Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 388/2018-T
Data da decisão: 2019-07-31  IRC  
Valor do pedido: € 254.753,11
Tema: IRC – Indedutibilidade de gastos. Créditos incobráveis e regularizações contabilísticas não devidamente documentadas. Arts. 41.º, 23.º, n.º 1 e 45.º, n.º 1, g) do CIRC.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia e Dr. Paulo Ferreira Alves (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 22 de outubro de 2018, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., S.A., pessoa coletiva número ..., com sede no ..., freguesia do ..., concelho de ..., Vila Real, da área do Serviço de Finanças de ..., adiante designada por “Requerente”, apresentou em 16 de agosto de 2018 pedido de pronúncia arbitral no âmbito do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro – Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT“ – em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, adiante referida por “AT“ ou “Requerida“.

 

A Requerente pretende a anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) emitido sob o n.º 2017..., de 3 de julho de 2017, referente ao exercício de 2013, que lhe reduziu os prejuízos fiscais para € 268.640,91, para além de um valor adicional de tributações autónomas de € 2.054,85 e juros compensatórios correspondentes de € 250,41, bem como do despacho de indeferimento, de 21 de maio de 2018, da Reclamação Graciosa deduzida contra aquele ato tributário. Em consequência, a Requerente peticiona que seja considerado o prejuízo fiscal de € 514.254,35, por oposição àquele considerado pela AT.

 

Convém, desde já, notar que a Requerente aceita a liquidação das tributações autónomas e inerentes juros compensatórios, pelo que o objeto da ação se delimita aos prejuízos fiscais corrigidos. Quanto a estes prejuízos, importa ainda ter em conta que a Requerente aceita o acréscimo à sua matéria coletável de € 10.463,05 de perdas por imparidade e de € 3.424,75, gasto para o qual não foi identificado documento de suporte, porém, não se conforma com o acréscimo derivado de créditos incobráveis e de regularizações de lapsos de lançamentos contabilísticos que quantifica em € 254.753,11 .

 

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega vícios substantivos do ato tributário, por errada interpretação e aplicação, quer do artigo 41.º do Código do IRC, na origem da desconsideração como gasto fiscal, pela AT, dos créditos incobráveis, quer, no que se refere aos movimentos devedores em contas de rendimentos, dos artigos 23.º, n.º 1, 45.º, n.º 1, alínea g) e 123.º, n.º 2, alínea a) do mesmo diploma.

 

A Requerente afirma que os Planos Extrajudiciais de Recuperação demonstram a incobrabilidade dos seus créditos, cuja extinção foi determinada nos Acordos Extrajudiciais de Recuperação. Considera que os créditos não têm de constar das listas destes Acordos Extrajudiciais de Recuperação, porque tal menção é desnecessária e não obrigatória relativamente a créditos qualificados como subordinados (artigo 47.º, n.º 4 do CIRE), como é o caso, os quais só podem ser pagos depois de integralmente liquidados os créditos bancários e os créditos comuns. Uma vez que não existem sequer condições para pagar os demais créditos (não subordinados) e, portanto, por maioria de razão os subordinados, foi decidida a extinção destes últimos.

 

Sustenta ainda que a falta de reclamação dos créditos não constitui fundamento legal para desconsiderar fiscalmente o gasto, por não estar previsto no artigo 41.º, n.º 1 do Código do IRC, e que, em muitas situações, tal reclamação se mostra desnecessária para a evidência da incobrabilidade dos créditos, como ocorre nas insolvências “com caráter limitado” [em que não existe reclamação de créditos], ou quando o plano de revitalização prevê o não pagamento dos créditos. Conclui, nesta matéria, ter apresentado os documentos comprovativos da incobrabilidade dos créditos, para efeitos fiscais.

 

No que respeita à prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, a Requerente defende que, à face do disposto no artigo 41.º, n.º 2 do Código do IRC, essa prova é livre pelo que tal condição deve ser considerada satisfeita com a celebração dos Acordos de Recuperação, que evidenciam que o devedor teve conhecimento do gasto. Acrescenta não fazer sentido a existência de uma comunicação escrita ao devedor, seja por não ser possível obter da mesma o efeito útil pretendido pelo legislador, pois não será sujeita a tributação [a variação positiva] nos termos do artigo 268.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”), no âmbito do reconhecimento do crédito incobrável que decorre de um Acordo Extrajudicial homologado pelo juiz, seja por dever entender-se que, provada a relação especial entre as entidades, como sucede na presente situação, tal equivale a prova suficiente da “existência da comunicação”. 

 

                Quanto aos gastos refletidos a débito em contas de rendimentos e não aceites pela AT por não cumprirem os requisitos do artigo 23.º do Código do IRC, no valor de € 4.878,04, a Requerente afirma serem meras anulações de movimentos credores (de transição) que, por lapso, foram contabilizados. Não estando os movimentos a crédito suportados por faturas, pois derivaram de erro, os movimentos a débito também não podem estar titulados por notas de crédito. Preconiza que estas meras regularizações de movimentos contabilísticos transitórios não têm qualquer relevância contabilística e fiscal.

 

Em 16 de agosto de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação em 1 de outubro de 2018, não se opuseram.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 22 de outubro de 2018.

 

Nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, foi a AT notificada, na mesma data, para apresentar Resposta.

 

                Em 26 de novembro de 2018, a AT apresentou a sua Resposta, acompanhada do processo administrativo (“PA”), deduzindo defesa por impugnação. Sustenta que a reclamação de créditos é um requisito para que os credores constem das listas definitivas de credores e que não tendo a Requerente reclamado esses créditos nem constando, por essa razão, daquelas listas, os Acordos Extrajudiciais não a podem vincular, e muito menos a AT. Entende não resultar do disposto no artigo 17.º-F, n.º 6 do CIRE que a decisão de homologação do plano se aplique aos credores não reconhecidos e não incluídos na Lista Definitiva de Credores, pelo que os Acordos apenas extinguem os créditos subordinados que tenham sido reclamados e que constem da lista anexa aos mesmos.

 

                Considera, de igual modo, que não foi cumprida a obrigação de comunicação prevista no artigo 41.º, n.º 2 do Código do IRC. Sublinha que não estamos perante empresas insolventes, mas que enfrentam planos de recuperação, com património e capital para pagar dívidas e, suportada na Decisão Arbitral n.º 390/2015-T, alcança solução oposta à defendida pela Requerente. Para a Requerida, a existência de relações especiais não milita em sentido diverso, pois a lei não as distingue.

 

                Quanto aos movimentos de regularização contabilística, a Requerida expressa dúvidas sobre a versão da Requerente, por considerar existir contradição entre os valores invocados por aquela, e mantém o entendimento da respetiva indedutibilidade fiscal uma vez que não foram apresentados documentos de suporte.

 

                A Requerida conclui pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido. Considera também que o requerimento de prova testemunhal deve ser indeferido por configurar um ato inútil.

 

                Por despacho de 28 de novembro de 2018, o Tribunal Arbitral dispensou a prova testemunhal, dada factualidade relevante apenas ser passível de prova documental. As partes foram notificadas e fixado prazo para alegações sucessivas e para prolação da decisão.

