DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. José Sampaio e Nora e Dra. Cristina Coisinha (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18 de fevereiro de 2019, acordam no seguinte:
I – Relatório
O Banco A..., S.A., sociedade comercial anónima, com sede na ..., ..., ...-... Lisboa, titular do número único de identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial ... (doravante “Requerente”), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, de ora em diante, abreviadamente, designado “RJAT”, requerer a constituição do Tribunal Arbitral.
Pede que seja declarada a ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários, respeitantes aos períodos de 1504 e 1505, consubstanciados nas liquidações adicionais de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), datadas de 1 de abril de 2018, com os n.ºs ... e ..., nos montantes de € 350.902,06 e de € 92.000,00, respetivamente, e bem assim, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada.
A Requerente requer ainda a condenação da Autoridade Tributária à restituição da importância paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos previstos nos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”),
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 7/12/2018 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12 de dezembro de 2018.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
Em 28 de janeiro de 2019, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 18 de fevereiro de 2019.
2. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
As liquidações adicionais, sob escrutínio no presente processo arbitral, enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, e por via disso, de vício de violação de lei.
Com efeito, a Requerente apresentou dois pedidos de renúncia à isenção de IVA, relativamente a dois imóveis que locou imediatamente após a aquisição, operações sujeitas a renúncias sucessivas à isenção de IVA, tendo os pedidos de renuncia nas operações de locação sido indeferidos.
De acordo com o regime de renúncia à isenção do IVA, previsto no Decreto-lei n.º 21/20017, de 29 de Janeiro, o pedido de emissão do certificado para efeitos de renúncia à isenção de IVA na locação tem de ser apresentado com, pelo menos, dez dias de antecedência face à operação, sucede que, in casu, a celebração dos contratos de locação se deu imediatamente após a aquisição dos bens imóveis, não sendo possível à Requerente apresentar o pedido de emissão na qualidade de proprietária dos imóveis em questão, dez dias antes da operação tributada.
Não obstante, a Requerida apresentou os pedidos de emissão de certificados, tendo os mesmos sido indeferidos por não ser esta, à data da respetiva apresentação, proprietária dos imóveis.
Defende a Requerente que, a falta de tal certificado, requerido em tempo, e verificados que estejam os requisitos materiais da renúncia à isenção, não é apta a obstaculizar o exercício desse direito, sob pena de preterição dos princípios da neutralidade e da legalidade.
Entende ainda a Requerente que se deveria suspender a presente instância arbitral e sujeitar a questão ao Tribunal de Justiça, nos termos previstos no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), caso o Tribunal Arbitral “considere insuficiente a interpretação firmada por aquele Tribunal Europeu” (….) “sob pena do litígio em presença poder ser dirimido ao arrepio do Direito da União Europeia, nomeadamente, do princípio da neutralidade.”
Por último, a Requerente suscita a inconstitucionalidade orgânica da Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, por violação do princípio da legalidade fiscal na vertente de reserva de lei formal, nos termos dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i e 198.º, n.º 1 alínea b) da CRP, quando interpretada no sentido que promove um tratamento distinto de situações economicamente semelhantes com fundamento exclusivo no não cumprimento de determinados formalismos
2. Notificada para apresentar Resposta e juntar o processo administrativo, a Requerida defendeu-se por impugnação e por exceção, defendendo a manutenção do ato sindicado e pedindo a absolvição do pedido, invocando, em síntese, o seguinte:
a. Por impugnação, defendeu que a Requerente não apresentou um certificado de renúncia que lhe permitisse proceder à dedução do imposto, conditio sine qua non, para exercer tal direito, pelo que, de acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, não podia fazê-lo sem que estivesse na posse do mesmo.
Nesta matéria, a Requerida não tem dúvidas de não sendo cumpridos os formalismos necessários ao exercício dos direitos, não pode ser permitido o direito à dedução do imposto, sem que tal constitua qualquer violação do direito nacional ou comunitário.
b. A AT invocou ainda a exceção de caducidade do direito de ação e subsidiariamente, a incompetência do Tribunal Arbitral.
A Requerida defende que não tendo a Requerente impugnado, administrativa ou judicialmente, os atos de indeferimento dos pedidos de renúncia à isenção, a apreciação judicial destes atos já não é possível por manifesta caducidade do direito de ação.
Em consequência, caso assim não se entenda, o Tribunal Arbitral é incompetente para conhecer e apreciar os atos de indeferimento dos pedidos de renúncia à isenção do IVA.
Notificada da Resposta da AT, ao abrigo do princípio do contraditório, veio o requerente, em requerimento próprio, em 9-4-2019, pugnar pela improcedência das exceções deduzidas de caducidade do direito de ação e, subsidiariamente, de incompetência do tribunal arbitral.
