DECISÃO ARBITRAL
Requerente: A..., contribuinte n.º..., residente em ..., ..., ..., Espanha, e B..., contribuinte n.º..., residente em ... — ..., ..., ..., Espanha, ambos representados fiscalmente em Portugal por C..., contribuinte n.º..., com domicílio em Rua ..., ..., Silves.
Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
Os Árbitros, Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (na qualidade de árbitro-presidente), Dra. Elisabete Flora Louro Martins (na qualidade de árbitro vogal) e Prof. Doutor Luís Menezes Leitão (na qualidade de árbitro vogal), foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, Tribunal este que foi constituído em 9 de Abril de 2019, acordam o seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A... (adiante designado apenas por Primeiro Requerente), contribuinte n.º..., residente em..., ..., ..., Espanha, e B... (adiante designado apenas por Segundo Requerente), contribuinte n.º ..., residente em ..., ..., ..., Espanha (adiante conjuntamente designados por Requerentes) apresentaram no dia 29 de Janeiro de 2019, pedido de constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada apenas por Requerida).
No pedido de pronúncia arbitral os Requerentes pedem a anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios no valor global de, respetivamente, EUR 40529,64 e EUR 37875,84, emitidas em virtude das correções resultantes das conclusões dos relatórios de inspeção tributária de 17 e de 05 de Setembro de 2018, respetivamente, que incidiram sobre os exercícios de 2015 a 2017, em coligação, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a do n.º 1 do art.º 2.º do n.º 1 do art.º 3.º e dos artigos 15.º e seguintes do RJAT.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 30 de janeiro de 2019 e notificado à Requerida em 05 de fevereiro de 2019.
3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, em 20 de Março de 2019 ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro), o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, tendo todos (os árbitros designados) comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 20 de Março de 2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 09 de Abril de 2019.
6. Em 09 de Abril de 2019, o Tribunal Arbitral proferiu Despacho Arbitral para notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. Deste Despacho foi a Requerida notificada em 10 de Abril de 2019.
7. A Requerida apresentou em 24 de abril de 2019 requerimento no Sistema de Gestão Processual, dirigido aos Exmos. Senhores Árbitros do Tribunal Arbitral, dizendo: “(1) A 22 de Abril corrente, foram as juristas signatárias notificadas da Informação nº ... prestada pela Direção de Serviços do IVA, no âmbito dos autos supra identificados. (2) Com base nessa mesma informação, a qual se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, foi proferido despacho pelo Subdiretor Geral do IVA no sentido de revogar os atos tributários que constituem o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral. (3) Deste modo, atento o ali explanado, deve ser julgada a instância extinta, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º nº 1 al.e) do RJAT.” Apresentou também a Informação da Direção de Serviços do IVA que fundamenta o requerimento apresentado.
8. Em cumprimento do despacho arbitral de 24 de Abril de 2019 o requerimento bem como a informação apresentada pela Requerida foi notificada às partes no mesmo dia (24 de Abril de 2019).
9. Em resposta ao despacho identificado, os Requerentes apresentaram em 6 de Maio de 2019 requerimento no Sistema de Gestão Processual, dirigido ao Tribunal Arbitral com o seguinte teor: “(...) que nada têm a opor à revogação, contando, por razões de certeza e segurança jurídica, V. Exas. verifiquem e declarem a respetiva validade e eficácia, à face dos n.ºs 1 e 3 do artigo 13.º, conjugados com o n.º 3 do artigo 10.º, todos do RJAT, em particular, e condenem a requerida nas custas do processo, porque lhe deu causa”.
10. Em 16 de Maio de 2019 o Tribunal Arbitral proferiu Despacho Arbitral com o seguinte teor: “1. Não havendo lugar a produção de prova constituenda e tendo sido exercido contraditório em matéria de excepção, o Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. 2. Atendendo à simplicidade da questão o tribunal prescinde de alegações devendo o processo seguir os seus termos. 3. Designa-se o dia 9 de Outubro como prazo limite para a prolação de decisão arbitral. 4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em formato WORD. Do presente despacho, notifiquem-se as partes.”
11. A fundamentar o pedido, em resumo, os Requerentes invocam a ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IVA objeto do pedido de pronúncia arbitral, por limitarem o direito à dedução dos Requerentes sem que estejam verificadas as condições para o efeito, previstas no n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei nº 21/2007, de 29 de janeiro, e ainda por a Requerida limitar o direito à dedução dos Requerentes em violação do disposto nos artigos 167.º, 168.º, 284.º, 185.º e 187.º, todos da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006.
