DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro-presidente), Marisa Almeida Araújo e Marcolino Pisão Pedreiro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I – Relatório
1. A..., S.A., doravante designada por “Requerente”, sociedade comercial anónima com sede na Rua ..., n,º..., ..., titular do Número único de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral a 05/11/2018, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... todas de 25 de outubro de 2017, bem como na liquidação adicional de IVA n.º ... de 27 de outubro de 2017, nas demonstrações de liquidação de IVA n.ºs 2017... e 2017..., ambas de 25 de outubro de 2017, e 2017..., de 30 de outubro de 2017, e nas demonstrações de acertos de conta n.ºs 2017..., de 27 de outubro, 2017..., de 31 de outubro, e 2017..., de 2 de novembro, peticionando a anulação dos actos tributários e da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa, com as devidas e legais consequências.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos,
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A Requerente é uma sociedade anónima de direito português que integra o grupo B..., e que se dedica à exploração e gestão de mais de 20 hotéis em Portugal sob as marcas ..., ..., ... e ..., encontrando-se registada sob o CAE principal 55111 – hotéis com restaurante – e sob o CAE secundário 55112 – pensões com restaurante.
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Para efeitos de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal mensal de IVA sendo que, no que diz respeito aos períodos dos anos de 2013 e de 2014, foram identificadas pela AT divergências entre a informação constante do SAF-T e a informação constante das declarações periódicas submetidas pela Requerente tendo a Autoridade Tributária (“AT” ou “Requerida”, de ora em diante) enviado pedidos de esclarecimentos e pedidos para retificação das declarações periódicas entregues naqueles exercícios.
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A Requerente alega que as divergências, segundo as suas conclusões, decorrem de três situações distintas, a saber: Erro nos ficheiros SAF-T de documentos internos, o qual estava a ser corrigido; Procedimento de reporte nas declarações periódicas do valor do IVA das notas de crédito nos campos de IVA liquidado; e Procedimento de liquidação do IVA com base no diário das vendas, e não com base na data de emissão das faturas.
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A AT iniciou procedimento inspectivo parcial interno tendo concluído pela existência de IVA em falta nos seguintes termos: € 499.388,22 nos períodos de 2013 e € 343.849,61 nos períodos de 2014.
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A Requerente alega, conforme resulta da alínea c), que o método de liquidação de IVA com base nas vendas diárias, devidamente aprovado pela AT no seu Ofício-Circulado n.º 102697, de 4 de junho de 1991 e que só veio a revogar a 05/12/2017, dava, em parte, origem a discrepâncias.
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E, por outro lado, as especificidades da actividade a que se dedica que, para além da hospedagem proporciona aos clientes vasto leque de outros serviços, incluindo alimentação, e dos respectivos sistemas informáticos que usa (e já usava na altura), apesar de devidamente certificados davam origem a “erros”.
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Esses “erros”, no que à alimentação diz respeito, o restaurante registava contabilisticamente a aquisição da refeição, que o cliente não pagava e que era, posteriormente, “enviada” para o sistema do “front-office” que emitindo uma fatura agregadora, era esta transação efetivamente faturada e liquidada na receção do hotel no momento do check-out.
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Criando a aparência, errada segundo a Requerente, do que foi liquidado mais IVA do que aquele que foi realmente liquidado pelo hotel.
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Os sistemas informáticos foram corrigidos ainda em 2014 e, no ano de 2018, a Requerente submeteu, após autorização da AT, novos ficheiros SAF-T relativos àqueles períodos tributários em que as alegadas divergências estão corrigidas.
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Desta forma, a Requerente entende que o IVA liquidado, de acordo com as declarações periódicas correspondentes aos períodos tributários em crise, estão correctos, discordando, desta forma, das conclusões da AT plasmadas no relatório da inspecção e, consequentemente dos actos tributários emitidos.
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Em 6 de abril de 2018 a Requerente apresentou a respectiva reclamação graciosa que não teve, até à data, decisão expressa. Tendo, a 5 de novembro de 2018, dado entrada do presente pedido de pronúncia arbitral.
