DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A..., S.A. (NIF/NIPC...), com sede na Rua ..., n.º..., ..., ..., em Lisboa (“Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, apresentar, em 20/12/2018, pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do acto de liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.º 2018..., relativo ao ano de 2018, concretizado através do documento de cobrança n.º 2018... .
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
2.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 28 de Fevereiro de 2019.
3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente, alega, em síntese, o seguinte:
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O acto de liquidação de AIMI identificado enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI.
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Apenas se encontram abrangidos pelo regime do AIMI os prédios urbanos afectos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
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No caso em apreço, os bens imóveis constituem propriedade de empresas que se destinam a transaccioná-los, não constituindo, por sua vez, indício de capacidade contributiva. Ao invés, constituem condição necessária ao exercício da respectiva actividade económica, tal como sucede com uma sociedade que detenha qualquer outro tipo de mercadoria que pretenda transaccionar no âmbito da sua actividade.
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Não se encontram sujeitos a AIMI os prédios urbanos afectos às actividades económicas, sendo que a detenção deste tipo de propriedade não se traduz num factor demonstrador de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos proprietários dos mesmos.
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Entende a Requerente que, na medida em que a actividade da mesma se enquadra na compra e venda de imóveis, o seu património, afecto à prossecução da sua actividade económica, no âmbito dos princípios norteadores do ordenamento jurídico português, não deveria ser considerado para efeitos de apuramento do AIMI. Afirma, ainda, a Requerente que a sua posição é corroborada por inúmera jurisprudência arbitral.
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A Requerente considera que a exclusão de incidência dos terrenos com afectação comercial, industrial ou para serviços é a única interpretação que se afigura coerente com a opção legislativa plasmada no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, que exclui da incidência do imposto os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços».
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A Requerente considera que deverá realizar-se uma interpretação extensiva da norma de exclusão presente no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI. A não ser assim, i.e., se se interpretar a norma de apreço de modo exclusivamente literal e, consequentemente, se considerar que os terrenos para construção que se destinem a «comércio, indústria ou para serviços» se encontram incluídos no âmbito de incidência do AIMI, entende a Requerente que a mesma será materialmente inconstitucional.
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A liquidação do AIMI objecto do presente pedido de pronúncia arbitral enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, na parte em que considera sujeita a AIMI a componente do valor patrimonial tributável dos terrenos para construção que tenham sido determinados tendo por base as potenciais afectações futuras de «serviços» e «comércio».
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É por demais evidente que qualquer erro na liquidação será imputável aos serviços, considerando a Requerente ser este o caso subjacente ao presente pedido, uma vez que, em seu entender, é inequívoca a existência de erro na liquidação do AIMI relativa ao período de 2018.
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Face ao exposto, tendo sido paga, na totalidade, a liquidação de AIMI identificada, e uma vez que houve erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária na liquidação do tributo, do qual resultou o pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido, a Requerente entende que são devidos juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento do respectivo reembolso. Neste sentido, a Requerente peticiona o direito ao recebimento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos com o deferimento do presente pedido de pronúncia arbitral.
3.1. A Requerente termina pedindo: i) que se dê como provada a presente acção arbitral e, em consequência, seja anulado parcialmente o acto de liquidação de AIMI n.º 2018...; ii) que, em consequência da referida anulação parcial, se profira decisão a ordenar o reembolso do valor de € 4550,17, pago indevidamente a título de AIMI; iii) que se profira decisão a ordenar o pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos, no caso de procedência do presente pedido.
4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (daqui em diante será abreviadamente designada por “Requerida” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:
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O objecto do pedido em análise consubstancia-se no acto de liquidação de adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) referente ao ano de 2018, identificada pelo n.º 2018..., no montante total de € 105.481,57, impugnando a Requerente o valor de € 4.550,17, porquanto respeita à componente do valor patrimonial tributável de terrenos para construção sem afetação habitacional.
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O adicional ao imposto municipal sobre imóveis (AIMI) criado pelo artigo 219.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, mediante o aditamento ao Código do IMI dos artigos 135.º-A a 135.º-K, passando a constituir o capítulo XV do respectivo código, surge como uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social.
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O AIMI enquanto tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social incide «sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular» (vide o n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI). À semelhança do regime do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), são sujeitos passivos do Adicional de IMI, os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos respectivos prédios, independentemente das suas qualidades de pessoas singulares ou colectivas, equiparando-se a estas «quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal» (vide n.º 1 e n.º 2 do artigo 135.º-A).
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Como decorre do artigo 135.º-B do CIMI, verifica-se que o AIMI incide sobre os prédios classificados como habitacionais e como terrenos para construção – independentemente da sua afetação potencial (atento o facto de a lei remeter, sem mais, para o artigo 6.º do Código do IMI) – na medida em que os mesmos não constam expressamente na norma de delimitação negativa de incidência. Ou seja, o legislador não estabeleceu o afastamento da norma de incidência fiscal dos terrenos para construção por motivos relacionados com a sua afectação potencial.
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No entender da Requerida, pode afirmar-se que, no que concerne ao AIMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas coletivas e estruturas equiparadas (n.º 2 do artigo 135.º-A do CIMI), o imposto assume a natureza de imposto real, na medida em que a modelação do quantitativo a pagar abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como não atinge a totalidade do património líquido das entidades.
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No que respeita às pessoas colectivas e estruturas equiparadas, o AIMI tem natureza de tributação real, reflectindo desta forma a ideia de que os elementos integrantes do património imobiliário detido por estas entidades desempenham, em regra, uma função económica, não representando, por isso, uma mera acumulação de riqueza.
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Conclui-se, inequivocamente, que a sujeição dos terrenos para construção e dos prédios classificados como habitacionais à norma de incidência do AIMI é efetuada independentemente da sua afectação potencial, bem como da natureza e especificidades do seu titular.
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Uma vez que na versão final aprovada e que se encontra em vigor foi expressamente estabelecida a delimitação da incidência e da exclusão de incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, há, pois, que respeitar a opção do legislador.
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Ao contrário do alegado pela Requerente, não se verifica qualquer ilegalidade nas liquidações de AIMI, nem a ratio legis presente no artigo 135.º-B do Código do IMI tem o alcance pretendido pela Requerente.
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Não se vê que a tributação do património imobiliário da Requerente afronte o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva apenas porque a titularidade de bens imóveis constitui o próprio objecto ou contribui directamente para o desenvolvimento da sua actividade económica. Em suma, não se afigura, pois, que a incidência de AIMI sobre os imóveis da titularidade de empresas que exercem a sua actividade no sector imobiliário, nomeadamente de terrenos para construção adquiridos com o intuito de neles promover edificações destinadas a venda, seja discriminatória ou que estas empresas devam merecer um tratamento mais vantajoso do que o concedido à generalidade dos proprietários de prédios urbanos.
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Não se vislumbra que a tributação dos terrenos para construção, com afectação para «comércio e serviços», nos moldes em que se encontra prevista nos artigos 135.º-A e 135.º-B do CIMI, colida com o princípio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva. De igual modo se conclui que a tributação dos terrenos para construção detidos por pessoas coletivas – que façam parte do seu património imobiliário e estejam afectos ao desenvolvimento da sua actividade económica – nos moldes em que se encontra prevista nos artigos 135.º-A e 135.º-B do CIMI, colida com o princípio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva.
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Como ficou plenamente demonstrado e de acordo com a jurisprudência maioritária, a tributação em sede de AIMI não acarreta uma discriminação negativa injustificada à propriedade de empresas cuja actividade económica é a compra e venda de imóveis quando, simultaneamente, a lei exclui da tributação os imóveis destinados a comércio, indústria ou serviços.
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No que se refere ao pagamento de juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º da LGT, por tudo quanto supra se disse, entende-se não enfermarem os actos impugnados de qualquer vício que determine a sua anulação.
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Em face de todo o exposto [conclui-se] que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis não viola qualquer princípio legal ou constitucional, nomeadamente o princípio da igualdade previsto no artigo 55.º da LGT, e nos artigos 13.º e n.º 4 do artigo 103.º, ambos da Constituição da República Portuguesa (CRP), nem o princípio da justiça previsto no artigo 55.º da LGT e no n.º 2 do artigo 266.º da CRP. Como também não se verifica qualquer erro por parte da Requerida na interpretação do artigo 135.º-B do CIMI, ao sujeitar a AIMI terrenos para construção de imóveis cuja utilização potencial é para «comércio, indústria ou para serviços», pois essa interpretação corresponde inteiramente e de forma fiel e rigorosa ao texto, sentido e ratio da lei.
4.1. A AT conclui pedindo que seja julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, nos termos peticionados.
5. Não tendo sido invocadas excepções e não havendo matéria de facto controvertida, por as questões a decidir serem de direito, o Tribunal Arbitral, através de despacho de 1 de Julho de 2019, considerou que não se justificava a audição de testemunhas e prescindiu da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Foi, também, fixado o dia 12 de Julho de 2019 para a prolação da decisão arbitral.
II. Saneamento
6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.
7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8. Pelo supra exposto, e não se verificando nulidades, impõe-se o conhecimento, em seguida, do mérito do pedido.
III. Questão a decidir
9. Na sua petição arbitral, a Requerente alega que o acto de liquidação de Adicional ao IMI em causa (n.º 2018...), relativo ao ano de 2018, “enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI”.
10. Pelo exposto, a questão essencial a decidir nos presentes autos diz respeito à avaliação da conformidade do referido acto com o disposto no CIMI.
IV. Mérito
IV.1. Matéria de facto
11. Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A. A Requerente (sociedade anónima de direito português, com sede e direcção efectiva em Portugal, que tem como objecto social a actividade imobiliária) era, à data de 1 de Janeiro de 2018, proprietária de diversos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana das freguesias do ... e de ..., do concelho de Lisboa, nomeadamente dos terrenos correspondentes aos artigos matriciais U-... e U-..., ambos da freguesia do ... (vd. Docs. 3 e 4 apensos aos presentes autos), e dos terrenos correspondentes aos artigos matriciais U-... e U-..., ambos da freguesia de ... (vd. Docs. 5 e 6 apensos aos autos).
B. No dia 16/8/2018, a Requerente foi notificada da liquidação de AIMI emitida pelo 11.º SF de Lisboa, por referência ao ano de 2018, identificada com o n.º 2018... e datada de 30/6/2018, e concretizada pelo documento de cobrança n.º 2018... (vd. Doc. 1 apenso aos autos).
C. O apuramento do VPT foi realizado de acordo com o que consta da matriz, conforme o disposto no art. 135.º-C do CIMI, não se encontrando os imóveis em causa abrangidos pelas exclusões previstas no n.º 2 do art. 135.º-B, nem pelo n.º 3 do art. 135.º-C do CIMI.
D. Da liquidação de AIMI supra referida resultou um montante a pagar de €105.481,57, do qual €78.154,85 correspondem a terrenos para construção (vd. Doc. 1 apenso).
E. A Requerente procedeu ao pagamento da totalidade do valor em causa (vd. Doc. 2 apenso) mas, considerando que “a cobrança de parte do referido montante carece de base legal”, veio apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral em 20/12/2018.
IV.2. Factos não provados
12. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
IV.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
13. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
14. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
15. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.
IV.4. Matéria de direito
16. Alega a Requerente, no presente processo, que constatou, na liquidação de AIMI aqui em causa, que “se encontram a ser considerados, para efeitos de incidência do AIMI, a totalidade dos terrenos para construção, independentemente da respectiva afectação.” No seu entender, “tendo em consideração a legislação aplicável, à data dos factos, a Requerente considera que a liquidação se encontra incorrectamente apurada, na medida em que a mesma deveria ter sido de apenas €73.604,68, ou seja, o correspondente apenas à componente habitacional do valor patrimonial dos terrenos para construção [conforme tabela que apresenta no §22.º do seu pedido de pronúncia arbitral]”.
17. A Requerente alicerça a sua afirmação no entendimento de que, “no caso em apreço, está em causa a liquidação de AIMI quanto a terrenos para construção que compreendem outras afectações que não sejam a «habitacional», afectações estas (comerciais e serviços) que, no entendimento da Requerente, não se encontram sujeitas a AIMI.”
18. Acrescenta a Requerente que, para sociedades que têm, como é o seu caso, como objecto social a actividade imobiliária, os imóveis em causa não constituem “indício de capacidade contributiva”, antes são “condição necessária ao exercício da respectiva actividade económica”, pelo que conclui que “não se encontram sujeitos a AIMI os prédios urbanos afectos às actividades económicas, sendo que a detenção deste tipo de propriedade não se traduz num factor demonstrador de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos proprietários dos mesmos.”
19. A Requerente considera, ainda, que “a exclusão de incidência dos terrenos com afectação comercial, industrial ou para serviços é a única interpretação que se afigura coerente com a opção legislativa plasmada no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, que exclui da incidência do imposto os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços»”.
20. Consequentemente, conclui que se encontra “excluído da base de incidência o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção cuja determinação tenha tido como base a afectação de «comercial, industrial ou para serviços»”, e que “essa é a única interpretação que se afigura coerente com a opção legislativa plasmada no n.º 2 do referido artigo 135.º-B do Código do IMI”.
21. Estas são, em síntese, as razões pelas quais a ora Requerente entende que “pagou indevidamente a título de AIMI o valor de €4.550,17, por referência a terrenos para construção cuja afectação associada à construção final projectada para cada um deles era «comercial, industrial ou para serviços»”.
22. Na sua resposta, a Requerida considera que “decorre do [art. 135.º-B do CIMI] que o AIMI incide sobre os prédios classificados como habitacionais e como terrenos para construção - independentemente da sua afetação potencial (atento o facto de a lei remeter, sem mais, para o artigo 6.º do Código do IMI) - na medida em que os mesmos não constam expressamente na norma de delimitação negativa de incidência. Ou seja, o legislador não estabeleceu o afastamento da norma de incidência fiscal dos terrenos para construção por motivos relacionados com a sua afetação potencial.”
23. Acrescenta a Requerida que “o legislador afastou da incidência os prédios urbanos classificados como «industriais, comerciais ou de serviços» e «outros» mas optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada. Ou seja, não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos os casos que não fosse atingido o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica, ao contrário do que pretende a Requerente.”
24. Considera, ainda, a Requerida que, “uma vez que na versão final aprovada e que se encontra em vigor foi expressamente estabelecida a delimitação da incidência e da exclusão de incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, há [...] que respeitar a opção do legislador”, e, também, que “não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, pelo contrário, a questão [da eventual alusão à afectação dos imóveis] foi devidamente ponderada, tendo sido abandonada na redação final.”
25. Conclui, assim, a Requerida que, “ao contrário do alegado pela requerente não se verifica qualquer ilegalidade nas liquidações de AIMI, nem a ratio legis presente no artigo 135.º-B do Código do IMI tem o alcance pretendido pela Requerente.”
26. No que diz respeito à alegada violação do princípio da igualdade, a Requerida alega, em síntese, que “não se vê que a tributação do património imobiliário da Requerente afronte o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva apenas porque a titularidade de bens imóveis constitui o próprio objecto ou contribui directamente para o desenvolvimento da sua actividade económica”, dado que “não se afigura [...] que a incidência de AIMI sobre os imóveis da titularidade de empresas que exercem a sua actividade no setor imobiliário, nomeadamente de terrenos para construção adquiridos com o intuito de neles promover edificações destinadas a venda, seja discriminatória, ou que estas empresas devam merecer um tratamento mais vantajoso do que o concedido à generalidade dos proprietários de prédios urbanos.”
27. Vejamos, então.
28. A questão essencial que aqui está em causa já foi objecto de abundante análise em sede arbitral. O entendimento largamente maioritário da jurisprudência arbitral do CAAD é aquele que aqui também se defenderá, por com ele se concordar, pelas razões que serão, em seguida, expostas.
29. Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 6.º do CIMI, “consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.”
30. Por outro lado, é também necessário ter presente o que dispõe a Lei n.º 42/2016, de 28/12 (OE para 2017), que viria a aditar ao CIMI os artigos 135.º-A a 135.º-K, nos quais consta o regime do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI).
31. É necessário ter presente não apenas o texto dos artigos mencionados (com destaque, neste caso, para o art. 135.º-B), mas também o que consta do Relatório desse Orçamento, na medida em que tal possa permitir perceber qual a ratio e alcance das alterações introduzidas: “As medidas de aumento de receita, além da atualização dos IEC’s e ISV em 3%, centram-se na introdução de duas novas tributações: um adicional progressivo sobre o IMI e um alargamento da base do IABA aos refrigerantes. As duas medidas representam em conjunto apenas cerca 0,5% do total da receita fiscal. Em ambos os casos a receita é consignada. A consignação da tributação progressiva do património imobiliário ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema. [...]. O adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo. Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património. Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente, o valor de cada prédio.” (destaque nosso).
32. Considerando o excerto citado e, por outro lado, o facto de que, nos termos do n.º 2 do art. 135.º-B do CIMI, apenas podem ser “excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.” – sabendo-se que a al. c) deste art. 6.º consagra os “terrenos para construção” –, mostra-se evidente a conclusão, que aqui partilhamos com, e.g., a Decisão Arbitral de 23/4/2019 (proc. 559/2018-T), de que “a delimitação negativa do âmbito de incidência do AIMI que viria a ser aprovada não toma como base a atividade a que os prédios urbanos estão afectos, antes definindo-se por referência às espécies elencadas no artigo 6.º do CIMI, independentemente da sua afectação à atividade económica empresarial.”
33. Com efeito, e como também bem refere, a este respeito, a Decisão Arbitral de 15/1/2019 (proc. 420/2018-T), “a redacção do artigo 135.º-B do CIMI que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afectos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas colectivas no âmbito da sua atividade económica. A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento». No entanto, não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ao funcionamento das pessoas colectivas. São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI. Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa. Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos à actividade das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.” (destaque nosso).
34. Não pode, assim, impor-se outra conclusão que não seja a de considerar, tal como o faz abundante jurisprudência arbitral, que a afectação dos imóveis às actividades económicas de pessoas colectivas não afasta a tributação em sede de AIMI (no mesmo sentido aqui expresso e coincidente com as Decisões arbitrais já citadas, e com as que infra serão citadas, vd., e.g.: n.º 678/2017-T, n.º 682/2017-T, n.º 683/2017-T, n.º 684/2017-T, n.º 690/2017-T, n.º 6/2018-T, n.º 310/2018-T, n.º 401/2018-T, n.º 502/2018-T, n.º 506/2018-T, n.º 517/2018-T, n.º 535/2018-T e n.º 574/2018-T).
35. Note-se, ainda, que a questão de ordem interpretativa levantada pela ora Requerente não encontra mínimo abrigo no texto legal em causa. Como bem refere, a este respeito, a Decisão Arbitral de 16/7/2018 (proc. 676/2017-T), “a literalidade dos artigos 135.º-A/1 e 135.º-B/1 e 2 do CIMI é clara e não se presta a qualquer dúvida interpretativa. Sendo a letra da lei, ou elemento gramatical, o primeiro elemento a convocar na hermenêutica jurídica, e sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), não se mostrará necessário convocar outros elementos de entre os disponíveis na panóplia hermenêutica. Com efeito, afigura-se claro que o legislador, ao definir a delimitação negativa da incidência do imposto por referência aos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º» do Código do IMI, está precisamente a pretender remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código lhe atribui. Como ficou consignado no Acórdão Arbitral, proferido no processo n.º 664/2017-T, cuja jurisprudência passamos a seguir, por com ela concordarmos, «A exclusão do imposto abrange, por conseguinte, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. Abarca, para além disso, a espécie residual referida na alínea d) do n.º 1 desse artigo 6.º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não enquadrem em qualquer das anteriores classificações. O âmbito de incidência objetiva, por efeito da remissão para aquele artigo 6.º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efetuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.» É verdade que a preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600.000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento». No entanto, não foi com base na atividade a que estão os imóveis afetos que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redação que veio a ser aprovada, definiu-se, como vimos, a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ou não ao funcionamento das pessoas coletivas.” (destaques nossos).
36. Acresce que, como bem assinala a Decisão Arbitral de 4/5/2018 (proc. 675/2017-T), “se tivesse sido mantida, na redação final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afetos ao funcionamento das pessoas coletivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afetação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa. [...] [não tendo sido feita alusão] à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos ao funcionamento das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI. [Como refere Baptista Machado, em Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 182] «Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento.» No caso em apreço, em face do afastamento da redacção proposta em que se dava relevância à afectação dos imóveis, não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.” (destaques nossos).
37. Também no mesmo sentido, veja-se, novamente, a Decisão Arbitral de 16/7/2018 (proc. 676/2017-T): “não assiste razão ao [entendimento segundo o qual se deveria considerar] que os “terrenos para construção” afectos àquelas [...] actividades [económicas] estão igualmente incluídos nessa regra de exclusão [...]. Acontece que [tal entendimento] parte, desde logo, como já ficou demonstrado, do pressuposto errado quanto ao sentido e alcance do disposto no artigo 135.º-B, n.º 2, do AIMI, segundo o qual por ter sido intenção do legislador subtrair à tributação os prédios afetos às atividades económicas, deve considerar-se igualmente excluída do âmbito de incidência do adicional ao IMI os terrenos para construção cuja potencial utilização coincida com os fins «comerciais, industriais ou serviços». Constituindo a letra da lei o ponto de partida e limite da interpretação, não pode o intérprete chegar a um resultado que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil). Esta tese, além de partir de um pressuposto errado (na pretensa intenção do legislador de desonerar os terrenos afetos à atividade económica), não tem na letra do preceito qualquer suporte. De facto, o artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI limitou-se a excluir do adicional os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», remetendo para a caracterização que é efetuada no artigo 6.º desse Código quanto a essas espécies de prédios urbanos. [...]. Os terrenos para construção são, como resulta do n.º 3 desse artigo 6.º, os terrenos que tenham sido abrangidos por operação de loteamento ou licença de construção e não se destinem a outros fins de natureza urbanística, e não se confundem com os prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, que são aqueles que se encontrem licenciados para esses fins ou, na ausência de licença, tenham como destino normal cada um desses fins. Como ficou consignado no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 664/2017-T, «Tendo o legislador definido uma cláusula de exclusão por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efectuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis considerar. Não podendo sequer chegar-se a esse resultado interpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica. Ainda que se justificasse, numa perspectiva de política fiscal, conferir aos terrenos para construção destinados a edificações para fins comerciais, industriais ou para serviços o mesmo estatuto que veio a ser atribuído aos prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, o certo é que não foi essa a opção legislativa, que se limitou a excluir do âmbito de incidência do imposto esses tipos de prédios e não aqueles outros que potencialmente pudessem ser utilizados para esses mesmos fins.»” (destaques nossos).
38. Apesar do que se disse até aqui, a ora Requerente “considera que deverá realizar-se uma interpretação extensiva da norma de exclusão presente no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI [e que,] a não ser assim, i.e., se se interpretar a norma de apreço de modo exclusivamente literal e, consequentemente, se considerar que os terrenos para construção que se destinem a «comércio, indústria ou para serviços» se encontram incluídos no âmbito de incidência do AIMI, entende a Requerente que a mesma será materialmente inconstitucional.”
39. Justifica-se, assim, a análise da alegada inconstitucionalidade.
40. A este respeito, seguiremos, por com ele concordarmos inteiramente, o entendimento que foi defendido, por ex., na Decisão Arbitral de 16/7/2018 (proc. 676/2017-T): a “interpretação [defendida pelo Tribunal] não configura qualquer tratamento discriminatório e violador do princípio da igualdade porquanto estamos a falar de realidades diversas desde logo porque os terrenos para construção não são assimiláveis a prédios urbanos já edificados [...]. Como ficou consignado no Acórdão Arbitral que temos vindo a seguir [de 26/6/2018, proferido no processo n.º 664/2017-T], «o Tribunal Constitucional tem sublinhado, um dos objectivos essenciais constitucionalmente definidos do sistema fiscal, a par da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, é o da repartição justa dos rendimentos e da riqueza, como se depreende do artigo 103.º, n.º 1, da Constituição. É esta vinculação do sistema fiscal à ideia de justiça social e à diminuição da desigualdade na distribuição social dos rendimentos e da riqueza que exige que o mesmo seja progressivo. [...]. A progressividade do sistema fiscal constitui também uma exigência do princípio da igualdade material. [...] [e] o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes [desde] que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e 695/2014)».” (destaques nossos).
41. Atento o acima exposto, realça a referida Decisão Arbitral de 16/7/2018 que, “tal como se pode ler no Relatório do Orçamento para 2017 (pág. 60), [...] a criação do adicional ao IMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, visou introduzir na tributação “um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados”, e, nesse sentido, compagina-se com o princípio da progressividade do imposto a que se reporta o n.º 3 do artigo 104.º da Constituição, que tem como corolário a imposição tendencial de uma maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva. [E,] Segundo a doutrina, também se tem entendido que a tributação do património, a par da tributação do rendimento, constitui uma projecção da capacidade contributiva, funcionando como um prolongamento do imposto pessoal sobre os rendimentos e como o reforço de discriminação qualitativa (Sérgio Vasques, “Capacidade contributiva, rendimento e património”, Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 23, Coimbra, 2005, págs. 33 e 36). Ora, neste contexto, não se vê que a tributação do património imobiliário do [Requerente] afronte o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva apenas porque a titularidade de bens imóveis constitui o próprio objeto da sua atividade económica. Com efeito, os imóveis por si detidos estarão afetos a atividades livremente acessíveis à generalidade dos proprietários de imóveis e de quaisquer outras entidades, ainda que de natureza empresarial, que se dediquem à promoção imobiliária. [...]. [...] a imposição à generalidade dos detentores de imóveis habitacionais ou terrenos para construção de prédios habitacionais não se afigura materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.»” (destaques nossos).
42. Por outro lado, lembra, ainda, a referida Decisão Arbitral de 16/7/2018, que “na linha do que se entendeu no Acórdão Arbitral, de 17 de março de 2016, proferido no processo n.º 507/2015-T, «haverá de estabelecer-se uma destrinça entre a titularidade de património imobiliário destinado a habitação que constitui, em si, um indício tendencialmente seguro de abastança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, e a titularidade de direitos sobre imóveis destinados ao exercício de actividades comerciais, industriais, prestação de serviços ou afins que possam ser reconhecidos como factores de produção e cuja dimensão e valor patrimonial constitui, não tanto uma manifestação de riqueza, mas um padrão de adequação ao funcionamento da empresa. Afigura-se, assim, existir fundamento constitucionalmente aceitável para a restrição da incidência do adicional ao imposto aos prédios habitacionais por confronto com os imóveis classificados como comerciais, industriais ou para prestação de serviços, ficando afastada a invocada inconstitucionalidade com base na violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.» [Com efeito, e] Retomando, de novo, o consignado no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 664/2017-T, «deve ter-se em linha de conta que estamos perante factos tributários diversos. Num caso, a lei sujeita a tributação terrenos urbanizáveis que constituem um activo económico por efeito da sua aptidão para a construção. Noutro caso, a lei exclui do imposto o património edificado que desempenha uma função instrumental relativamente à actividade produtiva. Não há uma necessária conexão entre essas duas realidades. O terreno para construção tem um valor patrimonial próprio que constitui, em si, um indicador de capacidade contributiva que é susceptível de ser objecto de um imposto autónomo sobre o património, independentemente da sua eventual e futura utilização através da implantação de edifício para fins comerciais, industriais ou serviços. O património já construído que se encontre classificado como imóvel comercial, industrial ou para serviços tem já uma função instrumental relativamente a uma certa actividade produtiva que o legislador, dentro da sua margem de livre conformação, pode pretender salvaguardar no quadro das suas incumbências de incremento do desenvolvimento económico e social, que têm assento constitucional (artigo 81.º da Lei Fundamental).” (destaques nossos).
43. Atenta a argumentação citada, com a qual se concorda, percebe-se que não faria sentido isentar de AIMI os terrenos para construção, enquanto tais, dado que, gozando os mesmos de uma capacidade construtiva meramente potencial do tipo de prédio a edificar (para comércio, indústria ou serviços), tal poderia ter como indesejada consequência o desincentivo, por esta via, à sua edificação e utilização efectiva numa actividade produtiva.
44. Note-se, por último, o que se refere no recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 378/2018, de 4 de Julho (ainda que este diga respeito à Verba 28.1 da TGIS) sobre o alcance do princípio constitucional da igualdade tributária: “não decorre do programa constitucional de igualação tributária, por via dos impostos sobre o património, qualquer exigência de discriminação positiva das empresas face aos restantes contribuintes sujeitos a esse tipo de impostos”.
45. Conclui-se, em face do exposto, não existir a alegada violação dos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP.
46. Não enfermando o acto de liquidação de AIMI, na parte impugnada, de qualquer vício que determine a sua anulação, pelas razões que foram acima expostas, terá de concluir-se que fica prejudicado o pedido de reembolso das importâncias pagas a título de adicional ao IMI e, ainda, que não é devido o pagamento dos juros indemnizatórios previstos no artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
V. DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, por não provado, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos, nos termos peticionados, e mantendo na ordem jurídica o acto impugnado.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €4550,17 (quatro mil quinhentos e cinquenta euros e dezassete cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 612,00 (seiscentos e doze euros), a pagar pela Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 12 de Julho de 2019.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.