Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 523/2018-T
Data da decisão: 2019-07-22  IRC  
Valor do pedido: € 67.617,43
Tema: IRC - Retenção na fonte - Aquisição de direitos de imagem - Convenção para Evitar a Dupla Tributação
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Mariana Vargas e Francisco Nicolau Domingos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I.         Relatório

 

A..., adiante “Requerente”, contribuinte n.º..., com sede no ...–..., ..., ..., ..., ...-... ..., doravante designada por Requerente, apresentou em 22/10/2018 pedido de constituição de Tribunal e de pronúncia arbitral, na sequência do indeferimento expresso do recurso hierárquico n.º ...2016..., apresentado sobre o despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2016..., deduzida contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.ºs 2015 ... e 2015 ... e inerentes juros compensatórios referentes aos exercícios de 2011 e de 2012, no montante global de 67 617,43 euros, por entender padecerem de vício de violação da lei por erro nos pressupostos, em virtude de não ser devida retenção na fonte em relação aos pagamentos efetuados a entidade não residente emergentes de contrato de cedência de direitos de exploração de imagem de jogador profissional de futebol.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Em conformidade com o disposto no art. 6.º, n.º 2, alínea a) e do art. 11.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01[1] (RJAT), o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes foram notificadas e não se opuseram.

 

No dia 03/01/2019 ficou constituído o Tribunal arbitral.

 

Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, em 04/01/2019 foi a Requerida notificada para, querendo, apresentar Resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

Em 06/02/2019 a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o processo administrativo (“PA”). Defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral fundada na legalidade das liquidações de IRC em discussão.

 

No dia 28/03/2019 foi realizada a reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, tendo sido produzida a prova testemunhal peticionada pela Requerente, com a inquirição das seguintes testemunhas: a) B... e b) C... . No final da audiência, as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas sucessivas, foi fixada a data para prolação da decisão arbitral em 02/07/2019 e advertida a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até essa data.

 

A Requerente optou por não alegar.

 

A Requerida apresentou as suas alegações finais escritas no dia 06/05/2019, mantendo a sua posição inicial.

 

Por despacho arbitral de 14/06/2019 foi prorrogado por dois meses o prazo de prolação da Decisão Arbitral.

 

1.         Posição da Requerente

 

A Requerente começa por invocar a inutilidade superveniente da lide, por existirem várias decisões arbitrais transitadas em julgado em ações intentadas pela Requerente (IRC, retenções na fonte e IVA), relativas à cedência dos direitos de imagem do atleta profissional D..., totalmente favoráveis à sua pretensão.

 

Em concreto, destaca o processo arbitral n.º 331/2017-T, relativo à não aceitação da dedução do IVA nos pagamentos dos direitos de imagem de jogadores da Requerente, no âmbito do qual foram “revogados” os atos de liquidação adicional de IVA na parte do imposto suportado com a aquisição dos direitos de imagem dos jogadores, com referência aos anos 2011 e 2012, precisamente os mesmos em discussão nos presentes autos. Segundo a Requerente deixou de existir objeto processual e interesse em agir pelo que naquele processo [331/2017-T] foi a própria Requerida que invocou a inutilidade superveniente da lide que o Tribunal aceitou.

 

Reconhece que apesar de estamos perante dois impostos distintos – o IVA e as Retenções na Fonte (IRC) – a questão discutida naqueloutro processo está interligada e tem repercussões em matéria de IRC, devendo ser de igual modo anuladas as liquidações ora impugnadas, estando em causa o mesmo sujeito passivo, o mesmo jogador e os mesmos períodos e, em consequência ser declarada “extinta a instância”, nos termos do art. 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, e em homenagem aos princípios da legalidade, da igualdade e da justiça previstos no art. 55.º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

Em segunda linha, defende que a AT deve obediência às decisões arbitrais transitadas em julgado. Atendendo a que a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 346/2016-T determinou a anulação das liquidações adicionais de retenção na fonte por direitos de imagem do jogador D..., também analisado nestes autos, e que no presente processo se discute a mesma e exata questão, em relação ao mesmo jogador, entidade e contrato, i.e., apresenta identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, divergindo apenas os períodos corrigidos – exercício de 2011 e períodos mensais distintos do exercício de 2012 – considera que o caso julgado formado naquele processo – formal e material (cf. arts. 619.º, n.º 1 e 581.º do CPC, por remissão do art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT) – implica a imediata anulação das liquidações ora em apreciação, sob pena de contradição ou reprodução de julgados.

 

Invoca de igual modo o efeito positivo da autoridade do caso julgado do referido processo n.º 346/2016-T, efeito este reconhecido pela jurisprudência arbitral no processo n.º 331/2017-T, por referência ao Processo Arbitral n.º 345/2016. Se assim não se entender, propugna a anulação das liquidações por violação dos princípios da legalidade, justiça, imparcialidade e proteção da confiança com suporte nos arts. 55.º da LGT e 2.º da Constituição.

 

Em terceira linha, alega erro nos pressupostos, quer quanto à apreensão dos factos, quer no tocante à aplicação do direito. Argumenta que os rendimentos empresariais das entidades não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal não são tributados em Portugal, à face do disposto no art. 4.º, n.º 2 do Código do IRC, só assim não sendo quando exista uma conexão legalmente relevante com o território português. São disso exemplo os “rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculos ou desportistas” (art. 4.º, n.º 3, alínea d) do Código do IRC). Nesta hipótese, a tributação do não residente ocorre por via da retenção na fonte a título definitivo pelo agente pagador residente em Portugal (arts. 94.º, n.º 1, alínea f) e 98.º, ambos do Código do IRC).