2. A AT respondeu, a 19 de fevereiro de 2019, e juntou o PA, concluindo pela improcedência do pedido arbitral, alegando, sumariamente que,
a) A AT constatou, segundo alega, que o IVA liquidado nas facturas comunicadas pelos ficheiros SAF-T era superior ao imposto constante nas declarações periódicas de IVA referentes ao período de imposto indicados.
b) Face às divergências enunciadas foram enviadas à Requerente várias mensagens automáticas de email, convidando-a de forma sucessiva a apresentar declarações periódicas de substituição e/ou a apresentar os esclarecimentos necessários à justificação das divergências apuradas.
c) A Requerente teve dificuldade em justificar e comprovar as divergências detectadas, a apreciação para uma correta aplicação das regras constantes no ofício n.º..., do SIVA e, considerando a multiplicidade de operações em causa foi emitida a DI 2015..., acção encerrada a 19.12.2016.
d) Segundo a Requerida, ao abrigo da DI 2015... foram apuradas as divergências que permitiram projectar as correcções técnicas constantes do processo administrativo e que deram origem às liquidações adicionais em apreço nos autos.
e) Segundo a Requerida, a Requerente no âmbito da DI2015... não apresentou provas suficientes para as justificações oferecidas.
f) A Requerente não providenciou, de acordo com a posição da Requerida, pela justificação e comprovação junto da AT das divergências ocorridas desde 2013 até outubro 2014, negligenciando, deste modo, os seus deveres de colaboração e só em 2017 é que a Requerente contratou os serviços de uma consultora.
g) E só em 2017 a Requerente diligenciou, segundo a Requerida, pela resolução daquelas divergências e só em 2018 ter substituído aqueles ficheiros SAF-T, concluindo a AT que a Requerente negligenciou os seus deveres de colaboração, e mesmo estes só vieram a ser submetidos depois de terminada a acção inspectiva que culminou com as liquidações controvertidas, e a substituição dos Ficheiros SAF-T também é posterior à apresentação da reclamação graciosa.
h) A Requerente, segundo a Requerida, continua sem justificar estas divergências, que originaram as liquidações emitidas, de forma cabal e inequívoca, apresentando, por exemplo, elementos que rigorosamente permitissem identificar e aferir as divergências mensais apuradas, com base em elementos contabilísticos.
i) A Requerida sustenta a improcedência do pedido arbitral.
3. No seguimento do processo foi agendada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, que se realizou no dia 07 de maio de 2019 pelas 10:00 onde foi ouvida a testemunha Susana Caetano, devidamente identificada na acta da reunião de inquirição de testemunhas.
A Requerente prescindiu da inquirição das demais testemunhas arroladas, bem como a Requerida quanto à testemunha por si indicada tendo sido, nessa esteira, ordenado o prosseguimento para alegações por prazo sucessivo conforme respectivo despacho.
A Requerente e Requerida alegaram mantendo, no essencial, as suas posições já vertidas nas respectivas peças processuais.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 20 de dezembro de 2018.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Nos termos do artigo 104.º do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, no âmbito do processo arbitral podem cumular-se pedidos desde que, haja identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão.
No caso sub judice, a matéria está relacionada com o mesmo tributo, IVA; a Requerente invoca os mesmos fundamentos de facto e de direito em relação às liquidações em apreço e, o tribunal é competente já que o caso se reporta à declaração de ilegalidade de atos de liquidação oficiosa de tributos, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Assim, admite-se a cumulação dos pedidos.
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
5. Cabe ao tribunal selecionar os factos que importam para a decisão da causa e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados.
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A Requerente é uma sociedade anónima de direito português que integra o grupo B..., e que se dedica à exploração e gestão de mais de 20 hotéis em Portugal sob as marcas..., ..., ... e ..., encontrando-se registada sob o CAE principal 55111 – hotéis com restaurante – e sob o CAE secundário 55112 – pensões com restaurante.
