DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A..., SA, pessoa colectiva n.º..., com sede na sede no ..., ..., ...-... ..., apresentou, em 12-11-2018, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou ATA).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis – AIMI – n.º 2017-... do ano de 2017, bem como do indeferimento da reclamação graciosa a que foi atribuído o n.º ...2018... .
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13-11-2018.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 03-01-2019 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 23-01-2019.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
A Requerente é uma sociedade comercial que desenvolve a sua atividade no sector imobiliário.
É proprietária dos prédios urbanos mencionados na liquidação em crise, terrenos para construção, os quais estão contabilizados na esfera da impugnante como existências.
A impugnante adquiriu tais terrenos com o fito de neles promover edificações à medida das suas capacidades financeiras e mediante as circunstâncias do mercado, pelo que tal património está destinado única exclusivamente à exploração no âmbito da sua actividade económica.
Procedeu ao pagamento do imposto na sequência da instauração de processo de execução fiscal, mas o mesmo não acarreta o reconhecimento implícito da legalidade do acto tributário.
Com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017, foi criado o AIMI, com a configuração de um imposto complementar ao IMI, com o fito de tributar “a acumulação de património imobiliário habitacional de muito elevado valor”.
Relativamente à ratio legis do AIMI, de acordo com o Relatório do Orçamento de Estado para 2017, “a consignação da tributação progressiva do património imobiliário ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema”.
Como decorre do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, verifica-se que o AIMI incide sobre os imóveis com afetação habitacional, bem como os terrenos para construção, independentemente da sua afectação – na medida em que os mesmos não constam expressamente na norma de delimitação negativa de incidência.
O AIMI veio substituir o anterior modo de tributação do “património imobiliário de luxo”, cuja taxa estava prevista na Verba 28. da Tabela Geral do Imposto do Selo na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012 e pela Lei n.º 83-C/2013. Não obstante o AIMI ter sido equacionado para continuar a tributação sobre imóveis de luxo e, bem assim, suprir muitas das falhas que haviam sido apontadas à Verba 28. do Imposto do Selo, os seus contornos apresentam diversas divergências do regime inicial.
Considerando que é inegável o paralelismo entre a Verba 28. e a configuração atual do AIMI, pretende a Requerente demonstrar que o AIMI padece dos mesmos vícios que o seu precedente – sobretudo porque, relativamente aos imóveis essenciais na obtenção de rendimentos no âmbito da atividade económica, carece de idêntica sustentação material no plano tributário.
Sustenta que nesses casos, o AIMI viola o princípio da igualdade, concretizado na sua vertente da capacidade contributiva, nos termos já propugnados pela jurisprudência e doutrina aquando da discussão relativamente à Verba 28, devidamente adaptados às características deste novo imposto.
Aliás, é claro e indiscutível – conforme sucessivamente reiterado pela Jurisprudência Arbitral e Judicial – que, com a verba em causa, o legislador jamais pretendeu tributar a propriedade de terrenos para construção.
Acresce que o acto tributário em causa materializa também a violação dos mais basilares cânones da igualdade, proporcionalidade e capacidade contributiva. A propósito de tal princípio, a própria CRP em matéria de tributação do património, estabelece uma orientação central no nº 3 do seu artigo 104º, quando estatui que “A tributação do património [como é o AIMI] deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”.
Os imóveis detidos pela Requerente, e que estão a ser alvo de tributação em sede de AIMI, são essenciais para a obtenção de rendimentos no âmbito da sua atividade económica – eles próprios também sujeitos a tributação, pelo que falha em absoluto o pressuposto de que a propriedade sobre tais imóveis possa constituir manifestação de uma (ou de uma acrescida) capacidade contributiva que, por si só, deva ser sujeita a ablação por via tributária.
Com o imposto em causa, trata-se de forma desigual, sem qualquer fundamento material de suporte, as empresas proprietárias de imóveis destinados ao exercício de uma actividade económica, relativamente às empresas que, pelo mesmo motivo, são proprietárias de imóveis classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” – os quais são isentos de AIMI.
