbitrais em dezenas de decisões arbitrais que deram razão à AT, entendem que a coleta da tributação autónoma em IRC é IRC, inclusive nos propósitos ou função que aquela serve (combate, através de tributação compensatória, a despesas e encargos de duvidosa empresarialidade, pelo menos na sua totalidade, mas não obstante deduzidas/os pelas empresas no apuramento do seu lucro tributável em IRC).
6.24. Esta conclusão é também uma exigência do princípio da coerência e da interpretação sistemática: não se pode simultaneamente concluir (sem lei que, previamente, crie a dissonância) que quando o Código do IRC se refere à coleta do IRC no seu artigo 45.º, n.º 1, alínea a) (na redação e numeração em vigor até 2013), aí se inclui, sem necessidade de nomeação própria, a coleta da tributação autónoma em IRC (e assim concluiu avassaladora jurisprudência tributária, a pedido da AT e nuns artigos mais à frente (artigo 90.º, n.º 2, do Código do IRC) concluir, em oposição, que a coleta do IRC não abrange a coleta da tributação autónoma em IRC.
6.25. Veja-se em reforço o disposto no Acórdão no processo nº 223/2018-T que acompanhamos: “Não existe no CIRC outro artigo, para além do artigo 90.º, que distinga o processo de liquidação das tributações autónomas do restante IRC. E, nestes termos, a liquidação de ambos - tributações autónomas e restante IRC - é única e tem o mesmo suporte legal. As tributações autónomas não resultam de um processo distinto de liquidação do imposto. Entendido que é serem as tributações autónomas (parte do) IRC, compreende-se que seja única a liquidação de IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas. Há uma liquidação de IRC única que comporta duas partes: a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC, cada uma com matéria coletável determinada de modo próprio e com taxas de tributação próprias, mas ambas liquidadas nos termos do artigo 90.º do CIRC. Havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da coleta que provém das tributações autónomas é parte integrante da coleta de IRC. Ao contrário, não se encontra em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. Aceitar que não se inclui a coleta das tributações autónomas no artigo 90.º do CIRC, seria aceitar que existe uma lacuna na lei e, sendo esta uma lei fiscal, não permite a integração. E assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira terá porventura errado, ao não permitir a dedução dos montantes relativos ao PEC que a Requerente tinha o direito de deduzir à coleta. Aceitar que a liquidação das tributações autónomas está fora do artigo 90.º n.º 1 do CIRC e, portanto, afastar da sua coleta a dedutibilidade do PEC prevista na alínea c) do n.º 2, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação se não faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do artigo 103.º da CRP e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral Tributária, no seu artigo 8º, n.º 2, alínea a), estabelece. Se a Autoridade Tributária e Aduaneira assumiu que a coleta das tributações autónomas se calculou fora do artigo 90.º do CIRC, deveria indicar a norma com base em que fez a liquidação. Não havendo norma sobre liquidação das tributações autónomas separada, parece ter de aceitar-se que a coleta de IRC a engloba, incluindo-se no artigo 90º, n.º 1 do CIRC, sendo, portanto, dedutível o pagamento especial por conta referido na alínea c) do n.º 2.Note-se, aliás, que nos números seguintes daquele artigo 90.º o legislador se preocupou em enunciar várias exceções e limites à regras da dedutibilidade do número 2. No número 4, quando prevê que “apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC”, o é revelador: compreende-se que assim, seja, porque é na coleta de IRC que se pretende deduzi-las, ou, no número 7, quando prescreve que das deduções à coleta a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar, de uma forma geral e sem distinguir a coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma, valor negativo. Em nenhuma delas - e seria este, indubitavelmente, o local certo – e em nenhuma outra norma se refere a qualquer limitação à dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à parte da coleta de IRC que resulta das tributações autónomas, sendo, portanto, forçoso concluir que não quis fazê-lo. Note-se, aliás, que, embora alterado o artigo 90.º com a Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC, o que aqui se disse não só perdura como, de um ponto de vista interpretativo, sai até reforçado, porquanto o legislador aditou algumas limitações e exceções às deduções à coleta previstas no número 2 e voltou a não se referir à parte da coleta que resulta da aplicação das taxas de tributação autónoma. Verifica-se, porém, que o sistema informático não permite a dedução dos PEC à parte da coleta de IRC proveniente das tributações autónomas. O facto de as formas da determinação da matéria coletável e de as taxas das tributações autónomas de IRC serem estabelecidas separadamente e serem diferentes das do restante IRC não parece ser razão suficiente, nem ter suporte legal, para a solução informática existente. Considerar que a liquidação das tributações autónomas está fora da coleta que se calcula pelo artigo 90º. n.º 1 do CIRC, é aceitar que tal entendimento estaria previsto noutro preceito legal e, como este não existe, a liquidação não pode deixar de ser efetuada no âmbito do artigo 90.º do CIRC. Assim, terá de aceitar-se a dedução PEC à coleta de IRC, nela se incluindo necessariamente a parcela proveniente das tributações autónomas”.
6.26. No que toca ao RFAI importa salientar que, conforme introduzido no âmbito da legislação portuguesa pelo Orçamento Suplementar para 2009 (artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março) sendo, sucessivamente prorrogado pelos seguintes Orçamentos do Estado, e posteriormente transferido pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de junho, para o Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro (e entretanto objeto de retificações e alterações), o RFAI respeita a um benefício fiscal ao investimento em ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis, consubstanciado em deduções à coleta de IRC, isenção de Imposto do Selo e isenção ou redução de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) relativamente a imóveis adquiridos ou construídos neste âmbito.
