DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ...-..., vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 07-02-2019, visa a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, dos atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativos aos períodos de 2018 e de 2019, no valor de € 2 913,35 e de € 2 839,62, respetivamente, totalizando a importância de € 5 752,97, e a uma embarcação de recreio, de uso particular, de que é proprietário, registada no Registo Internacional de Navios (RINM-MAR), da Zona Franca da Madeira. A par da anulação das questionadas liquidações, o Requerente solicita ainda que seja declarado o direito a juros indemnizatórios, contados nos termos legais.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.
5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.
6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
7. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 23-04-2019.
8. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, expressando entendimento no sentido de dever manter-se na ordem jurídica os atos impugnados e, em conformidade, dever o tribunal pronunciar-se pela absolvição da entidade requerida.
9. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
10. Assim, por despacho de 30-05-2019, objeto de oportuna notificação, foi decidido, salvo oposição das Partes, dispensar a referida reunião, sendo concedido um prazo de 20 dias para apresentação de alegações escritas.
11. Apenas a Requerente apresentou alegações escritas, reafirmando a posição já anteriormente expressa na petição oportunamente apresentada.
II. Saneamento
12. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
13. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).
14. O processo não enferma de vícios que o invalidem e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa.
III. Matéria de facto
15. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo, destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:
15.1. O Requerente é proprietário de uma embarcação de recreio denominada “...” com o casco IT-..., matriculada em 22-10-2014, sob o n.º..., fls..., do Livro..., na Conservatória do Registo Comercial da Zona Franca da Madeira – Registo n.º R-... (Doc. 1).
15.2. A embarcação referida recebeu a primeira matrícula em 01-10-2009, e tem a potência do motor de 1 044,00 kw (Cf. processo administrativo).
15.3. Na sequência de consulta formulada pelo Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira emitiu parecer, não vinculativo, no sentido de que, ao abrigo das disposições do artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26/06, e artigo 24.º, n.º 2, do Decreto-Lei nº 96/89, de 28/03, o MAR “beneficia do regime fiscal previsto para a zona franca da Madeira, o qual dispõe que as empresas instaladas na Zona Franca da Madeira gozam de isenção de impostos locais e porque o IUC incidente sobre os veículos de categoria F é receita dos municípios, então as embarcações de recreio registadas no MAR beneficiam de isenção de IUC.” (Doc.3)
15.4. Com base referido parecer, o Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), em 05-11-2014, através da sua Comissão Técnica, emitiu uma declaração certificando, “para os devidos, que a Embarcação de Recreio denominada “...”, registada no MAR sob o n.º R-..., Indicativo de Chamada CRA..., está isenta do pagamento do Imposto Único de Circulação, pelo facto de ser um benefício fiscal de natureza automática das embarcações de recreio registadas neste Registo consagrada em legislação específica (art.º 1.º D.L. 192/2003, de 22/08, conjugado com o n.º 2 do art.º 24.º do D.L. 96/89, de 28/03, e da alínea a) do art.º 7.º do D.L. 165/86, de 26/06)” (Doc. 4)
15.5. No pressuposto de poder beneficiar da isenção em causa, o Requerente, a partir do período de 2014, inclusive, não efetuou o pagamento do IUC relativo à embarcação em causa.
15.6. Entretanto, em resposta a consulta formulada pela Direcção de Finanças do Porto, foi homologado, por despacho da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 19-10-2015, parecer emitido pela Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais (DSIMT) que, em termos conclusivos, vai no sentido de que “ ... III. O regime fiscal da Zona Franca da Madeira não contempla qualquer benefício fiscal em sede de IUC. O Código do IUC prevê benefícios fiscais para outras categorias de veículos relacionados com a Zona Franca da Madeira, sem incluir a Categoria F. IV. As embarcações ... e ... se encontram, assim, sujeitas a IUC nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IUC, inexistindo norma que suspenda ou impeça a tributação.” – Informação n.º 1482/2015. De 14.7.2015, Proc. 1183/2015, integrante do processo administrativo.
15.7. Com base neste entendimento, a AT promoveu liquidações oficiosas de IUC relativas à embarcação supra identificada e aos períodos de tributação de 2014 e seguintes.