 

Em 14 de dezembro de 2018, a Requerente apresentou alegações e em 11 de janeiro de 2019 a Requerida contra-alegou.

 

Ambas as Partes mantiveram as posições anteriormente assumidas invocando a Requerente que reclamou os seus créditos.

 

 Por despachos de 23 de abril de 2019 e de 14 e junho de 2019, tendo em atenção a complexidade das questões suscitadas, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão arbitral, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é materialmente competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e o processo não enferma de nulidades.

 

III.           FUNDAMENTAÇÃO. MATÉRIA DE FACTO

 

A.           FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO

 

1.            Com referência ao exercício de 2013, a sociedade Requerente, A..., S.A., tinha por objeto a atividade de hotelaria e restauração e, a título complementar, atividades próprias de animação turística, enquadrando-se para efeitos de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) junto com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), doc 1.

2.            A Requerente detinha um crédito de € 208.457,77 sobre a B..., S.A. (“B...”) e um crédito de € 32.280,63 sobre a sociedade C..., S.A. (“C...”) – cf. RIT.

3.            Nesse exercício de 2013, a Requerente procedeu à anulação dos saldos em dívida acima mencionados de € 208.457,77 e € 32.280,63, relativos às sociedades B... e C..., respetivamente – cf. RIT.

4.            A referida anulação de saldos foi relevada na contabilidade (demonstração de resultados) da Requerente como gasto e, como tal, foi por esta deduzida no apuramento do lucro tributável do exercício em causa (2013) – cf. RIT.

5.            A totalidade do capital social da Requerente era detido, à data, pela sociedade B..., S.A., acionista única, a qual, por seu turno, era integralmente detida por D..., fundador do Grupo E... (“Grupo E...”) – cf.  Relatório e Contas da Requerente (doc 7 – ponto 32 divulgação de partes relacionadas) e Acordo Extrajudicial (doc 6 a, em especial considerando B), juntos com o ppa.

6.            Os únicos sócios da sociedade C... eram a B... e F..., S.A., sendo o capital social desta última integralmente detido, direta ou indiretamente, por D...– cf. Acordo Extrajudicial (doc 6 b, em especial considerando B), junto com o ppa.

7.            As sociedades devedoras cujos créditos foram anulados pela Requerente –B... e C...– passaram por um Processo Especial de Revitalização previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I do CIRE, no âmbito do qual foi celebrado, para cada uma delas, um Acordo Extrajudicial de Recuperação, ao abrigo do artigo 17.º-E do CIRE – cf. Acordos Extrajudiciais (doc 6 a e doc 6 b), juntos com o ppa.

8.            A Requerente consta da lista de credores com créditos reconhecidos no Processo Especial de Revitalização n.º .../13...TYLSB da B..., que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa – cf. doc 8 junto com o ppa.

9.            A Requerente consta da lista de credores com créditos reconhecidos no Processo Especial de Revitalização n.º .../13...TYLSB da C..., que correu termos no 4.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa – cf. doc 8 junto com o ppa.

10.          Os Acordos Extrajudiciais de Recuperação celebrados relativamente às sociedades B... e C..., consideram que:

a.            As garantias reais e os privilégios creditórios abrangem a totalidade dos ativos do Grupo – Considerandos dos Acordos Extrajudiciais – doc 6 a e doc 6 b– Q (B...) e P –C...;

b.            São créditos subordinados os que reúnam as características previstas nos artigos 48.º e 47.º, alínea b) do CIRE – Cláusula 1.1 dos Acordos Extrajudiciais – doc 6 a e doc 6 b;

c.            Com a homologação [judicial] extingue-se a totalidade dos créditos subordinados, que deixam de ser exigíveis pelos seus titulares – Cláusula 6.1 dos Acordos Extrajudiciais – doc 6 a e doc 6 b;

d.            Um dos impactos previsíveis da Homologação do Acordo é a extinção dos créditos subordinados – Cláusula 8.15 dos Acordos Extrajudiciais – doc 6 a e doc 6 b.

11.          O Acordos Extrajudiciais referentes ao Plano de Revitalização da B... e da C... foram homologados, tendo as respetivas sentenças de homologação transitado em julgado em 29 de agosto de 2013 e 24 de dezembro de 2013 – cf. RIT. 

12.          A Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo interno ao exercício de 2013, iniciado em 4 de abril de 2017 e credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI 2017..., de âmbito parcial, com o objetivo de corrigir o prejuízo fiscal declarado em IRC – cf. RIT.

13.          Nesse contexto, foi a Requerente notificada do Projeto de Conclusões para, querendo, exercer o direito de audição, o que veio a fazer, por escrito, em 29 de maio de 2017– cf. RIT. 

14.          A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária pelo ofício 2420, de 22 de junho de 2017, com as seguintes propostas de correções à matéria coletável de IRC, no exercício de 2013, para além da incidência de tributação autónoma, à taxa de 60%, resultante no valor de € 2.054,85, não contraditada na presente ação – cf. RIT:

Descrição            Valor

Prejuízo Fiscal Declarado (1)       € 528.145,15

Gastos não documentados (2)

(a) Perdas por imparidade - € 10.463,05

(b) Gasto s/documento de suporte - € 3.424,75

(c) Créditos incobráveis - € 240.738,40

€ 254.626,20

Redução de rendimentos não documentadas (3)              € 4.878,04

Prejuízo Fiscal Corrigido (1+2+3)              € 268.640,91

 

15.          Como fundamentação para as correções da matéria coletável de IRC em apreço, com relevância para a presente ação arbitral, refere o RIT o seguinte:

“[…]

III.          Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável

1.            Em 2013, o sujeito passivo declarou prejuízos fiscais, no valor de 528.145,15 €, no quadro 07, da declaração anual de rendimentos de IRC, Modelo 22.

2. No decurso da análise externa efetuada no âmbito do DI 2016..., o qual teve como âmbito a consulta, recolha de informação, destinados a confirmar a legalidade dos prejuízos fiscais declarados, foi o sujeito passivo notificado, por escrito, para apresentar os documentos de suporte das operações, abaixo referidas, que foram objeto de registo contabilístico em 2013, com vista à apreciação da materialidade efetiva das operações.

[…]

3. Em face dos esclarecimentos e documentos apresentados pelo sujeito passivo e da análise dos mesmos, verificam-se situações que não esta comprovada a materialidade das operações subjacentes aos encargos relevados na contabilidade como gastos do exercício de 2013, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, porquanto não estão suportados por documentos que suporte esses gastos.

Operações registadas a débito em contas de gastos

[…]

7.            Quanto aos encargos relevados na contabilidade como gasto na conta 685851000-OGP-PER Red Dividas associadas, no montante de 208.457,77 € e de 32.280,63 €, sob os documentos n.º ... e ..., respetivamente, ponto 2, xiii), pese embora, o sujeito passivo ter apresentado documentos do acordo extrajudicial de recuperação (cópia) relativo à sociedade B..., S.A. e à sociedade C..., S.A., e dos respetivos registos contabilísticos, não apresentou documentos subjacentes aos registos contabilísticos, tendo em vista o método de cálculo e a demonstração do risco de incobrabilidade, para efeitos de determinação das perdas por imparidades previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 35.º do Código do IRC.