Não existe qualquer fundamento material minimamente perceptível, racional e razoável para propugnar uma discriminação negativa, a nível fiscal, das empresas proprietárias de imóveis que utilizam na prossecução da sua actividade.
Em função da finalidade pretendida da norma, mormente quando aponta para a configuração de um imposto complementar ao IMI com o fito de tributar “a acumulação de património imobiliário habitacional de muito elevado valor”, através de “um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema.”, afigura-se evidente a violação do princípio da proporcionalidade.
O artigo 135.º -B n.º 1 do CIMI deverá ser desaplicado pelo Tribunal, atenta a sua inconstitucionalidade material com os sobreditos fundamentos, na medida em que incide sobre imóveis detidos por empresas que prosseguem uma actividade imobiliária, determinando a anulação da decisão e da liquidação impugnadas.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese, o seguinte:
A argumentação arvorada pela Requerente, designadamente com invocação de decisões do Tribunal Constitucional, não tem qualquer arrimo, face às várias decisões entretanto proferidas por aquele Tribunal.
A opção legislativa consagrada nos artigos 135.º-A e 135.º-B, de qualificar como sujeitos passivos pessoas singulares e pessoas colectivas e quaisquer estruturas ou centros de interesses colectivos sem personalidade jurídica que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português com a classificação como “terrenos para construção” ou de “edifícios ou construções para fins habitacionais”, trouxe, inevitavelmente, para o campo da tributação, entidades que prosseguem actividades económicas.
O único critério relevante para delimitar o âmbito da incidência objectiva é, tão-só, a tipologia de classificação dos prédios urbanos prevista no n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI, para a qual remete expressamente o n.º 2 do artigo 135.º-B, pelo que deixou de ser uma fonte apropriada para tentar apreender as reais intenções do legislador do AIMI no que respeita à tributação dos imóveis detidos por entidades que prosseguem uma actividade empresarial.
A AT não procede a qualquer interpretação inconstitucional da norma, pois não é a AT quem decide incluir na tributação em AIMI os prédios urbanos afectos a actividades económicas (e em tal facto não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade, diga-se), mas sim, porque é o que resulta do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI, apenas não são tributados os prédios urbanos classificados como industriais, comerciais ou para serviços e outros.
Pelo que, tendo a liquidação impugnada sido efectuada em conformidade com o disposto na lei, não se antevê, então, onde possa residir a ilegalidade da decisão proferida pela AT.
Assinalando a teleologia do imposto, interpreta-se que este visa, primeiramente, atingir uma parcela do património dos respectivos sujeitos passivos do imposto, incidindo sobre os bens imóveis constitutivos de um património, reconhecível juridicamente como capital de uma determinada entidade (singular ou colectiva), independentemente de o mesmo estar afecto a qualquer processo produtivo ou gerador de rendimentos.
Porém, o legislador optou no n.º 2 daquele preceito por uma delimitação negativa da incidência, excluindo do AIMI imóveis que, pela sua potencial afectação, podem ser economicamente reconhecidos como factores de produção, a título de capital, ou seja, como bens intermediários que, conjugados com os demais factores de produção, produzem novas utilidades –bens económicos que satisfazem necessidades.
Para o efeito, recorreu a um critério que convoca a estrutura de tipologias de prédio urbano previstas no artigo 6.º do Código do IMI e que opera através da subtracção ao AIMI dos prédios urbanos que, fruto do licenciamento de utilização declarado pelos municípios ou, na sua falta, do respectivo destino normal, são reconduzidos às tipologias das alíneas b) e d) do n.º 1 daquele preceito. Logo, o universo de prédios urbanos sujeitos ao AIMI é apurado por recurso às restantes duas tipologias constantes do n.º 1 do artigo 6.º, ie, prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção.
O imposto em sindicância não visa uma tributação genérica do património. Em causa está apenas um imposto parcelar sobre determinadas manifestações de capacidade contributiva.
Estando em causa a consagração de uma tributação parcelar do património total dos contribuintes, julga-se não ser normativamente adequado proceder a uma comparação entre o valor global do património de outros contribuintes.
