DECISÃO ARBITRAL
Acordam os árbitros, Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dra. Adelaide Moura e Dr. José Nunes Barata (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 27 de março de 2019, no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., S.A., adiante “primeira Requerente”, NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., ..., ... -... Lisboa, e B..., S.A., doravante “segunda Requerente”, NIPC..., com sede em ..., ... ..., ...-... ..., em conjunto designadas por “Requerentes”, vêm, em coligação, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos conjugados do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1 e 15.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes.
As Requerentes deduzem pedido de pronúncia arbitral, na sequência do decurso do prazo de indeferimento tácito das Reclamações Graciosas apresentadas contra duas liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), referentes ao ano 2017, emitidas sob os n.ºs 2017..., de 7 de março de 2018, no valor de € 152.321,10, referente à primeira Requerente, e 2017..., de 8 de março de 2017, no valor de € 93.081,48, respeitante à segunda Requerente, perfazendo € 245.402,58. Peticionam a declaração de ilegalidade e anulação parcial dos referidos atos tributários, no valor de € 175.646,72, e das decisões de indeferimento das Reclamações Graciosas apresentadas que tacitamente os confirmaram.
Invocam, para tanto, que 6 (seis) frações relativamente às quais foi liquidado IMI estão afetas à concessão do jogo de ... e beneficiam de isenção deste imposto, de acordo com o artigo 92.º da Lei do Jogo (Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, e alterações subsequentes).
As Requerentes juntaram documentos.
Em 18 de janeiro de 2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado às Requerentes e à entidade Requerida.
Nos termos do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, notificando-se as partes dessa designação em 7 de março de 2019.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou regularmente constituído em 27 de março de 2019.
A Requerida, notificada para apresentar Resposta em 29 de março de 2019, ao abrigo do n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, veio, no mesmo dia, informar os autos de que havia procedido à “revogação [parcial] das liquidações de IMI de 2017 ora impugnadas”, nos valores de € 105.816,14 e de € 69.830,58, perfazendo o total peticionado de € 175.646,72, procedendo à junção do correspondente despacho.
Em 8 de abril de 2019, as Requerentes pronunciaram-se no sentido de nada terem a opor à “revogação”, solicitando ao Tribunal a declaração da respetiva tempestividade em face dos n.ºs 1 e 3 do artigo 13.º e do n.º 3 do artigo 10.º, todos do RJAT. Mais referem manter o interesse no prosseguimento dos autos para “reconhecimento do seu direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, porquanto da informação que precede o despacho de revogação se retira que houve erro imputável aos serviços”, do que foi, na mesma data, notificada a AT.
Em 15 de abril de 2019, foram as partes foram notificadas, para alegações simultâneas facultativas, fixando-se o prazo de 10 dias.
As Requerentes apresentaram alegações em 30 de abril de 2019. Reiteram a validade da anulação administrativa à luz do disposto no artigo 168.º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) e requerem juros indemnizatórios por concluírem que houve erro imputável aos serviços, dado que a AT possuía a informação de que as frações em causa se achavam afetas à concessão do jogo, sendo a isenção de IMI de aplicação automática.
Requerem ainda a ampliação do pedido anulatório aos atos de liquidação de IMI relativos a 2018, emitidos com data de 23 de março de 2019, que consideram “em tudo idênticos” aos de 2017. Como fundamento legal, invocam o disposto no artigo 265.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, conjugado com o artigo 3.º, n.º 1 deste diploma e com os artigos 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 63.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”). Juntaram documentos comprovativos do pagamento do IMI relativos a 2017 e 2018.
Em 2 de maio de 2019, a Requerida alegou no sentido da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e opôs-se ao reconhecimento de juros indemnizatório. Argui que não foi formulada qualquer pretensão de juros indemnizatórios e de reembolso das quantias pagas no pedido de pronúncia arbitral (“ppa”). Aduz que, com o desaparecimento do objeto do processo e alcançada a finalidade anulatória pretendida pelas Requerentes, os autos não podem prosseguir unicamente para conhecimento da questão dos juros indemnizatórios.
Segundo a Requerida o reconhecimento de juros indemnizatórios exige a verificação de pressupostos relacionados com a prática dos atos de liquidação que, por terem deixado de existir, não podem ser aferidos. Neste âmbito, conclui pela incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar este pedido de juros indemnizatórios, na medida em que nenhum ato impugnável existe já na ordem jurídica, e o Tribunal não tem competência para pedidos relativos a reconhecimento de direitos, que devem ter lugar em processo próprio.
Invoca a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), segundo a qual o direito a juros indemnizatórios previsto no artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) “depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT”, conforme Acórdãos de 2 de dezembro de 2015, processo n.º 1610/13, e de 28 de novembro de 2018, processo n.º 087/18.0BALSB.