[…]

9.            Para que os encargos suportados pelo sujeito passivo relevem como gastos fiscais, devem estar devidamente documentados, como resulta dos artigos 45.º, n.º 1, alínea g), 123.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código do IRC, o que não é o caso das operações identificadas nos pontos antecedentes.

10.          Perante a falta de documentos de suporte das operações objeto de registo contabilístico, as operações em causa não estão documentadas e, por conseguinte, não podem ser os respetivos gastos aceites para efeitos fiscais, nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, e 45.º, alínea g), 123.º, n.º 2, alínea a), todos do Código do IRC, pelo que vai ser objeto de correção, para efeitos de apuramento do lucro tributável, no montante de 305.459,20 €. conforme se evidencia no quadro abaixo indicado.

Conta    Referência          Data      Valor     Obs:

626119110-FSE-Rendas e Alugueres de Instalações         Doc ...   17-01-2013         16.192,60 €        Ponto 4

632700100-Gastos c/Pessoal-Trabalho n/compensado Doc ...   31-12-2013         12.452,50 €        Ponto 5

632700100-Gastos c/Pessoal-Trabalho n/compensado Doc ...   31-12-2013         22.187,90 €        Ponto 5

651110000-Ajustamentos de Dívidas a Receber Doc ...   31-12-2013          4.713,05 €          Ponto 6

651110000-Ajustamentos de Dívidas a Receber Doc ...   31-12-2013          5.750,00 €          Ponto 6

685851000-OGP-PER Red Dividas associadas      Doc ...   31-12-2013          208.457,77 €      Ponto 7

685851000-OGP-PER Red Dividas associadas      Doc ...   31-12-2013          32.280,63 €        Ponto 7

688820300-OGP-Encargos C/Garantias Bancárias             Doc ...   31-07-2013         3.424,74 €          Ponto 8

Total      305.459,20 €     

Operações registadas a débito em contas de rendimentos (redução de rendimentos)

 

11.          Relativamente aos registos contabilísticos relevados a débito em conta de rendimentos, conta 721121000-PS-Rest.Comidas, no montante de 4.878,04 € (2.439,02 € x 2), documento n.º ... e o n.º..., respetivamente, ponto 2, xvi), o sujeito passivo não apresentou os documentos que suportam os lançamentos efetuados na sua contabilidade nem esclarecimentos sobre o enquadramento das operações subjacentes aos registos em causa.

 

12.          Perante a falta de documento de suporte das operações objeto de registo contabilístico, referidas no ponto anterior, as mesmas não estão documentadas e, por conseguinte, não podem ser os respetivos encargos relevados na contabilidade como gastos (redução de rendimentos), ser aceites como gastos para efeitos fiscais nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, e 45.º, alínea g), 123.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código do IRC, pelo que vão ser objeto de correção, para efeitos de apuramento do lucro tributável.

 

13.          Face aos factos referidos nos pontos antecedentes, apresentam-se diferentes os resultados das atividades que se manifestam através da alteração dos prejuízos declarados (a reportar), deduções efetuadas, conforme se evidencia no quadro abaixo indicado.

Rúbrica Valor     Ponto Relatório

Prejuízo Fiscal Declarado (1)       528.145,15 €      1

Gastos não documentados (2)   305.459,20 €      10

Redução de rendimentos (3)      4.878,04 €          12

Prejuízo Fiscal Corrigido (1+2+3)              217.807,91 €     

 

14.          Deste modo, resulta a existência de um prejuízo fiscal, no valor de 217.807,91 €, no exercício de 2013, passível de dedução, nos termos do n.º 1 do artigo 52.º do Código do IRC.

Tributação Autónoma

[…]

 

IX.           Direito de Audição – Fundamentação.

[…]

9.            No caso dos encargos relevados na contabilidade como gastos na conta 685851000-OGP-PER Red Dividas associadas, no montante de 208.457,77 € e de 32.280,63 €, sob os documentos n.º ... e ..., respetivamente, o sujeito passivo esclareceu, nos pontos 13, 14, 15, 16 e 17 do articulado do direito de audição, resultam da anulação de saldos em dívida relativos às sociedades B..., S.A. e sociedade C..., S.A.:

i)             Resultaram de perdas contabilizadas na rubrica # 685851000;

ii)            Não foram, nem deveriam ter sido, analisadas ao abrigo do artigo 35.º n.º1 alínea a) do Código do IRC;

iii)           Só um enquadramento erróneo da situação em análise no âmbito do regime fiscal das perdas por imparidades previsto no artigo 35.º do CIRC (pela AT) determinaria a necessidade de à Expoente ser exigível demonstrar o método de cálculo da perda por imparidade e correspondente e risco de incobrabilidade da divida;

iv)           O gasto não decorre do reconhecimento de uma perda por imparidade, mas antes do reconhecimento da divida como crédito incobrável por efeitos de um acordo extrajudicial de recuperação efetuado ao abrigo do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas;

v)            Face à demonstração inequívoca do enquadramento fiscal erróneo por parte dos Serviços, e atendendo a que os gastos, enquanto créditos incobráveis, se encontram devidamente suportados pelo acordo extrajudicial que em sede própria já foram entregues aos Serviços, entende a Expoente que não poderão subsistir quaisquer duvidas quanto á dedutibilidade dos mesmos.

10.          Admitindo-se que a identificação da norma aplicável ao caso não é correta (n.º 1 do artigo 35.º do Código do IRC), tendo em conta que os créditos incobráveis, segundo o sujeito passivo, resultam «da divida como credito incobrável por efeitos de um acordo extrajudicial de recuperação efetuado ao abrigo do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas»  e registados a débito na conta 685851000 – Gastos e perdas em subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos – OGP-PER Red. Dividas associadas, o regime fiscal que lhes é aplicável, à data dos factos tributários (2013), consta do artigo 41.º do Código do IRC.

11.          Não obstante o que foi referido anteriormente, o motivo para a não-aceitação dos créditos incobráveis como gasto fiscal do exercício de 2013, é o mesmo motivo justificativo, não foram apresentados documentos comprovativos da incobrabilidade dos créditos evidenciados na contabilidade, tendo em vista o método de cálculo, uma  vez que os elementos apresentados não fazem prova da incobrabilidade fiscal dos mesmos nos termos exigidos pelo artigo 41.º do Código do IRC, e por conseguinte, se os gastos não estão devidamente documentados, os mesmos não podem ser considerados, para efeitos fiscais.