Por despacho, de 08-04-2019, por não ter sido requerida a produção de prova e ressalvando a hipótese de as partes desejarem produzir alegações orais, foi dispensada a reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT e convidadas as mesmas a apresentar alegações escritas com carácter sucessivo. Foi fixado o dia 30/06/2019 como data limite previsível para a prolação e notificação da decisão arbitral.
Apenas a Requerente apresentou alegações, confirmando a posição vertida no seu pedido inicial mantendo-se a Requerida silente.
II – SANEAMENTO
1. Da incompetência do Tribunal Arbitral
Invocada a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, impõe-se apreciar a mesma previamente.
A Requerida invoca que o pedido de decisão arbitral formulado pela Requerente não tem como fundamento qualquer ilegalidade do ato tributário de liquidação ou de fixação da matéria tributável, mas que se reconduz à apreciação judicial dos atos de indeferimento dos pedidos de renúncia à isenção, o que já não é possível por manifesta caducidade do direito de ação,
Sendo que, tais atos são autonomamente impugnáveis.
Vejamos,
Perante o regime ínsito nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 2.º da Portaria de Vinculação, a determinação da competência material do Tribunal Arbitral deve ser aferida em função do objeto do processo.
Da leitura do pedido de constituição de tribunal arbitral resulta inequívoco pretender a Requerente que seja apreciada a legalidade de atos de liquidação – quais sejam, as liquidações adicionais de IVA anterior e oportunamente identificadas –, configurando estas o objeto do processo arbitral, devendo, por conseguinte, a competência material do Tribunal Arbitral ser aferida por referência a tais atos.
A Requerente impugnou expressamente os actos tributários respeitantes aos períodos de 1504 e 1505, consubstanciadas nas liquidações adicionais de IVA, com os números ... e ..., bem assim da decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa, requerendo, a final, a sua anulação com a consequente restituição do imposto pago, bem assim como a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios.
Donde, os actos sindicados pela Requerente, e objecto mediato da presente acção arbitral são os actos de liquidação adicional de IVA, melhor identificados no parágrafo precedente, e, subsidiariamente, a declaração de ilegalidade da decisão que indeferiu a reclamação graciosa (RG) deduzida pelo requerente.
A esta conclusão não obsta o facto de a Requerente não ter contestado os atos de indeferimento dos pedidos de renúncia à isenção, uma vez que apenas se encontra em causa nos autos a legalidade dos atos de liquidação adicional de IVA, precisamente na circunstância em que o sujeito passivo não dispõe de certificados de renúncia à isenção de IVA válidos à data das operações imobiliárias tributadas, o que é aliás expressamente aceite pelo requerente no requerimento em que se pronunciou sobre as exceções deduzidas pela AT.
Termos em que, comportando o presente pedido de pronúncia arbitral tão somente a apreciação de atos de liquidação de tributos praticados pela Administração Tributária, o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar a pretensão da Requerente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 2.º da Portaria de Vinculação, devendo por isso improceder a exceção invocada pela Entidade Requerida.
Este entendimento é acolhido, entre outros, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 13-11-2013, proferido no âmbito do processo n.º 0897/13 “(…)O artigo 54.º do CPPT consagra o denominado princípio da impugnação unitária, segundo o qual só é possível, em princípio, impugnar o acto final do procedimento, e não já os actos interlocutórios ou procedimentais, porquanto só o acto final atinge ou lesa, imediatamente, a esfera jurídica do contribuinte, fixando a posição da administração tributária perante este e definido os seus direitos e obrigações. E dele resulta, ainda, que no contencioso tributário, ao contrário do que acontece actualmente no contencioso administrativo, o critério da impugnabilidade dos actos é o da sua lesividade imediata e actual (e não meramente potencial), ou, por outras palavras, depende da produção de efeitos negativos imediatos na esfera jurídica do contribuinte, pela violação dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Deste modo, os actos interlocutórios do procedimento tributário, sendo meramente instrumentais ou preparatórios da decisão final, ainda que ilegais, não são, em princípio, imediatamente lesivos dos interesses do contribuinte, pois a sua situação tributária não fica com eles definida ou resolvida. Na verdade, sendo o procedimento de liquidação tributária constituído por uma série de actos interligados e dirigidos à concretização de um resultado jurídico final, ou seja, à liquidação do montante do imposto que o contribuinte tem de entregar nos cofres do Estado, compreende-se que só o acto final (liquidação em sentido estrito) seja susceptível de afectar, de forma objectiva e imediata, a esfera jurídica do contribuinte, sendo esse, por conseguinte, o acto lesivo e contenciosamente impugnável.
Neste mesmo sentido já foi decidido em sede de jurisdição arbitral, nomeadamente, nos processos 266/2013-T e 253/2013-T.
