Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 582/2018-T
Data da decisão: 2019-07-17  IMI  
Valor do pedido: € 14.355,99
Tema: AIMI – Terrenos para construção.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral constituído em 04.02.2019, decide nos termos e com os fundamentos que se seguem:

 

I – RELATÓRIO

 

A..., S.A., sociedade comercial com o número único de pessoa coletiva e de matrícula no Registo Comercial n.º..., com domicílio fiscal na ..., ..., ...-... Lisboa, adiante designada por Requerente, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral no dia 21.11.2018, o qual foi aceite e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), na qualidade de Requerida.

 

A Requerente contesta a legalidade dos seguintes atos:

  • Despacho de indeferimento da reclamação graciosa que correu termos com o número de processo ...2018..., datado de 20.08.2018 (documento 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  • Liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis – AIMI com o número 2017..., relativa ao ano de 2017, no montante de € 14.355,99, incidente sobre os imóveis destinados a habitação de que é proprietária (documento 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

A Requerente fundamenta o seu pedido na inconstitucionalidade do regime do AIMI por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva (artigos 13.º e 104.º, n.º 3 da Constituição).

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, a qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 14.01.2019, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 04.02.2019.

 

No dia 06.03.2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, na qual suscitou uma questão prévia e se defendeu por impugnação.

 

Relativamente à questão prévia, relacionada com o facto de a petição inicial não ter sido subscrita por advogado e de não ter sido apresentada procuração forense, o Tribunal notificou a Requerente para apresentar procuração forense datada de momento anterior ao dia 21.11.2018, sob pena de não se considerar verificado o disposto no artigo 6.º n.º 1 do CPPT, ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea a) do RJAT. Através de requerimento datado de 27.03.2019, veio a Requerente juntar uma procuração datada de 20.11.2018, pelo que a falta ficou sanada.

 

Resumo da posição da Requerente

 

A Requerente é uma empresa que tem como objeto a construção, compra, venda e arrendamento de imóveis de qualquer natureza, próprios ou alheios, bem como a sua valorização através da elaboração de planos ou projetos de urbanização, reconstrução e recuperação e ainda o exercício de toda e qualquer atividade técnica de consultadoria, auditoria e gestão imobiliária. O seu CAE principal é o 41100 – Promoção Imobiliário (desenvolvimento de projetos de edifícios).

 

Mais de 92% do AIMI liquidado incide sobre terrenos para construção e para revenda, o restante incide sobre propriedades de investimento detidos para arrendamento, valorização ou venda.

 

A Requerente entende, contudo, que o regime legal do AIMI viola o princípio constitucional da igualdade e o da capacidade contributiva na ótica do património, consagrados nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3 da Constituição, pelo facto de onerar especialmente as sociedades que exercem a atividade de construção e revenda de imóveis, incluindo terrenos para construção. A tributação toma como indício de capacidade contributiva o que é apenas um fator produtivo, ou seja, um mero instrumento para a realização da atividade produtiva da Requerente. Assim, na aplicação do AIMI ao património imobiliário detido por esta entidade não se encontra verificado o pressuposto essencial da tributação de que a propriedade dos imóveis representa um indício de capacidade contributiva ou de riqueza.

 

A Requerente apresentou, em 19.12.2017, uma reclamação graciosa em que contestou a legalidade da liquidação de AIMI em causa neste processo. A reclamação foi indeferida por despacho de 20 de agosto de 2018.

 

A Requerente sustenta a ilegalidade da liquidação na parte em que inclui no valor tributável o valor patrimonial dos terrenos para construção, solicitando a sua anulação nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, aplicável de acordo com o disposto no artigo 2.º, alínea c) da Lei Geral Tributária. Destaca, ainda, as decisões proferidas nos processos 603/2017-T, 668/2017-T, 669/2017-T, 675/2017-T, 677/2017-T, 679/2017-T, 687/2017-T, 688/2017-T, 694/2017-T, 696/2017-T, 8/2018-T.

 

A Requerente apresenta ainda um pedido de pagamento de juros indemnizatórios, atento o facto de ter procedido ao pagamento do imposto liquidado pela AT.