O AIMI respeita uma tributação parcelar do património sem visar especificamente empresas, pois compreende toda a espécie de sujeitos passivos que sejam titulares dos direitos reais enunciados sobre os prédios em causa, independentemente de assumirem carácter empresarial ou não, abrangendo, assim, para além de sociedades, fundações, associações, pessoas singulares. Sendo, assim, inviável convocar, em atenção ao âmbito de aplicação da norma em apreciação, princípios de vocação estritamente empresarial, pois a tributação dirige-se ao património e não a quem o detém.
O princípio constitucional da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo, todavia, a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, i.e., as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.
Das normas consagradas não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes ao arrepio daqueles princípios constitucionais.
Quanto à aplicação dos princípios constitucionais invocados, bem como o referido a propósito da ratio legis subjacente ao artigo 135.º-B, n.º 2 da Código do AIMI, decorre que, à luz dos mesmos, as escolhas inerentes à delimitação da incidência objectiva do AIMI são efectuadas dentro da margem de “liberdade de conformação legislativa”.
Quanto aos terrenos para construção, estes não se reconduzem a meros direitos de construção, de coisas futuras, e todos eles são bens autónomos, que, até, pela sua natural escassez, têm sempre valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações.
Em sede de AIMI não faz sentido invocar jurisprudência referente à Verba 28.1 da TGIS, porque o AIMI ignora a potencial afectação dos terrenos para construção, e porque se aplica indistintamente da qualidade do sujeito passivo desde que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos abrangidos pelo artigo 135.º-B do Código do IMI.
Contrariamente ao que pretende a Requerente, entende-se que não é possível configurar a inconstitucionalidade de uma norma fiscal com base simplesmente em que a mesma possui influência significativa nas decisões económicas dos contribuintes -por natureza, isso é um efeito típico das regras fiscais.
O legislador do AIMI, em atenção às finalidades extrafiscais prosseguidas, salvaguardou da tributação os prédios urbanos que constituem o suporte da realização de actividades económicas industriais, comerciais e serviços, ou seja, aqueles que são detidos para uso na produção ou fornecimentos de bens e serviços, em ordem a que influenciar negativamente o desenvolvimento económico e a competitividade das empresas nacionais.
Desse modo, não estendeu a exclusão da incidência do AIMI aos “terrenos para construção” e aos “edifícios ou construções para fins habitacionais”, sejam tais imóveis detidos para usufruição do proprietário, para exploração ou para comercialização ou sejam qualificados contabilisticamente como “mercadorias” ou “activos não correntes detidos para venda” ou como “propriedades de investimento”.
Onde o legislador não distinguiu, não cabe ao intérprete distinguir.
Entende-se que é inconstitucional o artigo 135.º-B, n.º 2 do CIMI, quando interpretado no sentido de que na exclusão de tributação aí prevista estão também os prédios classificados como terrenos para construção cujo fim potencial não seja habitacional, pois viola o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes, consagrado nos artigos 2.º e 111º da CRP, constituindo-se o mesmo como referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cf. artigos 202º e 203º da CRP), bem como do princípio constitucional da igualdade (cf. artigo 13º da CRP) e, bem assim, do princípio da legalidade formulado no n.º 2 do art.º 103º, alínea i) do n.º 1 do art.º 165º todos da CRP, o que aqui se deduz para todos os efeitos legais.
Conclui a requerida pela legalidade do acto de liquidação de contestado pela Requerente que deverá, assim, ser mantido.
6. Por despacho de 26-03-2019, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, bem como, com a anuência das partes, a apresentação de alegações.
II – SANEAMENTO
8.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
8.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8.3. O processo não enferma de nulidades.
8.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
III.1. Matéria de facto
Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos – tendo presente que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado (cfr.artºs. 596.º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT) - consideram-se, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade que desenvolve a sua actividade no sector imobiliário;
b) A Requerente é proprietária dos lotes de terreno destinados a construção urbana inscritos na matriz urbana da freguesia da cidade da ..., sob os artigos ... e ...;
c) A Requerente foi notificada pela AT da liquidação de AIMI, relativamente aos prédios acima identificados, referente ao ano de 2017, com o n.º 2017-...;
d) A Requerente apresentou reclamação graciosa daquela liquidação a qual foi instaurada sob o n.º ...2018...;
e) Na aludida reclamação graciosa foi proferido, em 03-08-2018, despacho de indeferimento;
f) A Requerente pagou o imposto, resultante daquela liquidação, em sede de processo de execução fiscal.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo junto aos autos.
Não foram dados como não provados factos com relevo para a decisão da causa.
III.2. Matéria de Direito
Conforme resulta do pedido arbitral, a Requerente manifesta a sua inconformidade com o acto de liquidação impugnado, por entender, em suma, que, por padecer de inconstitucionalidade material, o tribunal deverá desaplicar o art. 135º-B do Código do IMI.
A Lei 42/2016, de 28 de Dezembro aditou ao CIMI, entre outros, o art. 135º-A que estabelece: “são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou colectivas que sejam proprietários, usufrutuários ou supercifiários de prédios urbanos situados no território português”.
Por seu turno, o artigo seguinte – 135º-B – determina:
“1. O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 – São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6º deste Código”.
Como a Requerente alega, este regime exclui da incidência do AIMI «os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º (…)» do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), pelo que apenas são abrangidos os prédios urbanos afectos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos naquele artigo 6.º.
No caso, estão em causa terrenos para construção pelo que é indiscutível que se incluem na incidência objectiva do imposto, uma vez que, pelo menos à letra da lei, não estamos no âmbito da sua exclusão.
Com efeito, como diz Baptista Machado – Introdução ao Direito e Discurso Legitimador -: “na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento” (pag. 182).
Ora, a literalidade dos artigos 135º-A, n.º 1 e 135º-B, n.º 1 e 2 do CIMI é clara e não parece prestar-se a dúvidas interpretativas. Como se diz no Acórdão Arbitral n.º 664/2017-T, de 26-06-2018:
- “A exclusão do imposto abrange, por conseguinte, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. Abarca, para além disso, a espécie residual referida na alínea d) do n.º 1 desse artigo 6.º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não enquadrem em qualquer das anteriores classificações.
O âmbito de incidência objetiva, por efeito da remissão para aquele artigo 6.º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efetuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.
É verdade que a preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento”.
Todavia, da apontada delimitação negativa de incidência, a Requerente extrai a conclusão de que se pretendeu criar um imposto sobre a fortuna imobiliária, sustentando que o AIMI, como imposto complementar ao IMI, tem em vista a tributação da acumulação de património habitacional de muito elevado valor (fazendo paralelismo com a tributação com a anterior tributação em imposto do selo, através da verba 28 da TGIS).
Mais do que isso, defende que a inclusão dos terrenos para construção no âmbito de sujeição objectiva do AIMI carece de qualquer justificação material no plano tributário e que, por isso, não foi emanada com qualquer sentido e extensão previamente ponderado e determinado, mas, pelo contrário, surgiu de uma interpretação acrítica e truncada da lei fiscal por parte da AT. Para daí concluir que o acto tributário em causa, porque resultante da aplicação da norma contestada, viola os princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e capacidade contributiva.
De acordo com as várias decisões já proferidas pelo Tribunal Constitucional, tem aquele Tribunal superior entendido inexistir qualquer juízo de inconstitucionalidade a esse propópsito. Como se diz no recente Acórdão no proc. n.º 307/2019, de 29-05-2019, no que respeita especificamente aos terrenos para construção; é dito:
- “O valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. É essa expectativa de produção de riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza dos proprietários do terreno para construção, logo que o terreno passa a ser considerado como sendo para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor dos prédios a construir, maior é o valor do terreno para construção.
- O reconhecimento pelo legislador de que o terreno para construção traduz uma posição patrimonial do seu detentor e um valor de mercado próprio, torna imprestável a convocação da finalidade e do valor correspondentes ao prédio que nele venha a ser construído: terreno para construção e terreno construído não são realidades económicas equivalentes ou assumiláveis, no domínio da tributação do património imobiliário. Assim foi afirmado pelo Tribunal, com destaque para a pronúncia do Plenário no … Acórdão n.º 378/2018, doutrina inteiramente transponível para a norma do AIMI aqui sindicada”.