Notificada para se pronunciar sobre a exceção de incompetência material arguida pela Requerida, as Requerentes vieram dizer, em 9 de maio de 2019, que sendo manifesto que houve erro imputável aos serviços, os juros são uma consequência legal inerente à decisão favorável ao sujeito passivo, de acordo com o artigo 100.º da LGT. Cita jurisprudência arbitral que ressalva que o Tribunal Arbitral não está impedido de, nestes casos, condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, concluindo pela improcedência da exceção – cf. Decisões Arbitrais nos processos do CAAD n.ºs 153/2016-T, de 15 de novembro de 2016; 30/2017-T, de 28 de agosto de 2017; 227/2018-T, de 5 de novembro de 2018, e 301/2017-T, de 5 de janeiro de 2018.
Em 30 de maio de 2019, as Requerentes juntaram documento superveniente, consubstanciado nas alegações da AT num outro processo arbitral, n.º 520/2018-T, semelhante em objeto, fundamento e tramitação, em que a AT não levantou obstáculos à competência do Tribunal Arbitral para reconhecer às Requerentes o direito a juros indemnizatórios.
II. SANEAMENTO
1. QUESTÃO PRÉVIA: INCOMPETÊNCIA MATERIAL – JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal (e a falta de jurisdição do Tribunal Arbitral), a qual é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, conforme se extrai do cotejo dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do CPTA, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT.
Neste âmbito, a Requerida defende que a inutilidade superveniente da lide derivada da anulação parcial dos atos tributários e a consequente extinção da instância comprometem o conhecimento da matéria dos juros indemnizatórios. Considera que uma vez que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios depende da constatação de determinados pressupostos relacionados com o ato de liquidação, não podendo já o Tribunal aferir da sua legalidade, é manifesta a incompetência do Tribunal para a condenação ao pagamento desses juros.
Não se acompanha, porém, o entendimento da Requerida.
Desde logo, afigura-se que a questão suscitada não é qualificável como incompetência material, respeitando, antes, à amplitude da extinção da instância como efeito da anulação (parcial) dos atos impugnados. I.e., está em causa avaliar se esta extinção se projeta sobre os pedidos acessórios ou dependentes da pretensão anulatória entretanto satisfeita por via administrativa, sem, contudo, os regular [os juros indemnizatórios ou a indemnização por prestação de garantia].
Não se suscitam dúvidas a este Tribunal que a matéria dos juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que sejam impugnados é passível de conhecimento pelos Tribunais Arbitrais tributários. Com efeito, estes têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos no processo de impugnação judicial, incluindo, portanto, as que derivam do reconhecimento do direito àqueles juros, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT, conforme reiteradamente afirmado pela jurisprudência arbitral do CAAD.
O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no princípio da responsabilidade das entidades públicas (artigo 22.º da CRP) e é regido pelo artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Dispõe esta norma que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
A jurisprudência consolidada do STA tem entendido que a anulação, pela AT, de atos tributários de liquidação de imposto na pendência de impugnação judicial instaurada contra tais atos tributários e onde, além de se pedir a anulação dos atos, se pede também a condenação da AT em juros indemnizatórios, constitui facto de per si demonstrativo de erro imputável aos Serviços e determinante do pagamento desses juros ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
De acordo com este entendimento jurisprudencial, não só fica implicitamente resolvida de forma favorável a questão da competência do Tribunal para o efeito (conhecimento dos juros indemnizatórios), como a da própria apreciação da (i)legalidade do ato de liquidação anulado. É que a anulação do ato pela AT por vícios substantivos evidencia erro imputável aos Serviços, pressuposto indispensável à decisão de procedência do pedido de juros indemnizatórios.
Donde, tal conclusão tem de ser de igual modo retirada no âmbito do processo arbitral tributário. De outra forma, dependendo do tribunal que apreciasse a matéria, teríamos resultados distintos, numa espécie de justiça “à la carte” o que se de rejeita liminarmente.
Deste modo, independentemente de se verificarem, no caso concreto, os pressupostos de que depende o nascimento da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, afigura-se inegável que o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar tal questão, que objetivamente se enquadra nos seus poderes de cognição, pelas razões acima enunciadas.
À face do exposto, improcede a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, que pode, assim, conhecer do mérito da pretensão referente a juros indemnizatórios (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
1. DEMAIS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal foi regularmente constituído (cf. artigo 5.º do RJAT) e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 10º do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
A coligação de autores é admissível, porquanto se trata de apreciar idênticas circunstâncias de facto e regime jurídico, em conformidade com o preceituado no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.
O processo não enferma de nulidades.
2. SOBRE A AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
Em fase de alegações, as Requerentes vêm requerer a ampliação do pedido anulatório às liquidações de IMI referentes ao ano 2018, que entretanto lhes foram notificadas, emitidas em 23 de março de 2019. Invocam que estes atos de liquidação de IMI são em tudo idênticos aos relativos a 2017, com exceção da taxa e valor de imposto, ligeiramente inferiores.
