Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 556/2018-T
Data da decisão: 2019-07-22  IRS  
Valor do pedido: € 1.050,98
Tema: IRS - Dedução de despesas Categoria F. Artigo 41.º do Código do IRS. Falta de fundamentação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1. RELATÓRIO

 

1.1. A..., número de identificação fiscal..., e B..., número de identificação fiscal..., casados, com domicílio na Rua ... n.º..., ..., ...-... Lisboa, (doravante designados por “Requerentes”) apresentaram, em 09-11-2018, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

1.2. Os Requerentes pretendem a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a anulação do despacho de indeferimento parcial do recurso hierárquico com o n.º ...2015...bem como a anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2014..., referente ao ano de 2013, e o reembolso do imposto pago em excesso, acrescido dos juros indemnizatórios e de mora legalmente devidos e também a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas de arbitragem.

 

1.3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).

1.4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 12-11-2018.

1.5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

1.6. As partes foram notificados, em 03-01-2019, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

1.7. De acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 23-01-2019.

1.8. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 24-01-2019, apresentou, em 26-02-2019, a sua Resposta.

1.9. O Tribunal Arbitral por despacho, de 01-03-2019, notificou os Requerentes para indicarem os factos sobre os quais pediam a inquirição da testemunha indicada no pedido de pronúncia arbitral.

1.10. Em 11-03-2019, os Requerentes indicaram os fatos sobre os quais pretendiam inquirir a testemunha e requereram a junção de um novo documento ao processo.

1.11. O Tribunal Arbitral por despacho, de 13-03-2019, notificou a Requerida para se pronunciar, querendo, no prazo de cinco dias, sobre o documento apresentado pelo Requerente. A Requerida não se pronunciou.

 1.12. Por despacho, de 09-04-2019, o Tribunal Arbitral determinou: (i) Admitir aos autos o documento junto pelos Requerentes em 11-03-2019; (ii), designar o dia 10 de maio, às 10h30m para inquirição da testemunha indicada pelos Requerentes.

1.13. A Requerida, em 26-04-2019, solicitou ao Tribunal Arbitral a marcação de nova data para a inquirição da testemunha por dificuldades de agenda.

1.14. O Tribunal Arbitral por despacho, de 07-05-2017, marcou o dia 21 de maio às 15h como nova data para a inquirição da testemunha.

1.15. O Tribunal Arbitral, em 21-05-2019, procedeu à inquirição da testemunha C..., conforme ata que se encontra nos presentes autos arbitrais e que se dá, para todos os efeitos, como integralmente reproduzida. Na referida sessão o Tribunal: (i) notificou os Requerentes e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem as alegações escritas no prazo de 10 dias; (ii) admitiu o documento apresentado pelos Requerentes ficando a Requerida com a possibilidade de se pronunciar no prazo das alegações escritas; (iii) designou o dia 01-07-2019 como data para a prolação da decisão arbitral, data que foi posteriormente adiada, através dos despachos do Tribunal Arbitral, de 01-07-2019 e de 15-07-2019.

1.16. As alegações foram apresentadas pelos Requerentes, em 31-05-2019, e pela Requerida, em 12-06-2019.

1.17. A posição dos Requerentes, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:

1.17.1. Na notificação a AT limitou-se a fazer remissões genéricas para normas do Código do IRS, sem nunca referir em concreto a razão para considerar que tais despesas não preenchiam os requisitos de dedutibilidade previstos no artigo 41.º do Código do IRS (na redação em vigor à data dos factos), razão pela qual a liquidação deve ser anulada por vício de falta de fundamentação.

1.17.2. Apesar da AT na apreciação do recurso hierárquico elaborar um pouco mais nas referências aos documentos justificativos das despesas deduzidas, continua a referir de forma genérica que não se encontram emitidos em nome do sujeito passivo. Apenas em sede de resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral é que a AT analisa cada um dos documentos juntos e deixa de afirmar de forma genérica que os documentos não se encontram emitidos em nome do sujeito passivo.