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Para efeitos de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal mensal de IVA.
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A Requerente presta diversos serviços no âmbito da sua actividade, para além de serviço de hospedagem, incluindo venda de bebidas, refeições, bem como o aluguer de espaços e serviço de catering, estacionamento de veículos automóveis, serviços de lavandaria, sujeitos a distintas taxas de IVA.
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Durante o período tributário a que os factos dizem respeito a Requerente registava a aquisição da refeição, emitia um documento interno para transferência do serviço prestado ou do bem transmitido para o front-office (receção) do hotel e no momento do check-out, os serviços de alojamento e os demais serviços prestados e bens transacionados eram apurados/ liquidados e, consequentemente faturados pela Requerente através do seu front-office (receção) do hotel através de uma fatura, sendo apenas esta emitida pela receção do hotel que chegava à posse do cliente.
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Por erro, que se manteve até final de 2014, o sistema emitia como fatura o documento interno de transferência do serviço prestado ou do bem transmitido para o front-office (receção) do hotel mas, por considerar como factura aquele documento comunicava à AT, através do SAF-T, esses serviços prestados ou bens transacionados como autónomos.
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A contabilidade da Requerente preparava as declarações periódicas de IVA tendo por base as faturas efetivamente emitidas.
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A Requerente adotava no período a que os factos dizem respeito, como método de liquidação de IVA, o diário de vendas.
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Este método foi aprovado pela AT no seu Ofício-Circulado n.º 102697, de 4 de junho de 1991 e manteve-se em vigor até ao dia 5 de dezembro de 2017.
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A Requerente foi informalmente informada por parte da AT de que havia divergências entre os dados submetidos através do SAF-T e os montantes inscritos nas declarações periódicas dos períodos de 2014/03T e 2014/06T mas não fazia qualquer menção ao valor em divergência, pelo que a Requerente assumiu que as discrepâncias estavam unicamente relacionadas com o método de liquidação de IVA com base na ocupação efetiva e diária do hotel.
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Em resultado de uma ação inspetiva, a AT conclui pela existência de IVA em falta nos seguintes termos:
· EUR 499.388,22 nos períodos de 2013; e
· EUR 343.849,61 nos períodos de 2014.
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As liquidações de IVA recebidas pela Requerente estão relacionadas com as divergências que a AT identificou para os períodos de julho e agosto de 2014.
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A Requerente procedeu ao pagamento e apresentou reclamação graciosa contra os atos tributários.
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Os Serviços de Inspeção Tributária da Requerida não analisaram as faturas, nem os extratos contabilísticos da Requerente.
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Em 2018 a Requerente submeteu à Requerida a substituição dos ficheiros SAF-T, tendo por base as faturas efetivamente emitidas, em conformidade com as declarações de IVA que havia apresentado.
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A AT validou a substituição dos ficheiros SAF-T.
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Os novos ficheiros SAF-T não apresentaram divergências aquando da submissão.
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A Requerente usava (e usa) dois sistemas informáticos, ambos estrangeiros e de fornecedores distintos.
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A identificação de todos os ficheiros de ambos os programas, dependia dos serviços de empresas estrangeiras para recolher todos os ficheiros, fazer a ligação de cada documento em cada um dos ficheiros e a ligação entre ambos, para além da análise conjunta da informação.
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Face ao elevado número de documentos a análise era difícil e demorada.
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Foi realizada auditoria e todos os ficheiros foram analisados (e ainda os documentos com base em amostragem) tendo sido concluído com margem de erro de 1%.
Não há factos dados como não provados com relevância para a causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta e da testemunha arrolada e inquirida na reunião.
Quanto à matéria a que estava indicada, foi ainda relevante, para formar a convicção do Tribunal a testemunha arrolada pela Requerente, consultora fiscal, que demonstrou conhecimento profundo sobre a situação sub judice.
De facto, no que ao hiato temporal a que os factos tributários dizem respeito – anos de 2013 e 2014 –, a testemunha não tem conhecimento pessoal nem directo uma vez que contactou com a Requerente posteriormente após este ter recebido as liquidações adicionais em apreço nos autos e com o escopo de auditar a sociedade para esclarecimento da situação que desencadeou aquelas liquidações.
Quanto a esta matéria e em relação à qual a testemunha tem conhecimento pessoal e directo, que se afigura essencial, a testemunha, como referido apresentou um profundo conhecimento sobre a causa – que verificou em auditoria à Requerente – que levou às liquidações adicionais e que constituem a justificação da Requerente quanto às discrepâncias identificadas.
De acordo com a explicação da testemunha, que o tribunal considerou e relevou para formar a sua convicção, no âmbito da actividade a que a Requerente se dedica – o sector da hotelaria – vigorou, até 2018, a admissibilidade de calcular e apresentar as declarações de IVA de acordo com as denominadas “vendas diárias” ao invés das facturas. Esta admissibilidade, que veio a ser revogada em 2018 conforme testemunha explicou, constava de um ofício da AT e que o sector aplicava, ainda que já implementado o denominado sistema SAF-T.
Esta situação leva a que a Requerente – e demais empresas do sector – calculassem e declarassem o IVA, que submetiam naquele sistema de acordo com uma regra – que a própria AT admitia – distinta levando a que, por isto, a Requerente, quando era notificada de discrepâncias relativizava a situação acreditando que as mesmas eram causadas por esta forma de cálculo de IVA com base nas “vendas diárias”, ou seja, calculavam o IVA de acordo com o consumo diária considerado a própria orientação da AT para o sector ainda que distinto daquele que o sistema SAF-T considerava (IVA sobre as facturas).
Segundo a testemunha, o hiato temporal que a Requerente levou para reagir perante as notificações deveu-se à situação descrita, que teve como consequência que os deveres de diligências a cargo dos contribuintes em geral fossem protelados no caso concreto – ainda que justificados por situação que a própria AT admitia quanto ao cálculo de IVA.
Para além disso, e após a Requerente ter percebido que a discrepância não era (só) desta situação é que desencadeou os meios ao seu alcance para identificar a situação e corrigi-la.
A causa que levou às liquidações adicionais prendeu-se com o facto da Requerente trabalhar com dois sistemas informáticos, um interno do grupo B... e outro externo. Ambos estrangeiros usados pela Requerente. Um deles era usado para refeições e o outro no denominado “front-office”.
O sistema usado para refeições emitia um documento – que erradamente classificava como “factura” – que era comunicado ao sistema de “front-office” que fazia a agregação dos serviços prestados ao cliente, incluindo das refeições, e emitia a factura para este pagar.
O que acontecia era que quando era feita esta factura agregada o sistema interno já havia – erradamente, já que o documento não era para o cliente, nem para este pagar – emitido uma “factura”, duplicando assim o valor do IVA a pagar ainda que, de facto, só fosse devido o IVA da factura emitida pelo “front-office”.
Duplicando desta forma – ainda que erradamente e, por isso, não devido – o IVA das refeições que o sistema SAF-T, por assumir ambas das facturas referidas, considerava.
Aliás, mesmo após o problema ter sido identificado, as empresas de hotelaria detentoras dos programas similares aos da Requerente, que tiveram problemas idênticos, tiveram que fazer alterações para os adaptar e evitar a duplicação descrita – apesar de serem programas certificados – e adaptar-se à realidade portuguesa que implementou de forma rigorosa o sistema SAF-T.
No âmbito da auditoria que fez, foi apurado pela testemunha que o que levou às liquidações adicionais foi exactamente a situação descrita e que, só a partir de finais de 2014 é que foi corrigida a duplicação de documentos contabilísticos – facturas – que contabilizavam IVA para o mesmo serviço. Agora o sistema de refeições emite um mero documento interno não tendo havido, a partir de então, qualquer outra discrepância ficando o problema resolvido.