 

Sustenta ainda que a Convenção para eliminar a dupla tributação entre Portugal e o Brasil (doravante, Convenção ou CDT Portugal-Brasil) – país de residência do beneficiário dos rendimentos – dispõe que:os rendimentos obtidos por um residente de um Estado Contratante na qualidade de […] desportista, provenientes das suas atividades pessoais exercidas, nessa qualidade, no outro Estado Contratante, podem ser tributadas nesse outro Estado” e “[…] os rendimentos da atividade exercida pessoalmente pelos […] desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas atividades dos […] desportistas” (cf. art. 17.º, n.ºs 1 e 2 da Convenção).

 

Se assim não for, os rendimentos em causa apenas podem ser tributados no Estado de residência do beneficiário [Brasil] e nunca em Portugal, sejam aqueles qualificados como rendimentos empresariais (lucros de empresa – art. 7.º da Convenção) ou com outra classificação (art. 22.º, n.º 1 da Convenção).

 

Nesta linha advoga que os direitos de imagem constituem um bem jurídico autónomo – enquanto direito de personalidade – que os atletas podem explorar ou ceder a terceiro. Assim, a cedência dos direitos económicos e desportivos dos jogadores, quando da respetiva contratação por um Clube de Futebol, não envolve necessariamente a cedência dos direitos de imagem pessoal.

 

Além do mais, o jogador já havia cedido previamente o seu direito de imagem a uma empresa não residente, que o revendeu à Requerente.

 

Na perspetiva da Requerente, a fundamentação das correções que alicerçam as liquidações adicionais não prova que:

 

  1. os rendimentos pagos pela Requerente e obtidos pela empresa não residente foram posteriormente entregues ao jogador, total ou parcialmente, como prémio ou outra designação;
  2. essa empresa não residente tenha atuado em nome e por conta do atleta;
  3. essa empresa não residente seja uma mera interposição fictícia entre o Clube de futebol e o jogador e que
  4. a Requerente sabia, ou não pudesse ignorar, que essa empresa era uma mera fachada e que atuou em nome e por conta do atleta.

 

Por isso, defende que as aludidas conclusões são ilegais, porque não têm qualquer coerência com a incidência legal, nem com a realidade provada nos autos.

 

Considera sem suporte legal e sem aderência à realidade a posição da AT no sentido de que o direito de imagem seguiria o regime do desportista, pela sua interligação, coincidência temporal e derivação de um sobre o outro.

 

Em resumo, os rendimentos em causa, não sendo obtidos pelo jogador de futebol, não decorrem da sua atividade de desportista e, por isso, não são tributados em Portugal, pois não se subsumem no art. 4.º, n.º 3, alínea d) do Código do IRC, nem no art. 17.º, n.º 1 da Convenção.

 

Rejeita ainda o caráter acessório do direito de imagem e a inferência de que deve seguir o regime do principal (contrato de jogador desportivo), reiterando que o contrato de cedência dos direitos de imagem individual é autónomo do contrato de trabalho desportivo e que, na presente hipótese, o cedente dos direitos de imagem já nem era o jogador, pois aqueles haviam sido alienados a um investidor institucional – empresa brasileira que assumiu o risco de exploração desse ativo e de o tentar rentabilizar obtendo proveitos por preço superior ao custo de aquisição.

 

A Requerente salienta que a contrapartida do pagamento dos direitos de imagem não visou a promoção da Requerente, mas dos patrocinadores desta e não atende ao valor do atleta em Portugal, mas ao prestígio que este já tinha antes de vir para Portugal. Esses rendimentos não decorrem do exercício de uma atividade desportiva em Portugal. Cita diversa jurisprudência arbitral (processos 597/2017-T, 346/2016-T, acima citado, 108/2015-T, 501/2014-T).

 

Como também, caso o Tribunal fique em dúvida sobre se a quantia paga se reporta ou não à contrapartida da atividade desportiva do jogador, será aplicável o art. 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que determina a anulação das liquidações impugnadas.

 

Declina que os rendimentos em causa se subsumam ao art. 17.º, n.º 2 da Convenção, porque a sua natureza não é de rendimentos relativos à tributação de desportistas, mas de rendimento empresarial ou, eventualmente, de mais-valias pela alienação de direitos de imagem (quanto o transmitente não é o seu titular originário), em qualquer caso, não tributáveis em Portugal (arts. 7.º, 13.º, n.º 4 e 22.º da Convenção). Acresce que o referido art. 17.º, n.º 2 só se pode aplicar a indivíduos e nunca a pessoas coletivas. 

 

Termina advogando que a liquidação de juros compensatórios também é ilegal, por arrastamento da ilegalidade das liquidações de imposto, e mesmo em caso de improcedência, pois inexiste qualquer comportamento intencional e culposo na interpretação e aplicação (plausível) da lei fiscal que seja merecedor de censura, não se encontrando preenchidos os requisitos do art. 35.º da LGT.

 

2.         Posição da Requerida

 

A Requerida mantém o entendimento de que a liquidação controvertida consubstancia uma correta aplicação do Direito, não enfermando de qualquer vício, e pugna pela manutenção na ordem jurídica das liquidações controvertidas.

