DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1 – A... Ldª, sedeada na Rua ... nº..., ... ...-..., ..., com o NIPC[1]..., apresentou em 12/02/2019 um pedido de constituição do Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a ATA[3], com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de indeferimento da reclamação graciosa n.º...2018..., que correu seus termos pelo ... Serviço de Finanças de ... e apresentada contra a liquidação de AIMI[4] nº 2018... do ano de 2018, no valor de €1 182,60, respeitante ao artigo matricial ... da União de freguesias de ... e ... a e que corresponde a um terreno para construção destinado à implantação de armazéns industriais com vista ao prosseguimento da sua atividade industrial, pretendendo a anulação da referida liquidação, por a considerar ilegal, dado que viola o princípio da igualdade e capacidade contributiva.
2- O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à ATA, em 12/02/2019.
3- Nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado o árbitro singular Arlindo José Francisco, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao CAAD a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.
4 - O Tribunal foi constituído em 23/04/2019 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 – Com o seu pedido, visa a requerente, como já se disse, a declaração de ilegalidade do ato tributário de indeferimento da reclamação graciosa n.º...2018..., apresentada contra a liquidação de AIMI nº 2018...do ano de 2018,no valor de €1 182,60.
6- Fundamenta o seu ponto de vista, em síntese, no facto de entender que o ato tributário de liquidação de AIMI em causa é violador dos princípios da igualdade, igualdade fiscal e capacidade contributiva, plasmados na CRP[6].
7 – Considera que o legislador ao criar o AIMI salvaguardou os prédios afetos a atividade económica, como é o caso, uma vez que no lote de terreno em questão, adquirido para esse fim, a respetiva Câmara Municipal autoriza a implantação de armazéns com afetação à sua atividade económica.
8 – Concluindo que a tributação em AIMI nos termos pretendidos pela ATA, é contrária aos princípios da igualdade, igualdade fiscal e da capacidade contributiva, respetivamente previstos nos artigos 13º e nº3 do 104º ambos da CRP.
9 – Na resposta a ATA, também em síntese, entende que não existe qualquer fundamento legal que sustente a pretensão da requerente, em face do texto da lei atualmente em vigor que reflete de forma fidedigna as opções do legislador.
10 – Na sua perspetiva a lei é bem clara e estabelece de forma inequívoca a tributação em AIMI dos terrenos para construção, independentemente da sua afetação potencial, sendo expressamente estabelecido a delimitação da incidência e da exclusão de incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, havendo, pois, que respeitar a opção do legislador.
11 – Considera que o legislador não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos e quaisquer casos que não fosse atingido o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica aderindo ao decidido no Processo 420/2018 do CAAD.
12 – Quanto à alegada violação do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, invoca o decidido no recente Acórdão do Plenário n.º 299/2019, proferido no Âmbito do processo n.º 752/2018, que declarou não inconstitucional a norma extraída do artigo 135.°-B, n.° 2, do Código do IMI, no sentido de incluir, no âmbito de aplicação do Adicional ao IMI, os «terrenos para construção» com fins de comércio, indústria, serviços ou outros, concluindo assim que os atos impugnados deverão ser mantidos na ordem jurídica, absolvendo-se, em conformidade, a requerida do pedido.
II - SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Junta aos autos, em 27/05/2019, a resposta da ATA, o Tribunal proferiu despacho que se transcreve: “Tendo em vista os princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), dispensa-se a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT e determina-se o prosseguimento do processo mediante a notificação das partes para apresentarem alegações escritas, facultativas, pelo prazo sucessivo de 10 dias.
Ao abrigo do princípio da colaboração solicita-se às partes a remessa das peças processuais em formato word.
Indica-se o dia 12 de Julho de 2019 como data para a prolação da decisão arbitral, devendo até essa data a Requerente fazer prova, junto do CAAD, do pagamento da taxa de justiça subsequente”.
As partes não produziram alegações.
Tudo visto e não enfermando o processo de nulidades cumpre decidir.
III- FUNDAMENTAÇÃO
1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:
Apreciar e decidir se os atos tributários de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2018..., e de liquidação de AIMI 2018... do ano de 2018 contra a qual a reclamação foi apresentada são violadores dos princípios da igualdade, igualdade fiscal e capacidade contributiva, plasmados na CRP e, por tal motivo, deverão ser anulados, como pretende a requerente, ou se, pelo contrário, respeitam a legalidade e por isso, deverão ser mantidos na ordem jurídica, como pretende a requerida.
2 – Matéria de Facto
A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
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A requerente é uma sociedade comercial tributada pelo exercício da atividade de produção e venda, por grosso de produtos de pastelaria, nomeadamente produtos de panificação e bolos.
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A mesma é titular do artigo matricial urbano nº ... da União de freguesias de ... e ..., que corresponde a um terreno para construção de armazéns e atividade industrial, tendo como coeficiente de localização “indústria”.
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Sobre o VPT do referido imóvel a ATA fez incidir AIMI no montante de € 1 182,60, conforme liquidação 2018..., respeitante ao ano de 2018.
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Contra a referida liquidação, a requerente apresentou reclamação graciosa nº...2018..., que correu termos no ... Serviço de Finanças de ... e foi indeferida, por despacho, de 12/11/2018, do respetivo chefe.
Estes são os factos considerados provados com relevo para a decisão da causa e resultam dos elementos juntos aos autos pelas partes e não contestados por nenhuma delas.
Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como não provados.
3 – Matéria de Direito
Pela Lei 42/2016 de 28 de Dezembro, Lei do Orçamento do Estado para 2017, foi criado o AIMI, regulado pelos artigos 135º- A a 135º- K do CIMI[7], capítulo XV deste diploma legal.
A incidência subjetiva consta do artigo 135º-A, interessando-nos para o caso concreto, os seus nºs 1,2 e 3, que se transcrevem:
1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.
2 - Para efeitos do n.º 1, são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pela cabeça de casal.
3 - A qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8.º do presente Código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.
O artigo 135º-B trata da incidência objetiva e que também transcrevemos, a redação ao tempo aplicável:
“Artigo 135.º-B (*)
Incidência objetiva
1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código”.
De anotar a exclusão dos prédios urbanos a que aludem as alíneas b) e d) do nº 1 (que se transcreve) do artigo 6º do CIMI:
“Artigo 6.º
Espécies de prédios urbanos
1 – Os prédios urbanos dividem-se em:
a) habitacionais;
b) comerciais, industriais ou para serviços;
c) terrenos para construção;
d) outros.”
Sendo este o quadro legal, sintetizamos que o entendimento de ilegalidade apontado pela requerente quer quanto ao ato de liquidação quer quanto ao ato de indeferimento da reclamação graciosa, ambos praticados pela ATA, assenta essencialmente, como já se viu, em considerar que o ato tributário de liquidação de AIMI em causa é violador dos princípios da igualdade, igualdade fiscal e capacidade contributiva, plasmados na CRP.
Com vista a sustentar o seu ponto de vista a requerente começa, por fazer uma apreciação sobre o regime do AIMI, aditado ao Código do CIMI, considerando inquestionável, que o legislador salvaguardou os prédios afetos a atividades económicas detidos pelos sujeitos passivos na prossecução do seu objeto social, como é o caso do terreno para construção adquirido pela requerente para a sua produção e armazém dos produtos por ela processados, não aceitando o entendimento da ATA que considera que o lote de terreno não deixa de o ser só porque está destinado a nele ser implantado um armazém industrial, tal entendimento na perspetiva do requerente, viola os princípios constitucionais já referidos, devendo o pedido ser julgado procedente com a consequente anulação da liquidação impugnada.
Por sua vez a requerida considera não assistir razão nem qualquer fundamento à pretensão da requerente, começando por fazer o enquadramento jurídico do AIMI, concluindo que a lei clara e inequivocamente estabelece a incidência do imposto sobre os '' terrenos para construção", independentemente da afetação potencial que a este venha a caber uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência. Cita várias decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais e jurisprudência do TC que sustentam o ponto de vista por si propugnado, concluindo que os atos tributários em causa deverão ser mantidos na ordem jurídica por não padecerem dos vícios apontados.
Apreciadas, sucintamente, a posição das partes e considerando que o Tribunal entende que o AIMI é um adicional ao IMI[8], que foi criado, como já se viu, pela Lei 42/2016 de 28 de Dezembro, Lei do Orçamento do Estado para 2017 e que a receita ficou consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, satisfazendo, deste modo, um objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema, ao tributar de forma mais elevada os patrimónios mais avultados e que o artigo 135º- B do CIMI, não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afetos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas coletivas no âmbito da sua atividade económica, será nesta ótica que avaliaremos a questão concreta.
E ainda na linha de decisões já por nós proferidas e outras em que fomos co- árbitros e também da jurisprudência maioritária do CAAD, nomeadamente a decisão proferida no Pº 420/2018, que acompanhamos e que, com a devida vénia, se transcreve na parte em que aprecia a eventual violação dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e da capacidade contributiva, invocados pela requerente.
Transcrição:
“A redacção do artigo 135.º-B do CIMI que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afectos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas colectivas no âmbito da sua atividade económica.
A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento». No entanto, não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ao funcionamento das pessoas colectivas.
São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI. Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa. Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos à actividade das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI. Por isso, é de concluir que a afectação dos imóveis às actividades económicas de pessoas colectivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º-B do CIMI). A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afectação ou não a actividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações. Porém, não resultam explicitamente do Relatório do Orçamento para 2017 nem da sua discussão parlamentar as razões que estarão subjacentes à distinção, para efeitos de tributação em AIMI, entre os valores patrimoniais dos prédios classificados como habitacionais ou terrenos para construção (independentemente da sua efectiva afectação a esses fins) e os dos prédios urbanos que têm outras classificações, à face do artigo 6.º do CIMI. Relativamente aos prédios que têm a classificação de «outros» à face do artigo 6.º, n.ºs 2, alínea d), e 4, do CIMI, poderá ver-se uma razão para distinção no facto de se tratar essencialmente de prédios que não têm como finalidade actividades geradoras de rendimentos, designadamente os terrenos situados em aglomerados urbanos que não reúnem os requisitos necessários para a sua classificação como terrenos para construção nem estão a ser utilizados para fins agrícolas ou silvícolas e os edifícios destinados a espaços ou infra-estruturas ou equipamentos públicos. No que concerne ao afastamento da tributação relativamente aos prédios destinados a comércio, indústria ou serviços poderá entrever-se uma explicação na finalidade invocada para a criação desta nova tributação, que é ao financiamento da Segurança Social, assegurado através da consignação de receitas do AIMI ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, prevista no n.º2 do artigo 1.º do CIMI, na redacção da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro. Não se pretende com o AIMI onerar a tributação de imóveis de luxo, como se visava primacialmente com averba 28.1 da TGIS, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituído por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor, mas sim criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado, prevista no artigo 63.º, n.º 2, da CRP. A sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social, sempre em dúvida, é uma preocupação permanente que tem justificado plúrimas iniciativas, bem evidenciadas nas Grandes Opções do Plano para 2017 (Lei n.º 41/2016, de 28 de Dezembro,) e para 2018 (Lei n.º 113/2017, de 29 de Dezembro) entre as quais se inclui a diversificação das fontes de financiamento, que constitui um princípio há muito adoptado nas Leis de Bases da Segurança Social (artigo 78.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, artigo 107.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).
A essência do princípio da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social consiste na ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros, tendo em vista, designadamente, a redução dos custos não salariais da mão- de- obra (artigo79.º da Lei n.º 17/2000, artigo 108.º da Lei n.º 32/2002, e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), o que pode explicar que não seja aplicada a nova tributação do AIMI às pessoas colectivas detentoras de prédios destinados a actividades comerciais, industriais e serviços, por a detenção de prédios desses tipos por pessoas colectivas estar normalmente associada ao exercício dessas actividades, com o correspondente pagamento de contribuições para Segurança Social, como entidades empregadoras [artigo 92.º, alínea b), da Lei n.º 4/2007, e artigos 3.º, alínea a), e 14.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de Novembro].Desta perspectiva, em que o legislador, carente de financiamento para a Segurança Social, privilegia a veste de cobrador de impostos à preocupação com o equilíbrio da tributação das empresas, poderá vislumbrar-se algum fundamento para distinguir entre a titularidade de património imobiliário por pessoas que, presumivelmente, desenvolverão actividades conexionadas com o financiamento da Segurança Social (que já contribuirão para esse financiamento) e a detenção de imóveis não destinados a essas actividades, cujos titulares, tendencialmente, não estarão associados da mesma forma a esse financiamento, pelo menos com a mesma intensidade. O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa proclama o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. Como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções, mas sim, distinções arbitrárias, desprovidas de justificação objectiva e racional.
Pelo que se referiu, não será completamente desprovida de explicação objectiva e racional a criação de uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social limitada ao património imobiliário que não estará já tendencialmente conexionado com esse financiamento. Por outro lado, a criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados» (Relatório do Orçamento para 2017, página 60),compagina-se com o objectivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva. A capacidade contributiva das pessoas colectivas empresariais, relevante a aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da actividadea que se destinam os imóveis. Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta óptica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais -não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam»(...) Os impostos sobre o património justificar-se-ão por permitirem transferir recursos em benefício da classe trabalhadora, instituindo uma "progressividade qualitativa" complementar da progressividade em quantidade dos impostos sobre o rendimentos pessoais». Por outro lado, se é certo que os diferentes destinos dos imóveis não implicam necessariamente distinção de nível de capacidade contributiva, a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a actividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontrará outra justificação (para além do já referido presumível maior contributo destas actividades para a Segurança Social por via das contribuições), pois reconduz-se, em última análise, a favorecimento destas actividades, que se harmoniza (e, por isso, terá fundamento constitucionalmente aceitável) com a obrigação de o Estado promover o aumento do bem-estar económico, que pressupõe bom funcionamento das actividades criadoras de riqueza e constitui uma das suas incumbências prioritárias no âmbito económico [artigo 81.º, alínea a), da CRP]. Sendo esta uma incumbência constitucionalmente considerada prioritária, a primeira elencada nesta norma, decerto que não será incompatível com a CRP dar-lhe protecção preferencial quando confrontada com os deveres constitucionais do Estado em matéria de habitação indicados no artigo 65.º da CRP, que, obviamente, também são protegidos através do bom funcionamento das actividades criadoras de riqueza. Assim, se é certo que o regime do AIMI cria situações de discriminação da tributação de empresas com a mesma capacidade contributiva evidenciada pelo património, no pressuposto de que há necessidade de dinheiro e tem de se encontrar novas formas de o arrecadar (como se refere no Relatório do Orçamento para 2017), haverá alguma justificação para que seja imposta a tributação a umas empresas e não a outras com a mesma ou maior capacidade contributiva inerente ao património, sobretudo à luz da jurisprudência maioritária constitucional citada pela Autoridade Tributária e Aduaneira que revela que é tolerável constitucionalmente que os interesses do Estado cobrador de impostos (neste caso, a sustentabilidade da Segurança Social, reclamada pelos princípios da confiança e segurança) se sobreponham ao respeito rigoroso do princípio da igualdade. Por outro lado, não sendo objectivo legislativo a tributação da habitação de luxo mas sim obter mais um meio de financiamento da Segurança Social, em sintonia com a opção política de diversificação, através de “um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema” (página 57 do relatório do Orçamento do Estado para 2017),é em função destes objectivos que há que apreciar se ocorre violação do princípio da proporcionalidade. Desta perspectiva, afigura-se que esta nova tributação não é incompaginável com o princípio da proporcionalidade, pois é adequada ao fim em vista (propicia o aumento de receitas que se pretende obter),é necessária(à face da opção legislativa de aumentar as receitas da Segurança Social com diversificação de fontes) e não é ultrapassada uma medida razoável, designadamente quanto às pessoas colectivas, pois as taxas do novo imposto não são elevadas(e são menores para as pessoas coletivas do que para as pessoas singulares, nos termos do artigo 135.º-F), o imposto pago é dedutível a matéria tributável de IRC (artigo 135.º-J), são deduzidos valores consideráveis ao valor tributável (artigo 135.º-C) e não está demonstrado, nem há razão para crer, que os montantes arrecadados ultrapassem o que é necessário para a finalidade de reforçar a sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social”.