15.8. Nas referidas liquidações incluem-se as respeitantes aos períodos de 2018 e de 2019, cuja declaração de ilegalidade, e consequente anulação, constituem o objeto do presente processo:
- 2018..., emitida em 08-01-2019, no valor de 2 913,55;
- 2019..., emitida em 08-01-2019, no valor de 2 839,62.
15.9. Em 08-01-2019, o Requerente efetuou o pagamento das importâncias em causa.
16. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.
IV. Matéria de direito
17. Está, pois, em causa a apreciação da legalidade das liquidações de IUC relativas aos períodos de 2018 e de 2019 e a uma embarcação de recreio de uso particular, abrangida pela incidência deste tributo, no âmbito da Categoria F a que se refere o artigo 2,º, n.º1, do Código do IUC.
18. Com efeito, este preceito define a incidência objetiva do referido tributo em função de diversas categorias de veículos, naquela se integrando as “Embarcações de recreio de uso particular com potência motriz igual ou superior a 20 kW, registados desde 1986”.
19. De acordo como número 4 do mesmo artigo, aditado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/04 “ 4 - Nos casos de veículos das categorias F e G, entende-se por uso particular o uso de uma embarcação ou de uma aeronave pelo seu proprietário ou por uma pessoa singular ou coletiva que a utilize, mediante aluguer ou a outro título, para fins não comerciais, designadamente para fins que não sejam o transporte de pessoas, de mercadorias ou a prestação de serviços, a título oneroso ou no interesse das autoridades públicas.
20. Conforme decorre dos elementos documentais que integram o presente processo, designadamente do processo administrativo e documentos juntos à petição, a viatura a que respeita o tributo impugnado encontra-se abrangida pela incidência objetiva do IUC, ao abrigo das normas da alínea f) do n.º 1 e número 4 do artigo 2.º do Código do IUC.
21. No que respeita à incidência subjetiva, dispõe o artigo 3.º, n.º 1, do citado Código, na redação em vigor à data da exigibilidade do tributo impugnado que “1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”
22. Do exposto resulta, pois, que a questão a decidir, no que concerne à ilegalidade das liquidações impugnadas, assenta, exclusivamente, em determinar-se se a embarcação em causa, pelo facto de se encontrar registada no RINM-MAR em nome do Requerente beneficia da isenção atribuída às empresas instaladas na Zona Franca da Madeira, conforme pretende o Requerente, ou, conforme sustenta a AT, tal benefício não contempla a situação exposta.
Posição do Requerente
23. O Requerente suscita o seu pedido de declaração de ilegalidade das liquidações que impugna alegando, no essencial que:
a) A embarcação de recreio de que é proprietário encontra-se abrangida pela incidência do IUC, mas, de acordo com o norma do artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26/06, conjugada com o artigo 24.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28/03, existe um regime de equiparação legal das embarcações tanto mercantis como de recreio entre os navios registados no Registo Internacional de Navios da Madeira (RINM-MAR) e as empresas sediadas na Zona Franca da Madeira, pelo que “atribui-se aos navios registados no RINM-MAR os benefícios fiscais que são atribuídos às empresas.”
b) Às embarcações de recreio registadas no RINM-MAR, consideradas embarcações que arvoram o pavilhão português, aplica-se, assim, nos termos do Decreto-Lei n.º 192/2003, de 22/08, o regime da Zona Franca da Madeira, nos termos do artigo 6.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28/03, por remissão do artigo 1.º daquele diploma.
c) Pelo que, em conclusão, entende o Requerente que sendo o IUC um imposto local, para o qual releva o porto de registo, as embarcações de recreio registadas no RINM-MAR beneficiam de isenção deste tributo, independentemente da residência em território nacional ou no estrangeiro dos respetivos proprietários.
24. Reforçando a fundamentação expendida na petição, o Requerente, em sede de alegações, veio precisar que: “Trata-se, portanto, da aplicação de um regime especial que teve em vista estancar os processos de saída de navios do registo principal para registos de conveniência, como resulta da exposição de motivos que temos vindo a transcrever do DL 96/89, de 28 de Março, e em relação aos quais o legislador também teve em conta a deslocalização de armadores nacionais.
Aplicando-se este regime, ainda que pensado para a marinha de comércio, a verdade é que nos termos do art.º 1.º do DL 192/2003, de 22 de agosto, o mesmo se estende, sem qualquer limite legal, às embarcações de recreio, como é o presente caso.