 

 

 

 

Resumo da posição da AT

 

Depois de fazer o enquadramento jurídico do AIMI, a AT conclui que a lei clara e inequivocamente estabelece a incidência do imposto sobre os terrenos para construção, independentemente da afetação potencial que a este venha a caber uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência do imposto. Apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, o legislador optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção. O legislador não garantiu, nem pretendeu garantir, que não fosse atingido “o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica” em qualquer caso.

 

Na falta de outros elementos “o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto de que o legislador soube exprimir com correção o seu pensamento.” Não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, pelo contrário, a questão foi devidamente ponderada, tendo sido abandonada na redação final. Assim ao contrário do alegado pela requerente não se verifica qualquer ilegalidade na ilegalidade da aplicação do AIMI.

 

Quanto às inconstitucionalidades invocadas pela Requerente, a AT defende-se argumentando que os terrenos para construção não são meramente instrumentais ao exercício da atividade económica, ao contrário, integram o próprio núcleo da atividade económica, com valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações e evidenciam obviamente uma determinada capacidade económica. A tributação consubstanciada no AIMI traduz-se numa imposição específica sobre o património (cf. art.º 4.º, n.º 1 da LGT) e não sobre o rendimento, pelo que bem se compreende a solução legislativa de sujeitar a tributação todos os sujeitos passivos em atenção à titularidade das situações jurídicas relevantes sobre os prédios urbanos identificados na incidência objetiva, com independência da estruturação jurídica ou económica que possam possuir esses sujeitos passivos.

 

No campo da tributação patrimonial, a regra da uniformidade o que impõe é uma igualdade horizontal, ou seja, que todos os que são titulares da mesma forma de riqueza sejam tributados da mesma maneira (SOUSA FRANCO, Finanças públicas e direito financeiro, vol. II, 4- ed., p. 181).

 

Como qualquer imposto sobre o património, o AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda dos bens imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial dos terrenos. Quanto aos terrenos para construção, estes não se reconduzem a meros direitos de construção, de coisas futuras, e todos eles são bens autónomos, que, até, pela sua natural escassez, têm sempre valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações. Ou seja, a circunstância de um dado bem valer, como “factor de produção de riqueza" não é suficiente para contrariar a constatação de que o correspondente titular detém um imóvel apenas acessível a detentor de peculiar capacidade contributiva e, assim, capacitado para suportar uma contribuição adicional para a desejada consolidação orçamental. Conclui, assim, que a detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afetação ou não a atividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, obviamente superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista.

 

Cita a jurisprudência arbitral constante dos processos n.ºs 664/1017-T, 676/2017-T, 678/2017-T, 682/2017-T, 683/2017-T, 684/2017-T 690/2017-T, 6/2018-T, 310/2018-T, 324/2018-T, 401/2017-T, 420/2018-T, 438/2018-T, 342/2018-T, 291/2018-T e 521/2018-T.

 

Em conformidade com a jurisprudência citada, à qual adere na íntegra, conclui que a titularidade de um património imobiliário de valor elevado por uma pessoa singular ou por pessoa coletiva (seja sociedade imobiliária, fundo imobiliário ou outra) evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI.

 

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, a AT defende que o mesmo não tem suporte legal porque, em primeiro lugar, não se verifica qualquer motivo para a anulação do ato impugnado e, em segundo lugar, porque mesmo que o tribunal considerasse existir uma inconstitucionalidade no regime legal aplicado, a AT tem obrigação de o aplicar enquanto órgão da administração pública vinculada ao princípio da legalidade.

 

Pelas razões expostas, a AT conclui pela improcedência do pedido arbitral.

 

II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, conforme previsto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.

 

A ação é tempestiva e o processo não enferma de nulidades.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos provados

  1. A Requerente é uma empresa que tem como objeto a construção, compra, venda e arrendamento de imóveis de qualquer natureza, próprios ou alheios, bem como a sua valorização através da elaboração de planos ou projetos de urbanização, reconstrução e recuperação e ainda o exercício de toda e qualquer atividade técnica de consultadoria, auditoria e gestão imobiliária.

 

  1. O seu CAE principal é o 41100 – Promoção Imobiliário (desenvolvimento de projetos de edifícios).

 

  1. A Requerente foi notificada da liquidação de AIMI n.º 2017..., relativa ao ano de 2017, no montante de € 14.355,99.

 

  1. A liquidação incidiu sobre o valor patrimonial tributário dos prédios detidos pela Requerente para exercício da sua atividade comercial.

 

  1. Três dos imóveis sobre cujo VPT incidiu a liquidação de IMI estavam classificados como inventários da Requerente, correspondendo a terrenos para construção e revenda.

 

  1. Os outros dois correspondem a propriedades de investimento detidos para arrendamento, valorização e venda.

 

  1. A Requerente apresentou reclamação graciosa relativa à liquidação de AIMI supra referida em 19.12.2017.

 

  1. A reclamação foi indeferida por despacho de 20.08.2018.

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado.

 

A.2. Factos não provados

 

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), e 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção da árbitra fundou-se nas posições assumidas pelas partes e na análise crítica da prova documental junta aos autos.

 

B. DO DIREITO

 

B.1. Enquadramento normativo

 

No caso presente, foi apresentado ao tribunal um pedido de declaração de ilegalidade de uma decisão de indeferimento de uma reclamação graciosa e de um ato de liquidação de Adicional ao IMI (AIMI) relativo ao ano de 2017.

 

O AIMI foi criado pelo artigo 219.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, mediante o aditamento ao Código do IMI dos artigos 135.º-A a 135.º-K.

 

O art. 135º-A estabelece que “são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português”.

 

O AIMI incide, de acordo com o n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI, “sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular”.

 

Através do disposto no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, foram excluídos da incidência objetiva do AIMI “os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código”.

 

B.2. Aplicação do direito no caso concreto

 

No presente caso, o que está em causa não é o enquadramento dos prédios detidos pela Requerente no regime legal do AIMI, mas sim a compatibilidade entre este regime legal e determinados princípios constitucionais, designadamente o da igualdade e o da capacidade contributiva.

 

A Requerente sustenta que presidiu à criação do AIMI um intuito de tributação da fortuna imobiliária com o qual não é compatível a tributação de imóveis que sejam utilizados como fatores produtivos de uma determinada atividade económica. Sustenta que o AIMI, como imposto complementar ao IMI, tem em vista a tributação da acumulação de património de elevado valor, traçando um paralelismo com a já extinta verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo. A esse propósito importa lembrar, contudo, que o Tribunal Constitucional, através do acórdão n.º 378/2018, de 04-07-2018, julgou não inconstitucional a Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n." 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.° 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte que impunha a tributação anual sobre a propriedade de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse para habitação e cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € l.000.000,00.

 

Por outro lado, embora a tendência para a aproximação entre os dois impostos seja natural, a verdade é que o AIMI, embora se tenha seguido à verba 28 da TGIS, não tem o mesmo objetivo de tributação do património imobiliário de luxo – basta ver que o somatório de valores patrimoniais tributários sujeito a tributação pode resultar de muitos imóveis de valor reduzido que não corresponderão a “património imobiliário de luxo”.

 

Por outro lado, sustenta a Requerente que ocorre uma discriminação das empresas que são tributadas em sede de AIMI por força de imóveis que utilizam como fatores produtivos face a outros contribuintes que apenas são proprietários dos imóveis, mas que não realizam através dos mesmos qualquer atividade económica. No caso das empresas do ramo imobiliário, o facto de deterem imóveis em determinado momento não deve ser considerado um indício de capacidade contributiva ou riqueza indutor da tributação em sede de AIMI porquanto isso determinaria uma diferenciação discriminatória face a outras sociedades com diferentes estruturas produtivas. Considera, assim, violados os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, ínsitos nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3 da Constituição.