2. Da exceção de caducidade
Vem também a Requerida impetrar a caducidade do direito de acção, no que tange à apreciação judicial dos actos de indeferimento dos pedidos de renúncia à isenção, emitidos em 2015 e nunca alvo de impugnação administrativa ou judicial.
Entende a Requerida, que sendo tais actos sindicáveis autonomamente, a ausência de iniciativa da Requerente na tutela do seu direito, o seu direito precludiu.
Conforme acima aludido, o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e por objeto mediato as liquidações adicionais de IVA.
A própria Requerida refere, no artigo 30.º da sua resposta, “a única questão a aferir nos presentes autos é se a desconsideração por parte dos SIT da dedução do IVA em apreço, bem como o indeferimento da reclamação graciosa, em virtude de não ter a Requerente os certificados de renúncia que permitiriam tal dedução, ser ilegais ou não.”
Por seu turno, é inequívoco que a pretensão da Requerente é a anulação dos atos tributários de liquidação de imposto, independentemente de estar na posse de certificados de renúncia à isenção válidos no momento da celebração dos contratos de locação.
Assim, atendendo a que, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada ao sujeito passivo a 12.09.2018, nos termos do artigo 39.º, n.º 10, do CPPT – cfr. documento n.º 4 junto ao pedido de constituição de tribunal arbitral, tendo a Requerente submetido o pedido de constituição de tribunal arbitral a 07.12.2018, a sua apresentação é tempestiva, não tendo ocorrido a caducidade do direito de ação.
3. Da cumulação de pedidos
O art. 3.º, n.º 1, do RJAT, dispõe que: “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
Assim, a cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto tem por objeto atos de liquidação do mesmo imposto, o IVA, também se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1, do RJAT.
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Inexistem outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da acção de que cumpra conhecer.
Donde, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
IV. Decisão
4.1 Matéria de Facto
4.1. a. Factos dados como provados
A. A Requerente é uma sociedade comercial anónima com sede e direção efetiva em território português, sujeita em sede de IVA ao regime de periodicidade mensal. (art. 13.º do Requerimento Inicial- RI)
B. A Requerente assume a natureza de sujeito passivo misto, praticando quer operações que conferem o direito à dedução do IVA (sujeitas a imposto ou isentas com direito à dedução) quer operações que não conferem esse direito (isentas sem direito à dedução), tendo apurado uma percentagem de dedução de 10% em 2015. (art. 14.º RI e Doc. n.º 2)
C. No âmbito da sua atividade, a Requerente adquiriu os seguintes imóveis:
(i) imóvel inscrito sob o artigo matricial n.°..., da União das freguesias de ..., do concelho e distrito de Leiria; e
(ii) imóvel inscrito sob o artigo matricial n.° ..., da freguesia de ... e ..., do concelho de Loures e distrito de Lisboa (cfr. art.15.º do RI, pag. 52 e 54 do Doc. n.º 2).
D. No exercício da sua atividade, a Requerente deu o imóvel inscrito sob o artigo matricial n.º..., em locação à sociedade B..., Lda., pessoa coletiva n.°..., e o imóvel descrito sob o artigo matricial n.º ... foi dado em locação à C..., Lda., pessoa coletiva n.° ... (cfr. art. 17.º do RI e Doc. n.º 2).
E. A transmissão do imóvel inscrito sob o artigo ... beneficiou do certificado de renúncia respeitante ao alienante, para efeitos de transmissão ao Banco A... .
F. As locações em questão foram efetuadas imediatamente após a aquisição dos imóveis, tendo sido realizadas em ato contínuo. (cfr. art. 18.º do RI e Doc. n.º 2)
G. Antes da celebração dos contratos de locação a Requerente apresentou pedidos de emissão de certificado para efeitos de renúncia.(Cfr. art. 21.º do RI e Doc. n.º 2)
H. O pedido de renúncia à isenção, apresentado pela Requerente, relativo ao artigo urbano ..., com referência ao contrato celebrado entre a Requerente e o locatário, B..., Lda., foi indeferido a 25-06-2015. (Cfr. art.
I. A Requerente submeteu o certificado de renúncia à isenção para aquisição do imóvel inscrito sob o artigo ..., o qual foi deferido e, imediatamente, a seguir a Requerente submeteu o pedido de renúncia à locação.
J. O pedido de renúncia à isenção, apresentado pela Requente, relativo ao artigo urbano n.º..., com referência ao contrato celebrado entre a Requerente e o locatário C..., Lda., foi indeferido em 25-03-2015.