[…]

Vejamos:

12.          Da análise aos elementos facultados no âmbito da ação inspetiva, acordo extrajudicial de recuperação relativo à sociedade B..., S.A., e à sociedade C..., S.A., intentados nos termos do artigo 17.º - I do CIRE, verifica-se que:

i)             O acordo relativo à B..., S.A., cuja sentença que homologou plano de revitalização transitou em julgado em 29-08-2013 – O acordo visa à recuperação da sociedade, no quadro de reestruturação do Grupo E... (conjunto das sociedades dominadas diretamente e indiretamente por F..., S.A., incluindo a Sociedade) e do passivo deste, bem como a aquisição da Sociedade e das demais sociedades que se integram no Grupo E... pela G..., SGPS, S.A.;

ii)            O acordo relativo à C..., S.A., cuja sentença que homologou plano de revitalização transitou em julgado em 24-12-2013 – O acordo visa à recuperação da sociedade, no quadro de reestruturação do Grupo E... (conjunto das sociedades dominadas diretamente e indiretamente por F..., S.A., incluindo a Sociedade) e do passivo deste, bem como a aquisição da Sociedade e das demais sociedades que se integram no Grupo E... pela G..., SGPS, S.A.;

iii)           O sujeito passivo não consta nas listas de credores desses acordos, pelo que estes não a podem vincular nem existe evidência da reclamação dos créditos no âmbito dos acordos extra judiciais de recuperação do devedor;

iv)           Em 2014, foi registada a operação no valor de 244.334,00 €, a débito na conta 268108000-B..., em contrapartida do crédito da conta 268100200- G.... A sociedade G..., SGPS, S.A. (G...) adquiriu o controlo das sociedades integradas no Grupo E...:B..., S.A., H..., S.A., F..., S.A. e I..., S.A..

[…]

13.          De acordo com o artigo 41.º do Código do IRC (em vigor no ano 2013), «os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação desde que tal resulte de processo de insolvência e de recuperação de empresas, de processo de execução, de procedimento extrajudicial de conciliação para viabilização de empresas em situação de insolvência ou em situação económica difícil (…)», sendo que «a dedutibilidade dos créditos considerados incobráveis (…) fica ainda dependente da existência de prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, o qual deve reconhecer aquele montante como proveito para efeitos de apuramento do lucro tributável».

14.          Para que os créditos fossem diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação, para efeitos fiscais, era necessário que tal resultasse de procedimento extrajudicial de conciliação para viabilização de empresas em situação de insolvência ou em situação económica difícil, não tivesse sido admitida perda por imparidade ou, sendo-o, esta se mostrasse insuficiente e existisse prova da comunicação efetuada ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, o qual deve reconhecer aquele montante como proveito para efeitos de apuramento do lucro tributável. 

15.          Para além de o sujeito passivo não constar nas listas de credores desses acordos (facultados pelo mesmo), o mesmo não demonstrou ter cumprido o dever de comunicação prescrito no n.º 2 do artigo 41.º do Código do IRC, e por conseguinte o regime dos Créditos incobráveis previsto no artigo 41.º do Código do IRC não é aplicável a perda de imparidade em análise, pelo que não deve o valor do crédito concorrer para efeitos fiscais, devendo ser adicionado para efeitos de determinação do lucro tributável nos termos e para os efeitos no disposto nos artigos 23.º, n.º 1, e 45.º, alínea g), 123.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código do IRC.

[…]

Ponto 12, capítulo III, do projeto de relatório: Operações registadas a débito em contas de rendimentos (redução de rendimentos) – 4.878,04 €

17.          No que diz respeito às operações registadas a débito em contas de rendimentos (redução de rendimentos), ponto 11, e 12 do capítulo III, do presente relatório, o sujeito passivo esclarece, nos pontos 23 e 24 do articulado da exposição, que:

i)             «Com efeito, após análise dos vários movimentos identificados na tabela acima, conclui-se de forma clara, simples e imediata que a AT não terá considerado que esses mesmos movimentos [identificados como (i) se auto anulam com os demais movimentos constantes da mesma tabela (e refletidos contabilisticamente, conforme resulta do extrato das respetiva conta já anteriormente enviado), o que denota desde logo que os mesmos decorrem de meras regularizações / movimentos contabilísticos transitórios, sem qualquer relevância contabilística, e, neste sentido, fiscal»;

ii)            «Desta forma, demonstrado que se verifica que os movimentos questionados pela AT vêm anular (devidamente movimentos a credito que se encontravam a influenciar indevidamente o resultado contabilístico, deverá a AT considerar como aceite o gasto no valor de 4.878,04 €».

18.          Não obstante, de os movimentos em causa, registados a débito em contas de rendimentos (redução de rendimentos), se tratarem de meras regularizações / movimentos contabilísticos, com efeito neutro em termos de resultado contabilístico, em termos fiscais, não estão os mesmos apoiados em documentos justificativos para efeitos de cumprimento do disposto nos artigos 23.º, n.º 1, alínea a), e 45.º, n.º 1, alínea g), e artigo 123.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código do IRC, preceito que exige para o efeito da determinação do lucro tributável que os encargos estejam devidamente documentados.

19.          No caso das operações registadas a débito na conta 721121000-PS-Rest.Comidas, documento n.º ... e o n.º..., respetivamente, no montante de 4.878,04 € (2.439,02 € x 2), sujeito passivo, no âmbito da ação inspetiva, apresentou a fatura (emitida) n.º 200000022, de 31-12-2013, no montante de 0,00 €, para justificar as operações em causa e o «detalhe», extrato da conta onde estão evidenciados os respetivos movimentos.

Fatura n.º 200000022

Conta    Descrição            N.º Doc Data Doc.            EUR       IVA         c/IVA    Texto    Referência         Obs:

721121000          PS-Rest.Comidas             ...            29.12.2013          -2.439,02             23%       -3.000,00             VHH Minibar Comidas              1534854               (1)

721121000          PS-Rest.Comidas             ...            29.12.2013          2.439,02               23%       3.000,00               VHH Minibar Comidas              1534854               (1)

721121000          PS-Rest.Comidas             ...            29.12.2013          -2.439,02             23%       -3.000,00             VHH Minibar Comidas              1534854              

721121000          PS-Rest.Comidas             ...            29.12.2013          2.439,02               23%       3.000,00               VHH Minibar Comidas              1534854              

721121000          PS-Rest.Comidas             ...            29.12.2013          -2.439,02             23%       -3.000,00             VHH Minibar Comidas              1534854               (2)

721121000          PS-Rest.Comidas             ...            29.12.2013          2.439,02               23%       3.000,00               VHH Minibar Comidas              1534854               (2)

                                                               0,00                       0,00                                      

17.          Ainda, que se trate de anulação de créditos, correspondente à anulação da faturas inicialmente emitidas, o sujeito passivo não apresentou os documentos suporte dos lançamentos contabilísticos efetuados (1 e 2), e a fatura n.º 200000022, apresentada, tem valor nulo (+ 3.000,00 € - 3.000,00 €), a qual foi aceite para justificar o documento n.º 50025024.

18.          Se os gastos não estão devidamente documentados, os mesmos não podem ser considerados, ainda que não haja dúvidas sobre a sua efetiva verificação.

19.          A este propósito refere Saldanha Sanches, em anotação ao Acórdão do STA, Processo n.º 023768/99, de 27-10-1999, «E como esta ausência de documentação constitui uma violação da alínea a) do n.º 3 do artigo 98.º do CIRC a Administração Fiscal reage, como a lei lhe impõe que reaja, numa perspetiva formal: se o custo não está documentado, devendo estar documentado, tal custo não pode ser considerado: mesmo que não haja dúvidas sobre a sua efetiva verificação.»