 

É verdade que, na sequência da extensa discussão que havia gerado o antecedente cronológico do AIMI – a verba 28 da TGIS – se proclamou, antes da aprovação do AIMI, a intenção de criar um imposto que não perturbasse demasiado a atividade económica. Embora seja evidente que qualquer imposto cria sempre uma distorção à atividade económica, disse-se, na altura, e fez-se constar da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017, que havia uma preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica», concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como dos prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento”.

 

Contudo, a tradução desta preocupação no texto legislativo ocorreu em moldes porventura mais restritos do que aquelas preocupações fizeram antecipar em muitos. Isto mesmo é evidenciado no texto do acórdão arbitral n.º 675/2017-T, quando se afirma que “Se tivesse sido mantida, na redação final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afetos ao funcionamento das pessoas coletivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afetação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa. Tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos ao funcionamento das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI”.

 

Por outro lado, será que a tributação que ocorre em casos como o da Requerente configura uma violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva? O Tribunal Constitucional tem vindo a sustentar que a tarefa de angariação de receitas através do sistema fiscal ocorre num quadro de relativa flexibilidade, em que o legislador tem a liberdade de fazer escolhas que podem resultar no tratamento desigual dos contribuintes sem que isso configure uma violação de princípios constitucionais como os citados. A este propósito, pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 563/96, de 16 de Maio, nos seguintes termos: “[...] O principio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, “razoável, racional e objetivamente fundadas”, sob pena de, assim não sucedendo, “estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objetivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes”.

 

 

 

No caso do AIMI, o legislador optou por tratar de forma distinta os titulares de prédios habitacionais e terrenos para construção e os titulares de prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º do CIMI. Será que esta opção redunda numa inconstitucionalidade? Não nos parece. Na verdade, aquilo que se exige quando se promove uma diferenciação de tratamento fiscal dos contribuintes é que exista uma justificação racional para essa diferença de tratamento, o que nos parece ocorrer neste caso – a justificação de não aumentar a carga fiscal sobre os sectores produtivos, tendo em conta necessidades de investimento e de crescimento económico, é o racional por detrás da exclusão de prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros».

 

A Requerente sustenta que, ainda assim, no caso de empresas que detêm imóveis que fazem parte integrante da sua atividade comercial por terem objetos sociais relacionados com o ramo imobiliário, a tributação configura uma discriminação. Contudo, parece-nos que o racional que justifica a diferença de tratamento continua válido mesmo nesses casos na medida em que, para todos os efeitos, se verifica a efetiva detenção de um património imobiliário que é revelador de uma capacidade contributiva acrescida e que justifica a tributação. Neste sentido, e conforme se assinalou no Acórdão Arbitral n.º 420/2018-T, de 15.01.2019, a tributação deste património insere-se nos objetivos que presidiram à criação do AIMI e respeita o racional económico que lhe subjaz – “não sendo objetivo legislativo a tributação da habitação de luxo mas sim obter mais um meio de financiamento da Segurança Social, em sintonia com a opção política de diversificação, através de «um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema»” (cf. página 57 do relatório do Orçamento do Estado para 2017). Por outro lado, as empresas que efetivamente sejam tributadas no âmbito do AIMI podem deduzir esse valor à matéria tributável de IRC (artigo 135.º-J do CIMI).

 

Pelo exposto, este Tribunal considera que o regime legal do AIMI é compatível com os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, razão pela qual a liquidação impugnada não enferma dos vícios que lhe são apontados no pedido de pronúncia arbitral, devendo, portanto, manter-se na ordem jurídica. O mesmo sucede com a decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente contra o ato de liquidação de AIMI. Pela mesma razão, fica prejudicado o conhecimento do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

IV – DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar improcedente o pedido arbitral de anulação do ato tributário consubstanciado na Liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) n.º 2017..., relativa ao ano de 2017, assim como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., datada de 20.08.2018.
  2. Julgar improcedente o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
  3. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

V – Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 14,355,99 (catorze mil, trezentos e cinquenta e cinco euros e noventa e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI – Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerente. 

 

Lisboa, 17 de julho de 2019

 

 

 

A Árbitro

 

 

(Raquel Franco)