12. Alegam os Requerentes que: (1) em 12 de abril de 2011 o Primeiro Requerente adquiriu a fração autónoma designada pela letra “J”, unidade destinada a alojamento turístico de tipologia T1, do Bloco U, identificada pelo número 10 do nível 11 do prédio urbano sito no lugar do ..., na freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz predial da referida freguesia sob o artigo ... e descrito na CRP de ... sob o nº ...; (2) A fração identificada foi adquirida com renúncia à isenção de IVA pelo Primeiro Requerente e pela sociedade vendedora, a D... S.A.; (3) por documento complementar à escritura de aquisição, com a aquisição fração identificada o Primeiro Requerente vinculou-se ao regulamento de administração do empreendimento e ao contrato de cessão de exploração turística e de gestão do imóvel, concedendo à Sociedade D... o direito exclusivo de exploração das frações; (4) no mesmo dia, o Segundo Requerente adquiriu à mesma sociedade, nas mesmas condições descritas supra, a fração autónoma designada pela letra “K”, unidade destinada a alojamento turístico de tipologia T1, do Bloco U, identificada pelo número 11 do nível 11 do mesmo prédio, supra identificado; (5) Ambas as frações autónomas foram entregues pelos Requerentes à Sociedade D... especialmente equipadas e totalmente aptas à utilização turística;
13. Alegam os Requerentes que os contratos de exploração turística por si celebrados — em vigor até 31 de dezembro de 2020 — estabelecem que os Requerentes serão remunerados mediante uma contrapartida de verificação incerta e montante variável, sujeita a circunstancias e condicionalismos vários, que dependem apenas do desempenho e resultado operacional da Sociedade D..., no âmbito das funções e objetivos a que, na qualidade de entidade exploradora, se obrigou.
14. Nos relatórios de inspeção que fundamentam a emissão dos atos de liquidação adicional de IVA, a Requerida conclui que ambas as frações autónomas não foram efetivamente utilizadas para fins empresariais por um período superior a cinco anos consecutivos, porque: (i) o Primeiro Requerente entregou todas as declarações periódicas de IVA sem ter declarado qualquer tipo de base tributável associada a ambas as frações autónomas; (ii) não constam do sistema informático da Requerida quaisquer recibos eletrónicos emitidos em nome do Segundo Requerente, e (iii) quer as declarações periódicas de IVA, como as declarações de IRS submetidas Segundo Requerente, não mencionam quaisquer rendimentos imputáveis a ambas as frações autónomas.
15. Consideram os Requerentes que tais factos não podem justificar a decisão da Requerida de impor aos Requerentes a regularização, de uma só vez, da dedução do IVA suportado na aquisição de ambas as frações em 2011, sem prejuízo da regularização anual correspondente a 1/20 do imposto deduzido em 2012, 2013, 2014 e 2015, porque: (i) é falso que ambas as frações não tenham sido utilizadas para fins empresariais durante 1 ou mais anos civis completos após o início do período de 19 anos referido no artigo 24.º do CIVA; e (ii) é falso que ambas as frações não tenham sido efetivamente utilizadas para a realização de operações tributáveis em IVA por um período de cinco anos consecutivos; porquanto, (a) desde 12 de abril de 2011 nenhum dos Requerentes ocupou as frações autónomas ou de qualquer modo exerceu a faculdade da sua utilização pessoal que se acha prevista no contrato de exploração turística; (b) ambas as frações autónomas permaneceram, até hoje, exclusivamente afetas à exploração unitária do empreendimento turístico de ...; (c) as rentabilidades anunciadas aquando da aquisição de ambas as frações autónomas (6,5% e 7,5%) revelou-se um logro, não tendo sido distribuído aos Requerentes qualquer produto da exploração turística, o que se deve exclusivamente ao excesso de endividamento e carência de rentabilidade do grupo de sociedades no qual estava integrada a Sociedade D... (o grupo “E...”, de F...); (d) apesar das contingências descritas no pedido de pronúncia arbitral, para o qual se remete, desde que reabriu sob a chancela G...— em 2016, depois de ter sido encerrado para obras de remodelação em 2014 — o empreendimento turístico esteve em operação contínua e foi objeto de regular ocupação turística; (e) ambas as frações autónomas permaneceram sempre afetas à atividade turística e hoteleira, e só não geraram lucro distribuível aos Requerentes por razões independentes e estranhas à sua vontade; (f) os Requerentes foram alvo de um procedimento de inspeção tributária em 2014, tendo os serviços da Requerente concluído, em síntese, que as frações não se destinavam exclusivamente à atividade de exploração turística, uma vez que o contrato de exploração previa a possibilidade de ocupação de ambas as frações autónomas pelo proprietário, por períodos anuais até 30 ou 90 dias; e (g) os atos de liquidação adicional de IVA que resultaram dessa inspeção (de 2014) foram anulados, por decisão do TAF de Loulé de 24 de Outubro de 2017 já transitada em julgado;
16. Na fundamentação de Direito, os Requerentes invocam a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) para defender que o entendimento assumido pela Requerida e melhor descrito supra é contrário à Diretiva de IVA, uma vez que constatando-se que ambas as frações permaneceram desde a sua aquisição afetas a uma atividade tributada em IVA (a exploração turística) — permanecendo aptas e disponíveis a ser utilizadas na realização de operações tributáveis — o direito à dedução exercido no momento da sua aquisição é legítimo e não pode ser condicionado pela distribuição efetiva de um rendimento sujeito a imposto. Assim, uma vez que a regularização em sede de IVA é feita em função das alterações ao direito à dedução verificadas durante os anos seguintes ao do ano em que o imóvel foi adquirido, não existe fundamento legal para que seja determinada qualquer regularização, porque a amplitude do direito à dedução nunca sofreu qualquer alteração.