20.          Em face da aceitação dos documentos comprovativos dos respetivos encargos para efeitos do disposto nos artigos 23.º, n.º 1, alínea a), e 45.º, n.º 1, alínea g), e artigo 123.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código do IRC, resulta a existência de um prejuízo fiscal, no valor de 268.640,91 €, no exercício de 2013, passível de dedução, nos termos do n.º 1 do artigo 52.º do Código do IRC, na redação à data dos factos tributários, como se evidencia no quadro abaixo indicado.

Rúbrica Valor

Prejuízo Fiscal Declarado (1)       528.145,15 €

Gastos não documentados (2)   254.626,20 €

Redução de rendimentos não documentadas (3)              4.878,04 €

Prejuízo Fiscal Corrigido (1+2+3)              268.640,91 €

21.          Nesta sequência, vamos proceder à correção da tributação autónoma inicialmente apurada, donde resulta imposto em falta de 2.054,85 € [(59.135,79 € - 55.711,04 €) x 60%].

[…]”

16.          Na sequência das referidas correções, foi emitida a liquidação adicional n.º 2017..., de 3 de julho de 2017, que fixou os prejuízos fiscais da Requerente no exercício de 2013 em € 268.640,91 e resultou num valor adicional a pagar de € 2.305,26, a título de tributação autónoma, incluindo os respetivos juros compensatórios, com data limite de pagamento de 4 de setembro de 2017 – cf. Liquidação e demonstração de acerto de contas juntos com o ppa, doc 2.  

17.          A Requerente conformou-se com as correções referidas em (2) (a) e (b) do ponto 14 supra, no valor agregado de € 13.887,80, discordando, porém, das demais, no montante de € 240.738,40 [(2) (c)] e de € 4.878,04 (3) – cf. Reclamação Graciosa junta com o ppa, doc 4.  

18.          Pelo que apresentou Reclamação Graciosa, a qual foi indeferida, em 21 de maio de 2018, por Despacho do Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de delegação de competências, que não acolheu os argumentos da Requerente – cf. doc 4 e doc 5 juntos com o ppa. 

19.          Em 16 de agosto de 2018, em discordância com as correções de prejuízos fiscais acima identificadas, a Requerente apresentou no CAAD o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

B.            FACTOS QUE SE CONSIDERAM NÃO PROVADOS

 

                Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

                Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova, e cuja veracidade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

C.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

                No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, atendendo, de igual modo, às posições assumidas pelas partes.

 

                Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de Direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, a) e e), do RJAT.

 

 

IV.          FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

A.           DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES

 

Estão em discussão nos presentes autos arbitrais duas correções à matéria tributável de IRC da Requerente. A primeira respeita à desconsideração, pela AT, dos gastos respeitantes a créditos incobráveis, por alegado incumprimento dos requisitos de dedução fiscal previstos no artigo 41.º do Código do IRC. A segunda prende-se com a não aceitação da dedução de gastos resultantes do registo contabilístico a débito em contas de rendimentos, no montante de € 4.878,04, efetuado sem apoio em documentos justificativos, por aplicação dos artigos 23.º, n.º 1, 45.º, n.º 1, alínea g) e 123.º, n.º 2, alínea a) do mesmo diploma.

 

B.            ENQUADRAMENTO – CRÉDITOS INCOBRÁVEIS

 

                Os pressupostos do reconhecimento fiscal, como gastos ou perdas, dos créditos incobráveis encontram-se regulados no artigo 41.º do Código do IRC que dispunha, na redação em vigor à data dos factos (2013), o seguinte:

“Artigo 41.º

Créditos incobráveis

1 –          Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação desde que:

a)            Tal resulte de processo de insolvência e de recuperação de empresas, de processo de execução, de procedimento extrajudicial de conciliação para viabilização de empresas em situação de insolvência ou em situação económica difícil mediado pelo IAPMEI - Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, de decisão de tribunal arbitral no âmbito de litígios emergentes da prestação de serviços públicos essenciais ou de créditos que se encontrem prescritos de acordo com o respetivo regime jurídico da prestação de serviços públicos essenciais e, neste caso, o seu valor não ultrapasse o montante de (euro) 750; e

b)           Não tenha sido admitida perda por imparidade ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente.

2 –          Sem prejuízo da manutenção da obrigação para efeitos civis, a dedutibilidade dos créditos considerados incobráveis nos termos do número anterior ou ao abrigo do disposto no artigo 36.º fica ainda dependente da existência de prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, o qual deve reconhecer aquele montante como proveito para efeitos de apuramento do lucro tributável.”

 

                Resulta deste preceito, com relevância para o caso sub iudice, que a incobrabilidade dos créditos tem, por um lado, de resultar de processo de insolvência ou de recuperação de empresas  e, por outro lado, que a dedutibilidade fiscal dos gastos ou perdas resultantes da anulação dos créditos depende de uma comunicação ao devedor de teor específico – do reconhecimento do gasto por parte do credor – para que aquele reconheça simetricamente o mesmo montante [dos créditos incobráveis] “como proveito para efeitos de apuramento do lucro tributável”.

 

                Neste âmbito, interessa atender ao regime, vigente à data, estabelecido pelo CIRE para o Processo Especial de Revitalização (“PER”), ao qual recorreram, seja a B..., seja a C..., para reestruturar os seus passivos e viabilizar a sua continuidade, no âmbito do qual os créditos que a Requerente detinha sobre estas entidades foram considerados incobráveis.

 

                De acordo com o preceituado no artigo 17.º-C do CIRE, o PER é desencadeado por declaração conjunta do devedor e de pelo menos um dos credores, com vista à negociação e aprovação de um plano de recuperação do devedor, na sequência do que é escolhido um administrador judicial que elabora uma lista provisória de créditos imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius (artigo 17.º-D do CIRE). A referida lista de créditos pode ser impugnada, mas, não o sendo, converte-se em definitiva por efeito cominatório da referida norma e, em consequência, ficam reconhecidos os respetivos créditos (n.º 4).

 

                Sem prejuízo de o PER conceder uma oportunidade para a reclamação dos créditos por parte dos credores esta reclamação não constitui requisito indispensável ou condição de reconhecimento dos créditos. À semelhança do que sucede com o processo de insolvência, o administrador judicial tem senão o dever, ao menos a faculdade de incluir na lista de créditos todos aqueles que constem da contabilidade do devedor ou que sejam por outra forma do seu conhecimento, mesmo que não especificamente reclamados pelos respetivos titulares, desde logo para que a lista melhor reflita o universo real do passivo do devedor. Deste modo, os créditos reconhecidos no processo (PER ou insolvência) não são necessariamente coincidentes com os créditos reclamados.

 

Por outro lado, cabe assinalar que é frequente que os credores comuns, dada a insuficiência patrimonial que caracteriza os devedores submetidos a processos desta natureza, perante a existência de outros créditos garantidos e privilegiados a serem pagos com preferência sobre os demais, optem por não reclamar os seus créditos (comuns), por razões de economia de meios e à luz de ponderações de custo-benefício. Com efeito, é razoável que o credor “comum”, cuja expetativa seja a de que a massa insolvente não logre sequer satisfazer os créditos graduados em primeiro lugar (garantidos e privilegiados), decida não despender recursos a deduzir uma reclamação de créditos (comuns) que à partida se revela infrutífera. 

 

A solução preconizada decorre da aplicação do artigo 129.º do CIRE, que se invoca a título subsidiário, dada a recorribilidade em geral às normas do processo de insolvência para dar resposta às questões não especificamente reguladas nos parcos artigos que disciplinam o processo de revitalização, como sufraga a doutrina – cf. neste sentido CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, 2013, pp. 140-141, 156.

 

Segundo o n.º 1 do citado artigo 129.º o administrador, após o termo do prazo das reclamações “apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou que sejam por outra forma do seu conhecimento.”

 

                Convém, de igual modo, notar que, como sustentam aqueles autores (cf. obra cit. p. 159), com suporte no disposto no artigo 17.º-F, n.º 6 do CIRE, a homologação do acordo pelo juiz é vinculativa para os credores que não hajam participado nas negociações, o que inclui também aqueles que nem sequer reclamaram os seus créditos .

 

Aliás a não reclamação dos créditos no PER não preclude sequer a possibilidade de, caso o processo haja de prosseguir para a insolvência, os credores os reclamarem posteriormente, nos termos do preceituado no artigo 17.º-G, n.º 7 do CIRE.

 

Relativamente às classes de créditos, o artigo 47.º, n.º 4 do CIRE qualifica os créditos em 3 categorias: i) garantidos ou privilegiados; ii) subordinados e iii) comuns. Os créditos subordinados são definidos como aqueles detidos por pessoas “especialmente relacionadas com o devedor”, tais como sócios, associados ou pessoas que tenham estado com a sociedade [devedora] em relação de domínio ou de grupo  (por remissão para os artigos 48.º, alínea a) e 49.º, n.º 2, ambos do CIRE). 

 

A consequência fundamental da qualificação de um crédito como subordinado é a sua graduação após todos os demais. Só após o pagamento dos restantes (primeiro os garantidos e depois os comuns) é que há lugar à satisfação dos créditos subordinados, na medida das forças remanescentes da massa insolvente. Adicionalmente, não conferem direito de voto na assembleia de credores, segundo o que estatui o artigo 73.º, n.º 3 do CIRE – cf. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, ob. cit. pp. 309-310.

 

Acresce salientar que na ausência de estatuição expressa em sentido diverso, a aprovação de um plano de insolvência importa o perdão total dos créditos subordinados, de acordo com o disposto no artigo 197.º, alínea b) do CIRE, não existindo razão para que este regime não seja aplicável ao plano de recuperação, atenta a identidade dos interesses que a norma visa tutelar de salvaguarda dos credores independentes. 

 

Por fim, sobre esta matéria, compulsa-se o artigo 268.º do CIRE, que estabelece um conjunto de benefícios relativos a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e coletivas e que determina, no seu n.º 2, que “[n]ão entram […] para a formação da matéria coletável do devedor as variações patrimoniais positivas resultantes das alterações das suas dívidas previstas em plano de insolvência, plano de pagamentos ou plano de recuperação.”

 

C.            ANÁLISE CONCRETA – CRÉDITOS INCOBRÁVEIS

               

                COMPROVAÇÃO DA INCOBRABILIDADE

 

                Os créditos considerados incobráveis pela Requerente, cuja dedução fiscal foi rejeitada pela AT com fundamento na não apresentação de documentos comprovativos da incobrabilidade, têm como devedores a B... e a C..., duas sociedades que foram alvo de um PER e inseridas, tal como a Requerente, no perímetro do grupo E... (sendo a Requerente detida integralmente pela B..., sua acionista única).

 

                Do cotejo dos artigos 47.º a 49.º do CIRE, conclui-se que tais créditos são qualificados como subordinados, atentas as relações especiais entre o credor (a Requerente) e os devedores (B... e C...), sendo todas estas entidades detidas integralmente, de forma direta ou indireta, por D..., em conformidade com a prova produzida.

 

                Resulta ainda do quadro factológico assente nos autos que a Requerente consta das Listas de credores publicadas no portal Citius para cada um dos processos (PER) que correu termos contra a B... e a C... e que os Acordos Extrajudiciais correspondentes estabeleceram um plano de recuperação destas entidades que foi aprovado e objeto de homologação judicial, tendo as respetivas sentenças transitado em julgado ainda no decurso do exercício de 2013.

 

                Nos referidos Acordos é referido expressamente, aliás em linha com o regime previsto no artigo 197.º, alínea b) do CIRE, que os créditos subordinados se extinguem na sua totalidade, deixando de ser exigíveis pelos seus titulares na sequência da homologação dos Acordos e que as garantias reais e os privilégios creditórios abrangem a totalidade dos ativos do Grupo, ou seja, que não existe património sobrante na “massa insolvente” para satisfazer os créditos comuns.

 

                Afigura-se, nestes termos, inequívoco que os créditos que a Requerente detinha sobre a B... e a C..., classificados como créditos subordinados, se extinguiram e deixaram de ser exigíveis em consequência da homologação do plano de recuperação acordado nos processos de revitalização que abrangeram aquelas sociedades, sendo, portanto, incobráveis.

 

                Os Acordos Extrajudiciais celebrados relativos aos devedores B... e C... e a sua homologação por sentença judicial transitada constituem documentação suficiente da incobrabilidade dos créditos detidos pela Requerente, não se alcançando que outra poderia ser exigível. Encontra-se, desta forma, preenchido o pressuposto  do artigo 41.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, que determina que a incobrabilidade resulte de processo de recuperação de empresas Não se pode, assim, concluir, como a AT, que “os gastos não estão devidamente documentados”.

 

                A argumentação da AT no sentido de que os créditos não foram reclamados pela Requerente e que, por essa razão, esta não consta das listas de credores dos Acordos Extrajudiciais homologados pelo que tais acordos não a poderiam vincular, não procede. Com efeito, não só tal restrição não está contida na previsão do artigo 41.º do Código do IRC, que não menciona que os créditos tenham de ser reclamados, encontrando-se desprovida de base legal, como a Requerente consta da lista de credores do PER, embora não esteja listada nos Anexos dos Acordos.

 

                De notar que a extinção da totalidade dos créditos subordinados que decorre ope legis e dos Acordos Extrajudiciais homologados implica a desnecessidade de tais créditos serem especificados nos anexos aos Acordos. Sendo extintos na íntegra, os créditos subordinados não carecem de ser listados nos Acordos, deixando pura e simplesmente, em consequência da sua homologação, de fazer parte do passivo dos devedores.

 

                Por outro lado, é irrelevante saber se os créditos foram ou não reclamados para concluir que a Requerente se encontra vinculada pelos Acordos Extrajudiciais homologados por sentença transitada em julgado. Interessa notar que a homologação dos Acordos pelo juiz é por expressa determinação legal vinculativa para os credores que não hajam participado nas negociações, nos termos do artigo 17.º-F, n.º 6 do CIRE, o que inclui também aqueles que nem sequer reclamaram os seus créditos , conforme conclui a doutrina.

 

Neste sentido, vejam-se CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, ob. cit. p. 159; ANA RITA RIBEIRO e MAGDA FERNANDES, “Direitos dos credores «não reclamantes» no âmbito do PER”, Revista Julgar, junho 2017, pp. 18-21 , e FÁTIMA REIS SILVA, “Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente”, Porto Editora, 2014, pp. 67-68. Esta última magistrada afirma que o “plano homologado vincula todos os credores, mesmo os que não tenham participado na votação – n.º 6 – e é publicada e publicitada nos termos dos art.ºs 37.º e 38.º do CIRE, novamente, com as devidas adaptações. Para os credores que não tenham intervindo – nomeadamente reclamando os seus créditos – isto implica que estão ainda assim vinculados nos exatos termos constantes do plano. Se o plano contemplar pagamentos por categorias de créditos ou credores aplicar-se-á o previsto para a categoria respetiva; se o plano apenas contemplar pagamentos individualmente considerados, os credores não contemplados não são afetados, mantendo-se nos exatos termos de exigibilidade em que já pré-existiam”.

 

Entendimento, de igual modo, perfilhado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 6 de junho de 2017, proferido no processo n.º 505/16.1T8FND.C1 cujo sumário se transcreve: “O segmento normativo do nº 6 do artº 17º-F do CIRE, na parte em que estipula que «a decisão do juiz (que homologa o PER) vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações» deve ser interpretado no sentido de que abrange todos os credores do devedor, mesmo os que não constem na lista e no plano.”

 

Relativamente à insuficiência do património dos devedores para satisfazer os créditos da Requerente, os Acordos Extrajudiciais, na quantificação realizada, concluem que o ativo daqueles é esgotado pelos créditos (da classe) garantidos e privilegiados, pelo que nem sequer existem condições para pagamento da integralidade dos créditos comuns, que vão perdoados parcialmente em conformidade com a fórmula vertida nos Acordos . Assim, é manifesta a insuficiência patrimonial justificativa da incobrabilidade dos créditos que decorre, em qualquer caso, tratando-se de créditos subordinados (como aqueles em presença), da extinção jurídica operada pela homologação dos planos de recuperação acordados. 

 

                DEVER DE COMUNICAÇÃO AOS DEVEDORES

 

                A dedutibilidade do gasto relativo a créditos incobráveis depende ainda, segundo o estatuído no artigo 41.º, n.º 2 do Código do IRC da “existência de prova da comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais, o qual deve reconhecer aquele montante como proveito para efeitos de apuramento do lucro tributável”.

 

                O Código do IRC estabelece, desta forma, como condição de dedutibilidade fiscal, que o contribuinte demonstre que comunicou ao devedor ter reconhecido os créditos incobráveis como gasto fiscal (no período em que esse reconhecimento ocorreu), para além de estabelecer, em simultâneo, que o devedor reconheça o valor correspondente como rendimento para efeitos fiscais.

 

                A Requerente começa por salientar que a lei não determina requisitos formais de prova, o que implica que a prova seja livre. Neste sentido, também se manifesta a Decisão Arbitral do processo n.º 390/2015-T, de 18 de abril de 2016, que refere que o “n.º 2 do art. 41.º limita-se a falar da prova da comunicação, mas não explicita em que consiste essa prova, nem refere quais os requisitos formais para essa prova”, prosseguindo no sentido de que, para efeitos de IRC, o “legislador fiscal não impõe, contrariamente ao previsto no Código do IVA, especiais deveres de comunicação” .

 

                Alicerçada no regime de prova livre, a Requerente defende que os Acordos Extrajudiciais de Recuperação que foram subscritos pelos devedores e que prescrevem a extinção da totalidade dos créditos subordinados, demonstram que estes tiveram conhecimento do reconhecimento do gasto por banda daquela.

 

Não se pode, porém, acompanhar tal inferência, pois, sem prejuízo do regime de prova livre, com o qual se concorda, os Acordos em causa referem-se à extinção dos créditos e não contêm qualquer menção ou informação sobre o tratamento contabilístico e fiscal que, na sequência dessa extinção, os credores (aqui, a Requerente) conferiram aos mesmos. O facto que, segundo a lei, tem que ser comunicado não é o da incobrabilidade dos créditos ou o da sua extinção, mas o consequente “reconhecimento do gasto para efeitos fiscais” e sobre este reconhecimento os mencionados Acordos nada dizem, pelo que não são idóneos à comprovação exigida pelo artigo 41.º, n.º 2 do Código do IRC, não assistindo razão à Requerente, que não fez prova, ónus que sobre si recaía, de que procedeu à comunicação que a norma em análise erigiu em condição da dedução fiscal.

 

                Adicionalmente, não se afigura que a existência de relações especiais entre o credor [a Requerente] e os seus devedores possa equivaler a uma prova suficiente da “existência da comunicação” no sentido da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 532/2017-T, e que corresponda a factos notoriamente conhecidos por todos os envolvidos. Credor e devedores são sociedades distintas e mesmo existindo entre elas uma relação de Grupo não é lícito inferir, sem mais, o conhecimento de factos relativos às outras sociedades do grupo, além de que a lei não procede a qualquer diferenciação do dever de comunicação para com entidades relacionadas.

 

                Resta aferir se, neste contexto, como defende a Requerente, a comunicação ao(s) devedor(es) não faz sentido, não devendo constituir obstáculo à dedução do gasto na situação concreta, por não ser possível obter da mesma o efeito útil pretendido pelo legislador, que é o do reconhecimento do proveito fiscal na esfera daquele(s), uma vez que o artigo 268.º, n.º 2 do CIRE determina que as variações patrimoniais positivas resultantes das alterações das dívidas previstas em plano de recuperação não entram para a formação da matéria coletável do devedor, para efeitos de imposto sobre o rendimento.

 

                Independentemente de um dos objetivos visados pela norma (referimo-nos ainda ao artigo 41.º, n.º 2 do Código do IRC) ser o acréscimo pelo devedor à sua matéria coletável do valor dos créditos incobráveis, entendemos que a condição legal não deixa de vigorar unicamente por ser, no caso concreto, inaplicável a sujeição a tributação desse devedor. Desde logo, a pretendida ligação de inevitável simetria (sine qua non entre o reconhecimento do gasto e do proveito) não resulta do texto legal que trata em segmentos distintos, por um lado, a prova da comunicação do reconhecimento do gasto pelo credor ao devedor e, por outro lado, o reconhecimento, por parte deste, do proveito, não estabelecendo o segundo como condição de vigência ou de aplicação da primeira.

 

Acresce que o objetivo “útil” de tributação implícita na esfera do devedor, invocado pela Requerente é contingente (i.e., não é de verificação necessária), pois, atendendo à natureza dos devedores (nomeadamente no caso dos insolventes), não se afigura expectável que a tributação e o desiderato de receita fiscal sejam, na maioria dos casos, concretizável/ada, circunstância a que o legislador fiscal não terá sido alheio.

 

Assim, à semelhança do decidido no processo arbitral n.º 390/2015, conclui-se que assiste razão à AT ao exigir o cumprimento do dever de comunicação prescrito no artigo 41.º, n.º 2 do Código do IRC à situação dos autos e, consequentemente, a não comprovação de ter sido satisfeito esse dever de comunicação acarreta a não consideração do gasto no período de tributação em causa.

 

No mesmo sentido, para efeitos de IVA, vejam-se as pronúncias do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) nos processos n.º 0288/14, de 25 de junho de 2015, e n.º 0939/12.0BEBRG, de 5 de junho de 2019.

 

O referido dever de comunicação resulta direta e imediatamente da lei que comina como consequência do seu incumprimento a não dedutibilidade dos gastos para efeitos de IRC, pelo que improcede a pretensão da Requerente de anulação do ato tributário na parte em que este acresceu ao lucro tributável daquela os valores de créditos incobráveis da B...– € 208 457,77 – e da C...  – € 32 280,63.

 

D.           ENQUADRAMENTO GERAL – REDUÇÃO DE RENDIMENTOS

 

                A segunda correção a ser apreciada respeita à não aceitação da redução de proveitos, por via do registo a débito em contas de rendimentos, decorrente da retificação de movimentos contabilísticos que, segundo a Requerente, se deveram a mero lapso. Para este efeito, a AT invoca o disposto nos artigos 23.º, n.º 1, 45.º, n.º 1, alínea g) e 123.º, n.º 2, alínea a) do Código do IRC, que infra se transcrevem, concluindo que a Requerente não apresentou documentos justificativos dos lançamentos:

“Artigo 23.º

Gastos

1 –          Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente […]”

 

“Artigo 45.º

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

 1 –        Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

[…]

                g) Os encargos não devidamente documentados; […]”

 

“Artigo 123.º

Obrigações contabilísticas das empresas

[…]

2 –          Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte:

                a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário; […]”

 

E.            ANÁLISE CONCRETA – REDUÇÃO DE RENDIMENTOS

 

                A Requerente contesta a correção pela AT da dedução de gastos que resultam de movimentos contabilísticos que se limitaram a corrigir lançamentos indevidos de rendimentos, por lapso de duplicação de registos. O erro derivou da contabilização de uma fatura n.º 200000022, com valor nulo (+ € 3.000,00 – € 3.000,00) que gerou 3 movimentos contabilísticos a crédito (transitórios) e a subsequente anulação, ou melhor dito, correção, através de 3 movimentos contabilísticos a débito (no total de 6 movimentos), todos, exatamente, na mesma importância, de € 2.439,02, com o mesmo descritivo e a mesma data.

 

A AT aceitou a fatura com valor nulo como suporte de 1 movimento a débito em anulação de 1 movimento a crédito, não considerando, no entanto, justificada a retificação a débito dos outros 2 movimentos a crédito gerados pelo erro de duplicação de registos, exatamente do mesmo valor, data e descritivo, por falta de documento justificativo. Considera a este propósito que, se os gastos não estão devidamente documentados, os mesmos não podem ser considerados, ainda que não haja dúvidas sobre a sua efetiva verificação.

 

A Requerida na sua resposta começa por assinalar a diferença de valores entre a fatura de valor “nulo”, que anula € 3.000,00, e os movimentos gerados na conta de rendimentos, de € 2.439,02, pondo, por essa razão, em causa a justificação da Requerente.

 

No entanto, a referida diferença deriva de erro de raciocínio da Requerida, pois o valor de € 3.000,00 inclui IVA, que não é contabilizado em contas de rendimentos (#7211), mas em contas distintas, de IVA liquidado (#2433), que não estão aqui em causa, sendo o desdobramento daquele valor de € 3.000,00 correspondente precisamente a € 2.439,02 (de base tributável de IVA a considerar como rendimento) e € 560,98 (de IVA), como aliás se constata da leitura da tabela que consta do RIT.

 

Assim, ao contrário do que a Requerida conclui na sua Resposta os valores são exatamente iguais aos mencionados pela Requerente quanto à fatura que suporta a primeira anulação, com o mesmo descritivo e com a mesma data, não se identificando qualquer inconsistência na posição sustentada pela Requerente, pois multiplicando-se o valor de rendimentos duplicado (€ 2.439,02 x 2) obtém-se precisamente o valor da correção em causa € 4.878,04. 

 

                Atentas as características dos movimentos contabilísticos referidos que constam de tabela reproduzida no RIT e cujo padrão – do mesmo valor, data e descritivo – com o movimento a crédito seguido, por 3 vezes, de um movimento a débito, de anulação do primeiro, afigura-se que a explicação dada pela Requerente não só é plausível, como convincente e manifesta. Sendo os movimentos em causa provenientes de erro (de duplicação) nos lançamentos contabilísticos, não lhes subjazem documentos de suporte, como afirmado pela Requerente, pelo que não é devida a emissão de notas de crédito para a sua anulação.

               

Estamos, desta forma, perante lançamentos e retificações contabilísticas internas que não representam operações – ativas ou passivas – realizadas pela Requerente e que, no caso dos movimentos a débito, se limitam a corrigir os erros de duplicação evidenciados nos registos contabilísticos (movimentos a crédito) e que, em consequência, não devem revestir consequências fiscais.

 

                Com efeito, configuradas como movimentos retificativos, i.e., meras regularizações de movimentos contabilísticos transitórios, sem contrapartes externas, as reduções de rendimentos em causa não configuram gastos incorridos que sejam enquadráveis como encargos não documentados previstos no artigo 45.º, n.º 1, alínea g) do Código do IRC, desde logo, por não corresponderem a efetivos encargos ou gastos incorridos pela Requerente, estando fora da hipótese normativa do artigo 23.º, n.º 1 do mesmo diploma.

 

F.            CONCLUSÃO

 

                À face do exposto, o ato tributário de liquidação supra identificado, referente a IRC do exercício de 2013, na parte impugnada, relativa à não aceitação da dedução de gastos respeitantes a créditos incobráveis (no valor de € 240.738,40) e de gastos resultantes do registo contabilístico a débito em contas de rendimentos (no montante de € 4.878,04) é anulável relativamente a este último segmento, por vício material de erro nos pressupostos, tendo sido indevidamente corrigida à matéria coletável da Requerente no valor de € 4.878,04, em conformidade com o disposto no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), com correspondência no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

                No mais, tal ato mantém-se válido, improcedendo a pretensão da Requerente quanto à correção realizada pela AT no valor de € 240.738,40, referente aos créditos incobráveis da B... e da C... .

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.

 

V.           DECISÃO

 

Em face de tudo quanto antecede, decide-se:

 

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, proceder à anulação parcial do ato tributário impugnado, relativo ao exercício de 2013, na medida em que corrige (por acréscimo) a matéria coletável da Requerente em € 4.878,04, implicando a anulação parcial da decisão da Reclamação Graciosa que nessa parte o confirmou;

b)           Julgar a ação improcedente na parte remanescente.

 

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 254.753,11, indicado pela Requerente e não contestado, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

 

VII.         CUSTAS

 

Custas no montante de € 4.896,00, nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, a repartir na proporção do decaimento, sendo € 4.798,08 a cargo da Requerente e € 97,92 a cargo da Requerida, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

                Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de julho de 2019

 

 

Os Árbitros

 

Alexandra Coelho Martins

Jorge Bacelar Gouveia

Paulo Ferreira Alves