K. Em ambos os casos os pedidos de renúncia foram indeferidos, com fundamento de que a locadora, aqui Requerente, não era proprietária dos imóveis à data de realização dos pedidos. (cfr. art. 22.º do RI e Doc. n.º 2)
L. De tais indeferimentos não apresentou a requerente qualquer impugnação contenciosa.
M. A Requerente deduziu nos respetivos períodos de tributação o IVA suportado na aquisição de ambos os imóveis, nos montantes de, respetivamente, € 350.902,06 e € 92.000,00. (cfr. art. 16.º do RI e Doc. n.º 2)
N. A Requerente não tinha, na data em que foi celebrada a locação, qualquer certificado de admissibilidade da renúncia à isenção de IVA. (cfr. art. 21.º do RI e Doc. n.º 2)
O. Os serviços inspetivos decidiram que “(...) não se verificou por parte do sujeito passivo, para os casos em apreço, o cumprimento das formalidades subjacentes à renúncia à isenção para prédios adquiridos para fins de locação, nomeadamente por não possuir o certificado para efeitos de renúncia à isenção na locação de ambos os imóveis.” (cfr. art. 23.º do RI e Doc. n.º 2)
P. A Requerente não solicitou a regularização do certificado de renúncia à isenção, após a aquisição da titularidade dos imóveis, nem impugnou as decisões de indeferimento dos pedidos de renúncia à isenção. (cfr. Doc. n.º 2 pp. 61)
Q. Os serviços inspetivos procederam “(...) à correção do imposto deduzido no campo 24 das respetivas declarações periódicas dos meses de abril e maio, pelo montante de € 442.902,06 (€ 350.902,06 relativo a abril e € 92.000,00 relativo a maio)” (cfr. art. 24.º e Doc. n.º2)
R. No dia 09.01.2018, a Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA melhor identificadas no intróito que concretizam a aludida correção (cfr. art. 25.º do RI e Doc. n.º 1).
S. Por não se conformar com os aludidos atos tributários, em 09.05.2018 a Requerente apresentou reclamação graciosa.(cfr. art. 26.º do RI e Doc. n.º 3)
T. Em 12.09.2018, foi a Requerente notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. art. 27.º do RI e Doc. n.° 4).
U. Refere-se naquela decisão de indeferimento que: “A renúncia à isenção neste tipo de operações tem como objetivo permitir aos sujeitos passivos a opção pela tributação das mesmas, quando os adquirentes ou locatários tenham a sua atividade afeta total ou parcialmente a operações tributáveis, afastando, nessa medida, o denominado IVA oculto. De acordo com o disposto no artigo 137.° Diretiva IVA, cabe aos Estados-Membros, a determinação e regulamentação das condições do exercício deste direito nas legislações internas de cada um. (...) Ou seja, desde que respeitados os objetivos e princípios gerais do sistema IVA, os Estados-Membros dispõem de uma ampla margem de liberdade na conformação do regime jurídico da renúncia à isenção.” (cfr. pp. 11 e 12 do Doc. n.° 4).
V. Referem ainda os serviços: “Resulta do atual Regime de Renúncia que, para o exercício do direito de opção pela renúncia à isenção na transmissão e locação de bens imóveis, os sujeitos passivos intervenientes e os imóveis ou frações objeto do contrato terá que, cumulativamente, reunir as condições objetivas e subjetivas, nele previstas (artigo 2.° e 3.°) e possuir os respetivos certificados de renúncia válidos, condição formal obrigatória para o exercício de opção pela tributação das operações imobiliárias, na data da celebração dos respetivos contratos. Este certificado, válido por seis meses, tem como finalidade titular que os sujeitos passivos intervenientes na operação subjacente manifestaram à Autoridade Tributária a sua intenção de renunciar à isenção do IVA e que declaram estar reunidas as condições legalmente previstas para que a mesma se efetive. Ora, face ao disposto no artigo seguinte [artigo 5.°, n.° 1 do Regime de Renúncia], não subsistem dúvidas que o certificado de renúncia à isenção do IVA dever ser requerido e emitido antes da celebração do contrato de locação financeira. (...) Nessa medida, não se concebe que o simples pedido de emissão do mesmo se mostre bastante para que os efeitos pretendidos possam produzir-se.” (Cfr. pp.16 as 18 do Doc. n.º 4)
W. Por discordar da decisão da AT, a Requerente apresentou no sistema informático do CAAD, em 6 de dezembro de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral coletivo que deu origem ao presente processo. (processo arbitral)
4.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, em que as partes também estão de acordo na sua existência.
V. Questão Decidenda
A questão em causa nos presentes autos de processo arbitral tributário, consiste em determinar se as liquidações adicionais de IVA, sob escrutínio, são ilegais, bem como o indeferimento da Reclamação Graciosa, por a AT ter desconsiderado as deduções de IVA, em virtude da Requerente, segundo alega, ter exercido o direito de renúncia à isenção do IVA sem que estivesse munido deste certificado, no momento da celebração dos contratos de locação.
VI. Do Direito
O regime do IVA
O IVA assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta sem poder deduzir. O IVA funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.
Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Diretiva IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro), “[e]m cada operação, o IVA, calculado sobre o preço bem o serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”.
O princípio da neutralidade do IVA tem sido ampla e devidamente analisado pela jurisprudência europeia e unanimemente sufragado que: (…) O sistema comum do IVA tem por objectivo garantir a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, em princípio, elas próprias, sujeitas ao IVA (Caso Rompelman, proc. C-268/83, de 14/02/1985, Caso Klub, C-153/11, de 22/03/2012).
No caso dos autos, está em causa a atividade de locação de bens imóveis, a qual, é uma operação isenta de imposto, nos termos do disposto no artigo 9.º, número 30, do Código do IVA (CIVA).
Esta isenção reveste natureza incompleta, ou seja, não confere o direito à dedução do IVA suportado, implicando que o locador não possa deduzir o IVA suportado para a realização das suas operações de locação de imóveis.
O que significa que a isenção da tributação em IVA nem sempre é vantajosa, pelo contrário, pode ser penalizadora, pois cria o denominado imposto “oculto” (IVA não deduzido) que penaliza dos sujeitos passivos.
Regime da Renúncia à Isenção
Para obviar às penalizações que distorcem a funcionalidade do imposto, o legislador comunitário consagrou, em determinadas circunstâncias, e de forma excecional, o direito à renúncia à isenção, de modo a que o sujeito passivo possa liquidar e deduzir o IVA suportado nas operações, de acordo com o regime-regra.
O regime de renúncia à isenção do IVA nas operações de locação resulta do disposto nos artigos 135.º, n.º 1 alínea l), 137.º n.º 1 alínea d) e n.º 2 do artigo 168.º da Diretiva IVA, que o legislador português transpôs para os artigos 9.º, n.º 29 e 12.º, n.ºs 4 a 7 do Código do IVA, exercendo a prerrogativa de conceder a opção de tributação nas operações de locação de bens imóveis, cujos termos e condições regulamentou, autonomamente, no Regime de Renúncia, instituído, pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro
A possibilidade de renúncia à isenção do IVA nas operações imobiliárias encontra-se consagrada na alínea d) do n.º 1 do artigo 137.º da Diretiva IVA (anterior artigo 13.º, C, da Sexta Directiva), cabendo aos Estados-Membros a determinação e regulamentação das condições do exercício deste direito nas suas legislações internas, podendo, inclusive, restringir o seu exercício .
Trata-se de uma faculdade que o legislador da União concedeu aos Estados-Membros em derrogação à regra geral prevista no artigo 135.º, n.º 1 alínea l) da Diretiva IVA , segundo a qual as operações de locação estão isentas de IVA .
O que significa que, desde que respeitados os princípios gerais do sistema do IVA previsto na Sexta Directiva, e atualmente na Diretiva IVA, os Estados-Membros dispõem de uma larga margem de liberdade na conformação do regime jurídico da renúncia à isenção .
Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 21/2007, a renúncia à isenção passou a estar sujeita à verificação cumulativa de um conjunto de condições objetivas (referentes aos imóveis) e subjetivas (em relação aos sujeitos passivos que podem intervir nessas operações).
Com interesse para o caso, transcrevem-se, parcialmente os artigos 4.º e 5.º do Regime de Renúncia:
“Artigo 4.º
Formalidades para a renúncia à isenção
1 - Os sujeitos passivos que pretendam renunciar à isenção devem dirigir à Direcção-Geral dos Impostos, por via electrónica, um pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, do qual conste os seguintes elementos:
a) O nome ou designação social do sujeito passivo transmitente ou locador e do sujeito passivo adquirente ou locatário do imóvel, bem como os respectivos números de identificação fiscal;
b) A identificação do imóvel;
c) Se se trata de uma operação de transmissão do direito de propriedade do imóvel ou de uma operação de locação do mesmo;
d) A actividade a exercer no imóvel;
e) O valor da venda do imóvel ou o valor mensal da renda;
f) A declaração de que se encontram reunidas todas as condições para a renúncia à isenção, previstas no Código do IVA e no presente regime.
2 - A Direcção-Geral dos Impostos, após a recepção do pedido de emissão de certificado, deve, por via electrónica, dar conhecimento do mesmo ao sujeito passivo adquirente ou locatário do imóvel, para efeitos de confirmação por este, pela mesma via, dos elementos que lhe dizem respeito.