A testemunha validou todos os ficheiros informáticos – mais de 800 (são cerca de 26 hotéis que estão em causa) – e ainda fez uma validação, por amostragem de auditoria, aos documentos (cerca de 5000 por cada ficheiro) tendo unicamente concluído pela existência de uma margem de erro de 1% (a favor da AT).
Face à explicação da testemunha, coerente, sem reservas, com conhecimento dos factos, tendo analisado todos os ficheiros em causa e identificado que a discrepância quanto ao IVA – e que levou à liquidações adicionais em causa – foi a, para além da contabilização do IVA com base no consumo diário, duplicação de IVA sobre o mesmo serviço “refeições”, o tribunal valorou-o para formar a sua convicção quanto aos factos dados como provados.
Matéria de direito
6. Apreciação das questões suscitadas pela Requerente
Em causa está, desde logo, averiguar se, perante a situação concreta é possível admitir-se que a Requerida baseie as liquidações adicionais através de um método de comparação entre a declaração apresentada pelo contribuinte e as informações que constam do SAF-T.
No caso concreto a Requerente apresenta duas explicações distintas para as divergências verificadas.
Por um lado, para o sector de actividade da Requerente – hotelaria – a AT, através do mencionado ofício, permitia (e já estava em vigor o sistema SAF-T) que as declarações de IVA fossem apresentadas de acordo com as “vendas-diárias” e não de acordo com as facturas, o que levava a que, mensalmente, o IVA declarado e facturado fosse distinto. Situação que se manteve até 2018.
Ainda que esta situação não explique todas as discrepâncias assinaladas entre o IVA declarado e constante da facturação e que é considerado pelo sistema SAF-T a verdade é que, para além de levar a discrepâncias – ainda que sem que isso possa levar a concluir que as declarações apresentadas pela Requerente estivessem erradas – esta sistema “paralelo”, aceite pela própria AT, levou a que a Requerente “desconsiderasse” durante algum tempo, eventualmente mais do que aquilo que lhe seria, em contexto de normalidade, exigível, os “avisos” da AT para a existência de “erros” no SAF-T.
Qualquer contribuinte, avisado ou notificado de uma discrepância deveria ter encetado de imediato o cumprimento dos deveres de diligência a que está adstrito para identificar a causa das discrepâncias e corrigi-las. Mas, no caso, o facto de ser aceite aquele sistema de cálculo de IVA levou a que o contribuinte, in casu, a Requerente, sem outro elemento que permitisse concluir que a discrepância tinha, também, outra causa, omitisse esses deveres. Nestas circunstâncias, afigura-se não ser razoável imputar ao contribuinte um juízo de censura de relevo pela omissão em causa. De facto, logo que se apercebeu que a causa era, também, outra, diligenciou de imediato, junto dos fornecedores dos sistemas informáticos que usa, numa cadeia de mais de 200 hotéis, no sentido da resolução do problema.
Problema esse que, como se conclui, se colocava com a utilização em simultâneo de dois sistemas informáticos sendo que, um deles, usado para as refeições, quando emitia um documento – que se denominava de “factura” – para ser agregado na factura do cliente pelo sistema de “front-office” gerava, naquele primeiro documento, IVA que, posteriormente, o outro sistema, na factura propriamente dita, voltava a gerar, sendo apenas este, efectivamente, cobrado ao cliente, porquanto só este era devido.
Havia, assim, uma duplicação de IVA quanto a serviços de bebidas e refeições.
Depois de muita insistência e trabalho – os fornecedores estrangeiros foram confrontados com esta situação, gerada pelas exigências exepcionais do regime fiscal português com a integração do SAF-T, pela primeira vez e, carecendo de investimento na programação, acabaram por resolver em finais de 2014.
Já em 2017, quando a Requerente foi notificada das liquidações adicionais correspondentes aos períodos de 2013 e 2014 teve que, face ao enorme volume de informação, que consta de sistemas informáticos distintos, obter junto dos fornecedores ficheiros com a comparação dos documentos emitidos por cada um para poder agregar, de forma comparativa a informação entre ambos fazer a correspondência entre os documentos emitidos por ambos os programas. No entanto, encontrando-se a obtenção daquela informação dependente da colaboração de terceiros, estrangeiros, a sua recolha foi demorada, ainda que sem causa que lhe possa ser imputada uma vez que a Requerente não dependia de si própria para obter a informação.