 

  1. Sobre a alegada inutilidade superveniente da lide

 

A Requerida afirma que a revogação de outro ato tributário, impugnado no âmbito do processo arbitral n.º 331/2017-T, não constitui um facto superveniente para efeitos de declaração de inutilidade superveniente da lide, tanto mais que mais que Requerente solicita que a Requerida execute uma revogação. Assim, considera que não pode ser declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

 

 

  1. Do alegado caso julgado material

 

O fundamento de caso julgado material com base no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 346/2016-T não pode proceder, pois não há identidade do pedido e da causa de pedir relativamente ao presente processo arbitral. Considera, neste âmbito, ser distinta a relação material controvertida, tratando-se de outras liquidações, com origem numa outra ação inspetiva.

 

  1. Erro sobre os pressupostos de direito

 

A Requerida começa por referir que quando um jogador de futebol cede a uma entidade não desportiva terceira os benefícios da utilização do seu direito de imagem e esta, por sua vez, efetua a cedência de exploração desses direitos a um Clube ou SAD com quem o jogador celebrou contrato de trabalho, o objeto do contrato de cedência encontra-se interligado e reconduz-se aos direitos inerentes no contrato que celebrou como futebolista, de onde deriva a sua imagem.

Por isso, o que se transfere para uma entidade não residente serão os direitos de imagem que os atletas detêm, enquanto jogadores que desempenham a atividade de profissional de futebol em território português e, por conseguinte, os rendimentos auferidos pela cedência dos direitos de imagem configuram rendimentos emergentes do exercício em território português da sua atividade enquanto desportistas, sujeitos a IRC, nos termos do art. 4.º, n.º 3, alínea d) do Código deste imposto.

 

Em segundo lugar, sustenta que os rendimentos referidos no art. 4.º, n.º 3, alínea d),  do Código do IRC, se encontram sujeitos a retenção na fonte a uma alíquota de 25%, pois incidem sobre rendimentos pagos a não residentes sem estabelecimento estável, sempre na condição de os rendimentos resultarem do exercício em território português da atividade de desportistas – arts. 5.º, n.º 3, alínea b); 87.º, n.º 4 e 94.º, n.º 5, todos do Código do IRC.

 

Em terceiro lugar observa que, nos Comentários ao art. 17.º, n.º 2 do Modelo de Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em matéria de impostos sobre o Rendimento e o Património, se conclui que o Estado onde são exercidas as atividades de desportista fica autorizado a tributar os rendimentos obtidos dessas atividades e atribuídos a uma outra pessoa, independentemente das outras disposições da Convenção que seriam de outro modo aplicáveis.

 

Quando estejamos na presença de rendimentos emergentes da atividade de desportista, mesmo existindo uma Convenção celebrada com o país de residência da entidade não residente beneficiária, na presente hipótese, o Brasil, o Estado da fonte dos rendimentos (aqui Portugal) fica habilitado a exercer os seus direitos de tributação, sem qualquer limitação, sobre as importâncias atribuídas a entidades interpostas entre a entidade desportista e o Clube ou SAD pagadoras dos rendimentos.

 

Assim, estando prevista a sua tributação em território português, nos termos do art. 4.º, n.º 3, alínea d) do Código do IRC, mesmo que viesse a apresentar o formulário modelo RFI, devidamente preenchido e certificado pelas autoridades fiscais brasileiras, os rendimentos não estavam dispensados da tributação em IRC e, em consequência, da retenção na fonte a título definitivo (art. 98.º, n.º 5 do Código do IRC).

 

Por último, as transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território nacional, por entidades não residentes, não poderá ser efetuada sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido, nos termos do art. 132.º do citado compêndio fiscal.

 

  1. Juros compensatórios

 

A este propósito sustenta que os juros compensatórios são devidos quando exista retardamento da liquidação de imposto imputável ao sujeito passivo, circunstância que entende verificar-se na presente hipótese, por o sujeito passivo não ter efetuado a retenção na fonte que era devida o que resultou de não ter atuado com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais.

 

3.         Questões a Apreciar

 

Em face do exposto, importa delimitar as principais questões decidendas:

 

  1. Em primeiro lugar, há que apreciar e decidir sobre a alegada violação da exceção de inutilidade superveniente da lide suscitada pela Requerente – art. 277.º, alínea e) do CPC;
  2. De seguida, importa aferir sobre a violação do caso julgado material ou da autoridade de caso julgado – cf. art. 100.º da LGT e 581.º e 619.º do CPC;
  3. Acresce a análise da questão central de mérito que se prende com o invocado erro nos pressupostos, de facto e de direito, e consequente violação dos arts. 4.º, n.º 3, alínea d), 94.º, n.º 3 e 87, todos do Código do IRC e da Convenção com o Brasil (arts. 13.º, 17.º e 22.º). Neste âmbito, está em discussão saber se a remuneração da cedência dos direitos de imagem do jogador do Clube configura um rendimento derivado do exercício em território português da sua atividade de desportista;
  4. Adicionalmente, em caso de dúvida fundada, suscita-se a aplicação do art. 100.º do CPPT; e,
  5. Por fim, cumpre decidir sobre as liquidações de juros compensatórios e sobre o pedido de juros indemnizatórios.

 

II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente, em razão da matéria, para conhecer dos atos de liquidação de IRC e inerentes juros compensatórios controvertidos e, reflexamente, dos atos de segundo/terceiro grau que os confirmaram, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

A cumulação de pedidos é admissível, em conformidade com o disposto no art. 3.º, n.º 1 do RJAT, atendendo a que, apesar de os atos tributários se reportarem a dois exercícios distintos (2011 e 2012) está em causa a apreciação de idênticas circunstâncias de facto e o mesmo regime jurídico, em concreto, o art. 4.º, n.º 3, alínea d) do Código do IRC.

 

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no art. 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir do facto previsto no art. 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.

 

1.         Sobre a Exceção de Inutilidade Superveniente da Lide

 

O art. 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, estatui que a instância se extingue com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

 

A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito.

 

A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.

 

Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

 

No caso concreto, a AT não procedeu à anulação administrativa dos atos tributários controvertidos (anteriormente denominada “revogação”, ao abrigo do CPA de 1991), mantendo-se o objeto do processo, pelo que fica, desde logo, afastada a hipótese de impossibilidade da lide por extinção do objeto. Resta determinar se o resultado visado pela Requerente foi já atingido por outro meio.

 

Requerente invoca a inutilidade superveniente da lide, por existirem várias decisões arbitrais transitadas em julgado em ações intentadas pela Requerente, relativas à cedência dos direitos de imagem do mesmo atleta, totalmente favoráveis à sua pretensão, destacando para este efeito o processo arbitral n.º 331/2017-T, em matéria de IVA, que recaiu sobre o mesmo período (anos 2011 e 2012).

 

Afigura-se, todavia, que a fundamentação alcançada em matéria de IVA não é diretamente transponível para a situação vertente, que respeita a questão diferente, de retenções na fonte de imposto sobre o rendimento. Para além de serem impostos estruturalmente distintos, o recorte das respetivas normas de incidência [do direito à dedução do IVA (art. 20.º do Código do IVA) e da qualificação dos rendimentos para efeitos de IRC (art. 4.º, n.º 3, alínea d) do Código do IRC)] – não é comparável ou passível de uma linear assimilação, pelo que a análise e julgamento da matéria de IVA não dispensa a apreciação, autónoma e individualizada, da questão distinta, referente às retenções na fonte de IRC.

 

Não tendo os atos de liquidação sido eliminados, nem existindo uma pronúncia específica sobre os mesmos não se pode concluir, como a Requerente, no sentido de que o resultado por si visado – de declaração de ilegalidade dos atos tributários e da sua consequente anulação – tenha já sido atingido por outro meio, pelo que é improcedente o pedido de declaração de extinção da instância deduzido pela Requerente com tal fundamento.

 

2.       Sobre a Exceção de Caso Julgado (Material) ou o Efeito Positivo da Autoridade de Caso Julgado

 

A exceção de caso julgado pressupõe, de acordo com o art. 580.º do CPC, a repetição de uma causa. Trata-se de um pressuposto processual que visa impedir a repetição de uma causa anterior que está em curso e evitar, dessa forma, que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. Para que se constate este pressuposto são exigidas três condições, que implicam uma tripla identidade: de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cf. arts. 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 577.º, alínea i), 580.º e 581.º do CPC, aplicáveis por remissão do art. 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT e do art. 1.º do CPTA).

 

As decisões jurisdicionais carreadas pela Requerente ou respeitam a outro imposto (a Decisão Arbitral n.º 331/2017-T acima apreciada) ou a períodos de imposto distintos e a distintos atos de liquidação (a Decisão Arbitral n.º 346/2016-T). Deste modo, não se verifica a identidade dos pedidos que é fundamental para a verificação da exceção de caso julgado.

 

De salientar, quanto aos efeitos do caso julgado, que os fundamentos da parte dispositiva, tomados por si mesmos, em princípio não vinculam. Portanto, o caso julgado não tem por objeto os fundamentos, de facto ou de direito, da sentença, e tão-só o seu dispositivo.

 

Acresce referir que, não se constatando a exceção de caso julgado, a existência de uma pronúncia jurisdicional, ainda que transitada em julgado, sobre a mesma questão de direito, não vincula os Tribunais a uma decisão no mesmo sentido, dado que o sistema jurídico vigente em Portugal não acolhe o princípio do precedente que caracteriza os sistemas anglo-saxónicos.

 

Relativamente ao efeito positivo externo do caso julgado, também denominado “autoridade de caso julgado”, convém notar que supõe uma não repetição de causas, dito de outro modo, tem como condição que não se verifique a exceção de caso julgado, pelo que o Tribunal pode conhecer do mérito. A autoridade de caso julgado projeta-se no sentido da decisão de mérito, podendo determinar os fundamentos da “segunda” decisão caso exista uma relação de prejudicialidade ou de concurso, porém não constitui exceção que obste ao conhecimento do objeto do processo.

 

Deste modo, improcede a exceção de caso julgado e/ou de autoridade de caso julgado deduzida pela Requerente.

 

III.      Fundamentação

 

Matéria de Facto

 

1.         Factos com Relevo para a Decisão que se Consideram Provados

 

1.1. A Requerente é uma sociedade desportiva que agrega a atividade de futebol profissional do E... e se rege pelo regime jurídico especial estabelecido no Decreto-Lei n.º 67/97, de 3 de abril, de acordo com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 107/97, de 16 de setembro (Relatório de inspeção tributária constante do PA).

 

1.2. No dia 21/06/2011, a Requerente celebrou um contrato de cedência de exploração dos direitos de imagem do jogador profissional D... com a sociedade brasileira: F..., Lda. – entidade não residente e sem estabelecimento estável em Portugal que se encontrava na titularidade desses direitos (Relatório de inspeção tributária constante no PA).

 

1.3.  A Requerente pagou 237 754,48 euros, no ano de 2011 e 2012, à entidade F..., Lda., residente no Brasil, a título de aquisição de «direitos desportivos e financeiros» relativos ao jogador de futebol D... e que podem ser decompostos da seguinte forma (Relatório de inspeção tributária constante no PA):

 

 

Documento

Valor

05/08/2011

NP n.º .../2011

22 754,48 euros

09/11/2011

Np n.º .../2011

95 000,00 euros

24/02/2012

Np n.º .../2011

60 000,00 euros

10/02/2012

Np n.º .../2011

35 000,00 euros

09/05/2012

Np n.º .../2011

25 000,00 euros

Total

 

237 754,48 euros

 

1.4.   Este rendimento respeitante à cessão dos direitos de imagem do jogador D... não foi objeto de retenção na fonte (Relatório de inspeção tributária constante no PA).

 

1.5.  A Requerente contratou o jogador de futebol D... e decidiu igualmente adquirir os direitos de imagem para promover o Clube e os patrocinadores com a sua imagem (Relatório de inspeção tributária constante no PA e depoimento das testemunhas B... e C...).

 

1.6. Existem patrocinadores que pretendem utilizar os jogadores de futebol mais mediáticos em ações de promoção e normalmente é incluída nos contratos com os patrocinadores uma cláusula que impõe à Requerente disponibilizar alguns dos seus jogadores para as aludidas ações (Relatório de inspeção tributária constante no PA e depoimento das testemunhas B... e C...).

 

1.7. Os patrocinadores contribuem de forma relevante (cerca de 40%) para os proveitos ordinários da Requerente (Relatório e contas da Requerente e facto não impugnado pela Requerida).

 

1.8. A aquisição dos direitos de imagem de jogadores com a consequente disponibilidade destes para ações de promoção de produtos de patrocinadores constitui uma mais-valia nas negociações de patrocínios, pelo interesse que têm os patrocinadores de poderem dispor dos jogadores mais mediáticos em ações de promoção dos seus produtos (Depoimento das testemunhas B... e C...).

 

1.9.      A Requerente considerou que o jogador de futebol D..., pelo seu curriculum profissional (internacional pelas equipas de formação no Brasil) seria um ativo fundamental para os eventos de marketing, manutenção e angariação de patrocinadores, pelo que, para além da sua contratação, adquiriu os seus direitos de imagem (Depoimento das testemunhas B... e C...).

 

1.10.       A aquisição dos direitos de imagem também foi efetuada pela Requerente com o objetivo de evitar que a imagem do jogador de futebol D... (um dos mais mediáticos), fosse associada a marcas concorrentes dos patrocinadores da Requerente, ou que este não participasse em campanhas de promoção de produtos dos patrocinadores, o que poderia prejudicar a manutenção e obtenção de patrocínios (Depoimento das testemunhas B... e C...).

 

1.11. O jogador de futebol D... participou em ações de promoção da marca de cervejas ..., designadamente, sessões de autógrafos, no âmbito do contrato celebrado pela Requerente com a empresa que a comercializa (Depoimento das testemunhas B... e C...).

 

1.12.     A Requerente foi alvo de uma ação de inspeção tributária, titulada pela Ordem de Serviço OI2015..., de âmbito geral e polivalente, para efeitos de IRC, relativa ao período 01/07/2011 a 30/06/2012 (Relatório de inspeção tributária constante no PA).

 

1.13. Na sequência desta inspeção, a AT efetuou, entre outras, as seguintes correções relativas a pagamentos a não residentes e a IRC que considerou indevidamente não retido, com os fundamentos do Relatório de Inspeção que foi notificado à Requerente (Relatório de inspeção tributária constante no PA):

 

Data do pagamento

Documento

Valor

Taxa

Retenção

Data limite de entrega

05/08/2011

Np n.º .../2011

22 754,48 euros

25%

5668, 62 euros

20/09/2011

09/11/2011

Np n.º .../2011

95 000,00 euros

25%

23 750,00 euros

20/12/2011

24/02/2012

Np n.º .../2011

60 000,00 euros

25%

15 000,00 euros

20/03/2012

10/02/2012

Np n.º .../2011

35 000,00 euros

25%

8750,00 euros

20/03/2012

09/05/2012

Np n.º.../2011

25 000 ,00 euros

25 %

6250,00 euros

20/06/2012

Soma

 

237 754,48 euros

 

59 438, 62 euros

 

 

1.14.       Na sequência da referida ação inspetiva e das correções relativas a retenções na fonte, foram emitidas as seguintes liquidações de imposto e de juros compensatórios (Documentos 2 e 3 juntos com o pedido e PA):

 

 

 

 

IRC/JC

Período

Valor

N.º Liquidação

Prazo de pagamento

IRC

08/2011 e 11/2011

29 438,62 euros

2015 ...

29/05/2015

JC

09/2011 e 12/2011

4 257,17 euros

2015 ...

2015 ...

29/05/2015

IRC

02/2012 e 05/2012

30 000,00 euros

2015 ...

29/05/2015

JC

03/2012 e 06/2012

3 921,64 euros

2015 ...

2015 ...

29/05/2015

 

1.15.    Em 22/01/2016, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa das referidas liquidações (PA).

 

1.16.   No dia 18/07/2016, foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida, notificada à Requerente em 21/07/2016 (PA).

 

1.17. Em 22/08/2016, a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (PA).

 

1.18. Por despacho de 22/08/2018, a Senhora Diretora de Finanças de ... indeferiu expressamente o recurso hierárquico, notificado à Requerente em 24/08/2018 (PA).

 

1.19. Consta da informação n.º I2017..., de 16 de novembro de 2017, da Direção de Serviços do IRC, sobre a qual recaiu o despacho de indeferimento do recurso hierárquico referido no ponto anterior, que a Requerente não procedeu ao pagamento das liquidações de IRC e juros compensatórios controvertidas no prazo limite fixado, tendo esta aderido a plano prestacional, encontrando-se na situação de “Suspensão por Pagamento em Prestações -PERES”, estando regularizados, à data, os valores de 8 423,95 euros e 8 480,37 euros, no total de 16 904,32 euros (PA).

 

1.20. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 22/10/2018.

 

2.         Motivação dos Factos Provados e não Provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos arts. 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos e nas posições assumidas pelas partes.

 

As declarações das testemunhas B... e C... revelaram-se objetivas e credíveis e permitiram alicerçar a matéria de facto descrita de 1.5 a 1.11.

 

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

Matéria de Direito

 

3.         Erro nos Pressupostos. Não Preenchimento das Condições do Art. 4.º, n.º 3, al. d) do CIRC 

 

Cumpre apreciar do mérito, cuja questão central a decidir se prende com a incidência de tributação, a título de retenção na fonte, à taxa de 25%, sobre os rendimentos pagos pela Requerente, em 2011 e 2012, a uma sociedade não residente (residente no Brasil) e sem estabelecimento estável em Portugal, como contrapartida da aquisição dos direitos de imagem de um jogador de futebol livre que foi integrado no plantel do E... . 

 

Interessa assinalar que está em causa a apreciação da (i)legalidade dos atos tributários que se repercute no juízo de (in)validade dos atos, de segundo e de terceiro grau que sobre aqueles se pronunciaram, pois o objeto real da impugnação são aquelas liquidações, conforme tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de que é exemplo o recente Acórdão de 3 de julho de 2019, processo n.º 02957/16.0BELRS 070/18, segundo o qual “o objeto real da impugnação é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação graciosa, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise[2].

 

Na perspetiva da Requerente, a liquidação de IRC a título de retenção na fonte consubstancia uma violação dos arts. 4.º, n.º 3, alínea d), 94.º e 87.º, do Código do IRC, na redação à data dos factos, e dos arts. 13.º (Mais-valias ou ganhos de capital), 17.º (Artistas e desportistas) e 22.º (Outros rendimentos), da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2001, de 1 de março de 2001, publicada no Diário da República n.º 98, de 27 de abril de 2001.

 

            É, pois, à luz das normas do direito interno e do direito internacional convencional, que deve ser apreciada a pretensão das Partes, importando para isso indagar se a remuneração paga pela Requerente pela cedência dos direitos de imagem do jogador a uma entidade que já os explorava comercialmente, em data anterior à sua vinda para Portugal, pode ser havida como remuneração deste qualificável como “rendimento de uma atividade desportiva”, por si pessoalmente exercida, em território nacional.

 

Neste âmbito, interessa atender a dois pontos preliminares. O primeiro é o da função negativa das Convenções que visam evitar a dupla tributação. Estes instrumentos não contêm em si normas de incidência tributária, cuja previsão e recorte constitui exclusivo dos Estados Contratantes. As Convenções contêm regras de repartição de competência tributária entre Estados que dependem destes, nas suas normas de direito interno, conterem normas impositivas de tributação. Assim, se de acordo com as regras internas do Estado não estiver prevista a incidência de tributação sobre um dado rendimento, não há sequer que convocar a Convenção, pois esta, em matéria de incidência depende da prévia conformação tributária dos Estados. Dito de outra forma, se se concluir pela não incidência de IRC sobre os rendimentos em apreço, de acordo com o Código deste imposto, a Convenção nem sequer é de aplicar, pois não existe uma concorrência de competências tributárias entre Estados que a esta caiba dirimir.

 

Um outro ponto a atender é o da preeminência do critério da residência como elemento de conexão (espacial) para efeitos de tributação do rendimento, sendo o critério da fonte dos rendimentos meramente complementar e não universal, no sentido de que se aplica apenas aos rendimentos especificamente previstos e cujo critério de conexão com o território português seja relevante.

 

No que respeita ao caso concreto, tratando-se de rendimentos auferidos por entidade não residente, com sede no Brasil, e sem estabelecimento estável em Portugal ao qual aqueles fossem imputáveis, a especificação está contida na alínea f) do n.º 3 do art. 4.º do Código do IRC, que determina a extensão do imposto aos “rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculos ou desportistas”, categoria reditícia em que a AT enquadrou os rendimentos pagos pela Requerente à F..., Lda. (adiante, simplificadamente, F..., Lda.), derivados da cedência dos direitos de imagem de um jogador de futebol com quem a Requerente celebrou contrato de trabalho desportivo, e por aquela detidos previamente.

 

Fundamenta a AT a sua pretensão à arrecadação da receita tributária na interpretação de que tais direitos de imagem, cuja cedência tem a mesma duração do contrato de trabalho desportivo celebrado com o atleta, se integram naquele contrato, devendo os respetivos proventos ser considerados remuneração sua, ainda que paga a terceira pessoa, ao que não se oporia a redação do n.º 2 do art. 17.º da CDT Portugal-Brasil, nos termos do qual:

 

2 — Não obstante o disposto nos artigos 7.º, 14.º e 15.º, os rendimentos da atividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espetáculos ou desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas atividades dos profissionais de espetáculos ou dos desportistas.”.

 

Assim, na ótica da Requerida, exercendo o jogador a sua atividade desportiva em Portugal, os rendimentos pagos a terceiros, no caso, a uma sociedade de direito brasileiro, seriam tributados em Portugal, por interligados com o contrato de trabalho desportivo.

 

No entanto, afigura-se que não lhe assiste razão.

 

O direito à imagem é um direito da personalidade que não está necessariamente conexionado com a prática de uma atividade desportiva em território português.

 

Na situação concreta, não resultou demonstrado que os rendimentos derivados da cedência dos direitos imagem do jogador derivassem do exercício em território português da atividade de desportista, ónus que impendia sobre a AT em conformidade com o disposto nos arts. 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º, n.º 1 do Código Civil. Assim, tal rendimento não reúne os pressupostos de incidência objetiva que constam do art. 4.º, n.º 3, alínea d) pelo que não é, a esse título, sujeito a IRC (na modalidade de retenção na fonte) em Portugal.

 

De igual modo, o art. 17.º da CDT Portugal-Brasil, acima transcrito, que tem a sua fonte no art. 17.º do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património, do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE (Convenção Modelo), não é aplicável, por faltar uma sua premissa essencial, tratar-se de um rendimento derivado da atividade desportiva exercida pelo jogador em Portugal.

 

Neste âmbito compulsam-se os Comentários à Convenção Modelo, que não deixam de constituir um importante elemento de interpretação, por a eles terem aderido, sem reservas, os representantes dos países que participaram na sua elaboração.

 

Esse art. 17.º da Convenção Modelo, distingue claramente quais são os rendimentos a tributar no Estado da fonte, daqueles que o não podem ser, ao estatuir que:

 

Artigo 17.º - Artistas e desportistas

1. Não obstante o disposto nos Artigos 7.º e 15.º, os rendimentos obtidos por um residente de Estado contratante na qualidade de profissional de espetáculos, tal como artista de teatro, cinema, rádio ou televisão, ou músico, bem como de desportista, provenientes das suas atividades pessoais exercidas, nessa qualidade, no outro Estado contratante, podem ser tributados nesse outro Estado.

 

2. Não obstante o disposto nos Artigos 7.º e 15.º, os rendimentos da atividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espetáculos ou desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado contratante em que são exercidas essas atividades dos profissionais de espetáculos ou dos desportistas.”.

 

O Comentário número 1 ao n.º 1 do art. 17.º, da Convenção Modelo[3], prevê que “(…) os desportistas residentes de um Estado Contratante podem ser tributados no outro Estado Contratante onde exercem as suas atividades nessa qualidade (…)”, determinando o Comentário n.º 8, que este n.º 1 se aplica “ao rendimento obtido, direta ou indiretamente, a título individual, por um (…) desportista (…)”.

 

Por seu turno, no Comentário 11 ao n.º 2 do art. 17.º, da Convenção Modelo, esclarece-se que este “[…] trata dos casos em que os rendimentos das suas atividades são atribuídos a outras pessoas. Se o rendimento de um (…) desportista for realizado por outra pessoa (…) a fração do rendimento em relação ao qual o (…) desportista não pode ser tributado pode ser tributada como rendimento da pessoa que o aufere. Se a pessoa que recebe o rendimento for uma empresa, o Estado da fonte pode tributar esse rendimento mesmo que este não seja imputável a um estabelecimento estável situado neste país. Contudo, nem sempre assim sucede”.

 

Revertendo para a situação em análise, não resultou provado que os direitos de imagem (pessoal) do jogador, anteriormente por este cedidos à empresa F..., Lda., com sede no Brasil e sem estabelecimento estável em território nacional, tivessem derivado da atividade desportiva por si exercida em Portugal.

 

Em sentido oposto, resultou que o jogador havia adquirido considerável notoriedade no Brasil, em momento anterior ao da celebração do contrato de trabalho desportivo com a Requerente e que a aquisição dos referidos direitos de imagem não constituiu condição sine qua non da celebração do contrato de trabalho desportivo. Visou essencialmente assegurar o cumprimento de obrigações relativas a patrocinadores da Requerente – como presenças em eventos com objetivos publicitários dessas marcas – e garantir que a imagem do jogador não pudesse ser utilizada em marcas concorrentes e prejudicar dessa forma os contratos de patrocínio da Requerente que representavam cerca de 40% dos seus rendimentos.

 

Por outro lado, não ficou provado que o preço de aquisição dos direitos de imagem, pago pela Requerente à empresa F..., Lda., constituísse, total ou parcialmente, remuneração do jogador, a qualquer título; contudo, ainda que tivesse sido feita essa prova, seria ainda necessário que tal remuneração derivasse de uma atividade por aquele pessoalmente exercida em Portugal, para que aqui pudessem ser tributados, o que, como se viu, não ficou demonstrado.

 

Sendo os direitos de imagem individual distintos dos direitos económicos e desportivos, eles foram, também, objeto de distintos contratos: (i) o contrato celebrado entre o jogador e a F..., Lda., nos termos do qual aquele cedeu a esta, mediante remuneração, o direito à exploração comercial da sua imagem individual; (ii) o contrato de trabalho desportivo celebrado entre o jogador e a Requerente, em que aquele se obrigou para com esta, na qualidade de SAD, a prestar a sua atividade desportiva, sob a sua autoridade e direção, mediante retribuição (iii) o contrato celebrado entre a Requerente e a F..., Lda., mediante o qual aquela adquiriu a esta o direito à exploração comercial dos direitos de imagem do jogador, já anteriormente detidos pela segunda, em troca da correspetiva contrapartida financeira.

 

Assim, não sendo possível concluir pela conexão alegada entre o preço pago pela Requerente à F..., Lda., pela aquisição dos direitos de imagem individual do jogador, e a atividade desportiva por este exercida pessoalmente em território nacional, há de concluir-se que tal preço constitui um rendimento empresarial daquela segunda entidade, não sujeito a tributação em Portugal pelo disposto no art. 4.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRC, nem sendo enquadrável no art. 17.º da Convenção acima citado, mas sim no seu art. 7.º. Eventualmente, dependendo das circunstâncias, poderia equacionar-se a eventual qualificação do ganho como mais-valia, caso em que, regeria o art. 13.º da CDT Portugal-Brasil.

 

Todavia, num caso ou noutro, o rendimento ou ganho não é/seria tributável em Portugal por aplicação dos citados arts. 7.º ou 13.º da Convenção.

 

À face do exposto, não havendo lugar à tributação daquele rendimento em Portugal, não estava a Requerente obrigada a proceder a qualquer retenção na fonte de IRC, para posterior entrega nos cofres do Estado.

 

Pelos motivos expostos, conclui-se pela ilegalidade das liquidações de IRC impugnadas, por violação dos arts. 4.º, n.º 3, alínea d), 87.º, n.º 4 e 94.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC e internacionais aplicáveis (art. 7.º da CDT Portugal-Brasil), determinantes da sua anulação, em conformidade com o disposto no art. 163.º, n.º 1 do novo Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

São também ilegais, e por isso anuladas, as liquidações de juros compensatórios dada a ausência do seu pressuposto constitutivo e a sua acessoriedade relativamente à prestação principal de imposto, pois não foi retardada a liquidação de imposto (IRC) que fosse devido, como dispõe o art. 35.º, n.º 1 da LGT.

 

De igual modo devem ser anulados os despachos de indeferimento do Recurso Hierárquico e da Reclamação Graciosa que confirmaram tais atos tributários de liquidação de IRC e os correspondentes juros compensatórios.

 

4.         Do Direito a Juros Indemnizatórios 

 

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art. 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que aprovou o Orçamento do Estado para 2010, devendo entender-se que se compreendem na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os mesmos poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o direito a juros indemnizatórios.

 

Determina a alínea b) do n.º 1 do art. 24.º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

De igual modo, o art. 100.º da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

O regime dos juros indemnizatórios consta do art. 43.º da LGT, e de acordo com o seu n.º 1, estes são devidos: “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

No caso em apreço, afigura-se manifesto que, declarada a ilegalidade das liquidações de IRC e de juros compensatórios objeto do pedido de pronúncia arbitral, pelos motivos que antecedem, terá de reconhecer-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, conforme se estatui no art. 61.º, n.º 5 do CPPT.

 

Importa relembrar que do adquirido processual apenas resultou provado o pagamento de 16 904,32 euros, no âmbito do plano prestacional a que a Requerente aderiu, pelo que, incidindo os juros indemnizatórios sobre as quantias pagas estes juros apenas devem ser calculados sobre esse valor e, se aplicável, sobre o adicional que venha a ser apurado em execução da presente Decisão Arbitral.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil, designadamente as relativas à interposição fictícia de entidade, à alegada violação dos princípios da legalidade, justiça, imparcialidade e proteção da confiança e à dúvida fundada sobre o facto tributário (art. 100.º do CPPT).

 

IV.      Decisão

 

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade das liquidações de IRC n.º 2015..., do exercício de 2011, no montante de 29 438,62 euros de imposto e respetivos juros compensatórios de 4 257,17 euros (liquidações n.ºs 2015... e 2015...) e n.º 2015..., do exercício de 2012, no montante de 30 000,00 euros de imposto e respetivos juros compensatórios de 3 921,64 euros (liquidações n.ºs 2015... e 2015...), que vão anuladas no total de 67 617,43 euros e, bem assim, dos despachos de indeferimento da Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico que confirmaram tais atos;

 

  1. Reconhecer o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre as quantias comprovadamente pagas que sejam apuradas em execução da presente Decisão, desde a data dos respetivos pagamentos, até à emissão das notas de crédito.

 

Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em 67 617,43 euros (sessenta e sete mil seiscentos e dezassete euros e quarenta e três cêntimos), nos termos do art. 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas

 

Custas a suportar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por a ação ter sido julgada procedente, no montante de 2 448,00 euros (dois mil quatrocentos e quarenta e oito) euros, cfr. arts. 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de julho de 2019

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

Mariana Vargas

 

 

 

Francisco Nicolau Domingos

 

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelos arts. 228.º e 229.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

[2] No mesmo sentido, cf. o Acórdão do STA, de 18.05.2011, processo n.º 0156/11, apud Carla Castelo Trindade, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado”, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 69. É, para este efeito, irrelevante que o ato seja de segundo ou terceiro grau, pois em ambos os casos o seu objeto é, na verdade, o ato de liquidação cuja invalidação se pretende. 

[3] Usamos a versão da Convenção Modelo constante do Caderno de Ciência e Técnica Fiscal n.º 210, do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros, reedição de 2013.