Relativamente ao paralelismo com a verba 28.1 da TGIS diz-se no mesmo aresto:
- “para efeitos de aplicação da norma da verba 28.1 é a situação jurídico-patrimonial existente à data do vencimento da obrigação do pagamento do imposto, sendo, pois, por referência ao facto tributário concreto existente nessa data que se deverá avaliar a existência, ou não, de um fundamento racional ou razoável para justificar as consequências jurídico-tributárias que dele imediatamente emergem”.
- “Também no âmbito de incidência do AIMI, mesmo que norteada por um óptica pessoal, não pode deixar de se reconhecer que os terrenos para construção são bem distintos dos prédios urbanos já construídos e afectos a uma finalidade específica por via de licenciamento ou utilização normal. Na verdade, e assentando, como se viu, a razão da não tributação dos prédios urbanos, comerciais, industriais, para serviços ou outros no propósito de promover o bom funcionamento das actividades económicas – o que implica a criação de estímulos à reafectação de recursos a fins produtivos, de forma a incrementar o crescimento económico -, os terrenos para construção apenas podem contribuir para esse desiderato em potência, num futuro hipotético e condicional, pois mesmo que se tenha formado um direito a construir, nada impede a mudança de vontade do seu titular relativamente ao destino a dar ao prédio”.
- “Os terrenos para construção constituem um activo económico com valor patrimonial, em si mesmo revelador de capacidade contributiva do seu titular, estando, por isso, constitucionalmente legitimada a sua inclusão no acervo patrimonial globalmente sujeito a AIMI, independentemente do que neles venha a ser efectivamente implantado”.
Quer dizer, os terrenos para construção, à semelhança dos prédios destinados a habitação, revelarão um maior índice de fortuna e, como tal, de maior capacidade contributiva. Não se vislumbra, por isso, ocorrer violação do princípio da igualdade na opção de tributação desses imóveis, atenta a razoabilidade da distinção e os fins visados.
Acresce o facto de a exclusão da incidência do AIMI não ter sido feita tendo em vista a eventual actividade a que os prédios estão afectos, mas apenas teve por base os tipos de prédios indicados no art. 6º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ou ao funcionamento de empresas.
Aliás, como é dito no Acórdão Arbitral n.º 675/2017-T, de 04-05-2018:
- “Se tivesse sido mantida, na redação final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afetos ao funcionamento das pessoas coletivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afetação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.
Tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos ao funcionamento das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI”.
Tendo presente o vertido no Relatório do Orçamento para 2017, podemos concluir que não se pretendeu com o AIMI onerar a tributação de imóveis de luxo, como se visava primacialmente com a verba 28.1 da TGIS, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituído por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor. Ter-se-á tido antes em vista criar mais uma via de subsidiação do sistema de segurança social, que é uma das incumbências constitucionais do Estado.
Mas, além disso, pretende a Requerente que seja desaplicado o disposto no art. 135º-A do CIMI, invocando a inconstitucionalidade do regime de tributação do AIMI, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e capacidade contributiva, ao fazer uma tributação indiscriminada de todos os prédios, defendendo que os que estão afectos a actividades económicas se encontram necessariamente excluídos dessa tributação.
Como é o seu caso. Defende a Requerente que a circunstância de os imóveis em causa fazerem parte integrante da sua atividade comercial, por ser esse o seu objecto social, carece de fundamento e, pelo contrário, seria violador do princípio da igualdade, fazer incidir sobre tais imóveis o AIMI, por comparação com as demais entidades, não imobiliárias, proprietárias de imóveis.
Diga-se, desde já, que entendemos que o facto de a Requerente deter os imóveis no âmbito da sua actividade económica não afasta, contudo, a incidência do AIMI. Não tem razão a Requerente quando alega que terá sido intenção do legislador pretender excluir do âmbito de incidência do imposto os prédios afectos a actividades económicas, a pretexto de que o objetivo prosseguido seria não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objecto social.
Por outro lado, à afirmação da Requerente de que o julgamento de inconstitucionalidade do AIMI, com base na violação do princípio da igualdade, parte de premissas e se baseia numa comparação entre situações incomparáveis, contrapõe-se que temos por assente, neste âmbito, que a liberdade de que goza o legislador exige que o princípio da igualdade e da capacidade contributiva disponha de alguma flexibilidade e possa ceder, até certo limite, perante outros propósitos do Estado.
Daí que quando uma situação aparente ou tendencialmente igual é tratada de forma aparentemente diferente, só se pode falar em desigualdade fiscal se não houver razões atendíveis que tenham conduzido o legislador a fazer as opções que fez. Ou seja, o que está constitucionalmente vedado ao legislador é o puro arbítrio, o que não sucederá quando tenha em vista a prossecução de objectivos a que atribui maior valor – como é o paradigmático caso dos benefícios fiscais, em que o legislador prefere abrir mão da receita fiscal para atingir outros objectivos.
É, aliás, dentro desse espírito que o legislador, no que ao caso importa, apenas pretende tributar os prédios classificados como habitacionais e os terrenos para construção, abstendo-se de fazer incidir AIMI sobre os demais. Quer dizer, tomou uma medida de distinção do que é desigual, fazendo uma opção cuja justificação parece clara: não aumentar a carga fiscal sobre os sectores produtivos, visando as tão propaladas necessidades de investimento e de crescimento económico.
Como, do mesmo modo, se refere no já citado Acórdão Arbitral 675/2017: “A titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. O que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade do património e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos”.
Acresce que a capacidade contributiva das pessoas colectivas empresariais, relevante para a aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da actividade a que se destinam os imóveis. Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta óptica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais - não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam” (Sérgio Vasques, Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, em Fiscalidade, n.º 23, página 36).
Por outro lado, e como acima também já se aflorou, “não sendo objectivo legislativo a tributação da habitação de luxo mas sim obter mais um meio de financiamento da Segurança Social, em sintonia com a opção política de diversificação, através de «um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema»” (página 57 do relatório do Orçamento do Estado para 2017), é em função destes objectivos que há que apreciar se ocorre violação do princípio da proporcionalidade” (Acórdão Arbitral n.º 420/2018-T, de 15-01-2019).
Como, do mesmo modo, refere o Acórdão Arbitral 664/2017-T: “A titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. O que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade do património e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos”.
Acresce que a capacidade contributiva das pessoas colectivas empresariais, relevante para a aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da actividade a que se destinam os imóveis. Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta óptica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais - não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam” (Sérgio Vasques, Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, em Fiscalidade, n.º 23, página 36).
Por outro lado, e como acima também já se aflorou, “não sendo objectivo legislativo a tributação da habitação de luxo mas sim obter mais um meio de financiamento da Segurança Social, em sintonia com a opção política de diversificação, através de «um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema»” (página 57 do relatório do Orçamento do Estado para 2017), é em função destes objectivos que há que apreciar se ocorre violação do princípio da proporcionalidade” (Acórdão Arbitral n.º 420/2018-T, de 15-01-2019).
“Desta perspectiva, afigura-se que esta nova tributação não é incompaginável com o princípio da proporcionalidade, pois é adequada ao fim em vista (propicia o aumento de receitas que se pretende obter), é necessária (à face da opção legislativa de aumentar as receitas da Segurança Social com diversificação de fontes) e não é ultrapassada uma medida razoável, designadamente quanto às pessoas colectivas, pois as taxas do novo imposto não são elevadas (e são menores para as pessoas coletivas do que para as pessoas singulares, nos termos do artigo 135.º-F), o imposto pago é dedutível a matéria tributável de IRC (artigo 135.º-J), são deduzidos valores consideráveis ao valor tributável (artigo 135.º-C) e não está demonstrado, nem há razão para crer, que os montantes arrecadados ultrapassem o que é necessário para a finalidade de reforçar a sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social” (idem).
Na mesma linha, concluímos que não se afigura, pois, ocorrer qualquer inconstitucionalidade, não merecendo o acto de liquidação contestado qualquer censura.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado, absolvendo a Requerida de todos os pedidos.
b) Condenar a Requerente nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 13.070,40 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 918,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 30 de Junho de 2019
O Árbitro
(António Alberto Franco)