1.17.3. Na verdade, a fundamentação subsequente ou a posteriori à emissão de atos de liquidação de tributos é absolutamente irrelevante para efeitos de aferição da legalidade destes e, nesse sentido, não poderá a mesma ser admitida em juízo. O mesmo é dizer que, não tendo a AT cuidado de fundamentar as correções que estiveram na origem do ato de liquidação, não poderia também agora pretender fundamentar o ato de liquidação.

1.17.4. Ora o vício de falta de fundamentação consubstancia um vício autónomo dos vícios meramente formais (vd., artigo 99.º, alínea c), do CPPT), e determina a anulabilidade do ato tributário de liquidação.

1.17.5. A liquidação deve também ser anulada pois as despesas em causa são fiscalmente dedutíveis nos termos declarados pelos Requerentes, cumprindo os requisitos legais para o efeito.

1.17.6. As despesas cujas faturas foram juntas como documento n.º 16 e documento n.º 18 anexo ao pedido de pronúncia arbitral dizem respeito a despesas com eletricidade, água e gás, etc, razão pela qual terão de ser consideradas como despesas de manutenção para efeitos da dedução prevista no artigo 41.º do Código do IRS.

 

1.17.7. Quanto ao facto de as faturas se encontrarem emitidas em nome do outro locatário (C...), importa referir que os Requerentes apenas consideraram na sua declaração de rendimentos 50% do valor total dos montantes pagos e referidos nas faturas, uma vez que é esse o valor que lhes é imputável em virtude de a locação ser partilhada. Este é um procedimento que é perfeitamente normal e que, aliás, não pode ser evitado quando estão em causa comproprietários.

1.17.8. Quanto às despesas relacionadas com o IMI, a AT nunca colocou em causa a elegibilidade da natureza da despesa, uma vez que o n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRS (na redação à data dos factos) previa especificamente a dedução do valor do IMI pago.

A AT não aceita, no caso concreto, a dedução do IMI, uma vez que o comprovativo do seu pagamento está apenas em nome do outro locatário. Mais uma vez, tal apenas sucede por razões de ordem prática entre os locatários.

1.18. A posição da Requerida, expressa na resposta e nas alegações, pode ser sintetizada no seguinte:

1.18.1. Relativamente à alegada falta de fundamentação, reitera-se que a jurisprudência afirma que fundamentar… “(…) Não significa uma exaustiva descrição de todas as razões que determinam a sua prática, mas implica esclarecer devidamente o seu destinatário dos motivos que estão na génese e das razões que sustentam o seu conteúdo. (...) Esse dever de fundamentação visa, assim, permitir ao destinatário do ato conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo deste, permitindo-lhe ficar a saber quais os motivos que levaram à Administração à sua prática. (...) Um ato está devidamente fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal – o bonus pater familia de que fala o artigo 487º, n.º 2 do Código Civil – fica esclarecido acerca das razões que o motivaram.” (in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 016217de 28-10-1998).

1.18.2. Ora, resulta demonstrado que o Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato tributário sobre o qual recai o presente pedido de pronúncia arbitral, tal como resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo que faz no seu excurso. Porquanto, não é possível afirmar que determinado ato se encontra infundamentado quando, no caso concreto, a motivação contextual permitiu ao seu destinatário ficar a saber as razões de facto e de direito que levaram a Requerida a tomar a decisão em causa, com aquele sentido e conteúdo.

1.18.3. Relativamente às despesas referidas nas alínea c) que os Requerentes alegam ser diversas “taxas de manutenção” – documento n.º 14- a verdade é que duma leitura simples do documento apenas se verifica que o emitente é D..., e que não são especificados quaisquer despesas de conservação ou de manutenção, mas sim a cobrança de “uma taxa pecuniária ...”, decorrente de obrigações contratuais para contribuição de um fundo comum – ... . Revelando tratar-se de uma despesa de gestão do seu património e não qualquer despesa de conservação e manutenção.

1.18.4. Não é possível extrair dos documentos apresentados a conclusão pretendida pelos Requerentes, por falta de suporte probatório compatível com a pretensão. Pelo que se impõe a conclusão que tais despesas não reúnem as condições para serem ilegíveis, por não terem cabimento no disposto nos n.ºs 1 e n.º 2 do artigo 41.º do Código do IRS, uma vez que não se consideram despesas de manutenção ou de conservação, nem encargos de conservação, fruição e outros que, nos termos da lei civil, o condomínio deve obrigatoriamente suportar.

1.18.5. No que concerne às despesas referidas na alínea d) do artigo 30.º do pedido de pronúncia arbitral, relacionadas com o documento n.º 15 – verifica-se que a mesma diz respeito a um elemento relacionado com um eletrodoméstico (comando de ar condicionado), desde logo excluída da letra da lei (artigo 41º do CIRS).

1.18.6. No que concerne às despesas referidas na alínea e) e g) do artigo 30.º do pedido de pronúncia arbitral, relacionadas com o documento n.º 16 – verifica-se que dizem respeito a tarifas relativas a água, gás e fornecimento de eletricidade. Sobre a dedutibilidade destas despesas, o CAAD decidiu no proc. 240/2017-T, que não integram os conceitos de "manutenção e conservação" e consequentemente não podem ser deduzidas aos rendimentos brutos da categoria F, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRS.

1.18.7. No que concerne à despesa com IMI (documento n.º 17) a mesma também não poderá ser aceite, uma vez que os documentos apresentados estão emitidos em nome de C... . Nos termos do artigo 8.º do Código do IRS apenas se deduz que a despesa com o IMI que incumba ao sujeito passivo, por ele seja suportado e se encontre documentalmente provada. Pelo que não está desta forma respeitado o requisito formal, isto é o documento emitido em nome dos ora Requerentes.

1.18.8. Face ao exposto verificamos que efetivamente o Requerente não apresentou prova documental que prove que ele suportou aquelas despesas que agora pretende deduzir em IRS – não estando assim respeitada a letra e o espírito da norma consagrada no artigo 41.º do Código do IRS.

1.19. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Não foram suscitadas exceções

Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

2. MATÉRIA DE FACTO

2.1. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. Os Requerentes, em 30-05-2013, entregaram a declaração de IRS – Modelo 3 -, referente ao ano e 2013, identificada sob o n.º ... (vd., Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

  1. No Anexo F da declaração de IRS – Modelo 3, identificada na alínea anterior, os Requerentes declararam, no Campo 401, rendas no montante de € 5.216,07 e despesas no montante de € 3.652,95 (vd., Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

  1. O Serviço de Finanças Lisboa ..., através do ofício n.º..., de 23-06-2014, notificou os Requerentes para a “(…) necessidade de comprovação dos montantes das despesas dos prédios arrendados” (vd., Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

  1.  O Serviço de Finanças Lisboa ..., através do ofício n.º..., de 24-07-2014, notificou os Requerentes para audição prévia por na declaração, identificada na alínea A), “(…) se constatar a existência das seguintes incorreções : Necessidade de comprovação dos montantes das despesas dos prédios arrendados” (vd., Documento n.º 3 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

  1. Os Requerentes deslocaram-se ao Serviço de Finanças de Lisboa ..., em 14-07-2014 e 06-08-2014 (vd., Documentos n.ºs 2 e 3 anexos ao pedido de pronuncia arbitral);

 

  1. O Serviço de Finanças Lisboa ..., através do ofício de 14-11-2014, notificou os Requerentes da existência de divergências de que “(…) os documentos de suporte respeitantes às despesas declaradas no anexo F, não preenchem os requisitos do art.º 41º do CIRS e não se encontram emitidos em nome do sujeito passivo” e que será elaborada declaração oficiosa e apurado o imposto que se mostre em falta (vd., Documento n.º 4 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

  1. Os Requerentes foram notificados da liquidação adicional de IRS n.º 2014..., efetuada em 21-11-2014, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 153.052,13 (vd., Documento n.º 5 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

  1.  Os Requerentes foram notificados da Demonstração do Acerto de Contas, através do documento n.º 2014..., sendo notificados para procederem ao pagamento do € 1.081,57, porque já haviam pago o montante de € 151.970,56 (vd., Documento n.º 6 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

  1. Os Requerentes pagaram a liquidação adicional de IRS, supra identificada, nos presentes autos (vd. fls. 249 do Processo Administrativo);
  2. Os Requerentes apresentaram, em 04-05-2015, reclamação graciosa contra a liquidação, identificada na alínea G), que recebeu o n.º ...2015... (vd., Documento n.º 7 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

  1. Os Requerentes foram notificados, através do ofício da Direção de Finanças de Lisboa n.º..., para exercerem o seu direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da LGT, tendo, em 05-10-2015, enviado documento a exercer esse direito (vd. fls. 251 do Processo Administrativo);

 

  1. A reclamação graciosa, identificada na alínea J), foi indeferida por despacho, de 22-10-2015, proferido pela Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo de subdelegação de competências (vd. fls. 246 e 254 do Processo Administrativo);

 

  1. Os Requerentes, em 27-11-2015, apresentaram recurso hierárquico, ao abrigo do disposto no artigo 66.º do CPPT, dirigido ao Ministro de Estado e das Finanças, que recebeu o n.º ... (vd., Documento n.º 8 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

  1. Por despacho da Chefe de Divisão do Serviço Central da Direção de Serviços de IRS proferido, em 07-08-2018, ao abrigo de subdelegação de competências, o recurso hierárquico, identificado na alínea anterior, foi parcialmente deferido (vd., Documento n.º 9 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
  2. As despesas no montante total de € 3.652,95, inscritas no Campo 401 do Anexo F da declaração de IRS – Modelo 3, identificada na alínea B), constam dos seguintes documentos de suporte:
  1. 7 faturas emitidas pela D... em nome de A... tendo na descrição – “Comissão D...t”; (vd., Documento n.º 12 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
  2. 1 fatura emitida pela D... em nome de A... tendo na descrição – “Serviço de Manutenção. Desentupir chuveiro” (vd., Documento n.º 13 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
  3. 4 faturas emitidas pela D... em nome de A... tendo na descrição –“Taxa Pecuniária – ... . Fundo Comum de Reserva ...” (vd., Documento n.º 14 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
  4. 1 fatura emitida pela D... em nome de A... tendo  na descrição –“Serviço de Manutenção. Substituição comando ar condicionado” (vd., Documento n.º 15 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
  5. 12 faturas emitidas pela G... em nome de C... tendo na descrição – “Tarifa de disponibilidade. Consumo de água. Tarifa de saneamento. Tarifa de resíduos sólidos. Taxa de recursos hídricos. Taxa de controlo de qualidade da água” (vd., Documento n.º 16 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
  6. 3 faturas emitidas em nome de C... com o valor respeitante à 1ª, 2ª e 3ª Prestações do  Imposto Municipal sobre Imóveis (vd., Documento n.º 17 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
  7. 4 faturas emitidas pela E... em nome de C... com o valor referente ao fornecimento de eletricidade do contrato n.º... (vd., Documento n.º 18 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

  1. Relativamente às despesas identificadas em iii), iv), v), vi) e vii) da alínea anterior, os Requerentes contestam o entendimento da AT de não as considerar dedutíveis ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRS (vd., n.º 17 das Alegações Escritas dos Requerentes);

 

  1. O imóvel que originou as rendas e as despesas referidas na alínea O) encontra-se identificado no Campo 401 do Anexo F da declaração de IRS – Modelo 3, Freguesia (código): ...; Tipo: U; Artigo ...; Fração/Secção AR (vd., Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

  1. O imóvel, identificado na alínea anterior foi adquirido em regime de locação financeira pelos Requerentes e por C... conforme contrato de locação financeira imobiliária n.º..., celebrado com o F..., S.A. (vd., Documento n.º 10 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

  1. Os Requerentes e C..., na qualidade de locatários sublocaram o imóvel, descrito na alínea Q), à D... S.A., conforme contrato de prestação de serviços de promoção e exploração de alojamento turístico (vd., Documento n.º 10 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

 

  1. Relativamente ao imóvel, descrito na alínea Q), C... declarou no Anexo F da declaração de IRS – Modelo 3, no Campo 401, rendas no montante de € 5.216,07 e despesas no montante de € 3.652,95 (vd., Documento n.º 19 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).

 

2.2. Factos dados como não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

2.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.

Quanto à matéria de facto dada como provada a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação da prova documental junta aos autos, cuja autenticidade não foi colocada em causa e no depoimento da testemunha C..., que aparentou isenção no seu depoimento e ter conhecimento dos factos que relatou.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental junta aos autos, e a prova testemunhal supra identificada consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

3. MATÉRIA DE DIREITO

3.1. Questões decidendas

A principal questão decidenda nos presentes autos diz respeito à possibilidade de dedução, ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRS, das despesas, identificadas em iii), iv), v), vi) e vii) da alínea O) do n.º 2.1. supra, que foram declaradas pelos Requerentes no Anexo F da sua declaração de IRS relacionados com um imóvel sublocado e gerador de rendimentos prediais (da Categoria F).

Previamente, importa analisar a alegação dos Requerentes relativa à falta de fundamentação do ato impugnado.

Por fim, os Requerentes fazem o pedido de juros indemnizatórios e de mora.

Cumpre apreciar.

 

3.2. Aplicação do direito ao caso sub judice

 

3.2.1. A primeira questão que cumpre apreciar respeita à falta de fundamentação que subjaz ao ato impugnado, que foi alegada pelos Requerentes (vd., 1.17.1 a 1.17.4. supra) e sobre a qual a Requerida se pronunciou em sentido contrário (vd., 1.18.1 e 1.18.2 supra).

3.2.2. A este respeito importa ter presente o disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).

O artigo 268.º, n.º 3, da CRP estabelece que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”. 

O artigo 77.º, n.º 1, da LGT prevê que a “(…) decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

Na anotação ao artigo 77.º da LGT, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, afirmam “Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.” (vd., Lei Geral Tributária. Anotada e Comentada, 4.ª ed., Lisboa, Encontro da Escrita Editora, 2012, pp. 675).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sustentado que “(…) o dever de fundamentação exige que um destinatário normal, colocado na posição do recorrente, face ao teor expresso do acto, possa apreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela autoridade recorrida para chegar a tal decisão, por forma a poder determinar-se, conscientemente, no sentido da impugnação ou não impugnação.” (vd., Acórdão do STA, de 11-11-1998, processo n.º 31339).

A fundamentação deve consistir numa exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão. As razões de facto e os fundamentos de direito da decisão devem ser percetíveis, claros e entendíveis para o contribuinte. O contribuinte poderá obviamente discordar do sentido da decisão da Autoridade Tributária, mas terá é de perceber cabalmente o sentido da mesma e que esta não é uma pura demonstração de arbítrio.

Importa salientar que a fundamentação manifestamente insuficiente equivale a falta de fundamentação para todos os efeitos legais.

Assim, perante um ato tributário concreto a fundamentação exigível é aquela que se revele necessária e adequada para um contribuinte normal, com um conhecimento comum e normalmente diligente, compreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela Autoridade Tributária para chegar a tal decisão (vd., Decisão Arbitral, de 29-12-2017, proferida no proc. n.º 336/2016-T).

3.2.3. No caso dos presentes autos arbitrais impõe-se verificar em que termos a Requerida fundamentou a exclusão de dedutibilidade de certas despesas declaradas pelos Requerentes no Anexo F da declaração de IRS, referente ao ano de 2013, e consequentemente determinou a liquidação adicional emitida com base nas correções efetuadas.

Da factualidade constante nos presentes autos arbitrais, verifica-se apenas que o ofício do Serviço de Finanças Lisboa..., de 14-11-2014, que notificou os Requerentes da existência de divergências, afirmou que “(…) os documentos de suporte respeitantes às despesas declaradas no anexo F, não preenchem os requisitos do art.º 41º do CIRS e não se encontram emitidos em nome do sujeito passivo” e que será elaborada declaração oficiosa e apurado o imposto que se mostre em falta (vd., alínea F) do n.º 2.1. supra). Posteriormente, os Requerentes foram notificados da liquidação adicional, efetuada em 21-11-2014, referente ao ano de 2013 e da Demonstração do Acerto de Contas (vd., alíneas G) e H) do n.º 2.1. supra).

Assim, a fundamentação apresentada pela Requerida, para excluir certas despesas declaradas pelos Requerentes no Anexo F da declaração de IRS, assenta em duas componentes.

Na primeira, a Autoridade Tributária afirma que os documentos de suporte, respeitantes às despesas declaradas no anexo F, não preenchem os requisitos do artigo 41.º do Código do IRS.

Na segunda, a Autoridade Tributária refere que os documentos de suporte, respeitantes às despesas declaradas no anexo F, não se encontram emitidos em nome do sujeito passivo.

3.2.4. A afirmação de que os documentos de suporte, respeitantes às despesas declaradas no anexo F pelos Requerentes, não preenchem os requisitos do artigo 41.º do Código do IRS, assenta apenas na indicação de uma norma legal precedida de uma conclusão desprovida de qualquer explicação, mesmo sucinta, que a suporte.

Acresce que o regime legal previsto no artigo 41.º do Código do IRS carece de esforço interpretativo. Atendendo ao disposto naquela norma a regra de dedutibilidade dos custos da categoria F está associada aos custos de manutenção e de conservação necessários para a obtenção dos rendimentos prediais tributáveis, mas que o legislador não define no Código do IRS. 

Neste aspeto a fundamentação afigura-se claramente insuficiente ao não evidenciar, mesmo que de forma sucinta, quais os requisitos legais que não estão preenchidos e conduziram à exclusão da dedutibilidade daquelas despesas.

3.2.5. A afirmação que os documentos de suporte, respeitantes às despesas declaradas no anexo F, não se encontram emitidos em nome do sujeito passivo contradiz os elementos constantes dos presentes autos arbitrais (vd., alínea O) do n.º 2.1. supra). Efetivamente, as despesas inscritas pelos Requerentes no Campo 401 do Anexo F da Declaração de IRS Modelo 3 estão suportadas num total de trinta e duas faturas, sendo que treze faturas estão emitidas em nome do sujeito passivo A..., ora Requerente nos presentes autos arbitrais. Nas restantes dezanove faturas consta o nome de um terceiro (C...). Por outro lado, verifica-se que existem despesas suportadas por faturas emitidas em nome do sujeito passivo A... que não foram consideradas pela Autoridade Tributária, por exemplo, as despesas referentes ao Fundo Comum de Reserva ... (vd., iii) da alínea O) e alínea P) do n.º 2.1. supra). Também nesta parte existe a ausência de qualquer explicação, mesmo sucinta, que suporte a afirmação da Autoridade Tributária. 

3.2.6. Assim, as duas componentes em que assenta a fundamentação do ato impugnado revelam-se insuficientes para se entender as razões de fato e de direito que conduziram à exclusão da dedutibilidade das despesas inscritas pelos Requerentes no Campo 401 do Anexo F da Declaração de IRS Modelo 3 e consequentemente determinaram a liquidação adicional e a Demonstração do Acerto de Contas.