3 - Não obstante o disposto no número anterior, quando a informação disponibilizada no pedido não corresponder aos elementos na posse dos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, a decisão de emissão do certificado é tomada pelo chefe do serviço de finanças da área da sede, do estabelecimento estável ou, na sua falta, do domicílio do transmitente ou locador, após a apreciação da conformidade dessa informação.
4 - O certificado para efeitos de renúncia é emitido no prazo de 10 dias a contar da data da confirmação a que se refere o n.º 2.
5 - O certificado emitido é válido por seis meses e tem exclusivamente por efeito titular que os sujeitos passivos intervenientes na operação manifestaram à Direcção-Geral dos Impostos a intenção de renunciar à isenção do IVA nessa operação e que declararam estar reunidas as condições legalmente previstas para que a renúncia se efectivasse.
Artigo 5.º
Momento em que se efectiva a renúncia à isenção
1 - A renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no presente regime.
2 - Deixando de se verificar as condições de renúncia à isenção antes da celebração do contrato referido no número anterior, ou tendo decorrido o prazo de validade do certificado de renúncia sem que tal contrato haja sido celebrado, deve o sujeito passivo que solicitou a emissão do mesmo comunicar, por via electrónica, esse facto à administração tributária.
3 - O exercício da renúncia à isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos.” (negrito nosso)
Resulta da análise do texto legal que o legislador nacional fez depender a tributação das operações de locação:
i. Do prévio exercício de uma opção expressa por parte do sujeito passivo locador; e
ii. Do cumprimento de requisitos objetivos, subjetivos e formais.
Ora, existe uma relação indissociável entre as condições previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 12.º do CIVA, para a renúncia à isenção e as formalidades do procedimento declarativo prévio destinado à emissão do certificado de renúncia, previsto no artigo 4.º do Regime de Renúncia .
Por isso, o exercício de renúncia à isenção sem que estejam reunidas as respectivas condições previstas no Regime de Renúncia, ou sem que o locador disponha de um certificado de renúncia, válido, para a operação concreta não produz efeitos jurídico-tributários.
É hoje jurisprudencial e doutrinalmente consentâneo o entendimento de que “(…) o certificado de renúncia à isenção é um acto constitutivo de direito em matéria tributária. (…)”
Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 25-11-2009, prolatado no âmbito do processo 0486/09, em cujo sumário se pode ler o seguinte:
(…)
II - A sucessão no contrato de arrendamento não dispensa o sujeito passivo de cumprir as formalidades necessárias para que, de acordo com a lei fiscal, possa legitimamente cumprir aquilo a que ficou obrigado para com o arrendatário;
IV - Não o tendo, contudo, feito no momento que lhe permitiria assegurar o integral exercício do direito à dedução do IVA que suportou aquando da aquisição do imóvel com renúncia à isenção do IVA, mas apenas em momento posterior, esse comportamento omissivo é-lhe exclusivamente imputável, pois que não parece que o legislador nacional, ao ter condicionado a renúncia à isenção e ao exigir a certificação administrativa dessa renúncia, tenha excedido a "ampla margem" de manobra de que dispunha no âmbito do artigo 13.º-C da Sexta Directiva (cfr. o Acórdão do TJCE de 9 de Setembro de 2004, processo C-269/03, caso Kirchberg, Colect. P. I-8067).(…)
Aqui chegados, importa apreciar se no caso de locações de imóveis efetuadas imediatamente após a aquisição dos imóveis, tendo sido realizadas em ato contínuo, e não sendo possível à Requerente cumprir as formalidades subjacentes à renúncia à isenção para prédios adquiridos para locação, poderia a mesma obter a regularização do certificado de renúncia à isenção.
A este propósito impõe-se citar o Ofício Circulado 30099, de 09-02-2007, cujas notas foram exaustivamente transcritas, quer para o Relatório de Inspeção Tributária (RIT), junto pela Requerente sob o documento n.º 2, quer na Resposta apresentada pela AT.
No aludido ofício, nas notas ao artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 21/2007, pode ler-se o seguinte:
(…)
1. Não é permitida a renúncia na transmissão ou locação de imóveis cuja inscrição
na matriz ou pedido de inscrição não seja em nome do transmitente ou locador.
(…)
7. No caso de contratos realizados em simultâneo (v.g. aquisição seguida duma locação) a inscrição na matriz em nome do seu proprietário (ou o respectivo pedido de inscrição) só tem de verificar-se em relação ao sujeito passivo que realiza a transmissão do imóvel no 1º dos contratos, sem prejuízo da renúncia só poder verificar-se quando estiver confirmada a titularidade de propriedade relativamente ao locador no 2º contrato. (…)”(sublinhado nosso)
Quanto ao exercício à dedução, legislado nos artigos 19.º a 26.º do CIVA, e no artigo 8.º do Decreto-Lei 21/2007, o Ofício Circulado 30099, esclarece o seguinte:
(…) O direito à dedução nasce no momento da realização do contrato de locação ou transmissão e pode ser exercido, segundo as regras definidas nos artigos 19.º a 25.º do CIVA, sem prejuízo do prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 91º do CIVA, isto é, 4 anos, designadamente, no que respeita ao transmitente ou locador, relativamente ao IVA suportado na aquisição ou construção de imóveis.