Consideram as Requerentes que esta ampliação do objeto processual salvaguarda os princípios da economia processual e de uniformidade de decisões e evita que as Requerentes tenham de recorrer, de novo, à via contenciosa. Concluem que a ampliação do objeto deve ser admitida à face do disposto no artigo 265.º do CPC, aplicável por força do artigo 20.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, conjugado com o artigo 3.º, n.º 1 deste diploma e com o artigo 104.º do CPPT e 63.º do CPTA, estando em causa idênticos fundamentos de facto e de direito.
Interessa, antes de mais, notar que a modificação do objeto do processo, na qual se inclui a sua ampliação e redução, somente é admitida em determinadas circunstâncias pois constitui um desvio ao princípio processual da estabilidade da instância, segundo o qual “[c]itado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.”, previsto no artigo 260.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
No processo arbitral, a instância inicia-se com a constituição do Tribunal, de acordo com o artigo 15.º do RJAT (e não, como é habitual nos Tribunais Estaduais, com o recebimento na secretaria da respetiva petição inicial, atualmente por transmissão eletrónica de dados, como resulta do disposto nos artigos 259.º e 144.º do CPC). Por outro lado, no Tribunal Arbitral Tributário, a notificação do dirigente máximo do Serviço da AT para apresentar Resposta (cf. artigo 17.º, n. 1 do RJAT) equivale à “citação do réu”.
Assim, a partir do momento da notificação da AT para apresentar Resposta firma-se o objeto processual arbitral – pedido e causa de pedir – por forma a que o Tribunal Arbitral não seja constantemente confrontado com alterações que dificultariam a condução da lide e comprometeriam o andamento do processo, em manifesta contradição com as finalidades da jurisdição arbitral, a cuja criação presidiu o objetivo da resolução de litígios com maior celeridade.
Nem o RJAT, nem os compêndios processais subsidiariamente aplicáveis – CPPT, CPTA ou CPC – preveem a possibilidade de modificação (ampliação) da instância nas circunstâncias pretendidas pelas Requerentes, em concreto: (i) de novos atos tributários; (ii) respeitantes a outros períodos de imposto; (iii) que não vêm substituir os atos impugnados, e que (iv) são supervenientes à instauração do processo e ao decurso do prazo de Resposta da Requerida (neste caso a ampliação foi requerida em fase de alegações finais). Conclusão não se altera pelo facto de os fundamentos dos atos serem idênticos.
Com efeito, no que se refere ao RJAT, apenas o artigo 20.º versa sobre a matéria de modificação objetiva da instância, prevendo essa possibilidade quando, na pendência do processo, os atos objeto do pedido de decisão arbitral sejam substituídos. Ora, os atos de liquidação de IMI referente ao ano 2018 não vêm substituir os que se reportam ao ano 2017, pelo que não se verifica o pressuposto legal de admissibilidade da modificação ao abrigo deste preceito.
O CPPT não contém normas sobre a ampliação do pedido ou qualquer outra modificação da instância, pelo que, ao abrigo do artigo 29.º, n.º 1 do RJAT e do artigo 2.º, alíneas c) e e), essa regulação tem de procurar-se no CPTA e no CPC.
Quanto ao CPTA, continuando a seguir a ordem de aplicação do direito subsidiário ao RJAT, com relevância para a situação vertente, dispõe o artigo 63.º, n.º 1, sob a epígrafe “Ampliação da instância”:
“1 – Até ao encerramento da discussão em primeira instância, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere, assim como à formulação de novas pretensões que com aquela possam ser cumuladas.”
Referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Almedina 2005, no “Comentário ao CPTA”, de pp. 317-319, que se trata da manifestação do princípio da flexibilidade do processo, estruturante do novo regime processual, tendo em vista a tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos interessados: “A ampliação do objeto do processo é assim configurada em termos inteiramente inovatórios, visando assegurar que o contencioso de impugnação de atos administrativos «não se circunscreva necessariamente à apreciação da validade de um único ato administrativo, mas passe a disciplinar todo o quadro da relação jurídico-administrativa em que se inscreve o ato impugnado»”.
Neste contexto, enumeram os mencionados autores cinco situações distintas em que é possível haver lugar à ampliação do pedido na pendência do processo, conforme de seguida se sintetiza:
1.ª – Novos atos administrativos proferidos no âmbito do mesmo procedimento, que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência;
2.ª – Factos supervenientes que legitimem o demandante a ampliar o pedido de impugnação do ato com pretensões de outro tipo;
3.ª – Celebração de contrato, tendo sido impugnado um ato pré-contratual relativo à formação daquele;
4.ª – Atos administrativos novos, consequentes, que sobrevenham a outros de cuja validade ou existência dependam;
5.ª – Atos administrativos novos, cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no processo, i.e., que impeçam ou contradigam o efeito útil que poderia advir da sentença anulatória.
Na situação em análise trata-se da emissão de um ato tributário novo, respeitante a um período de tributação distinto daquele que está em discussão no processo pendente, pelo que não é enquadrável em nenhuma das situações tipificadas.
