DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A... Lda., pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto tributário de liquidação adicional de IRC e de liquidação de juros compensatórios e de mora, no montante global de € 190.271,71, referentes ao ano de 2014, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à prestação de serviços médicos na área da oftalmologia e que tem como principal cliente o B..., Lda., tendo sido prestados, no exercício de 2014, serviços médicos no valor total de € 686.522,42 por intermédio do Dr. C..., médico oftalmologista e sócio-gerente da Requerente.
O Dr. C... recebeu pessoalmente, em nome e por conta da Requerente, todos os pagamentos relativos aos serviços prestados durante esse ano, sendo que as importâncias recebidas não eram imediatamente depositadas na conta bancária da Requerente, ficando temporariamente na posse do sócio gerente para efeito do pagamento das despesas inerentes à actividade da empresa.
No entanto, os montantes pagos pelo B..., Lda. eram registados contabilisticamente na conta # 123 (...) tudo se passando como se essas importâncias ingressassem imediatamente na conta bancária da Requerente.
Na sequência de uma acção de inspecção externa, a Autoridade Tributária determinou a sujeição à taxa de tributação autónoma de despesas não documentadas no montante de € 351.816,62, resultantes da diferença entre os recebimentos pelos serviços prestados e os valores depositados na conta bancária, e no montante de € 16.728,46, referentes a pagamentos efectuados através da conta bancária mas não registados na contabilidade.
A Requerente entende que as verbas que permaneceram em poder do Dr. C..., que não chegaram a ingressar na conta bancária do sujeito passivo nem foram contabilizadas como despesas, correspondem a montantes pendentes de restituição que não preenchem o conceito de «despesas não documentadas» para efeitos dos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea b), e 88.º, n.º 1, do Código do IRC, porquanto esse conceito refere-se a despesas que se encontrem registadas como gastos na contabilidade e relativamente às quais inexiste qualquer suporte documental, ao passo que na situação vertente ocorreu apenas um erro contabilístico na medida em que o valor de € 351.816,62 devia ter sido inscrito na contabilidade como pendente de restituição ou, no limite, como adiantamento ao sócio por conta de lucros.
Por outro lado, no tocante ao valor de € 16.728,46 é possível identificar em parte o seu destino, visto que serviu para o pagamento de despesas (nomeadamente o pagamento dos serviços prestados pelo contabilista certificado) e pagamentos por conta de IRC.
Conclui que os valores não são qualificáveis como despesas não documentadas, não havendo lugar à aplicação das taxas de tributação autónoma.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que a Requerente prestou serviços quase exclusivamente ao B..., Lda., no valor de € 657.689,89, e integralmente pagos ao sócio-gerente, tendo-se apurado nos registos contabilísticos, na sequência da acção inspectiva, uma divergência entre os recebimentos e os posteriores depósitos bancários nas contas tituladas pela Requerente, verificando-se pela análise dos extratos bancários que o sócio gerente apenas restituiu à empresa o montante de € 143.705,80 €.
Tratando-se de verbas pertencentes à Requerente e que foram omitidas e sonegadas ao seu património correspondem a despesas não documentadas por se desconhecer o destinatário dos valores em causa e o fim a que se destinaram.
É possível, no entanto, identificar o destino, objectivo e beneficiário de saídas no montante de € 8.369,53, titulados por cheques, pelo que esse valor perde o seu carácter de despesa não documentada, o que justificou a revogação parcial do acto de liquidação impugnado, com a consequente redução da tributação autónoma em € 4.184,77 (correspondente à taxa de 50 % que incidiu sobre o valor da despesa que veio o contribuinte fazer prova do seu destino).
Conclui pela improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenado o prosseguimento do processo para alegações por prazo sucessivo.