De qualquer forma os referidos ficheiros foram obtidos e, conforme dado como provado, todos os que deram causa às discrepâncias foram verificados, com margem de erro de 1%, e ainda foram verificados, por amostragem, os suportes documentais.
Trabalho hercúleo mas necessário e que estava, desde logo, a cargo da Requerida que não o fez, como admite, não tendo verificado qualquer ficheiro ou documento.
Para este Tribunal a questão reside exactamente neste ponto.
O princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.º da LGT consagra que deve a AT proceder às diligências, que considere convenientes para a descoberta da verdade material. Como se extrai do ac. 06418/13 de 07/05/2013 do Tribunal Central Administrativo Sul “o princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade da Administração Tributária (art. 266, n.º 1 da CRP e art. 55.º da LGT) e é o corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade (art. 266.º, n.º 2 da CRP e art. 55.º da LGT).
Este dever, continuando na senda daquela decisão, reclama que a AT procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação em que vai fazer assentar a decisão, impondo-se-lhe que faça todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, mesmo que não requeridas sendo que, “(...) no âmbito do procedimento de inspecção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado. Trata-se de investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades”.
Não se olvida o facto de, nos termos da al. g) do n.º 1 do art.º 29.º, conjugado com o art.º 44.º ambos do CIVA, impender sobre os sujeitos passivos o ónus de dispor de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto, que deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica.
No entanto, não se pode impor ao sujeito passivo, in casu, o cumprimento daquele ónus sem curar de saber as especificidades concretas que envolviam o sector de actividade da Requerente. Como foi dado como provado, o método de liquidação de IVA do diário de vendas não só era admitido como aprovado pela AT, no seu Ofício-Circulado n.º 102697, de 4 de Junho de 1991, e manteve em vigor até ao dia 5 de Dezembro de 2017.
Assim sendo, e de acordo com a própria anuência da AT, era contabilizado IVA de forma distinta da legalmente prevista.
É este contexto específico, que não pode deixar de ser tido em conta na ponderação entre o cumprimento daquele ónus a cargo da Requerente, por um lado, e as exigências do princípio do inquisitório, que impendiam sobre a Requerida, por outro.
Desta forma, e como conclui o acórdão, o princípio da descoberta da verdade material fixa aquele que deve ser o objectivo que deve nortear o procedimento inspectivo.
No caso, a Requerida, de facto, não deu qualquer cumprimento a este princípio, corolário do princípio do inquisitório, não tendo analisado qualquer elemento documental ou encetado quaisquer diligências de investigação. O trabalho era difícil e demorado não temos dúvidas mas, ao contrário da postura da Requerida, a Requerente encetou-o e dos elementos recolhidos e que o tribunal deu como provados, a posição que sufraga é a que corresponde à realidade.
O facto de terem sido emitidas facturas – como foram de facto – não significa que tenham sido realizadas as transmissões correspondentes, como a Requerente acabou por demonstrar.
Pode ainda questionar-se se não será de considerar suficiente a existência da aludida discrepância. De facto, o sistema SAF-T é uma ferramenta essencial na fiscalização, mas a verificação de divergências não constitui fundamento de uma liquidação de imposto, nem desonera a AT do ónus de comprovar os pressupostos da incidência de imposto.
O facto de a divergência poder ser relevante para desencadear a inspecção não implica que se possa considerar de todo suficiente para afastar o ónus da prova a cargo da Requerida a quem cabia o dever de recolher elementos de que as operações constantes da contabilidade da Requerente e reportadas nas suas declarações de IVA não correspondiam à realidade.
Era sobre a AT que impendia o ónus da prova da existência efectiva de operações sobre as quais incidisse IVA não declarado pela Requerente. Acontece que a Requerida não fez prova nem encetou, sequer, qualquer diligência probatória nesse sentido, incluindo ação inspetiva (externa), previamente à emissão dos atos de liquidação, para análise dos elementos daquela. Não foram identificadas quaisquer divergências para além das resultantes da submissão pela própria Requerente dos ficheiros SAF-T.
Não colhe, como referido, o argumento de que a Requerente não teria dado cumprimento ao ónus de dispor de contabilidade organizada. De facto a Requente tinha a contabilidade organizada de acordo com as próprias orientações da AT, que não pode, agora, com as mesmas impor deveres acrescidos de conduta à Requerente, mormente para se eximir ao cumprimento do princípio do inquisitório, de acordo com o afloramento referido.
Seria, aliás, contrário às exigências inerentes aos princípios da boa- fé e da proteção da confiança admitir-se que a Requerida se pudesse escudar no argumento segundo o qual o sujeito passivo tem que ter os registos contabilísticos correctos quando, no caso concreto, a Requerente actuou segundo a prática estabelecida pela própria AT. Prática esta não só conhecida pela AT como orientada por esta e que só veio a ser alterada em 2017.
Desta forma, face à omissão da Requerida, não está afastada a presunção de que beneficiam as declarações de IVA da Requerente, cujo apuramento do IVA liquidado não pode ser substituído pelo ficheiro SAF-T, por falta de suporte legal.
Para além disso, e pelo contrário, das diligências encetadas pela Requerente demonstra-se exactamente a veracidade das declarações de IVA nos termos referidos.
Desta forma, conclui-se que os actos de liquidação adicionais de IVA em apreço nos autos são ilegais devendo, em consequência ser anulados.
Considerando a decisão de mérito fica prejudicado, por ser inútil [art. 130º do Código do Processo Civil (CPC)], o conhecimento das demais questões colocadas.
Por fim, pede a Requerente a restituição do imposto indevidamente pago e respetivos juros indemnizatórios.
Como se extrai da decisão n.º 280/2018-T (in www.caad.org.pt), e conforme foi posição seguida, ficou “(…) demonstrado que os atos tributários padecem de erros de facto e de direito que são imputáveis à AT que não poderia ter procedido à liquidação de IVA fundada na mera comparação dos ficheiros SAF-T com as declarações periódicas de IVA”. Desta forma, e como ficou dito, resulta claro nos autos que a ilegalidade dos actos de liquidação de imposto impugnados é directamente imputável à Requerida.
Face a isto, o regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado pelo artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. (sublinhado nosso).
O erro das liquidações é, assim, imputável à AT, nos termos previstos no n.º 2 deste artigo, pois foram seguidas pela Requerente as orientações administrativas emitidas pela Requerida, constante do seu Ofício- Circulado n.º 102697, de 4 de junho de 1991.
A Requerida não demonstrou a incidência do imposto nem efectuou as liquidações com base nas declarações do contribuinte, nos termos dos arts. 29.º, n.º 1, al. c) e 41.º do CIVA. A AT socorreu-se de uma ferramenta (SAF-T) que é um meio auxiliar de fiscalização mas que não inverte qualquer ónus a cargo da AT, mormente os decorrentes do principio do inquisitórios nos termos supra referidos.
Consequentemente a Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
Os juros indemnizatórios deverão ser pagos à Requerente desde data em que efectuou o respectivo pagamento do imposto em causa nos autos até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal.
III – Decisão
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Termos em que se decide julgar totalmente procedente o pedido arbitral e, em consequência, determina-se a anulação das liquidações adicionais de IVA e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, com as consequências legais;
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Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante de imposto indevidamente até ao respetivo reembolso;
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Condenar a Requerida no pagamento das custas.
IV -Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 843.237,83, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor das liquidações, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
V- Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em €11.934,00 a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 16 de Julho de 2019
O árbitro-Presidente
(Maria Fernanda dos Santos Maçãs)
O árbitro vogal
(Marisa Almeida Araújo)
O árbitro vogal
(Marcolino Pisão Pedreiro)