Também não se afigura que o artigo 265.º do CPC possa alicerçar a pretendida ampliação do pedido pois apenas a admite, nos termos do seu n.º 2, se esta for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo o que não é o caso, pois estamos perante dois pedidos distintos, com objetos – atos tributários – resultantes de procedimentos decisórios distintos e relativos a anos diferentes.
É verdade que os atos de liquidação supervenientes, relativos a 2018, reúnem os requisitos para a cumulação de pedidos (a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito), ao abrigo do artigo 3.º do RJAT. No entanto, a cumulação prevista neste preceito refere-se a pedidos contemporâneos, não abrangendo a cumulação superveniente, que terá de seguir o regime geral da modificação da instância por ampliação do pedido acima descrito.
Acresce que na situação em apreço, a contemporaneidade não seria possível, pois o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) sobre as liquidações de IMI de 2017 é anterior à emissão dos novos atos de IMI de 2018 que à data não existiam [aquele foi apresentado em 17 de janeiro de 2019 e os novos atos foram emitidos mais de dois meses depois, em 23 de março de 2019].
À face do exposto, indefere-se a ampliação do pedido requerida pelas Requerentes.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.I. MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:
A. As Requerentes são comproprietárias de 6 frações autónomas, situadas na freguesia do ... (...), concelho de ..., registadas na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º..., que se encontram afetas ao cumprimento das obrigações contratuais do contrato de concessão de jogo de fortuna ou azar de ..., identificadas no quadro infra:
Descrição Prédio Urbano
Artigo Matricial Fração Autónoma
Casino ... C
Centro Espetáculos ... E
Centro Congressos ... U
C... Hotel ... H
Bar / Discoteca ... BD
SPA ... S
– cf. informação da AT que fundamenta o despacho de anulação (parcial) das liquidações de IMI controvertidas e cadernetas prediais juntas como documento 5 com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”).
B. Em 7 de fevereiro de 2018, a AT rececionou o ofício do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ) do Turismo de Portugal a informar a referida afetação dos prédios acima identificados à concessão de jogo em ...– cf. informação da AT que fundamenta o despacho de anulação (parcial) das liquidações de IMI.
C. A primeira Requerente foi notificada da liquidação de IMI referente ao ano 2017, emitida sob o n.º 2017..., de 7 de março de 2018, no valor global de € 152.321,10, que incidiu, entre outros, sobre os imóveis (frações autónomas) identificados no ponto A acima, cifrando-se, em relação a estes, no valor de € 105.816,14, contestado nos presentes autos – cf. cópia do ato de liquidação junto com o ppa e fundamentação do ato de anulação parcial do mesmo.
D. A segunda Requerente foi notificada da liquidação de IMI referente ao ano 2017, emitida sob o n.º 2017..., de 8 de março de 2018, no valor global de € 93.081,48, que incidiu, entre outros, sobre os imóveis (frações autónomas) identificados no ponto A acima, cifrando-se, em relação a estes, no valor de € 69.830,58, contestado nos presentes autos – cf. cópia do ato de liquidação junto com o ppa e fundamentação do ato de anulação parcial do mesmo.
E. A primeira Requerente procedeu ao pagamento de duas (das três) prestações de € 50.773,70 da liquidação de IMI de 2017, nas seguintes datas: 26 de abril de 2018 e 30 de julho de 2018 – cf. cópia dos documentos bancários juntos com o ppa e com as alegações das Requerentes.
F. A segunda Requerente procedeu ao pagamento, em três prestações de € 31.027,17, da liquidação de IMI de 2017, nas seguintes datas: 26 de abril de 2018, 18 de julho de 2018 e 22 de novembro de 2018 – cf. cópia dos documentos bancários juntos com o ppa e com as alegações das Requerentes.
G. Não se conformando com os atos de liquidação de IMI, referentes a 2017, na parte em que respeitam às frações autónomas afetas à concessão do jogo de ..., em 19 de junho de 2018, cada uma das Requerentes deduziu reclamação graciosa contra essas liquidações, nos termos e para os efeitos dos artigos 129.º do Código do IMI e 68.º e seguintes do CPPT – cf. cópia da fundamentação do ato de anulação parcial das liquidações de IMI de 2017 e provado por acordo.
H. Por ofícios da Direção de Finanças de …, datados de 8 de outubro de 2018, na sequência de pedido de informação sobre o estado do procedimento, as Requerentes foram notificadas de que os processos de reclamação se encontravam pendentes de parecer solicitado aos Serviços Centrais, não sendo possível indicar a data previsível para a sua conclusão – cf. documentos juntos com o ppa (3A, 3B, 4A e 4B).
I. Em 17 de janeiro de 2019, em discordância parcial com os atos de liquidação de IMI referentes a 2017, e dada a presunção de indeferimento das Reclamações Graciosas deduzidas contra os mesmos, as Requerentes apresentaram junto do CAAD o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo, tendo-se o Tribunal constituído em 27 de março de 2019.
J. Em 27 de março de 2019, a Subdiretora-Geral para a Área do Património, procedeu à anulação parcial das liquidações de IMI, na parte em que estas foram contestadas pelas Requerentes, em concordância com o seguinte parecer da Diretora de Serviços, de 26 de março de 2019: “Concordo ser de anular as liquidações de IMI de 2017 no valor de 105.816,14 € relativamente ao sujeito passivo..., e no valor de 69.830,58 € relativamente ao sujeito passivo..., perfazendo 175.646,72 €, que se efetivará com o averbamento da isenção de IMI, ao abrigo do artigo 92º do Dec-Lei nº 422/89 de 2/12, relativamente aos prédios em causa, face à comunicação efetuada pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos, de que os mesmos se encontram afetos ao cumprimentos das obrigações contratuais.” – cf. cópia da fundamentação do ato de anulação parcial das liquidações de IMI de 2017.
K. O despacho de anulação e parecer supra referidos, recaíram sobra a informação da Direção de Serviços do IMI que contém os seguintes fundamentos:
“II – FACTOS
[…]
3 – Em 2018.02.07, foi rececionada na AT o ofício n.º... do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ) do Turismo de Portugal, o qual informa «…que os prédios afetos ao cumprimento das obrigações contratuais por parte da empresa concessionária de jogo de fortuna ou azar de B... S.A., e A... S.A. são os remetidos em anexo.»
4 – Os prédios constantes desse anexo são os que foram anteriormente mencionados e em relação aos quais está o imposto a ser impugnado.
III – APRECIAÇÃO
Considerando que o artigo 92.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02.12 – Lei do Jogo –, na redação vigente, prevê que «Ficam isentas de sisa as aquisições dos prédios indispensáveis ao cumprimento das obrigações contratuais assumidas pelas concessionárias, não sendo devida a contribuição autárquica pelos que estejam afetos às concessões.» e que o artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, determina que «Todos os textos legais que mencionam (…) contribuição autárquica consideram-se referidos (…) ao imposto municipal sobre imóveis (IMI).», comprovada a afetação dos prédios urbanos à concessão do jogo, os mesmos estão isentos do IMI.
Dispõe, ainda, o artigo 94.º da Lei do Jogo que «Deve a Inspeção-Geral de Jogos informar a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos ou as câmaras municipais, consoante os casos: a) De quais os prédios que, nos termos referidos no artigo 92.º, foram adquiridos ou construídos e afetados ao cumprimento das obrigações contratuais; b) De quais as atividades obrigatoriamente exercidas nos termos do contrato de concessão.»
Constatando-se que o atual SRIJ cumpriu o dever constante do artigo 94.º e que a isenção do IMI em causa possui uma natureza automática, atendendo-se, ainda, ao contrato de concessão do exclusivo da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo de ..., o qual já era vigente em 2017, resta concluir que os prédios urbanos em causa beneficiam da isenção do IMI nos moldes anteriormente descritos.
IV – CONCLUSÃO
Atento o anteriormente exposto, merece procedência o pedido mediato de anulação das liquidações de IMI contestadas, pelo que se propõe a respetiva anulação nos termos descritos nesta informação
À consideração superior” – cf. cópia da fundamentação do ato de anulação parcial das liquidações de IMI de 2017.
Os factos pertinentes foram escolhidos e recortados pela sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa
III.II. MATÉRIA DE DIREITO
A. ANULAÇÃO ADMINISTRATIVA (PARCIAL) DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO DE IMI – EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Os atos tributários sindicados, que constituem o objeto do pedido de pronúncia arbitral, foram anulados administrativamente na parte impugnada nesta ação. E foram-no quando já tinha decorrido o prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT.
Nestas circunstâncias, o pedido de anulação parcial das liquidações de IMI relativas a 2017 ficou sem objeto, pois com a anulação administrativa, os respetivos efeitos jurídicos constitutivos (referimo-nos sempre à parte anulada) são destruídos com eficácia retroativa, de acordo com o artigo 171.º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), verificando-se uma impossibilidade superveniente da lide. Como refere a Decisão Arbitral no processo n.º 31/2013-T, do CAAD, de 4 de novembro de 2013, “torna-se impossível juridicamente anular o que já não existe”.
Pode colocar-se a dúvida sobre a tempestividade da anulação administrativa, atendendo a que já havia decorrido o prazo de 30 dias, a contar do conhecimento do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, estabelecido no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT para a AT proceder à “revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo”, estipulando o n.º 3 desta norma que, findo este prazo, “a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos”.
Entende-se que o preceito em apreço deve ser interpretado no sentido de que, uma vez transcorrido o mencionado prazo de 30 dias, a AT fica impedida de praticar um novo ato dispositivo que regule a relação jurídico-tributária, relativamente ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação, exceto com fundamento em factos novos. Porém, afigura-se que esta restrição não ocorre em caso de simples anulação administrativa do ato impugnado, desacompanhada de nova regulação da situação jurídica.
Com efeito, nesta última hipótese não merece tutela o princípio da estabilidade da instância que se afigura subjacente às limitações legais à atuação administrativa no decurso de pendência judicial, uma vez que a parte vem, simplesmente, reconhecer que à outra assiste razão, com fundamento material na lei, e nessa medida permitir a resolução antecipada do litígio e consequente extinção da instância, com economia processual e de meios. Deixou de existir razão para a subsistência do litígio, pois, ainda que em momento superveniente, foi gerado consenso suportado na convergência das partes quanto ao regime legal aplicável.
Esta interpretação foi acolhida pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) em relação ao processo de impugnação judicial, que é regido pelo artigo 112.º do CPPT , o qual estabelece uma disciplina similar à do artigo 13.º, n.ºs 1 e 3 do RJAT, este último aplicável à ação arbitral tributária. Constituindo o processo arbitral tributário um meio alternativo à impugnação judicial, é inegável a manifesta identidade de razões, a que acresce o facto de o CPA e as normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários serem de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º n. º1, alíneas c) e d) do RJAT.
Sobre a aplicação do regime do CPA à “revogação” de atos administrativos em matéria tributária preconiza o STA, no Acórdão proferido em 15 de março de 2017, no processo n.º 449/14, que:
“A possibilidade legal de revogação dos atos administrativos em matéria tributária está prevista no art. 79º da LGT (a revogação é um ato que faz cessar ou elimina os efeitos de um ato anterior, com fundamento na sua inconveniência ou invalidade, estando o respetivo regime previsto nos arts. 138° a 146° do CPA).
Todavia, não constando da LGT nem do CPPT norma definidora do prazo para tal revogação, é incontroverso que hão-de acolher-se as regras constantes dos arts. 136º e ss. do CPA, que diretamente regulam a revogação dos atos administrativos [sendo que o CPA constitui legislação complementar e subsidiária ao direito tributário – arts. 2º, al. c), da LGT e 2º, al. d), do CPPT (Cfr., por todos, o ac. desta Secção do STA, de 15/5/2013, proc. nº 0566/12; bem como Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, anotação 1 ao art. 79º, p. 724 e Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária, anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 350, nota 7.)]. […]”
No mesmo no sentido da aplicabilidade do regime da invalidade administrativa aos atos em matéria tributária voltou o STA a pronunciar-se no Acórdão de 17 de dezembro de 2014, relativo ao processo n.º 454/14.
Importa ter em conta que o conceito de “revogação” até à entrada em vigor do novo CPA, em 8 de abril de 2015, na sequência da aprovação do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, abrangia quer a revogação anulatória com fundamento em ilegalidade, quer a revogação por razões de oportunidade e mérito.
Com o novo CPA, o conceito de revogação administrativa ficou restrito a esta segunda modalidade. Conforme prevê o atual artigo 165.º do CPA, sob a epígrafe “Revogação e anulação administrativas”, a revogação é o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade (n.º 1), e a anulação administrativa é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade (n.º 2). É neste último segmento que se insere o ato que eliminou (parcialmente) as liquidações de IMI do ano 2017, em discussão nos autos.
Deste modo, a “revogação” a que se reporta o artigo 79.º da LGT e, bem assim, o citado Acórdão corresponde ao que hoje, à luz do CPA, se denomina de “anulação administrativa”, cujo regime consta dos artigos 163.º “Atos anuláveis e regime da anulabilidade” (anteriores artigos 135.º e 136.º); 166.º “Atos insuscetíveis de revogação ou anulação administrativas” (anterior artigo 139.º) e 168.º “Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa” (cujo n.º 2 corresponde ao anterior artigo 141.º), todos do CPA.
Em geral, não se alteraram os quadros conceptuais e estruturais do regime da invalidade dos atos administrativos, sendo aplicáveis, com as adequações necessárias, as considerações tecidas sob o quadro tradicional do Direito Administrativo português, sem prejuízo da flexibilização dos prazos de consolidação do ato anulável que, para os atos não constitutivos de direitos, passou a ter o limite máximo de 5 anos a contar da respetiva emissão (artigo 168.º, n.º 1 do CPA).
Acresce referir, a propósito da anulação de atos que tenham sido objeto de impugnação jurisdicional, como é o caso, que o artigo 168.º, n.º 3 do CPA determina que a anulação pode ter lugar até ao encerramento da discussão.
Retomando o caso concreto, as liquidações de IMI impugnadas foram emitidas em 7 e 8 de março de 2018. Por outro lado, os atos silentes (de indeferimento tácito das Reclamações Graciosas), também aqui impugnados, formaram-se em 19 de outubro de 2018, atendendo a que as Reclamações Graciosas haviam sido apresentadas em 19 de junho desse ano, atento o prazo de quatro meses previsto no artigo 57.º, n.º 1 da LGT. Por fim, a anulação administrativa [do indeferimento e dos atos primários de liquidação], teve lugar por despacho datado de 27 de março de 2019, pelo que se conclui que tais atos não estavam consolidados, atento o preceituado no artigo 168.º, n.º 1 do CPA.
Acresce que a data do despacho de anulação administrativa é anterior ao encerramento discussão da presente causa, pois só em 30 de abril e em 2 de maio, respetivamente, Requerente e Requerida apresentaram alegações. Encontra-se, deste modo, observado o prazo estabelecido no artigo 168.º, n.º 3 do CPA.
À face do exposto, conclui-se pela tempestividade da anulação administrativa efetuada por despacho de 27 de março de 2019, da Subdiretora Geral da área do Património da AT, que, ao dar satisfação integral à pretensão anulatória (parcial) incidente sobre os atos tributários em crise, no valor de € 175.646,72, retira à lide arbitral o seu objeto principal, pelo que, nesta parte, julga-se extinta a instância processual, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.
B. SOBRE O DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Como acabou de se referir, os atos tributários sindicados que constituem o objeto do pedido de pronúncia arbitral, foram anulados administrativamente, na parte impugnada, pretendendo as Requerentes o reconhecimento do seu direito a juros indemnizatórios, sobre o qual o despacho anulatório é omisso.
A título preliminar, assinala-se que este pedido foi deduzido ex novo em articulado superveniente, na sequência do exercício do contraditório pelas Requerentes sobre a anulação administrativa, não constando do petitório, que se limita à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de liquidação de IMI, nada mais. Ou seja, não consta do articulado inicial qualquer pedido de condenação da AT ao reconhecimento/pagamento de juros indemnizatórios, dentro da liberdade de conformação que assistia às Requerentes na delimitação do objeto da ação (pedido e causa de pedir) e, em consequência, dos poderes de cognição do juiz.
Rege, neste âmbito, o princípio processual da estabilidade da instância a que atrás se fez referência, acolhido no artigo 260.º do CPC , segundo o qual, a partir de um dado momento (a citação do réu, que corresponde no processo arbitral à notificação da Requerida para apresentar Resposta), a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir. O seu principal objetivo é o de evitar que o tribunal possa ser sistematicamente surpreendido com novas questões para resolver ao longo do processo e que, por essa razão, o andamento do processo seja prejudicado.
Todavia, contempla-se, entre outras, uma exceção a este princípio se o autor ampliar o pedido e a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, circunstância em que poderá fazê-lo em qualquer altura até ao encerramento da discussão – artigo 265.º, n.º 2 do CPC.
Enquadra-se nesta exceção, a pretensão de juros indemnizatórios. É por a pretensão de juros ser consequência do pedido principal que a jurisprudência considera que o facto de não serem peticionados na ação constitutiva, nem sequer preclude o direito de os requerer ulteriormente, em fase de execução de julgado (se os mesmos não forem voluntariamente arbitrados pela AT), pois o seu pagamento inscreve-se no dever de execução da sentença anulatória e da reconstituição plena da situação hipotética atual, i.e., da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, conforme previsto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 100.º da LGT.
Entende-se ser desta forma admissível a pronúncia sobre os juros indemnizatórios peticionados antes do “encerramento da discussão”. Adicionalmente, ocorrendo impossibilidade superveniente da lide, como nos presentes autos, se o ato anulatório não se pronunciar sobre os juros indemnizatórios, o Tribunal pode conhecer do pedido de juros indemnizatórios que haja sido oportunamente deduzido sobre esta matéria.
Este entendimento deriva de a eficácia retroativa da anulação dos atos de liquidação não ter a virtualidade de eliminar instantaneamente todos os efeitos lesivos que foram produzidos pelos atos tributários, durante o período de tempo que precedeu a anulação, designadamente no que se refere à privação dos meios financeiros utilizados para pagar a prestação tributária que, afinal, não era devida, por ilegal.
Pelo que se a remoção dos atos de liquidação (ou da parte inquinada) não for acompanhada da regulação da situação que existiria se não tivessem sido praticados, ou seja da atribuição de juros indemnizatórios (ou de indemnização por prestação de garantia se for o caso), então, nessa medida o processo pode prosseguir para acautelar a pretensão acessória suscitada pela emissão de tais atos ilegais que, apesar de anulados, existiram e produziram efeitos lesivos.
Importa assinalar que a posição adotada não é unânime, como se pode constatar da leitura das recentes Decisões Arbitrais nos processos do CAAD n.ºs 215/2018-T, de 16 de novembro de 2018, e 481/2018-T, de 7 de março de 2019 .
Porém, este entendimento contrário, segundo o qual não é de conhecer a pretensão de juros indemnizatórios em caso de inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, não se afigura de harmonia com a jurisprudência constante do STA que preconiza que não existindo pronúncia administrativa (decisão) sobre os juros indemnizatórios (e, mutatis mutandis, sobre a indemnização por prestação de garantia indevida se for o caso), não está integralmente regulada a relação tributária gerada pelo ato ilegal, nem satisfeita de forma integral a pretensão deduzida no processo, pelo que o Tribunal, tendo sido deduzido pedido nesse sentido, pode apreciar e, caso se verifiquem os respetivos pressupostos, condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, ou seja, nesta exata medida mantém-se a utilidade e interesse da pronúncia jurisdicional. Jurisprudência com a qual se concorda. A título de exemplo, vide os Acórdãos daquele Supremo Tribunal nos processos n.ºs 574/14, de 7 de janeiro de 2016, e 1101/16, de 3 de maio de 2017.
É certo que a anulação administrativa faz recair sobre a AT o dever (“ope legis”) de restabelecer a situação que existiria se o ato tributário não tivesse sido praticado. Todavia, no caso, a AT não reconheceu expressamente esse direito no “ato anulatório”, omitindo a regulação administrativa dessa parte. Assim, a pretensão (acessória) deduzida pelas Requerentes em juízo – de juros indemnizatórios – não foi expressamente acolhida (ou decidida favoravelmente) pelo dispositivo do ato anulatório.
O facto de a lei impor uma dada solução, não significa que esta seja observada pelos órgãos administrativos. A seguir a linha de raciocínio das decisões arbitrais citadas , sempre se dirá que nunca seria de admitir uma pronúncia jurisdicional sobre os juros indemnizatórios ou sobre a indemnização por prestação de garantia indevida, pois estes são sempre um efeito ipso iure da pronúncia anulatória constitutiva – seja do tribunal, seja da AT – e da obrigação de reconstituição da situação atual hipotética que em ambos os casos se verifica (conquanto que verificado o pressuposto do erro imputável aos Serviços). Porém, em entendimento distinto, estes pedidos acessórios têm sido admitidos, atendendo à finalidade de regular e abranger pela pronúncia jurisdicional a totalidade da relação material, com a força vinculativa que é própria daquela.
Assim, conclui-se que a pretensão jurídica das Requerentes (ainda) não ficou totalmente satisfeita pela anulação do ato, pois alguns dos seus efeitos lesivos não foram expurgados. A circunstância de o dever de pagamento de juros indemnizatórios estar previsto na lei e decorrer (como efeito) da anulação, desde que verificados os seus pressupostos, não compromete, segundo este Tribunal, a utilidade de uma pronúncia jurisdicional nesse sentido que regule a questão com efeito de caso julgado material. Interpretação esta parametrizada pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva e pela dispensa de um eventual contencioso (desnecessário e oneroso), em caso de incumprimento dos deveres reconstitutivos por parte da AT, nomeadamente uma ação indemnizatória autónoma, que derivaria da posição contrária.
Apreciando a situação concreta dos autos relativamente à pretensão de juros indemnizatórios, que este Tribunal Arbitral considera ser de conhecer, é aplicável o disposto no artigo 43.º, n.º 1 da LGT, dependendo o direito a juros de dois pressupostos fundamentais.
O primeiro prende-se com a verificação de erro imputável aos Serviços, considerando-se, em linha com a jurisprudência do STA acima citada, que a anulação dos atos tributários pela AT, in casu por desconformidade material com a lei, é, por si só, demonstrativa de erro imputável aos Serviços determinante do pagamento de juros, de acordo com o artigo 43.º, n.º 1 da LGT (Acórdãos do STA nos processos n.ºs 574/14, de 7 de janeiro de 2016, e 1101/16, de 3 de maio de 2017).
O segundo pressuposto respeita ao pagamento da prestação tributária. Neste âmbito, a primeira Requerente provou o pagamento de duas das três prestações do IMI de 2017, tendo a segunda Requerente provado o pagamento integral das três prestações. Os juros indemnizatórios incidem apenas sobre o valor dos pagamentos realizados e comprovados.
À face do exposto, procede a pretensão das Requerentes a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e da jurisprudência acima referida, por se considerar verificado o pressuposto de erro imputável aos Serviços, contados sobre o valor de IMI pago pelas Requerentes.
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:
(a) Julgar improcedente a exceção de incompetência material arguida pela Requerida;
(b) Indeferir a ampliação do pedido aos atos de liquidação de IMI reportados a 2018;
(c) Julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de declaração de ilegalidade e anulação parcial dos atos silentes de indeferimento das Reclamações Graciosas acima identificadas e das liquidações de IMI de 2017 (parcialmente) impugnadas neste processo;
(d) Julgar procedente o pedido de condenação da AT ao reembolso das importâncias pagas pelas Requerentes e ao pagamento de juros indemnizatórios, a calcular sobre aquelas importâncias;
(e) Condenar a AT nas custas do processo,
tudo com as legais consequências,
V. VALOR DA CAUSA
Fixa-se ao processo o valor de € 175.646,72, por ser aquele cuja anulação se pretende, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, e do artigo 3.º, n, º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VI. CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, 527.º e 536.º, n.º 3 do CPC fixa-se o montante das custas em € 3.672.00, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, uma vez que lhe é imputável a inutilidade superveniente da lide, derivada da anulação (parcial) dos atos tributários na pendência da instância arbitral.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de junho de 2019
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Adelaide Moura
José Nunes Barata