Em alegações a Requerente procurou fixar os factos que devem ser tidos provados e, quanto ao mais, manteve a sua anterior posição. Relativamente às saídas não justificadas de dinheiro da conta bancária, e perante a revogação parcial do acto tributário de liquidação, que € 2.406,92, a Requerente continua a entender que esse montante se encontra também justificado.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 10 de janeiro de 2019.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à prestação de serviços médicos na área da oftalmologia e que tem como principal cliente o B..., Lda.;
B) Os serviços médicos contratados à Requerente no ano de 2014 foram todos realizados nas instalações do B..., Lda., e executados pelo Dr. C..., médico oftalmologista e sócio-gerente da Requerente;
C) No exercício de 2014 foram prestados pela Requerente serviços médicos no valor total de € 686.522,42;
D) O sócio gerente da Requerente recebeu pessoalmente, em nome e por conta da Requerente, todos os pagamentos relativos aos serviços prestados durante o ano de 2014;
E) Os valores recebidos não eram imediatamente depositados na conta bancária da Requerente, ficando temporariamente na posse do sócio gerente para efeito do pagamento das despesas inerentes à actividade da empresa;
F) O sócio gerente efectuava depósitos na conta bancária da Requerente das importâncias auferidas que não eram aplicadas em pagamentos de despesas, e que, no exercício de 2014, ascenderam ao montante total de € 143.705,80 assim discriminado:
MÊS VALOR (EUR)
Janeiro 8.750,00
Fevereiro 10.184,22
Março 4.600,00
Abril 6.800,00
Maio 20.525,00
Junho 11.425,00
Julho 25.195,78
Agosto -
Setembro 18.678,28
Outubro 7.852,52
Novembro 11.225,00
Dezembro 18.470,00
TOTAL: 143.705,80
G) As importâncias auferidas pela prestação de serviços ao B..., Lda. eram registados contabilisticamente na conta # 123 (...);
H) A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção externa referente ao exercício de 2014, titulada pela Ordem de Serviço n.º OI2017..., que teve inicialmente em vista averiguar a situação tributária em sede de IVA e retenções na fonte de IRS e foi depois alargada ao IRC;
I) No decurso do procedimento inspectivo, a Requerente foi notificada para prestar esclarecimentos e apresentar elementos através do seu contabilista certificado e exerceu o direito de audição relativamente ao projecto de Relatório da Inspecção Tributária, de que foi notificada em 2 de Maio de 2018;
J) As correcções em IRC determinadas pela Autoridade Tributária na sequência do procedimento inspectivo resultaram da qualificação como despesas não documentadas de valores contabilizados na conta # 123 mas não depositados na conta bancária, no valor de € 351.816,62, bem como de valores referentes a pagamentos efectuados através da conta bancária mas não registados na contabilidade, no valor de € 16.786,46;
K) Por despacho da Subdirectora-Geral de 6 de Dezembro de 2018, proferido com subdelegação de competências, já na pendência do processo arbitral, foi revogado parcialmente o acto de liquidação adicional de IRC
no que se refere a pagamentos efectuados através da conta bancária não registados na contabilidade, no valor de €8.369,53, por se considerar que é possível identificar relativamente a esses movimentos financeiros o destino, objectivo e beneficiário;
L) A revogação parcial determinou a redução da tributação sobre despesas documentadas em € 4.184,77;
M) A Requerente reconheceu na audição prévia a existência de imprecisões nos seus registos contabilísticos;
N) Os elementos que constam do documento n.º 7 anexo à petição inicial permitem identificar diversos pagamentos por conta de IRC, bem como os recibos emitidos pela empresa D..., no montante total de € 10.776,45;
O) A Requerente procedeu ao pagamento do montante liquidado em 16 de Julho de 2018.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
Matéria de direito
5. A Requerente discute a sujeição a tributação autónoma como despesas não documentadas das importâncias recebidas pelo sócio gerente em nome e por conta da empresa, que eram registadas contabilisticamente, mas não depositadas na conta bancária, bem como as importâncias referentes a pagamentos efectuados através da conta bancária mas não registados na contabilidade.
No essencial, a Requerente defende que a retenção na posse do sócio gerente das importâncias cobradas pela prestação de serviços, e não depositadas na conta bancária da empresa, corresponde a um crédito pendente de restituição ou, em última análise, a um adiantamento por conta dos lucros.
Importa começar por dizer para um melhor enquadramento da questão que vem colocada, que a tributação autónoma constitui a principal excepção à tributação do rendimento segundo o princípio do rendimento líquido ou rendimento real, pelo qual o rendimento das pessoas singulares é apurado depois de deduzidas as despesas feitas para a sua obtenção e a tributação das sociedades é determinada de acordo com o lucro apurado pela contabilidade (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 406).