6.27. O RFAI encontra-se previsto e regulado no Código Fiscal ao Investimento, revisto pelo Decreto-Lei nº 162/2016, de 31/10, que no seu artigo 1º nº2 dispõe o seguinte: - O regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo e o RFAI constituem regimes de auxílios com finalidade regional aprovados nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC).
6.28. O Artigo 8.º prevê os benefícios fiscais aplicáveis, da seguinte forma:
1 - Aos projetos de investimento previstos nos artigos anteriores podem ser concedidos, cumulativamente, os seguintes benefícios fiscais:
a) Crédito de imposto, determinado com base na aplicação de uma percentagem, compreendida entre 10 % e 25 % das aplicações relevantes do projeto de investimento efetivamente realizadas, a deduzir ao montante da coleta do IRC apurada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC;
b) Isenção ou redução de IMI, durante a vigência do contrato, relativamente aos prédios utilizados pelo promotor no âmbito do projeto de investimento;
c) Isenção ou redução de IMT, relativamente às aquisições de prédios incluídas no plano de investimento e realizadas durante o período de investimento;
d) Isenção de Imposto do Selo, relativamente a todos os atos ou contratos necessários à realização do projeto de investimento.
2 - A dedução prevista na alínea a) do número anterior é efetuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação em que foram realizadas as aplicações relevantes, podendo ainda essa dedução ser utilizada, nas mesmas condições, na liquidação dos períodos de tributação até ao termo da vigência do contrato referido no artigo 16.º, quando não o tenha sido integralmente efetuada naquele período de tributação.
3 - A dedução prevista na alínea a) do n.º 1 tem os seguintes limites:
a) No caso de criação de empresas, a dedução anual pode corresponder ao total da coleta apurada em cada período de tributação;
b) No caso de projetos em sociedades já existentes, a dedução máxima anual não pode exceder o maior valor entre 25 % do total do benefício fiscal concedido ou 50 % da coleta apurada em cada período de tributação.
4 - A comprovação da isenção do imposto previsto na alínea b) do n.º 1 é efetuada mediante a apresentação do contrato referido no artigo 16.º à entidade competente para a respetiva liquidação, não dependendo de qualquer outra formalidade.
5 - As isenções dos impostos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 são comprovadas mediante apresentação do contrato referido no artigo 16.º à entidade competente pela respetiva liquidação, no momento da realização do ato sobre o qual essas isenções incidem.
6- O disposto nos n.os 4 e 5 deve estar devidamente documentado e justificado no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º do Código do IRC.
6.29. Assim, apontando o teor literal do artigo 8.º do Código Fiscal ao Investimento no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas a apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.
6.30. A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica.
6.31. No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.
6.32. De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» ( ).
6.33. Como fundamento para uma interpretação restritiva poderia aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.
6.34. Mas, o desincentivo desses comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).
6.35. E, no caso dos benefícios fiscais do RFAI, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, visando assegurar o investimento em regiões e numa altura específica em que a criação de empresas e de emprego se revela crítica, sendo qualificado como um regime de auxílio com finalidade regional, autorizado pela União Europeia.
6.36. Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do RFAI à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 8.º, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.
7. Dos juros indemnizatórios:
7.1. A Requerente peticiona a anulação do acto tributário em causa, com as legais consequências - mormente pelo reembolso do imposto no valor global de Euro 437.245,64, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à taxa legal.
7.2. A propósito dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
7.3. O artigo 43º, nº 1 da Lei Geral Tributária estabelece que são devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
7.4. Sendo que este direito é reconhecido em processo arbitral, por força do artigo 24º, nº 5 do RJAT.
7.5. No caso em apreço, que a declaração de autoliquidação foi formulada pela própria Requerente e não directamente pela Autoridade Tributária, ora Requerida.
7.6. Contudo, é de ter em conta que a Requerente, na formulação da declaração em causa, se encontrou limitada pelos serviços informáticos através dos quais a declaração é formulada, serviços esses disponibilizados pela Autoridade Tributária, e em relação aos quais não pode a Requerente efectuar qualquer alteração.
7.7. Por outro lado, existiu uma reclamação prévia por via administrativa em que a Requerente explicitou já todas as suas razões, a AT poderia já ter corrigido o erro em causa, o que não fez, persistindo nos mesmos fundamentos.
7.8. Estamos, neste caso, perante negligência por parte da Autoridade Tributária, negligência essa que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.
7.9. Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, entende-se que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 437.245,64 , que serão contados desde a data do pagamento, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.
8. DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da não dedução do montante do RFAI à colecta resultante de tributações autónomas do exercício de 2015 e anular a autoliquidação, na parte respectiva, bem como a decisão da reclamação graciosa;
b) Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia de €437.245,64 e de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos definidos no ponto 7 deste acórdão.
9. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € € 437.245,64 (quatrocentos e trinta e sete mil, duzentos e quarenta e cinco Euros e sessenta e quatro cêntimos).
10. CUSTAS
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas, totalmente a cargo da Requerida, em € 7.038,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Lisboa e CAAD, 07-07-2019
O Árbitro Presidente
José Poças Falcão
Voto vencido. Julgaria improcedente o pedido pelos fundamentos defendidos, entre outros e por ser relativamente recente, no Acórdão arbitral proferido pelo Coletivo a que presidi no processo do CAAD nº 569/2018-T.
O Árbitro Vogal
(Jorge Bacelar Gouveia)
O Árbitro Vogal
(Ana Teixeira de Sousa)