Assim, é de se entender que o IUC enquadra-se no art.º 7.º al. d) do DL 165/86, de 26 de Junho.”
Posição da Requerida
25. Sustentando a improcedência do pedido de declaração de legalidade e anulação das questionadas liquidações de IUC, a Requerida alega, em síntese, que:
a) A embarcação encontra-se abrangida pela incidência do IUC, por verificação da norma de incidência constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 2.º, do Código do IUC.
b) O regime fiscal previsto para a Zona Franca da Madeira, engloba o disposto no Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo DL 215/89 de 01/07 e o disposto no DL nº 165/86 de 26/06, com diferentes âmbitos de aplicação.
c) Nos termos do DL nº 165/86 de 26/06, nomeadamente o seu artigo 7º, as empresas instaladas na Zona Franca da Madeira encontram-se isentas de taxas e impostos locais (alínea d) do art.º 7º), isenção esta que se estende às embarcações de recreio, por via dos artigos 8º e 26º, do DL 96/89 de 28/03, pela equiparação dos navios registados no MAR às empresas instaladas para efeitos fiscais.
d) Contudo, nos termos do artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, constituem sujeitos passivos do imposto, os proprietários dos veículos registados como tal, sendo que, apesar de o nº 1 do artigo 2º da Lei nº 22-A/2007, de 29/06, determinar que o IUC é administrado pela atual Autoridade Tributária e Aduaneira, o nº 1 do artigo 3º da mesma Lei, a receita do IUC relativa, entre outros, aos veículos da categoria F, é da titularidade do município de residência do sujeito passivo.
e) Assim, a titularidade a que se refere o artigo 3º, nº 1 da Lei nº 22-A/2007, de 29/06, é apenas a titularidade da receita, sendo, por isso, o IUC um imposto de natureza estadual, constituindo o Estado o sujeito ativo da relação jurídico-tributária.
f) Na interpretação da alínea d) do artigo 7º do Decreto-Lei nº 165/86, de 26/06, a referência a “taxas e impostos locais”, refere-se às taxas criadas no âmbito do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais e aos impostos criados no âmbito das competências tributárias dos municípios, previstas no artigo 15º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais.
g) Logo, o IUC não se enquadra no conceito de “taxas e impostos locais” constantes da alínea d) do artigo 7º do Decreto-Lei nº 165/86 de 26/06.
26. Conclui, assim, a Requerida que “a embarcação supra identificada encontra-se sujeita a IUC, nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 2º do Código do IUC, porquanto não existe norma que suspenda ou impeça a tributação.”
Da legislação aplicável
27. Conforme decorre das posições supra referidas as questões que se suscitam no âmbito do presente processo têm a ver, exclusivamente, com o sentido e alcance do regime de incentivos fiscais atribuídos à Zona Franca da Madeira constantes do artigo 7.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26/06, aplicável aos navios registados no RINM-Mar, por força do disposto nos artigos 8.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28/03.
28. Com relevância para a análise do âmbito e extensão dos incentivos fiscais constantes da legislação referida importa, ainda, determinar-se o conceito de “impostos locais” e, designadamente, saber se o IUC corresponde a tal classificação.
Do âmbito e extensão do incentivo fiscal
29. De acordo com o disposto no artigo 7.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26/06, as empresas instaladas na Zona Franca da Madeira gozam de isenção de taxas e de impostos locais.
30. Relativamente ao RINM-MAR dispõe o artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 96/90, de 28/03, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 393/93, de 23/11, que “ 1 - As sociedades e suas formas de representação, bem como os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que prossigam as atividades da indústria de transportes marítimos ou da marinha de recreio na Região Autónoma da Madeira, farão parte da atividade desenvolvida no âmbito institucional da zona franca e como tal integrarão aquela zona para todos os efeitos, desde que o requeiram e sejam devidamente licenciados.” Segundo o artigo 24.º do mesmo diploma, “1- O regime fiscal aplicável às entidades referidas no artigo 8º é o previsto na legislação relativa à zona franca da Madeira. 2 - O regime referido no número anterior aplica-se também aos navios registados no MAR.”