Aderindo à jurisprudência transcrita, o Tribunal, não perscrute que na decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da tributação de AIMI, ambas em crise nos presentes autos se possa considerar terem sido violados os princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e da capacidade contributiva nos termos expostos pela requerente. Na verdade, a titularidade de património de valor elevado, seja o titular pessoa singular ou coletiva, independentemente da atividade exercida, evidencia uma especial capacidade económica que lhe permite contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, ao qual está adstrita a receita de AIMI e que corresponde ao objetivo do programa do governo.
E, como se alcança do artigo 135º-B não ficou afastada a tributação dos terrenos para construção utilizados pelas pessoas coletivas no âmbito da sua atividade económica, a exclusão da incidência apenas teve por base a espécie de prédios a que alude o artigo 6º do CIMI, precisamente os referidos nas alíneas b) e d) do seu nº 1 e não outros.
Considerar, como pretende a Requerente, a não incidência do AIMI sobre o VPT dos terrenos para construção ainda que destinados à criação de estruturas enquadradas na atividade por si desenvolvida, constituiria, isso sim, um injustificado tratamento fiscal privilegiado em relação à generalidade dos restantes proprietários de imóveis com idênticas características e configuraria uma violação do princípio constitucional da igualdade.
Também não consideramos que viole o princípio da proporcionalidade, uma vez que se mostra adequada à obtenção de receitas para a segurança social, diversificando as fontes, sem ultrapassar o razoável, designadamente quanto às pessoas coletivas, que beneficiam de taxas inferiores às aplicadas às pessoas singulares, sendo o imposto pago dedutível à coleta de IRC, nos termos do artigo 135º-J
O Tribunal entende ainda que a tributação em AIMI não se pode comparar com a tributação prevista na revogada verba 28 da TGIS, na medida em que o legislador criou uma designação e uma sistemática da tributação com remissão expressa para os critérios próprios do CIMI, não podendo ser transportadas para o AIMI critérios ou decisões tomadas no âmbito daquela revogada norma.
Nesta perspetiva, quer o indeferimento da reclamação graciosa quer a liquidação de AIMI aqui postos em crise, não violam os princípios constitucionais invocados, pelo que deverão permanecer na ordem jurídica, improcedendo, por isso, o pedido.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:
-
Declarar improcedente o pedido de pronúncia arbitral contra o indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., apresentada contra a liquidação de AIMI nº 2018 ... do ano de 2018, no valor de €1 182,60, respeitante ao artigo matricial ... da União de freguesias de ... e ..., área fiscal do ... serviço de finanças de ... .
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Fixar o valor do processo em € 1 182,60 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC[9], artigo 97º-A do CPPT[10], e artigo 3º, nº2, do RCPAT[11].
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Custas a cargo da requerente, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT, fixando-se o respetivo montante em € 306,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 12 de Julho de 2019
Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.
O Árbitro singular,
Arlindo Francisco
[1] Acrónimo de Número de Identificação de Pessoa coletiva
[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[4] Acrónimo de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis
[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[6] Acrónimo de Constituição da República Portuguesa
[7] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis
[8] Acrónimo de Imposto Municipal sobre Imóveis
[9] Acrónimo de Código de Processo Civil
[10] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário
[11] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária