DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A..., S.A., contribuinte..., com sede no ..., ..., ..., apresentou em 12/11/2018, pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, no qual solicita a apreciação da legalidade do indeferimento da reclamação graciosa e, em termos finais, da liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.º 2017... e o reembolso do montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, porquanto aplica uma norma que padece de inconstitucionalidade material – artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).
O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 03/01/2019 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.
No dia 23/01/2019 ficou constituído o tribunal arbitral.
Cumprindo a estatuição do artigo 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) foi a Requerida em 28/01/2019 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e juntar o Processo Administrativo (PA) aos autos.
Em 22/02/2019 a Requerida apresentou a sua resposta na qual sustenta que a liquidação em crise deve ser mantida na ordem jurídica, não reconhecendo o erro nos pressupostos de direito.
O tribunal em 08/03/2019 decidiu dispensar a realização da reunião a que o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, visto que as suas finalidades se encontravam esgotadas, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. artigo 16.º, al. c) do RJAT, concedeu prazo de oito dias para que as partes, querendo, apresentassem alegações finais escritas sucessivas e agendou como data limite para proferir a decisão arbitral o dia 23/07/2019.
As partes não apresentaram alegações finais escritas.
POSIÇÃO DAS PARTES
A Requerente apresenta o pedido de pronúncia arbitral, pois, no seu juízo, o artigo. 135.º-B, n.º 2 do CIMI, que alicerçou a liquidação de AIMI em crise, deve ser desaplicado pelo Tribunal, porquanto viola os princípios constitucionais da igualdade, na sua vertente de capacidade contributiva, bem como da proporcionalidade. Isto é, a liquidação padece de erro sobre os pressupostos de direito, pois aplica uma norma inconstitucional.
Começa por observar e que o AIMI incide objetivamente sobre os imóveis com afetação habitacional, bem como os terrenos para construção, independentemente da sua afetação, pois não constam expressamente na norma de delimitação negativa de incidência – artigo 135.º-B, n.º 2 do CIMI.
Para sustentar a patologia do ato defende, em resumo, que, se é verdade que o AIMI visa tributar a titularidade de património imobiliário reveladora de uma superior capacidade contributiva, tal não sucede em relação ao imóvel detido pela Requerente, pois, face ao seu objeto social, é essencial para obtenção de rendimentos no âmbito da sua atividade económica. Ou, dito de outro modo, na sua visão, o AIMI materializa uma discriminação negativa injustificada das empresas que comercializam terrenos para construção, circunstância que implica uma inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade.
Nesta linha ainda defende que: foi criada uma desigualdade entre as empresas que tenham decidido prosseguir uma atividade económica que pressuponha a detenção de imóveis, em relação a outras empresas cuja atividade não decorra dessa detenção. Como também, alega que, desse modo, estão criadas as condições para uma desigualdade material entre a impugnante e empresas que, detendo bens imóveis, prossigam nos mesmos uma atividade comercial, industrial ou de prestação de serviços.
Em segunda linha, defende que a configuração do facto tributário que opera a distinção entre diversas utilizações e destinações de prédios, em função da correspondente atividade económica do seu titular – nomeadamente pela consideração daqueles que se encontram sujeitos à tributação em AIMI – não se encontra justificada face à finalidade da medida fiscal adotada.
Seguidamente alega que, se é percetível a teleologia da medida fiscal – tributar o património de luxo (relevador de uma especial capacidade contributiva), por outro, existe uma diferenciação negativa, acrítica, arbitrária e aleatória, entre, por um lado, empresas que utilizam os imóveis (habitacionais) na prossecução da sua atividade e, por outro lado, empresas que afetam os imóveis a indústria, comércio ou serviços, pois o facto de a Requerente ter, no seu inventário, imóveis para construção, exploração ou venda em nada exterioriza uma distinta capacidade contributiva. Ou, dito de outro modo, há violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade.
Acrescenta que, não encontra qualquer fundamento ou justificação para defender que a progressividade global do sistema sai reforçada através da tributação de imóveis detidos por empresas de cariz imobiliário; tais sujeitos passivos são fiscalmente penalizados em relação a empresas que detenham no seu ativo fixo imóveis, de igual valor, destinados a indústria, comércio ou serviços.
Por último, atenta a finalidade prosseguida pela norma – imposto complementar ao IMI, com o intuito de tributar o património imobiliário habitacional de muito elevado valor, que visa reforçar a progressividade do sistema, a norma afigura-se violadora do princípio da proporcionalidade.