Da análise antecedente resulta que o ato tributário, objeto do pedido pronúncia arbitral, não preenche um teor mínimo de informação que permita considerar verificados os requisitos que, a nível constitucional, legal, jurisprudencial e doutrinal, são exigidos para a fundamentação dos atos tributários.

3.2.7. A Requerida alega, para afastar o vício de falta de fundamentação, que os Requerentes entenderam perfeitamente o sentido e alcance do ato tributário, porque isso resulta do exercício argumentativo que fizeram perante o Tribunal Arbitral (vd. n.ºs 9 a 11 das alegações escritas da Requerida juntas aos autos arbitrais).

Não podemos acompanhar, salvo o devido respeito, esta posição da Requerida porque não é aceitável sob pena de se subverter todo o quadro de vinculação constitucional e legal em vigor nesta matéria que, perante insuficiências manifestas de fundamentação da exclusiva responsabilidade da Autoridade Tributária, se imponha ao contribuinte o ónus de detetar e suprir as referidas falhas de fundamentação.

A fundamentação é um requisito do próprio ato e cabe ao seu autor a obrigação de o fundamentar de fato e de direito. O contribuinte não pode ficar adstrito a substituir-se ao autor do ato na busca do sentido da fundamentação para exercer de forma mais eficaz as suas garantias de defesa. No caso de existir um deficiente cumprimento do dever de fundamentação por parte da Autoridade Tributária não compete ao contribuinte fazer suposições e tentar descortinar a fundamentação completa para esse ato. Consequentemente, o cumprimento deficiente do dever de fundamentação, a cargo da Autoridade Tributária, não pode ser convalidado pela ação do contribuinte.

3.2.8. Nestes termos, deverá ser considerada procedente a arguida preterição de formalidade, decorrente do incumprimento do dever legal de fundamentação, que nos termos do artigo 268.º da CRP e 77.º da LGT impende sobre a Autoridade Tributária. Em consequência, o ato impugnado padece do vício de falta de fundamentação, pelo que é ilegal e deve ser anulado.

Fica, deste modo, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelos Requerentes.

3.2.9. Por fim, os Requerentes fazem também o pedido de juros indemnizatórios que devem acrescer à devolução do imposto indevidamente pago. Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Sobre esta questão o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa exprimiu, em anotação ao artigo 61.º do CPPT, uma posição que merece o nosso total acordo, segundo a qual “... a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto, por estar afectado de ilegalidade. Mas o reconhecimento de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu. Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito. Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele. Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação. Por isso, pode-se considerar justificado que, nestas situações, não resultando da decisão anulatória a comprovação da existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.” (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I, 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, pp. 531 e 532).

Esta é também uma posição reiterada na jurisprudência do STA (vd., Ac. STA, de 07-09-2011, recurso n.º 0416/11, disponível em www.dgsi.pt).

No presente caso a anulação do ato de liquidação adicional resulta do vício de falta de fundamentação e não de qualquer ilegalidade, à luz das normas substantivas, que expresse o carácter indevido da prestação tributária. Assim, não pode concluir-se, de acordo com o artigo 43.º da LGT, que se encontram reunidos os requisitos para os Requerentes serem indemnizados, pelo que improcede o pedido dos Requerentes quanto aos juros indemnizatórios.

3.2.10. Os Requerentes, no pedido de pronúncia arbitral, referem também o pedido de juros de mora legalmente devidos, mas nesta fase não existe qualquer fundamento legal para condenar a Requerida no pagamento de juros de mora.

4. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade da liquidação impugnada, por vício de falta de fundamentação;

b) Declarar a anulação do despacho de indeferimento parcial do Recurso Hierárquico n.º ...2015..., bem como a anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2014..., relativa ao ano de 2013, com as devidas consequências legais;

c) Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e de mora.

 

5. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 1.050,98 (mil e cinquenta euros e noventa e oito cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

6. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 22 de julho de 2019.

 

 

 

O Árbitro

 

Olívio Mota Amador