17. Na Informação emitida pela Direção de Serviços de IVA, a Requeria assumiu, em suma, o seguinte entendimento: “No caso vertente, os imóveis foram afetos a exploração turística, ao abrigo dos mencionados contratos de cessão de exploração, pelo que tais imóveis contribuíram para a realização de operações tributáveis. O que não se demonstrou foi que, na esfera dos Requerentes, se tenham obtido rendimentos tributáveis, mas tal decorre, ao que tudo indica, da falta de rentabilidade dos contratos de cessão de exploração, facto que, à luz de tais contratos, não se vislumbra possa ser imputável aos Requerentes. Ainda que assim não se entendesse, sempre se teria de concluir que não se pode impor a regularização do imposto, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, do Regime da Renúncia, e artigo 26.º, n.º 1, do Código do IVA, com a fundamentação que consta do relatório de inspeção tributária, por a tal se opor a jurisprudência do TJUE.
IV.2 Atos tributários respeitantes ao período de 2011-06T
Como já referimos, A... veio impugnar a liquidação adicional de IVA n.º..., no valor de €32.441,49, e a liquidação de juros compensatórios n.º..., no montante de €8.088,15, mas tais atos tributários respeitam ao período 2011-06T. Tais atos tributários, que resultaram de circunstâncias diferentes daquelas a que respeitam os fundamentos da PI apresentada junto do CAAD, não se mostram devidos, tendo já sido solicitada, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., através de Comunicação n.º..., a sua anulação, com base nos fundamentos que se passam a transcrever: “Em nome do contribuinte A...– NIF..., foi elaborado documento de correção (DC) de IVA para o período 201106T que deu origem a uma regularização a crédito (RC) de IVA no montante de 41860,00 Euros que foi migrado do antigo sistema de contas correntes de IVA para o novo sistema de contas correntes de IVA, empolando o montante de excesso a reportar nos períodos seguintes. A elaboração do referido DC de IVA, serviu para cumprimento da sentença do Processo de Impugnação... ... BELLE, tendo sido dado provimento à impugnação do contribuinte e assim produziu os efeitos de anulação de liquidação adicional n.º... e respetivos juros compensatórios do período 201106T. No entanto, a aludida Regularização a Crédito não deveria ter sido migrada para o novo sistema, empolando o excesso a reportar nos períodos seguintes. A liquidação adicional de IVA n.º ... de 2018-08-17 no montante de 32441,49 Euros e a liquidação de juros compensatórios de IVA n.º ... de 2018-08-17 no montante de 8088,15 Euros, ambas referentes ao período 1106T, ainda se mantêm na situação de não regularizadas no sistema de contas correntes. Por não ser devido, solicita-se a alteração do montante no campo 61 da DP IVA de 1112T (excesso a reportar de período anterior) de 41860,00 Euros para 0,00 Euros e consequente reliquidação nos períodos seguintes. Por não serem devidas uma vez que a sentença do processo de impugnação determinou a anulação das liquidações de IVA emitidas pela Inspecção, solicita-se a anulação da liquidação adicional de IVA n.º ... de 2018-08-17 no montante de 32441,49 Euros e a anulação da liquidação de juros compensatórios de IVA n.º ... de 2018-08-17 no montante de €8088,15 Euros, ambas referentes ao período 1106T. (...)”. Este pedido de anulação foi, muito recentemente, objeto de execução, na Divisão de Liquidação da Direção de Serviços do IVA, tendo já sido anulados os referidos atos tributários. Recorde-se que os Requerentes deduziram e liquidaram o IVA, no montante de €41.860,00, relativamente à aludida aquisição das frações autónomas, pelo que a dedução efetuada nunca poderia dar origem a um excesso a reportar, no valor de €41.860,00.
V. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. No entanto, consultada a aplicação informática de “Gestão do Imposto”, disponível nestes Serviços, verifica-se que não ter havido o pagamento do imposto impugnado, pelo que não se mostram devidos quaisquer juros indemnizatórios.
VI. CONCLUSÃO
Em face do exposto, e para efeitos da (re)apreciação prevista no artigo 13.º do RJAT, propõe-se a revogação dos atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, anulando-se as correções dos SIT.”
18. Conforme Despacho Arbitral de 16 de Maio de 2019, não foram apresentadas alegações.
II. SANEAMENTO
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades.
III. DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
O artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, dispõe o seguinte: “A instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito.
A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.
Assim, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.
Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
Volvendo ao caso concreto, temos que, depois de notificada para exercer o direito de resposta, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida satisfez por inteiro e de modo voluntário as pretensões que os Requerentes formularam nestes autos.
Com efeito, como ficou dito, a Requerida exerceu direito de resposta, nos termos e para os efeitos o disposto no artigo 17.º do RJAT, juntando a informação elaborada pela Direção de Serviços de IVA onde se dá conta que foi proposta a anulação dos atos de liquidação adicional de IVA com fundamento na (i) ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IVA por não se pode impor a regularização do imposto, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, do Regime da Renúncia, e artigo 26.º, n.º 1, do Código do IVA, com a fundamentação que consta do relatório de inspeção tributária, por a tal se opor a jurisprudência do TJUE e (ii) na Comunicação n.º ... do Chefe do Serviço de Finanças de ... que pediu a anulação dos atos tributários em causa nos autos, com os fundamentos melhor descritos na referida informação para a qual se remete.
A informação elaborada pela Direção de Serviços de IVA foi objeto do seguinte Despacho do Subdiretor Geral: “Concordo com o informado. Revogo os atos tributários conforme proposto”. Despacho este que, por sua vez, foi também objeto de Parecer da Diretora de Serviços nos seguintes termos: “Concordo com o proposto. À consideração do Sr. Subdiretor-geral” e foi também objeto de Parecer do Chefe de Divisão no mesmo sentido: “Concordo com o teor da presente informação, sendo de revogar os atos tributários impugnados no CAAD”.
Nessa medida, a verdade é que os resultados que os Requerentes visavam com o presente processo arbitral se encontram integralmente atingidos.
Assim sendo, não oferece dúvida que a decisão arbitral que, normalmente seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, se afigura destituída de qualquer efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação.
Termos em que, com as devidas adaptações, se julga verificada a inutilidade superveniente da lide.
IV. DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS
Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (excetuados os previstos nos números anteriores), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas; o n.º 4 do mesmo artigo estatui, no que aqui importa atentar, que se considera, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente.
No caso em apreço, como ficou demonstrado, a pretensão dos Requerentes foi satisfeita voluntariamente pela AT, por esta ter revogado os atos tributários, ainda que com fundamento diverso do fundamento alegado no requerimento de constituição do Tribunal Arbitral — embora a informação da Requerida confirme a razão dos Requerentes no que respeita à ilegalidade dos atos tributários, também com os fundamentos alegados no requerimento de constituição de Tribunal Arbitral.
No entanto, como ficou igualmente demonstrado, a Requerida procedeu à aludida revogação depois da constituição deste Tribunal Arbitral, aquando da notificação para exercer o direito de resposta, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT, apesar de ter tido a oportunidade de o fazer, nos termos do disposto nos artigos 13.º n.º 1 e 10.º n.º 3 do RJAT, quando foi notificada da apresentação do pedido de pronúncia arbitral em 5 de fevereiro de 2019. Pelo que, o prosseguimento do processo (rectius, do procedimento arbitral), só pode ser imputável à Requerida. As custas deste processo devem, por isso, ser totalmente imputáveis à Requerida.
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V. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Declarar extinta a presente instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide;
b) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
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VI.VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 78 405, 48.
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VII. CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2 448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de junho de 2019
Os árbitros
Fernanda Maçãs (árbitro-presidente)
Dra. Elisabete Flora Louro Martins (árbitro vogal)
Prof. Doutor Luís Menezes Leitão (árbitro vogal)