31. Através do Decreto-Lei n.º 192/2003, de 22/08, foi especificamente regulado o registo de embarcações de recreio no Registo Internacional de Navios da Madeira, prevendo o respetivo regulamento, no seu artigo 1.º, que “ Os atos de registo e os demais atos relativos às embarcações de recreio no Registo Internacional de Navios da Madeira, abreviadamente designado por MAR, ficam sujeitos ao regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de Março, com a redação introduzida pelos Decretos-Lei n.º 393/93, de 23 de Novembro, 5/97, de 9 de Janeiro, 331/99, de 20 de Agosto, e 248/2002, de 8 de Novembro, e no presente regulamento.”
Do conceito de impostos locais
32. Sendo certo que, como alega a Requerida, “não existe norma que suspenda ou impeça a tributação” do IUC a que estão sujeitas as embarcações de recreio que preencham os requisitos na respetiva norma de incidência, coloca-se, desde logo, a questão de saber-se de este tributo se configura como um “imposto local” suscetível de enquadramento no âmbito da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26/06, conforme alega o Requerente na fundamentação que sustenta o pedido de pronúncia arbitral.
33. Esta matéria foi já objeto de abordagem em anteriores decisões arbitrais, designadamente no processo 665/2017-T, a que, sem reservas, se adere:
5.3. Nos termos do artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho: "[a] competência relativa à administração do imposto sobre veículos, abreviadamente designado por ISV, e do imposto único de circulação, abreviadamente designado por IUC, cabe à Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e à Direção-Geral dos Impostos, respetivamente.".
5.4. Ainda, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 da referida Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, "[é] da titularidade do município de residência do sujeito passivo ou equiparado a receita gerada pelo IUC incidente sobre os veículos da categoria A, E, F e G, bem como 70% da componente relativa à cilindrada incidente sobre os veículos da categoria B, salvo se essa receita for incidente sobre veículos objeto de aluguer de longa duração ou de locação operacional, caso em que deve ser afeta ao município de residência do respetivo utilizador".
5.5. Importa destacar, a este respeito, que a titularidade da receita do IUC é do município de residência do sujeito passivo e não do município ou região onde a embarcação se encontra registada.
5.6. Neste sentido, ainda, o artigo 14.º, alínea c) da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro de 2013, que estabelece o Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, sob a epígrafe "receitas municipais" dispõe que "constituem receitas dos municípios: c) A parcela do produto do imposto único de circulação que caiba aos municípios, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho".
5.7. Em todo o caso, nos termos do artigo 24.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março,"[o] regime fiscal aplicável às entidades referidas no artigo 8º é o previsto na legislação relativa à zona franca da Madeira", acrescentando o número 2 do mesmo artigo que o "regime referido no número anterior aplica-se também aos navios registados no MAR".
5.8. Nos termos do artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho"[a]s empresas instaladas na zona franca da Madeira gozam dos seguintes benefícios fiscais: Isenção de taxas e impostos locais;"
5.9. Ora, sem prejuízo de o artigo 3.º, n.º 1, alínea b) da LGT distinguir entre tributos "estaduais, regionais e locais", o referido diploma não apresenta um critério distintivo que permita identificar cada um dos três.
5.10. Desta feita, a doutrina tem vindo a trabalhar os referidos conceitos sem que, contudo, seja unânime quanto ao critério que permite distinguir, em particular, um imposto estadual de um imposto local.
5.11. Os critérios mais frequentemente apontados pela doutrina são o critério da administração do tributo e o critério da titularidade da receita.
5.12. Neste sentido, Suzana Tavares da Silva refere que "esta distinção radica na titularidade ativa da relação jurídica fiscal e através dela pretende-se destacar que nem toda a receita dos impostos é destinada aos «cofres gerais do Estado». Com efeito a par dos impostos estaduais, aqueles cuja titularidade do crédito do imposto pertence ao Estado, sobressaem, a jusante do Estado, os impostos regionais e municipais, e a montante deste, os impostos europeus e internacionais.
A doutrina não é unânime quanto ao recorte a dar a esta classificação. Alguns autores sublinham que o facto de as operações de lançamento, liquidação e cobrança dos impostos serem efetuadas pelos serviços da Administração Fiscal (ex. art.º 113.º do CIMI), não obstante a titularidade municipal da respetiva receita (ex. art.º 1.º do CIMI), não é suficiente para que se possa falar em imposto municipal, o que só poderá acontecer quando os municípios optarem por promover a respetiva liquidação e cobrança nos termos do disposto no art.º 13.º/2 da Lei das Finanças Locais (Casalta Nabais: 2012, pp. 78). Já outros autores atentam apenas no sujeito ativo da relação do imposto, independentemente de quem procede à respetiva gestão, tendendo assim a classificar o imposto como municipal, desde que a lei estabeleça uma entidade diferente do Estado como o sujeito ativo da respetiva relação de imposto."(Susana Tavares da Silva, Direito Fiscal – Teoria Geral, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013, p. 43).
5.13. Repare-se que, também a legislação Portuguesa parece apresentar alguma flutuação quanto aos critérios utilizados.
5.14. Veja-se, por exemplo, que enquanto o Decreto Legislativo Regional n.º 27/2008/M, de 3 de Julho, que "aprova a adaptação orgânica e funcional da legislação fiscal nacional à Região Autónoma da Madeira" apenas qualifica como "Impostos locais" o Imposto Municipal sobre Imóveis e o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (veja-se Secção II do referido Decreto Legislativo Regional), o Orçamento do Estado inclui o IUC no capítulo dos impostos locais (cf. Orçamento do Estado para 2019, aprovado pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro).
34. Não, é, pois unívoco o sentido de “impostos locais”. Porém, com relevância para a situação em análise, mais do que atender-se à definição em abstrato do sentido da expressão, importa ter-se presente que, no caso concreto do IUC a receita gerada por este tributo é atribuída ao município da residência do sujeito passivo e não ao daquele onde a embarcação se encontre registada.
35. Como se acentua na decisão arbitral antes referida, que, neste segmento, também se acompanha:
“5.16. Não importará tanto determinar se o IUC se pode reconduzir a um qualquer conceito de imposto local (i.e., saber se é um imposto local em abstrato), já que, na opinião deste Tribunal, a isenção acima referida tem o seu âmbito de aplicação territorial limitado aos casos em que exista titularidade da receita, ou seja, não se aplica a todos os impostos que possam ser reconduzidos ao conceito de impostos locais em abstrato.
5.17. Por outras palavras, a isenção não foi estabelecida para impostos locais em abstrato, exigindo antes uma ligação a uma determinada receita da qual se é titular.
5.18. No caso concreto, porém, o titular da receita é o município de residência do sujeito passivo, i.e., o município de ..., e não o município ou região onde a embarcação se encontra registada, pelo que o Requerente não poderá beneficiar da isenção.
5.19. Como escreve Nuno Sá Gomes, que dá como exemplo os benefícios fiscais concedidos às Zonas Francas da Madeira e da Ilha de Santa Maria, de "harmonia com o âmbito de aplicação territorial dos impostos em que se inscrevem, os benefícios fiscais têm, paralelamente, âmbito nacional, continental, regional ou local." (Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 165, Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1991, p. 140).
5.20. Com efeito, ponderada a integração do artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, no sistema jurídico-tributário nacional é esta a interpretação que nos parece mais consistente.”
36. Ainda sobre o sentido e alcance da isenção prevista no artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26/06, a decisão que, em inteira concordância, se vem acompanhando, assinala o pendor marcadamente territorial do preceito nos seguintes termos:
5.22. Com efeito, decorre, desde logo, do preâmbulo do diploma que "o Governo propôs e obteve da Assembleia da República autorização legislativa para rever os benefícios fiscais a conceder às empresas que se instalem nas zonas francas já criadas, o que ora se faz, em conjugação com outros benefícios cuja atribuição visa iguais propósitos.
Na conceção do esquema de incentivos agora consagrado teve-se já em consagração o atraso económico de ajuda à instalação de empresas definido em termos compatíveis com o disposto no n.º 3 do artigo 92º do Tratado de Roma e vocacionado para o desenvolvimento regional e para a melhoria das condições de concorrência por parte das empresas que se instalem na zona franca da Madeira (...)" (sublinhados e negritos nossos),
5.23. Decorrendo também da parte dispositiva do referido diploma legal, de onde resulta logo do artigo 1.º que "para promoção e captação de investimentos na Zona Franca da Madeira poderão ser concedidos benefícios fiscais e financeiros de âmbito regional, (...)"(negritos e sublinhados nossos).
5.24. Igualmente, nos termos do artigo 2.º, "[o]s incentivos a conceder para promover e captar investimentos na zona franca da Madeira serão definidos pelo Governo Regional, tendo em conta, designadamente, o seu contributo para o desenvolvimento económico e social da Região e os recursos de que o Governo Regional possa dispor para o efeito". (negritos e sublinhados nossos).
37. A isenção a que se refere a norma referida aplica-se, nos seus precisos termos, às empresas instaladas na Zona Franca da Madeira, estabelecendo o artigo 24.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28/03, que o regime fiscal aplicável às entidades que prossigam a atividade da indústria da transportes marítimos ou da marinha de recreio na Região Autónoma da Madeira é o previsto na legislação relativa à Zona Franca da Madeira. Acrescenta ainda o mesmo artigo, no seu número 2, que “O regime referido no número anterior aplica-se também aos navios registados no MAR.”
38. As isenções fiscais constantes dos preceitos que se vêm referindo, pressupõem, desde logo, que os respetivos beneficiários sejam empresas, individuais ou coletivas e que desenvolvam uma atividade económica, estabelecendo o artigo 8.º, n.º 1, do referido diploma, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 393/93, de 23/11, que “(..). as atividades da indústria de transportes marítimos ou da marinha de recreio na Região Autónoma da Madeira, farão parte da atividade desenvolvida no âmbito institucional da zona franca e como tal integrarão aquela zona para todos os efeitos, desde que o requeiram e sejam devidamente licenciados.”
39. Para além da vertente empresarial assinalada, constitui exigência legal de acesso aos incentivos fiscais, nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28/03, que as empresas que não tenham a sua sede na Região Autónoma da Madeira, devem “... dispor localmente de sucursal, delegação, agência ou qualquer outra forma de representação, dotada de todos os poderes necessários para, perante as autoridades do Estado ou da Região Autónoma da Madeira e perante terceiros, assegurar uma representação plena, com escolha de domicílio particular para o efeito.”. Esta exigência, reafirmada no artigo 17.º, n.ºs 2, alínea b) e 3, do mesmo diploma, é extensiva às pessoas singulares.
40. Da legislação referida pode, assim, extrair-se que os incentivos fiscais atribuídos às empresas estabelecidas na Zona Franca da Madeira e embarcações nela registados, se destinam a pessoas, singulares ou coletivas, que exerçam atividades económicas.
41. Com efeito, conforme resulta enunciado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28/03, a criação do Registo Internacional de Navios da Madeira teve em vista a “vir a funcionar como elemento de dinamização da marinha de comércio nacional e fator de estancagem da passagem de navios portugueses para bandeira de conveniência, será também um importante fator de dinamização económica da Região Autónoma da Madeira e do País, quer criando emprego neste sector, em que os Portugueses têm historicamente revelado aptidões especiais, quer permitindo o crescimento de atividades direta e indiretamente relacionadas com o MAR, tanto no campo económico como da educação e da investigação.”
42. A circunstância de as embarcações de recreio não afetas a fins comerciais poderem ser objeto de registo no RINM-MAR não implica que, por tal facto, possam beneficiar do regime de incentivos fiscais previstos nos artigos 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26/06 e 24.º do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28/03, acessíveis às empresas que, no âmbito da Zona Franca da Madeira, exerçam atividades económicas.
43. As embarcações de recreio, registadas no MAR, que sejam afetas a atividades empresariais – fins comerciais –não se incluem no âmbito de incidência do IUC. Por seu lado, as embarcações de recreio de uso particular, na aceção do artigo 2,º, n.º 4, do CIUC, poderão beneficiar das isenções previstas no artigo 1.º do Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 192/2003, de 22/08, relativamente a “atos de registo e demais atos” a elas relativos, não se incluindo, porém, no seu âmbito os impostos eventualmente devidos, sejam eles estaduais, regionais ou locais, designadamente o IUC, por ausência de previsão legal expressa.
44. Nestes termos, conclui-se que, na situação em apreço, não se verificam os pressupostos legais da isenção invocada pelo Requerente, pelo que terá necessariamente de improceder o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações impugnadas, as quais deverão manter-se na ordem jurídica por não enfermarem de ilegalidade.
45. Julgado, pois, improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos impugnados, fica a apreciação do pedido prejudicada na vertente relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
VI. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
- Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo as liquidações de IUC impugnadas.
- Condenar o Requerente no pagamento das custas.
Valor do processo - De harmonia com o disposto no artigo 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 5 792,97.
Custas - Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Lisboa, 13 de Julho de 2019,
O árbitro,
Álvaro Caneira