No entanto, no caso de transmitentes ou locadores cuja actividade consista, com carácter de habitualidade, na construção de imóveis para venda ou para locação, e desde que comprovadamente a construção do imóvel tenha excedido o prazo de 4 anos, para efeitos do nº 2 do artigo 91º e no que respeita ao IVA suportado na construção de imóveis em que houver renúncia, o prazo anteriormente referido, é elevado para o dobro (8 anos).
Em ambas as situações, a dedução pode ser efectuada, não obstantes os documentos que suportam o direito à dedução já terem sido objecto de registo contabilístico, não se lhes aplicando a restrição prevista no nº 6 do artigo 71º.
No caso da transmissão de imóveis, em que cabe ao adquirente a obrigação de liquidação do imposto, este pode, nos termos do nº 4 do artigo 8º do Regime da Renúncia, exercer o direito à dedução do imposto liquidado pela respectiva aquisição. (…)
Sendo consabido que, o cumprimento das formalidades subjacentes à renúncia à isenção para prédios adquiridos para fins de locação são constitutivas desse direito, a Requerente, perante o indeferimento dos pedidos de renúncia podia e devia ter reagido por forma a obter o certificado de renúncia depois de confirmada a titularidade dos imóveis.
In casu, em ambas as situações – de indeferimento pela AT da isenção à renúncia – a Requerente não reagiu, impugnando, nem tão pouco diligenciou pela obtenção de um certificado válido, em momento posterior, uma vez reunidos os requisitos objetivos e subjetivos necessários à sua obtenção.
E, conforme decisão do Tribunal Arbitral no processo 176/2018-T, cujo teor subscrevemos: “O exercício da renúncia à isenção do IVA sem que estejam reunidas as respetivas condições constitutivas previstas no Regime de Renúncia”, ou sem que o locador disponha de um certificado válido para a operação concreta (…) simplesmente não produz efeitos. (…)
Do Reenvio Prejudicial
Vem a Requerente impetrar que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), se pronunciou no sentido de que o princípio da neutralidade prevalece perante a necessidade de cumprimento absoluto das formalidades legalmente previstas, quando tal cumprimento coloque em crise as regras gerais.
É entendimento da Requerente que, se as exigências formais não podem obstaculizar o direito à isenção do IVA também não poderão, a contrario sensu e por maioria de razão, obstaculizar o direito à renúncia à isenção. Para sustentar a sua posição a Requerente invocou vasta jurisprudência comunitária, que no seu entender se aplica ao caso sob escrutínio, impondo-se ao Tribunal Arbitral acompanhar tal interpretação, atendendo a que a jurisprudência do TJUE assume carácter interpretativo, com efeito obrigatório para todos os tribunais nacionais.
Mas não assiste razão à Requerente como se demonstrará de seguida.
Primeiramente porque a jurisprudência invocada pela Requerente não tem aplicação direta à situação dos presentes autos arbitrais, a que acresce o facto de existir jurisprudência dos Tribunais Superiores Portugueses e do TJUE, sobre a matéria da renúncia à isenção de IVA nas operações de locação imobiliária, cuja interpretação é a seguida de perto por este Tribunal.
Conforme acima referido, o artigo 137.º, n.º 2 da Diretiva IVA confere aos Estados‑Membros um amplo poder discricionário que lhes permite determinar as modalidades de exercício do direito de opção e mesmo suprimi‑lo . A margem concedida ao legislador estadual quanto ao alcance do direito de opção depende assim de critérios de conveniência e oportunidade aplicados pelos Estados-Membros.
Efetivamente, como o TJUE já decidiu, aquela faculdade pode ser concedida pelos Estado-Membros quer em todos os casos, quer dentro de certos limites, quer ainda segundo determinadas modalidades , ou seja, podem restringir o âmbito do direito de opção ou até mesmo suprimi-lo .
Neste sentido a jurisprudência do TJUE preconiza que o direito europeu não se opõe a que um Estado‑Membro que tenha exercido a faculdade de conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optarem pela tributação da locação de bens imóveis faça depender a aplicação do imposto de uma autorização prévia da opção, quando o procedimento de autorização visa verificar que as condições legais estão preenchidas e se destina, designadamente, a prevenir os casos de fraude ou de abuso (cf. Acórdão do TJUE, de 9 de setembro de 2004, Objekt Kircheberg, C- 269/03) e, ainda, que as alterações legislativas introduzidas no seio de um ordenamento jurídico nacional, mesmo com o objetivo de eliminar o direito de renúncia à isenção de IVA na locação de imóveis, não violam os princípios da neutralidade e proporcionalidade (cf. Acórdão do TJ, de 3 de dezembro de 1998, BelgoCodex, C- 381/97).