A Requerida apresenta uma defesa com os seguintes fundamentos:
i) Erro sobre os pressupostos de direito
A assimilação que a Requerente efetua entre o AIMI e a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) não tem suporte normativo, pois ainda que existam algumas semelhanças no tocante a determinados aspetos do recorte da incidência, as imposições revelam diferenças estruturais, na medida em que o Adicional foi criado em circunstâncias económico-políticas diferenciadas e visa finalidades extrafiscais próprias. Concretizando com o exemplo de que os normativos que delimitam a incidência do AIMI não fazem qualquer alusão, explícita ou implícita, a “património imobiliário de luxo”, formulação normativa que se encontra no núcleo da verba 28 da TGIS.
Acrescenta que o critério relevante para delimitar o âmbito da incidência objetiva é, somente, a tipologia de classificação dos prédios urbanos prevista no artigo 6.º, n.º 1 do CIMI, para o qual remete expressa e concretamente o artigo 135.º-B, n.º 2 do CIMI.
Quanto à violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva começa por defender que, em primeiro lugar, os órgãos e agentes administrativos não têm competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais foram suscitadas dúvidas de constitucionalidade, por força do princípio da legalidade – artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 55.º da Lei Geral Tributária (LGT).
No que tange à alegada discriminação entre contribuintes, defende que, em primeiro lugar, as escolhas inerentes à delimitação da incidência objetiva do AIMI são efetuadas dentro da margem de liberdade de conformação legislativa e o universo de prédios urbanos sujeitos ao AIMI é apurado por recurso às restantes duas tipologias constantes do n.º 1 do artigo 6.º do CIMI: prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção.
Sustenta que na delimitação da incidência real fica patente que o critério adotado pretende ser universalmente objetivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efetivo dado aos prédios.
Acrescenta igualmente que não é possível configurar a inconstitucionalidade de uma norma fiscal com base em que a mesma possui influência significativa nas decisões económicas dos contribuintes – por natureza, tal é um efeito típico das regras fiscais.
Não existe qualquer influência significativa sobre a titularidade de prédios por empresas que se dediquem à sua comercialização, dado que o AIMI não possui alcance geral, mas tem o seu âmbito de aplicação restrito aos prédios urbanos sitos em Portugal, independentemente da natureza do proprietário, usufrutuário ou superficiário.
Não será a circunstância de outros contribuintes, detentores de património imobiliário identicamente valioso, ficarem isentos do tributo que justificará uma específica censura constitucional à norma em sindicância.
Quanto aos terrenos para construção, a alegação de que os imóveis são para comercialização, e não manifestações de capacidade contributiva, constitui uma falácia, pois os imóveis, incluindo os terrenos para construção, são bens em sentido económico, porquanto a sua utilidade e escassez permite atribuir-lhes um preço de mercado.
Mais, o AIMI ignora a potencial afetação dos terrenos para construção e aplica-se indistintamente da qualidade do sujeito passivo, desde que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos abrangidos pelo artigo 135.º-B do CIMI.
Defende, neste âmbito, que não se verifica qualquer tratamento discriminatório, pois, o legislador, ao selecionar apenas os prédios urbanos classificados como “terrenos para construção” e “edifícios ou construções para fins habitacionais”, levou a que os terrenos para construção e imóveis detidos para exploração ou comercialização, com função habitacional, sejam tributados e afastados de tributação os imóveis detidos para exploração ou comercialização com função comercial, ainda que ambos sejam detidos pelos sujeitos passivos para exploração/comercialização e não fruição, justamente, porque o legislador levou em linha de conta que se trata de imóveis com caraterísticas e mercados diferenciados.
Por isso, a alegada penalização fiscal, introduzida pelo artigo 135.º-B do CIMI, das entidades que se dedicam à exploração ou comercialização de terrenos para construção ou prédios urbanos com fins habitacionais é virtual, porquanto os mercados alvo em que atuam estes agentes são diferentes daqueles em que operam as empresas imobiliárias que comercializam imóveis com fins industriais, comerciais ou serviços.
Em suma, o tratamento discriminatório a que é dado relevo encontra justificação nas diferenças existentes entre as realidades empresariais ou imobiliárias em confronto, pelo que não constitui uma lesão ao princípio da igualdade na dupla vertente de uniformidade e generalidade.
Por outro lado, pugna que os imóveis que integram os ativos das empresas que se dedicam à sua exploração/comercialização, têm valor económico, contribuem para o valor patrimonial dessas entidades e, por isso, constituem manifestações de capacidade contributiva. Refere que se é possível discordar-se das opções de política fiscal adotadas no desenho legal da incidência do AIMI, tal não habilita a considerar que a liquidação efetuada pela AT esteja ferida de inconstitucionalidade, por força dos artigos 13.º e 104.º da CRP.
Por último defende que também não há qualquer violação do princípio da proporcionalidade. Na verdade, é inquestionável que não constitui solução absolutamente desrazoável que, no contexto conjuntural de consolidação orçamental e visando uma tributação complementar para a mesma, o legislador defina um específico pressuposto económico constitucionalmente válido para alcançar o desiderato de tributação de realidades particularmente reveladoras de riqueza.
O facto de o legislador selecionar um elemento do património (incidência objetiva), sendo necessariamente consequente que os contribuintes (singulares ou coletivos – incidência subjetiva) detentores desses património sejam onerados, constitui uma legítima escolha, que determinou que a titularidade de património também revela capacidade contributiva, sendo que o critério adotado pretende ser universalmente objetivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação.
Em resumo, defende que a construção jurídica da Requerente assenta na comparação de situações sem paralelo, por isso, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade.
Deste modo, são estas as questões que o tribunal deve conhecer:
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Se o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa que, em termos finais, incide sobre a liquidação de AIMI n.º 2017 ... padece do vício de erro sobre os pressupostos de direito;
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Se a Requerente deve ser reembolsada do imposto entregue;
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Se a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) deve ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.
SANEAMENTO
O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir os pedidos, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
II – FUNDAMENTAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
1. Factos que se consideram provados
1.1. A Requerente é proprietária do prédio urbano, classificado como “terreno para construção”, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da cidade da ..., sob o artigo ... (documento junto pela Requerida na resposta, sob o n.º 1).
1.2. A Requerente desenvolve a sua atividade social no setor imobiliário (documento junto pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 1).
1.3. O prédio, em 1 de janeiro de 2017, detinha um valor patrimonial tributário de 1 586 110,00 euros (documento junto pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 3).
1.4. A Requerente foi notificada da liquidação de AIMI n.º 2017..., no montante de 6344,44 euros, relativa ao ano de 2017 e que tem por matéria tributável unicamente o valor patrimonial tributário do referido prédio (documento junto pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 3).
1.5. A Requerente procedeu em 29/09/2017 ao pagamento voluntário de 6344,44 euros (documento junto pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 4).
1.6. No dia 29/01/2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação de AIMI n.º 2017... (documento junto pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 1).
1.7. A reclamação graciosa foi expressamente indeferida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças da ..., notificada à Requerente por carta datada de 09/08/2018 (documento junto pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 1).
1.8. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 12/11/2018 (sistema informático do CAAD).
2. Factos que não se consideram provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
No que se refere aos factos provados, a convicção do tribunal fundou-se nas posições assumidas pelas partes, que foi consensual e na análise crítica da prova documental junta aos autos, cuja autenticidade não foi colocada em causa.
MATÉRIA DE DIREITO
A pretensão da Requerente consiste na desaplicação do artigo 135.º-B, n.º 2 do CIMI pois, no seu juízo, padece de inconstitucionalidade material, porquanto incide sobre imóveis detidos por empresas que prosseguem uma atividade imobiliária.
O artigo 135.º-B, n.º 2 do CIMI dispõe que: “São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código”.
Antes de mais vejamos as linhas estruturantes do AIMI. O AIMI incide objetivamente sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular, embora, caso este seja uma pessoa singular ou uma herança indivisa, há direito a uma dedução de 600 000 euros – artigo 135.º-C, n.º 2, alíneas a) e b) do CIMI.
O legislador exclui da incidência objetiva do AIMI, os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”, artigos 6.º, n.º 1, alíneas b) e d) e 135.º-B, n.º 2, ambos do CIMI.
O AIMI incide subjetivamente sobre as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietárias, usufrutuárias ou superficiárias de prédios urbanos situados em território português, a 1 de janeiro do ano que o imposto diz respeito, artigo 135.º-A do CIMI.
Quanto às taxas concretamente aplicáveis, determina o artigo 135.º-F do CIMI:
“1 - Ao valor tributável determinado nos termos do artigo 135.º-C e após aplicação das deduções aí previstas, quando existam, é aplicada a taxa de 0,4 % às pessoas coletivas e de 0,7 % às pessoas singulares e heranças indivisas.
2 - Ao valor tributável, determinado nos termos do n.º 1 do artigo 135.º-C, superior a 1 000 000 (euro) e igual ou inferior a 2 000 000 (euro), ou o dobro destes valores quando seja exercida a opção prevista no n.º 1 do artigo 135.º-D, é aplicada a taxa marginal de 1 %, quando o sujeito passivo seja uma pessoa singular.
3 - Ao valor tributável, determinado nos termos do n.º 1 do artigo 135.º-C, superior a 2 000 000 (euro), ou o dobro deste valor quando seja exercida a opção prevista no n.º 1 do artigo 135.º-D, é aplicada a taxa marginal de 1,5 %, quando o sujeito passivo seja uma pessoa singular.
4 - O valor dos prédios detidos por pessoas coletivas afetos a uso pessoal dos titulares do respetivo capital, dos membros dos órgãos sociais ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização ou dos respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes, fica sujeito à taxa de 0,7 %, sendo sujeito à taxa marginal de 1 % para a parcela do valor que exceda 1 000 000 (euro) e seja igual ou inferior a 2 000 000 (euro), e à taxa marginal de 1,5 % para a parcela que exceda 2 000 000 (euro).
5 - Para os prédios que sejam propriedade de entidades sujeitas a um regime fiscal mais favorável, a que se refere o n.º 1 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, a taxa é de 7,5 %.
6 - O disposto no número anterior não se aplica aos prédios que sejam propriedade de pessoas singulares.
7 - Os prédios referidos no n.º 4 devem ser identificados no anexo à declaração periódica de rendimentos prevista no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas”.
Impõe-se agora analisar o mérito da pretensão da Requerente: recusa da aplicação da norma pelo tribunal, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
A pretensão alicerça-se, no essencial, na circunstância de o artigo 135.º-B, n.º 2 do CIMI, ao nível da seleção do próprio facto tributário, imiscuir-se na esfera patrimonial do contribuinte, quando o seu âmbito normativo integra os sujeitos passivos que, por disposição social, se dediquem a atividades imobiliárias. Isto é, a titularidade de prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção não revela de forma isolada uma abastança económica, reveladora de capacidade contributiva.
Adianta-se, desde já, que a pretensão da Requerente está votada ao insucesso, aliás, como o Tribunal Constitucional já o reconheceu no acórdão n.º 299/2019, de 21 de maio[1], relatado pelo Conselheiro Fernando Vaz Ventura.
Antes de mais, na medida em que a Requerente mobiliza jurisprudência firmada ao abrigo da revogada verba 28 da TGIS, importa dizer que, para o tribunal, tal disposição não tem o mesmo conteúdo normativo comparativamente com o regime do AIMI.
Como também, a teleologia subjacente às medidas fiscais não é idêntica, pois o AIMI não onera a tributação de imóveis de luxo, mas pretende criar uma forma de financiamento do sistema de segurança social.
Relativamente à comparação das soluções normativas, importa dizer que, na delimitação da incidência do AIMI, aplica-se o vertido no artigo 9.º, n.º 1, al. d) e e) do CIMI, isto é, o imposto é devido apenas no quarto ano e terceiro anos seguintes, respetivamente, àquele em que um terreno para construção tenha passado a integrar o inventário de uma empresa que tenha por objeto a construção de edifícios para venda ou, com quando passe a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a sua venda[2]. Em resumo, o prédio durante esse lapso de tempo é considerado uma mercadoria para efeitos fiscais.
Em primeiro lugar, quanto à oneração fiscal do sector imobiliário, em relação a outros, no sector económico em causa, as sociedades são tratadas igualmente, estando dentro da liberdade de atuação do legislador incentivar fiscalmente determinadas atividades e onerando outras.
De igual modo, como assinala o Tribunal Constitucional[3], não se vê como a prossecução do escopo de uma sociedade que integre atividades de promoção e exploração imobiliária tenha aptidão para afastar, relativamente a todos os sujeitos cuja atividade nesse ramo implique a detenção de direitos sobre imóveis, a tributação do património de que sejam titulares.
Em bom rigor, a tributação do património à qual a CRP, também atribui uma função redistributiva, não pode, por tal via, ser compreendida como uma mera alternativa à tributação do rendimento. Ou seja, na tributação do património atender-se-á ao valor patrimonial dos bens detidos e não à situação pessoal do titular, devendo até, por força da praticabilidade serem reduzidos os fatores de pessoalização.
A este respeito, o Tribunal Constitucional observa que[4]: “Não obstante as diferenças estruturais do tributo aqui em apreço, atrás referidas, este entendimento mantém-se válido e é transponível para a apreciação da questão colocada no presente recurso. De acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma sindicada, o pressuposto económico atendido pelo legislador no AIMI é o de que persiste a força económica revelada pela detenção de direitos sobre um acervo patrimonial constituído por prédio(s) urbano(s) habitacional(is) e/ou terreno(s) para construção, manifestando, nas categorias de bens visadas pelo legislador – prédios habitacionais e terrenos para construção -, a capacidade contributiva do contribuinte, independentemente do objeto – mormente, do objeto societário - a que se dedique o sujeito, isto é, mesmo que a atividade eleita seja a exploração económica de prédios urbanos.
Ao invés do defendido pela recorrente, não existe suporte para considerar que a racionalidade subjacente à definição do novo imposto parcial sobre o património não é compaginável com o que designa de oneração do setor imobiliário e, na espécie, com a disciplina normativa dos fundos de investimento imobiliário.
E, como já se disse no Acórdão n.º 378/2018, não decorre do programa constitucional de igualização tributária através dos impostos sobre o património uma qualquer exigência de discriminação positiva das empresas, mormente das empresas do ramo imobiliário, face aos restantes contribuintes sujeitos a esse tipo de impostos”.
Na partitura argumentativa da Requerente consta que: “…a configuração do facto tributário que opera a distinção entre diversas utilizações e destinações dos prédios, em função da correspondente atividade económica do seu titular – nomeadamente pela consideração daqueles que se encontram sujeitos à tributação em AIMI – não se encontra minimamente justificada face à finalidade da medida fiscal adotada”.
Contudo, o racional da delimitação da incidência do AIMI não decorre da atividade económica exercida pelo sujeito passivo, mas, como no IMI, da afetação social do prédio urbano.
Alega ainda a Requerente que é censurável, à luz da CRP, a circunstância de o artigo 135.º-B, n.º 2 do CIMI – norma de exclusão tributária, não abranger todos os prédios urbanos, qualquer que seja a sua tipologia, por poderem ser referenciados a qualquer atividade económica.
Se é verdade que a norma que delimita negativamente a incidência exclui desta – os prédios urbanos (valor patrimonial tributário) classificados pela lei fiscal como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” – introduzindo uma desigualdade de tratamento entre sujeitos passivos, por outro, há que dizer que a relação de igualdade ínsita na norma de incidência tem um conteúdo distinto da relação de igualdade que se estabelece na norma de não incidência, v.g. nesta deve atender-se ao critério gizado pelo legislador. Como também o critério da igualdade nas normas de delimitação negativa de incidência é o de aplicação a realidades que se mostrem iguais.
Nas palavras do Tribunal Constitucional: “Estas diferenças projetam-se no parâmetro constitucional em face do qual deve ser aferida a justificação normativa. A norma de incidência, porque consubstancia uma onerosidade para o património dos contribuintes, encontra-se vinculada a repartir o encargo tributário em função da capacidade que cada um tem para pagar o tributo – princípio da capacidade tributária; já a norma de exclusão tributária, porque cria situações de favorecimento fiscal, para além da necessidade de assegurar o respeito pelo princípio da proporcionalidade, em função dos fins que se propõe atingir, deve assegurar que o critério do desagravamento fiscal se aplique a realidades que se mostrem iguais à luz desse critério – princípio da igualdade. Assim, na primeira tipologia, a relação de igualdade estabelece-se através de um juízo de comparação dos contribuintes à luz do critério da capacidade contributiva; na norma de não incidência, a relação de igualdade estabelece-se através do confronto das pessoas ou situações à luz do critério distintivo ou tertium comparationis de que o legislador se serviu por razões extrafiscais. Nesta última, considerando os efeitos de desoneração ou mitigação que a exclusão tributária provoca no património dos contribuintes, não se coloca propriamente um problema de tributação sem correspondência na capacidade contributiva do sujeito passivo; desse modo, por não eleger os factos sobre os quais incide o tributo, o problema não reside na observância do princípio da capacidade contributiva, enquanto pressuposto da tributação” e “Na redação final, os critérios assentes na atividade económica do contribuinte foram substituídos pela remissão para as espécies de prédios urbanos estabelecida no artigo 6.º do IMI, assim convocando para a esfera do AIMI os mesmos critérios e justificações em que assenta a base de incidência objetiva do IMI, ao mesmo tempo que foi afastada a solução de isenção até 600.000,00€, eliminando o elemento progressivo de base pessoal da tributação das pessoas coletivas e equiparadas.
Nessa configuração, o âmbito de incidência objetiva do imposto foi significativamente reduzido, por afastada a incidência relativamente a todos os prédios com afetação comercial e para serviços (mesmo aqueles titulados por empresas cujo objeto social seja a de compra e venda de imóveis), além da espécie «outros», sendo essa a opção do legislador para minorar o impacto do tributo no tecido empresarial e preservar a sua competitividade, mormente nos mercados internacionais (nesse sentido, JOSÉ PIRES, O Adicional ao IMI..., p. 50)”.
Por outro lado, o financiamento da Segurança Social justifica o critério de exclusão da incidência relativamente aos prédios urbanos destinados a comércio, indústria ou serviços, tipologias necessárias ao funcionamento do tecido empresarial, na justa medida em que, como descreve o Tribunal Constitucional: “à luz de uma das finalidades a que destina a nova tributação, como seja a do financiamento da Segurança Social, assegurado através da consignação de receitas do AIMI ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, previsto no n.º 2 do artigo 1.º do CIMI, na redação da Lei n.º 42/2016. Tendo o princípio da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, nos termos da respetiva Lei de Bases, o propósito de «redução dos custos não salariais da mão-de-obra» (artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), justifica-se ainda a exclusão da incidência quanto aos prédios urbanos destinados a atividades comerciais, industriais e para serviços pela consideração de que, sendo essas as tipologias mais frequentemente conexionadas com o funcionamento do tecido empresarial; de outro modo as empresas, já chamadas a suportar o financiamento da Segurança Social na qualidade de empregadores, veriam tendencialmente acrescidos (e não reduzidos como prescreve a Lei de Bases) os custos não salariais da mão de obra com a ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros do sistema trazida pela medida fiscal.
Nesta perspetiva, encontra-se fundamento razoável e bastante para que, perante património imobiliário não destinado a tais atividades, cujos titulares não estarão associados com a mesma intensidade ao financiamento da Segurança Social como empregadores, o legislador tenha privilegiado a arrecadação de receita consignada ao mesmo sistema.
E, tal como se concluiu relativamente ao propósito de promoção das estruturas económicas, também a esta luz a nova tributação satisfaz as exigências do princípio da proporcionalidade. Mostra-se adequada à finalidade visada – propicia o aumento de receitas -, é necessária – a diversificação e acréscimo das fontes de financiamento da Segurança Social é condição da sua sustentabilidade – e não se mostra desmedida, seja em função das taxas aplicáveis, designadamente às pessoas coletivas (artigo 135.º-J do CIMI), seja porque o imposto pago é dedutível à matéria tributável em IRC (artigo 135.º-J do CIMI)”.
Assim, não se verifica o vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, imputado à liquidação – aplicação de uma norma materialmente inconstitucional, v.g. artigo 135.º-B, n.º 2 do CIMI. As questões do reembolso do montante de AIMI pago e da condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios são de conhecimento prejudicado.
III – DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, absolver a Requerida dos pedidos, com as devidas consequências legais.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 6 344,44 euros, nos termos do artigo 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
CUSTAS
Custas a suportar integralmente pela Requerente, no montante de 612 euros, cfr. artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 22 de julho de 2019
O árbitro,
(Francisco Nicolau Domingos)
[1] Aresto cuja fundamentação seguiremos de perto.
[2] Declaração de voto do Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro, constante do acórdão n.º 299/2019 do Tribunal Constitucional, de 21 de maio, relatado pelo Conselheiro Fernando Vaz Ventura.
[3] Acórdão n.º 307/2019 do Tribunal Constitucional, de 29 de maio de 2019, relatado pela Conselheira Joana Fernandes Costa.
[4] Acórdão n.º 307/2019 do Tribunal Constitucional, de 29 de maio de 2019, relatado pela Conselheira Joana Fernandes Costa.