A introdução desse mecanismo é justificada por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais (idem, pág. 407).
Para além disso, a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.
Naquelas situações especiais elencadas na lei, o legislador optou, por isso, por sujeitar os gastos a uma tributação autónoma como forma alternativa e mais eficaz à não dedutibilidade da despesa para efeitos de determinação do lucro tributável, tanto mais que quando a empresa venha a sofrer um prejuízo fiscal, não haverá lugar ao pagamento de imposto, frustrando-se o objetivo que se pretende atingir que é o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas.
A tributação autónoma incide, nestes termos, sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico. E o objetivo do legislador - como se referiu – é o de desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa.
A lógica da tributação autónoma parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para efectuar gastos que envolvem situações de menor transparência fiscal e afectam negativamente a receita fiscal. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas.
Como tem sido frequentemente assinalado, a tributação autónoma começou por se reportar a despesas confidenciais e não documentadas (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho), passando depois a abranger os encargos com viaturas, as importâncias pagas a pessoas com regime fiscal mais favorável e as despesas de representação, e, mais tarde, os encargos com ajudas de custo ou despesas de deslocação. Com a Lei do Orçamento do Estado de 2010 (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), a tributação autónoma veio ainda a incluir os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes por virtude de cessação de funções, e, em certas condições, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.
É o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea b), do Código do IRC que especifica como encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, as "despesas não documentadas". Por sua vez, o artigo 88.º, n.º 1, declara que as "despesas não documentadas" são tributadas autonomamente à taxa de 50% sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A.
Importa ainda ter presente que nos termos do disposto no artigo 123.º, n.º 1, do Código do IRC, "as sociedades comerciais (...) que exerçam, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direcção efectiva em território português (...), são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável", sendo que nos termos do disposto no artigo 123.º, n.º 2, alínea a), "na execução da contabilidade (...) todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário".
Dito isto, cabe passar à caracterização das despesas não documentadas.
Como despesas não documentadas devem entender-se aquelas que não têm por base qualquer documento justificativo ou de suporte documental a nível contabilístico, e, como tal, não especificam a sua natureza, origem ou finalidade (acórdão do TCA Sul de 7 de Fevereiro de 2012, Processo n.º 04690/11). Havendo de distinguir-se entre as despesas não documentadas e as despesas não devidamente documentadas, isto é, aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação" e que apenas acarretam a não dedutibilidade para efeitos fiscais.
Ainda segundo o acórdão do STA de 7 de Julho de 2010 (Processo n.º 0204/10), "[a] apreciacão da existência ou não da devida documentação e da confidencialidade da despesa é feita tendo por objecto o acto através do qual o sujeito passivo suporta o encargo ou a despesa que é susceptível de afectar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC. Isto é, o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se substancia a despesa" (a despesa confidencial encontra-se integrada agora no conceito amplo de despesas não documentadas).
No caso vertente, o que se constata é que os serviços prestados ao B... eram facturados pela Requerente e pagos directamente ao sócio gerente, agindo em nome e por conta da empresa, mas não eram depositados imediatamente na respectiva conta bancária, o que gerou uma discrepância entre os montantes evidenciados nos extractos bancários e os registos contabilísticos efectuados na conta #123 (...).
O que está em causa – como se reconhece no Relatório de Inspecção Tributária – é uma divergência entre a contabilização das operações bancárias e a informação constante dos extractos bancários, em resultado de terem sido lançados os pagamentos nos registos contabilísticos sem que correspondentemente entrassem na conta bancária da empresa.
O que poderá ocorrer, nessa circunstância, é a violação do disposto no artigo 63.º-C da LGT, pelo qual os sujeitos passivos “estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresaria desenvolvida” (n.º 1) e é através dessa ou dessas contas que devem ser efectuados todos os movimentos relativos a suprimentos, outras formas de empréstimos e adiantamentos a sócios, bem como quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos (n.º 2).
Não pode concluir-se, em todo o caso, que a Requerente tenha incorrido em despesas não documentadas.
Em primeiro lugar, como se deixou exposto, a tributação autónoma incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre a realização de despesas, que constitui, em si, um novo facto tributário que o legislador quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa. Na situação do caso, não está em causa a realização de despesas que pudessem ser tidas como injustificadas ou alheias ao interesse empresarial, mas unicamente o incumprimento da regra da movimentação dos pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial através das contas bancárias afectas à empresa.
Em segundo lugar, não é possível dizer que os fluxos financeiros não têm qualquer suporte em termos contabilísticos, porquanto eles foram lançados na conta # 123 detectando-se apenas uma divergência entre esses valores e os depósitos registados na conta bancária da empresa.
Além de que não há qualquer indicador que o procedimento adoptado tenha afectado o resultado líquido do exercício.
Não há, por isso, que qualificar a referida deficiência de organização contabilística como correspondendo a despesas não documentadas que devam ser sujeitas a tributação autónoma, que – como vimos – têm uma função sancionatória associada a situações que possam envolver uma menor transparência fiscal.
Nestes termos, entende-se ser de considerar procedente o pedido arbitral nesta parte.
Pagamentos efectuados através da conta bancária não contabilizados
6. A Administração considerou como despesas não documentadas os pagamentos efectuados através da conta bancária mas não registados na contabilidade, no montante de € 16.728,46. No âmbito do procedimento inspectivo, a Requerente alegou que se encontram justificadas saídas de dinheiro no valor de € 10.776,45 que se destinaram a pagar despesas relativas a serviços prestados pelo contabilista certificado e a pagamentos por conta de IRC. No despacho de revogação parcial do acto de liquidação, a Autoridade Tributária, admitiu que era possível identificar o destino, objectivo e beneficiários de pagamentos no montante de € 8.369,53, mas que não existem elementos suficientes que permitam confirmar as despesas no montante de € 2.406,92, que apenas são identificadas pela apresentação de recibos sem indicação do meio de pagamento utilizado.
A Requerente sustenta que todas as despesas no valor global de € 10.776,45 estão comprovadas documentalmente pelo que não há lugar à aplicação de taxas de tributação autónoma relativamente ao valor residual de € 2.406,92.
E, com efeito, por via dos elementos que constam do documento n.º 7 anexo à petição inicial é possível identificar diversos pagamentos por conta de IRC, bem como os recibos emitidos pela empresa D..., com referência a facturas que também se encontram juntas, documentos esses que no seu conjunto envolvem o montante total de € 10.776,45.
E, assim sendo, nada permite concluir, à luz dos critérios anteriormente expostos, que se trata de despesas não documentadas.
O pedido arbitral mostra-se ser também procedente neste ponto.
Juros indemnizatórios
7. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de retenção na fonte, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
Juros compensatórios
8. A Requerente impugna igualmente a liquidação de juros compensatórios em relação ao acto tributário de liquidação de IRC.
Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa actuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência.
Por outro lado, como determina o n.º 8 do artigo 35.º citado, os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.
A procedência do pedido arbitral, implicando a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC, torna necessariamente inexigível o pagamento de juros compensatórios, visto que deixa de ser imputável ao sujeito passivo o retardamento do pagamento do imposto que justifica a liquidação dos juros.
Juros de mora
9. Segundo o disposto no artigo 44.º da LGT são devidos de juros de mora a favor da Administração Tributária por falta de pagamento tempestivo da quantia liquidada a título de imposto.
No caso, o acto tributário de liquidação impugnado engloba juros de mora.
Tendo sido anulada a liquidação, significando que o sujeito passivo deixa de incorrer em qualquer dívida tributária, deixa de haver lugar ao pagamento de juros de mora como necessária decorrência da decisão de procedência do pedido arbitral principal.
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar totalmente procedente o pedido arbitral e anular a liquidação adicional de IRC, de juros compensatórios e de juros de mora n.º 2018...;
b) Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento do imposto até à data da emissão da nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Valor da causa
Fixa-se o valor da causa no montante de € 176.023,76 que corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 10 de julho de 2019
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Maria Alexandra Mesquita
O Árbitro vogal
Vasco Valdez