Igualmente, no sentido da conformidade da exigência da emissão de um certificado de renúncia na ampla margem de manobra de que dispõe o legislador estadual, se pronunciou ainda o Acórdão do STA, processo n.º 486/09, de 25 de novembro de 2009.
A exigência de declaração prévia, junto da AT, enquanto condição de acesso ao regime de renúncia à isenção, é compatível com o direito da União, tal como já se pronunciou o TJUE no Caso Kirchberg (C-269/03, de 9/09/2004) a propósito de uma disposição da lei Luxemburguesa, que impõe a observância de determinados requisitos para aceder a tal regime.
Escreveu-se naquele acórdão que: “ (…) verifica-se assim que tal procedimento de aprovação não se destina a lesar o direito à dedução, mas permite, pelo contrário, que este direito seja plenamente exercido, desde que se respeitem certas exigências, designadamente, a apresentação de uma declaração de opção e a obtenção da aprovação dentro de determinados prazos.
O facto de o procedimento de aprovação não ser retroactivo não o torna desproporcionado. Pelo contrário, tal procedimento pode considerar-se útil a fim de incitar os locadores a apresentar antecipadamente a sua declaração de opção. Com efeito, não se pode excluir que um procedimento de aprovação com carácter retroactivo seja susceptível de produzir efeito inverso, conduzindo os locadores a apresentar tardiamente a sua declaração de opção e que seja, consequentemente, menos apto a assegurar a aplicação correcta do exercício do direito de opção e a alcançar o objectivo de segurança jurídica referido no n.° 25 do presente acórdão. (…)”.
Ou seja, não viola o direito da União, o estabelecimento de condições formais para o exercício da renúncia à isenção nas operações de locação imobiliária, onde se inclui a exigência de apresentação prévia de uma declaração modelo com base na qual serão analisados os pressupostos legais pela AT, e posteriormente, emitido um certificado.
Assim sendo, também não viola o direito à dedução, nem o princípio da neutralidade, a não autorização pela AT, da dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo, quando o este não obteve, previamente, o certificado conforme previsto no Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro.
Inexistência de Dúvidas Interpretativa do Direito Europeu
As questões decidendas não só não suscitam quaisquer dúvidas de interpretação do direito europeu (diretiva IVA), como se enquadram na jurisprudência do TJUE sobre o direito à renúncia ao imposto nas operações imobiliárias em questão.
Ou seja, de acordo com a interpretação do TJUE, os Estados-Membros dispõem de uma larga margem de liberdade na conformação do regime jurídico da renúncia à isenção do IVA em operações sobre imóveis, nomeadamente no estabelecimento de requisitos para a obtenção da certificação.
Margem que o Estado português não extravasou ao prever um procedimento de certificação para a emissão de um certificado de renúncia.
Termos em que, por tudo o quanto vai exposto, se julga improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, com a consequente manutenção na ordem jurídica do ato de indeferimento da reclamação graciosa e os atos de liquidações adicionais de IVA com os n.ºs ... e ..., respeitantes aos períodos de 1504M e 1505M.
Reembolso da quantia paga e Juros Indemnizatórios
Sendo de julgar improcedente o pedido declaração de nulidade das liquidações adicionais de IVA impugnadas, objecto da pronúncia arbitral, improcede igualmente o pedido de reembolso da quantia paga e o direito a juros indemnizatórios.
VII. Questões prejudicadas
Sendo negado provimento ao pedido fica prejudicada a análise da questão da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, suscitada pela Requerente, por violação do princípio da legalidade fiscal na vertente de reserva de lei formal, no que respeita à interpretação feita pela Requerente que o regime da Renúncia à Isenção promove um tratamento distinto de situações economicamente semelhantes com fundamento exclusivo no não cumprimento de determinado formalismo.
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras (Cf. Artigo 608.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
VIII. Decisão
Nestes termos, em conformidade com o acima exposto, decide-se:
a) Julgar improcedentes os pedidos de declaração de nulidade das liquidações adicionais de IVA impugnadas, n.ºs ... e ...;
b) Julgar improcedentes o pedido de restituição do imposto pago, bem como o pedido de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.
XIX. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 442.902,06 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
X. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 7.038,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 4 de julho de 2019
O Tribunal Arbitral Coletivo,
(José Poças Falcão)
(José Sampaio e Nora)
(Cristina Coisinha)
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT].