DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Conselheira Fernanda Maças (árbitro-presidente), Prof. Doutor Vasco Valdez e Dra. Sílvia Oliveira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 6 de Março de 2019, acordam no seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. O Fundo de Investimento Imobiliário Fechado A..., titular do número de identificação fiscal ..., o Fundo de Investimento Imobiliário Aberto B..., titular do número de identificação fiscal ... e o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado C..., titular do número de identificação fiscal ..., aqui representados pela sua sociedade gestora, a D... - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., titular do número de identificação fiscal..., com sede na ..., nº..., ..., em Lisboa (doravante designada por “Requerente”), apresentaram pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, no dia 22 de Dezembro de 2018, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro (RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. A Requerente requer no pedido arbitral que este Tribunal se pronuncie sobre a legalidade dos actos tributários de liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) com os nºs 2018..., 2018..., 2018..., referentes ao ano de 2018, no montante total de EUR 174.055,19, peticionando que os referidos actos sejam anulados e o montante total de imposto pago seja reembolsado, acrescido de juros indemnizatórios ou, caso assim não se entenda, sejam os referidos actos de liquidação parcialmente anulados e, em consequência, seja determinado o reembolso do montante de EUR 144.825,60, correspondente à colecta de AIMI incidente sobre os terrenos para construção afectos a “comércio, indústria e serviços”, com referência às liquidações de AIMI identificadas, acrescidos dos respectivos juros indemnizatórios.
1.3. A título subsidiário, requer ainda a Requerente que “sejam desaplicados, no caso concreto, os artigos 135º-A e 135º-B do Código do IMI, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio constitucional da igualdade (…) e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de AIMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais”.
1.4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 26 de Dezembro de 2018 e notificado à Requerida na mesma data.
1.5. Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitros, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, foram os signatários designados como árbitros, em 14 de Fevereiro de 2019, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.6. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 6 de Março de 2019, tendo sido proferido despacho arbitral, em 7 de Março de 2019, no sentido de notificar a Requerida para, “(…) em 30 dias, responder, juntar cópia do processo administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional”.
1.8. Em 9 de Abril de 2019 a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “(…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos (…) com as devidas e legais consequências ou, se assim não se entender, requer-se (…) que seja determinada a notificação ao Ministério Público do douto acórdão arbitral”.
1.9. Na mesma data, a Requerida juntou aos autos cópia do processo administrativo.
1.10. Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 9 de Abril de 2019, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas, a produzir no prazo de quinze dias, tendo sido designado o dia 6 de Setembro de 2019 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
1.11. A Requerente e a Requerida apresentaram alegações escritas concluindo, respectivamente, como no pedido arbitral e na Resposta.
2. SANEADOR
2.1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.
2.2. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
2.3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
2.4. A cumulação de pedidos e a coligação de autores (aqui representados pela Requerente) é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
2.5. Não foram suscitadas excepções de que cumpra conhecer.
2.6. Não se verificam nulidades.
3. MATÉRIA DE FACTO
3.1. Dos factos provados
3.1.1. Os Fundos de Investimento Imobiliário, aqui representados pela Requerente, são proprietários de diversos imóveis, nomeadamente habitacionais, comerciais, industriais, para serviços e terrenos para construção.
3.1.2. Os referidos Fundos de Investimento Imobiliário foram notificados das liquidações de AIMI referente ao ano de 2018, a seguir identificadas:
FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO LIQUIDAÇÃO DE AIMI DATA DA LIQUIDAÇÃO MONTANTE
(EUR) DATA LIMITE DE PAGAMENTO
A... 2018 ... 30-06-2018 13.757,94 SETEMBRO 2018
D... 2018 ... 101.753,13
C... 2018 ... 58.544,12
TOTAL 174.055,19
3.1.3. Dos prédios identificados nas liquidações em crise (os indicados nas cópias das respectivas cadernetas prediais, anexadas ao pedido arbitral como documento nº 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), são terrenos para construção, destinados à edificação de prédios industriais, comerciais e para serviços, os que a seguir se identificam:
FUNDO A...
ARTIGO MATRICIAL COEFICIENTE DE AFECTAÇÃO VPT COLECTA DE AIMI
U-... INDÚSTRIA 936.630,00 3.746,52
U-... INDÚSTRIA 823.180,00 3.292,72
U-... INDÚSTRIA 259.239,03 1.036,96
U-... SERVIÇOS 941.170,35 3.764,68
U-... SERVIÇOS 160.368,90 641,48
U-... SERVIÇOS 318.897,30 1.275,59
TOTAL 3.439.485,58 13.757,94
FUNDO B...
ARTIGO MATRICIAL COEFICIENTE DE AFECTAÇÃO VPT COLECTA DE AIMI
U-... INDÚSTRIA 309.193,78 1.236,78
U-... COMÉRCIO 15.311.730,00 61.246,92
U-... INDÚSTRIA 172.140,00 688,56
U-... INDÚSTRIA 172.380,00 689,52
U-... INDÚSTRIA 172.310,00 689,24
U-... INDÚSTRIA 172.140,00 688,56
U-... INDÚSTRIA 172.290,00 689,16
U-... INDÚSTRIA 61.710,00 246,84
U-... INDÚSTRIA 51.980,00 207,92
U-... INDÚSTRIA 841.710,00 3.366,84
U-... INDÚSTRIA 1.146.280,00 4.585,12
U-... INDÚSTRIA 498.720,00 1.994,88
U-... INDÚSTRIA 720.390,00 2.881,56
U-... INDÚSTRIA 675.200,00 2.700,80
U-... INDÚSTRIA 2.187.050,00 8.749,20
TOTAL 22.665.223,78 90.660,90
FUNDO C...
ARTIGO MATRICIAL COEFICIENTE DE AFECTAÇÃO VPT COLECTA DE AIMI
U-... INDÚSTRIA 604.230,00 2.416,92
U-... INDÚSTRIA 1.194.260,00 4.777,04
U-... INDÚSTRIA 927.600,00 3.710,040
U-... INDÚSTRIA 2.464.380,00 9.857,52
U-... INDÚSTRIA 2.269.570,00 9.078,28
U-... INDÚSTRIA 683.970,00 2.735,88
U-... INDÚSTRIA 822.950,00 3.291,80
U-... INDÚSTRIA 1.044.730,00 4.178,92
TOTAL 10.011.690,00 40.406,76
3.1.4. Os Fundos de Investimentos Imobiliário representados pela Requerente pagaram, dentro do prazo para pagamento voluntário, a totalidade das quantias de AIMI liquidadas.
3.1.5. Em 22 de Dezembro de 2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
3.1.6. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.
3.2. Motivação quanto à matéria de facto
3.2.1. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).
3.2.2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607º, nº 5 do CPC).
3.2.3. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3.2.4. No tocante à matéria de facto provada, a convicção deste Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos, por ambas as Partes, aos autos, bem como na análise do processo administrativo remetido pela Requerida.
3.3. Dos factos não provados
3.3.1. Não se verificaram quaisquer factos dados como não provados com relevância para a decisão arbitral.
4. Posição das partes
4.1. Requerente
4.1.1. A Requerente começa por referir que o Tribunal Arbitral é competente para apreciar pretensões atinentes à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, porquanto “(…) encontram-se verificados os pressupostos de competência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do presente pedido, sendo o mesmo inquestionavelmente tempestivo”.
4.1.2. Peticiona a Requerente que “(…) seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação do AIMI com os nºs 2018..., 2018..., 2018..., referentes ao ano de 2018, no montante total de € 174.055,19, devendo os mesmos ser anulados e o valor do imposto (…) pago (…) ser integralmente reembolsado aos Fundos, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios”.
4.1.3. Prossegue a Requerente referindo que os Fundos que representa configuram fundos de investimento imobiliário administrados pela Requerente e que, “no exercício da sua actividade, os Fundos são proprietários de um vasto acervo de imóveis, no qual integram prédios urbanos que constituem terrenos para construção com potencial afectação a indústria, comércio e serviços”.
4.1.4. Ora, “neste contexto, os Fundos foram notificados dos seguintes actos tributários de liquidação de AIMI, referentes ao ano 2018, abrangendo os prédios urbanos detidos por aqueles e excluindo os prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou para serviços e outros”:
a) “a liquidação de AIMI nº 2018..., emitida em 30 de Junho de 2018, referente ao Fundo A...; no montante de € 13.757,94 (…);
a) a liquidação de AIMI nº 2018..., emitida em 30 de Junho de 2018, referente ao Fundo B..., no montante de € 101.753,13 (…);
b) a liquidação de AIMI nº 2018..., emitida em 30 de Junho de 2018, referente ao Fundo C..., no montante de € 58.544,12 (…)”.
4.1.5. “Entre outros imóveis, as liquidações de IMI sub judice contabilizaram, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar pelos Fundos, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção destinados à edificação de prédios afectos a indústria, serviços e comércio, conforme identificado no tipo de coeficiente de afectação e de localização constantes nas respectivas cadernetas prediais (…)”.
4.1.6. Esclarece a Requerente que os Fundos procederam ao pagamento integral e atempado das respectivas liquidações de AIMI identificadas no pedido apesar de entenderem que as mesmas padecem de ilegalidade, razão pela qual apresentaram o pedido arbitral de forma coligada.
4.1.7. Neste âmbito, refere a Requerente que “de acordo com a informação divulgada pelo Governo, a criação do AIMI visou exigir um maior esforço fiscal dos contribuintes que, alegadamente, revelem índices de riqueza mais elevados, configurando-se, assim, como um tributo de natureza pessoal que incide sobre a riqueza imobiliária urbana” e “assumindo um carácter progressivo, o AIMI incide sobre a riqueza materializada no direito de propriedade, de usufruto ou de superfície sobre determinados prédios urbanos, sitos em território português”.
4.1.8. Entende a Requerente que “o legislador optou por excluir da incidência objectiva deste Adicional os prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou para serviços e outros (…)” pelo que defende que, “(…) por exclusão, (…) apenas se subsumem às regras de tributação deste Adicional os prédios urbanos afectos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos no artigo 6º do Código do IMI”.
4.1.9. “Neste contexto, e salvo melhor opinião, considera a Requerente (…) que, nos termos descritos (…), as liquidações de AIMI em análise padecem de vício de violação de lei, por erros nos pressupostos de facto e de direito e, como tal, devem as mesmas ser anuladas com todos os efeitos legais”.
4.1.10. Defende a Requerente que “(…) face aos trabalhos preparatórios (…) é claro que o legislador visou garantir que os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, considerando que, sendo este Adicional um tributo com um elemento progressivo de base pessoal, visa tributar de forma mais elevada os patrimónios mais avultados (…)” pelo que “deste modo, o legislador visou garantir que os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, reconhecendo que a mera detenção desses imóveis não constitui (…) um factor demonstrador de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis”.
4.1.11. Assim, entende a Requerente que “(…) resulta evidente que a ratio legis que esteve na génese da regra de exclusão de incidência objectiva (…) assentou, essencialmente, na intenção de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, por força das suas actividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respectivo objecto social”.
4.1.12. Nestes termos, “(…) não pode a Requerente aceitar (…) que a AT, através dos actos de liquidação ora controvertidos, tenha feito incidir este novo AIMI sobre o património imobiliário detido pelos Fundos” nem aceitar que a Requerida “(…) tenha considerado, no apuramento do valor patrimonial tributário sujeito a AIMI, terrenos para construção (…) cuja potencial utilização coincide com fins comerciais, industriais ou serviços”.
4.1.13. Segundo o defendido pela Requerente, “(…) parece não se afigurar compatível com a ratio legis e com as circunstâncias históricas que presidiram à criação do AIMI (…) a tributação do património imobiliário detido por entidades cuja actividade económica implica (…) a detenção de imóveis (…) e (…) a tributação de terrenos para construção cujo potencial [de] utilização coincida com fins comerciais, industriais ou serviços ou outros”.
4.1.14. Defende a Requerente que “(…) a detenção daqueles imóveis representa (…) o substrato das actividades dos Fundos (…)” pelo que “(…) resulta evidente que o AIMI (…) não poderá jamais incidir sobre os imóveis detidos pelos Fundos no âmbito da sua actividade, conquanto não se encontram verificados os princípios subjacentes à tributação aqui em análise”.
4.1.15. Assim, conclui a Requerente que “tributar estes imóveis significaria tributar directamente uma actividade económica - algo que o legislador expressamente pretendeu evitar ao criar o AIMI” sendo que considera também a Requerente ilegal a tributação de terrenos para construção a afectar a fins comerciais, industriais ou serviços ou outros, porquanto entende que se trata de “(…) um tratamento discriminatório que atenta (…) contra o princípio da igualdade (…)”.
4.1.16. Adicionalmente, “a título subsidiário (…) entende a Requerente que o regime de tributação em AIMI é contrário ao princípio basilar da igualdade (…) e, em paralelo, contrário ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva (…)”.
4.1.17. Assim, segundo defende a Requerente, “(…) resulta demonstrado [que] o regime legal do A1MI, em concreto o respectivo artigo 135º-A do Código do IMI – quando interpretado no sentido de incluir no âmbito de aplicação subjectiva do AIMI entidades que desenvolvem uma actividade imobiliária, promove um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em manifesta violação do princípio da igualdade (…) e do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva (…)”, concluindo que “como tal, deve aquela norma ser desaplicada (…) porque manifestamente inconstitucional quando aplicada a pessoas colectivas que desenvolvem uma actividade imobiliária (…)”, devendo em consequência ser anuladas as liquidações de AIMI objecto do pedido “(…) conquanto as mesmas enfermam de vício de violação de lei, por consubstanciar erro sobre os pressupostos de direito a aplicação de uma norma materialmente inconstitucional”.
4.1.18. Nesta conformidade, entende a Requerente que “(…) deve cada um dos Fundos ser integralmente ressarcido do respectivo valor do AIMI liquidado, porquanto não devido” e “(…) sendo procedente o presente pedido, a Requerente requer (…) que sejam pagos os respectivos juros indemnizatórios”.
4.2. Requerida
4.2.1. A Requerida respondeu, defendendo-se por impugnação, sustentando que, nas liquidações de AIMI em crise, “o apuramento do VPT foi realizado de acordo com o inscrito na matriz (…)”, tendo em consideração que “os imóveis não se encontravam abrangidos pelas exclusões previstas no n.º 2 do art.º 135.º-B, nem pelo n.º 3 do art.º 135.º-C do CIMI”, “respeitando (…) a lei na sua única interpretação possível, reunindo todos os pressupostos de facto e de direito (…)”.
4.2.2. Ou seja, considera a Requerida que “(…) as liquidações do AIMI em causa observam todos os condicionalismos legais à sua validade jurídica” porquanto “(…) constata-se que a soma do valor patrimonial tributário considerada como matéria coletável do imposto diz respeito a prédios de que são titulares os Fundos, classificados como habitacionais ou terrenos para construção (…)”, os quais “(…) cabem no âmbito da incidência objetiva consagrada no n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI, não lhes sendo aplicável a exclusão constante do n.º 2 do mesmo preceito”.
4.2.3. Assim, entende a Requerida que “(…) não assiste qualquer razão à Requerente” quando “(…) apresenta dois fundamentos distintos para impugnar seja totalmente seja apenas parcialmente as liquidações de AIMI sub juditio:
• que os prédios em causa estão afetos à sua atividade económica, a qual implica (necessariamente) a detenção de imóveis
• que a potencial afetação de determinados prédios que correspondem a “terrenos para construção” coincide com fins "comerciais, industriais ou serviços" ou “outros”.
4.2.4. Neste âmbito, alega a Requerida que decorre do disposto no artigo 135º-B do Código do IMI que “(…) o AIMI incide sobre os prédios classificados como habitacionais e como terrenos para construção — independentemente da sua afetação potencial (…), na medida em que os mesmos não constam expressamente na norma de delimitação negativa de incidência”.
4.2.5. Por outro lado, entende a Requerida que “(…) pode pois afirmar-se que, no que concerne ao AIMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas coletivas e estruturas equiparadas (…), o imposto assume a natureza de imposto real, na medida em que a modelação do quantitativo a pagar abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como não atinge a totalidade do património líquido das entidades” pelo que, para a Requerida, “(…) não é verdade que possa qualificar-se o AIMI como um tributo de natureza pessoal que incide sobre a riqueza imobiliária urbana, pois (…) não se está perante um imposto pessoal (…)”.
4.2.6. Nestes termos, entende a Requerida que “é este (…) o enquadramento em que se moveu o legislador ao traçar a configuração do âmbito de incidência subjetivo e objetivo do AIMI, balizando as suas opções também por outras considerações específicas como sejam, a de mitigar o impacto desta imposição sobre o exercício empresarial das atividades económicas em geral, através da exclusão dos prédios urbanos com fins industriais, comerciais e de serviços, e outros (…) com o propósito de não onerar em termos fiscais a competitividade das empresas, especialmente, nos mercados internacionais (…)”.
4.2.7.Alega a Requerida “(…) que a letra da lei não permite que a Requerente impute à AT erro na sua interpretação ou que as liquidações de AIMI padeçam de vício de violação de lei, por erros nos pressupostos de facto e de direito” porquanto entende que “(…) se se atentar na redação do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI (…), decorre que o legislador, especificamente, apenas excluiu da tributação em AIMI os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI”.
4.2.8. “Ou seja, contrariamente ao que pretende a Requerente, da redação conferida ao citado preceito legal constata-se que o legislador optou por formular a restrição atendendo à classificação dos prédios, não existindo na letra da lei nada que indicie que tal exclusão possa ampliar-se, nomeadamente estender-se aos demais prédios aí não incluídos quando sejam o substrato de determinada atividade económica do sujeito passivo de imposto”.
4.2.9. Reitera a Requerida que “(…) interpretar uma lei é fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer (…) mas, nessa tarefa interpretativa, o elemento literal não pode ser afastado, pois a letra da lei é a principal referência e ponto de partida do intérprete”.
4.2.10. Assim, entende a Requerida que “contrariamente ao pugnado pela Requerente (…), não é a AT quem decide tributar um terreno para construção com uma utilização potencial de indústria e não tributar um prédio (edificado) com a mesma utilização, mas sim, porque é o que resulta do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI (…)” porquanto “(…) não são tributados os prédios urbanos classificados como industriais, comerciais ou para serviços e outros”.
4.2.11. Nestes termos, entende a Requerida que “(…) tendo as liquidações impugnadas sido efetuadas em conformidade com o disposto na lei (…), não se antevê, então, onde possa residir o erro de facto e de direito que é imputado à AT” porquanto “(…) nada existe na letra da lei que indicie que a exclusão de tributação prevista possa estender-se aos demais prédios aí não incluídos quando sejam o substrato de determinada atividade económica do sujeito passivo de imposto, pelo que carece de sentido o propugnado pela Requerente”.
4.2.12. Por outro lado, defende a Requerida que “(…) em termos interpretativos não há como não reconhecer que o legislador afastou da incidência os prédios urbanos utilizados para fins industriais, comerciais ou de serviços e outros, mas, optou por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, ou seja, não garantiu em todos os casos que os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, ao contrário do que é dito pela Requerente”, daí resultando que “(…) é mais consentânea com a letra e com o espírito da lei presente no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, a conclusão de que a ratio legis que esteve na génese de exclusão da incidência objetiva, aí consagrada, se orientou pelo objetivo de afastar da sujeição ao imposto (…), os imóveis que dão suporte ao desenvolvimento de atividades económicas, ou seja, que são detidos para utilização ou fornecimento de bens ou serviços ou para fins administrativos (…)”.
4.2.13. Assim, para a Requerida “bem se compreende (…) a solução legislativa de sujeitar a tributação todos os sujeitos passivos em atenção à titularidade das situações jurídicas relevantes sobre os prédios urbanos identificados na incidência objetiva, com independência da estruturação jurídica ou económica que possam possuir esses sujeitos passivos” pelo que “(…) sendo o substrato da atividade dos Fundos de Investimentos Imobiliários constituído por direitos reais sobre imóveis, se o legislador se lhes concedesse um regime de exceção, estaria a privilegiar o investimento indireto em ativos imobiliários através do recurso a este produto financeiro e a abrir a porta a comportamentos de evasão fiscal”.
4.2.14. Nestes termos, reitera a Requerida que “não se deteta (…) qualquer ilegalidade na sujeição ao AIMI dos prédios urbanos detidos pelos fundos de investimento imobiliário cuja gestão é assegurada pela Requerente”.
4.2.15. No que diz respeito aos terrenos para construção, para defesa da sua posição, enfatiza a Requerida que “(…) na data da tributação em AIMI dos terrenos para construção, só cabe atender à própria realidade do terreno, tal como o mesmo é legalmente caracterizado, e tendo em conta o VPT constante da matriz, não uma edificação futura (…)” porquanto “isto significaria, afinal, que a tributação se determinaria, em vez da capacidade contributiva atual e efetiva, em função de uma capacidade contributiva futura e eventual”.
4.2.16. Entende a Requerida que “(…) como já é uniformemente reconhecido na jurisprudência, não pode a AT desaplicar normas legais com fundamento em inconstitucionalidade, como, de resto, também não ocorre o vício de inconstitucionalidade alegado pela Requerente”.
4.2.17. Segundo a Requerida, “não tem razão a Requerente quando defende a inconstitucionalidade do regime do AIMI por violação dos princípios da igualdade (…) e da capacidade contributiva (…)” porquanto “(…) à luz dos princípios constitucionais invocados decorre que as escolhas subjacentes à delimitação da incidência objetiva do AIMI são efetuadas dentro da margem de liberdade de conformação legislativa”.
4.2.18. Assim, defende a Requerida que “(…) na delimitação da incidência real fica patente que o critério adotado pretende ser universalmente objetivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efetivo dado aos prédios” pelo que “não será, pois, a circunstância de outros contribuintes detentores de património imobiliário identicamente valioso ficarem isentos do tributo, que justificará uma específica censura constitucional à norma em sindicância”.
4.2.19. E quanto ao facto de serem os imóveis tributados o substrato da actividade dos Fundos (segundo posição da Requerente), contrapõe a Requerida que “(…) os imóveis excluídos da sujeição ao AIMI (…) é que desempenham uma função instrumental às atividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, na medida em que constituem edificações que servem de suporte ao funcionamento das referidas atividades, e não são por si mesmos geradores de rendimentos” pelo que “ainda que os imóveis tributados possam revelar-se instrumentais da atividade dos Fundos, temos que os mesmos são idóneos a indicar que aquela pessoa coletiva é titular de bens que, em si mesmos, evidenciam uma específica abastança face aos demais proprietários imobiliários”.
4.2.20. Assim, entende a Requerida que “o legislador dentro da sua margem de liberdade de conformação das realidades fáctico-jurídicas que constituem a base da incidência do AIMI denota a preocupação de abranger apenas os prédios urbanos classificados como edifícios para fins habitacionais detidos para venda, no mesmo estado em que são adquiridos ou após uma transformação, afetos ao arrendamento ou objeto de outra forma de exploração e, bem ainda, os terrenos para construção detidos para venda ou para neles serem erigidas construções, sendo que estas realidades podem integrar, com maior ou menor peso, o património de pessoas singulares ou de pessoas coletivas e de outras estruturas equiparadas”.
4.2.21. Nestes termos, a Requerida reitera que “(…) são destituídos de fundamento os argumentos apresentados pela Requerente, não podendo qualquer vício ser imputado às liquidações contestadas”, porquanto “(…) não cabe aqui qualquer hipótese de julgamento de inconstitucionalidade do AIMI com base na violação do princípio da igualdade partindo-se de premissas que se baseiam numa comparação entre situações incomparáveis (…)”.
4.2.22. Ora, segundo entende a Requerida, “falecendo todos os argumentos apresentados pela Requerente (…)” deverão “(…) as liquidações impugnadas manter-se na ordem jurídica”.
4.2.23. Assim, e citando diversa jurisprudência arbitral, entende a Requerida que:
4.2.23.1. “(…) é inconstitucional o artigo 135.º-B/2 do CIMI, quando interpretado no sentido de que exclusão de tributação aí prevista estão também os prédios classificados como terrenos para construção cujo fim potencial não seja habitacional, pois viola o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes (…), constituindo-se o mesmo como referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (…), bem como do princípio constitucional da igualdade (…) e, bem assim, do princípio da legalidade (…), o que aqui se deduz para todos os efeitos legais”;
4.2.23.2. “Assim como se considera que, qualquer interpretação que exclua a Requerente do âmbito de incidência subjetiva do AIMI, em face dos imóveis constituírem o substrato da sua atividade, é também ela inconstitucional pois viola o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes (…), constituindo-se o mesmo como referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (…), bem como do princípio constitucional da igualdade (…) e, bem assim, do princípio da legalidade (…), o que aqui se deduz para todos os efeitos legais”.
4.2.24. Alega, ainda, a Requerida que “(…) entende-se não enfermarem os atos de liquidação de vício que deva ditar a sua anulação/declaração de nulidade” pelo que o pagamento dos mesmos não será devido mas “(...) os mesmos não são devidos se se concluir pela inconstitucionalidade do regime legal do AIMI”.
4.2.25. Nestes termos, conclui a Requerida que “(…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos (…), tudo com as devidas e legais consequências ou, se assim não se entender, requer-se (…) que seja determinada a notificação ao Ministério Público do douto acórdão arbitral”.
5. FUNDAMENTOS DE DIREITO
Como vimos, a Requerente imputa às liquidações de AIMI objecto do presente pedido, quer vícios de ilegalidade (por as mesmas assentarem numa errada interpretação dos preceitos aplicáveis), quer vícios de inconstitucionalidade (por alegada violação dos princípios da igualdade, da igualdade fiscal e da capacidade contributiva).
A redacção das normas do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) que determinaram as liquidações do respectivo Adicional – instituído pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017), que aditou ao CIMI o capítulo XV integrado pelos artigos 135.º-A a 135.º-K –, tal como vigoravam à data do facto tributário, era a seguinte:
“Artigo 135.º-B
Incidência objetiva
1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código”.
Artigo 6.º
Espécies de prédios urbanos
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
(...)”
Adicionalmente, importa considerar a norma de incidência subjectiva que constava do artigo 135.º-A do CIMI:
“Artigo 135.º-A
Incidência subjetiva
1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.
(...)”
Quanto às questões de ilegalidade:
A argumentação da Requerente segue dois eixos:
- por um lado, entende que a detenção de imóveis está excluída da previsão legal em razão da actividade económica que exerce, uma vez que a teleologia da criação do adicional teria sido a tributação de manifestações de fortuna, e não o exercício de actividades económicas – que, aliás, se teriam querido salvaguardar, excluindo-as da aplicação de tal adicional;
- por outro, entende que a excepção para os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» não pode deixar de incluir os terrenos que tenham por finalidade edificação para esses exactos fins.
Ambas estas questões foram já objecto de decisões nesta jurisdição arbitral, sendo pacífica a solução da primeira e menos pacífica a solução da segunda.
Escreveu-se, assim, na Decisão do Processo n.º 664/2107-T:
“A exclusão do imposto abrange, por conseguinte, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. A dita exclusão abarca, para além disso, a espécie residual referida na alínea d) do n.º 1 desse artigo 6.º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não enquadrem em qualquer das anteriores classificações.
O âmbito de incidência objetiva, por efeito da remissão para aquele artigo 6.º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efetuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.
Em todo este contexto, o entendimento segundo o qual se pretendeu excluir do âmbito de incidência do imposto os prédios afectos a actividades económicas, a pretexto de que foi intenção legislativa não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objecto social, não tem qualquer apoio na letra da lei nem nos elementos racional e sistemático de interpetação.
Uma tal leitura pressuporia que o legislador, ao invés de ter delimitado o âmbito de incidência através de tipos caracterizados, tivesse optado por uma avaliação casuística em função afectação do imóvel, em termos práticos, efetivos, a uma actividade económica ou ao funcionamento de uma pessoa coletiva.
Tendo a lei definido o âmbito de incidência do imposto como o fez, recorrendo a conceitos técnicos jurídicos utilizados noutros lugares do sistema é seguramente com esse sentido que tem de ser definido o âmbito aplicativo da disposição legal. As normas, por vezes, comportam mais do que um significado e então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. Mas se o legislador recorreu a uma linguagem técnico-jurídica especial, para expressar com maior precisão o seu pensamento, cabe ao intérprete socorrer-se do significado técnico-jurídico das expressões utilizadas, dispensando-se de usar elementos circunstanciais que apenas poderiam conduzir a um resultado interpretativo não pretendido pelo legislador (cfr., neste sentido, BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 182).
Como se impõe concluir, a pretendida extensão da fórmula legislativa utilizada aos prédios afectos à actividade económica da empresa, independentemente da específica caracterização como prédios comerciais, industriais ou para serviços, não tem qualquer cabimento à luz dos critérios gerais da hermenêutica jurídica.
(...)
Tendo o legislador definido uma cláusula de exclusão por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efectuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis considerar. Não podendo sequer chegar-se a esse resultado interpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica.
Ainda que se justificasse, numa perspectiva de política fiscal, conferir aos terrenos para construção destinados a edificações para fins comerciais, industriais ou para serviços o mesmo estatuto que veio a ser atribuído aos prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, o certo é não foi essa a opção legislativa, que se limitou a excluir do âmbito de incidência do imposto esses tipos de prédios e não aqueles outros que potencialmente pudessem ser utilizados para esses mesmos fins.”
Este mesmo entendimento foi seguido pela decisão arbitral proferida no Proc. n.º 676/2017-T, que, quanto à primeira questão, ainda considerou que:
“a literalidade dos artigos 135.º-A/1 e 135.º-B/1 e 2 do CIMI é clara e não se presta a qualquer dúvida interpretativa. Sendo a letra da lei, ou elemento gramatical, o primeiro elemento a convocar na hermenêutica jurídica, e sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), não se mostrará necessário convocar outros elementos de entre os disponíveis na panóplia hermenêutica.”
Ainda assim, acrescentou:
É verdade que a preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».
No entanto, não foi com base na atividade a que estão os imóveis afetos que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redação que veio a ser aprovada, definiu-se, como vimos, a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ou não ao funcionamento das pessoas coletivas.
Assim sendo, como ficou consignado no Acórdão Arbitral n.º 675/2017-T, “se tivesse sido mantida, na redação final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afetos ao funcionamento das pessoas coletivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afetação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.
“(...), tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos ao funcionamento das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.
“«Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento.
“No caso em apreço, em face do afastamento da redacção proposta em que se dava relevância à afectação dos imóveis, não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.”
No que diz respeito à segunda questão, e muito embora a preferência pela argumentação sustentada na letra da lei tenha geralmente prevalecido sobre a que é sustentada na sua invocada teleologia, tem havido entendimentos divergentes. Na já citada decisão proferida no processo n.º 676/2017-T escreveu-se o seguinte:
“Retomando de novo o consignado no Acórdão Arbitral, proferido no processo n.º 664/2017-T,“deve ter-se em linha de conta que estamos perante factos tributários diversos. Num caso, a lei sujeita a tributação terrenos urbanizáveis que constituem um activo económico por efeito da sua aptidão para a construção. Noutro caso, a lei exclui do imposto o património edificado que desempenha uma função instrumental relativamente à actividade produtiva.
“Não há uma necessária conexão entre essas duas realidades. O terreno para construção tem um valor patrimonial próprio que constitui, em si, um indicador de capacidade contributiva que é suscetível de ser objecto de um imposto autónomo sobre o património, independentemente da sua eventual e futura utilização através da implantação de edifício para fins comerciais, industriais ou serviços. O património já construído que se encontre classificado como imóvel comercial, industrial ou para serviços tem já uma função instrumental relativamente a uma certa actividade produtiva que o legislador, dentro da sua margem de livre conformação, pode pretender salvaguardar no quadro das suas incumbências de incremento do desenvolvimento económico e social, que têm assento constitucional (artigo 81.º da Lei Fundamental).”
Neste contexto, não faria qualquer sentido estar a isentar de AIMI os terrenos para construção, enquanto tais, que gozam de uma capacidade construtiva meramente potencial do tipo de prédio a edificar (para comércio, indústria ou serviços), pois estaria o legislador a incentivar a sua não edificação e utilização efetiva numa atividade produtiva.
Em suma, é possível descortinar um fundamento material bastante para distinguir entre esses diferentes factos tributários para efeito da tributação do património.”
Considerando embora a argumentação produzida em contrário, entende-se que não há razões para alterar este entendimento, nem por via de uma interpretação extensiva da norma de isenção (não se afigura preferível esse entendimento ao que resulta directamente da letra da lei), nem pela convocação de critérios de conformidade constitucional, que poderiam eventualmente impor uma correcção aos critérios interpretativos infra-constitucionais – como se verá a seguir.
Quanto às questões de inconstitucionalidade:
O recente Acórdão n.º 299/2019 do Tribunal Constitucional, tirado em Plenário no dia 21 de Maio sem votos de vencido, em recurso de uma decisão proferida no CAAD que igualmente se pronunciou pela conformidade constitucional do referido Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis, lembrou que:
“No seu recorte definitivo, e centrando a atenção na tributação dos entes coletivos, o AIMI passou tributar todo o património imobiliário do sujeito passivo, sem dedução, ao mesmo tempo que a norma do n.° 2 do preceito passou a atender unicamente à classificação do prédio de acordo com o artigo 6.° do Código do IMI, sem consideração do setor de atividade ou da destinação efetiva. O que significou a eliminação do elemento de progressividade de base pessoal na tributação das pessoas coletivas ou equiparadas comportado na Proposta de Lei n.° 37/XIII, compensado em certa medida pela redução do âmbito de incidência objetiva do imposto, que passou a sujeitar ao imposto apenas às espécies de prédios urbanos não compreendidas na previsão do n.° 2 do artigo 135.°-B, ou seja, de acordo com divisão operada pelo artigo 6.°, n.° 1, do Código do IMI, os prédios urbanos «habitacionais» e os «terrenos para construção».”
E adiante explica os contornos da norma de não sujeição tributária consagrada no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI em face dos princípios constitucionais:
“Em virtude dessa norma, excluem-se do âmbito de incidência objetiva do AIMI — a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos de que o sujeito passivo seja titular — os prédios urbanos classificados pela lei fiscal como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», o que introduz, como é próprio da tipologia normativa, uma desigualdade de tratamento entre os sujeitos passivos do tributo: enquanto os titulares de prédios urbanos habitacionais e de terrenos para construção (referidos nas alíneas a) e c) do artigo 6.° do CIMI) são obrigados ao AIMI, os titulares dos prédios com fins comerciais, industriais, para serviços ou outros, cujo destino normal não seja a habitação ou construção (referidos nas alíneas b) e d) do artigo 6.° do CIMI), não estão obrigados a tal adicionamento.
Pode dizer-se que, enquanto exceção à regra geral da incidência do correspondente imposto, tais normas vivem «numa permanente relação de tensão com o princípio da distribuição dos encargos tributários segundo o principio da capacidade contributiva», o que as vincula a uma especial legitimação: «a obtenção de um certo objetivo económico de especial importância») (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Ed., 3.ª Ed., 2007, pp. 457-458).
Sem embargo, a relação de igualdade pressuposta na norma de incidência não tem o mesmo conteúdo que a relação de igualdade exigida pela norma de não incidência. Aquela norma, porque descreve o facto gerador da obrigação tributária, não pode deixar de atender à força económica que o contribuinte tem para suportar o imposto; já a norma de não incidência, porque define um elemento negativo do tipo legal do facto tributário, deve atender ao critério escolhido pelo legislador na delimitação desse elemento negativo. Ou seja, as normas diferenciam-se tanto pelos seus efeitos quanto pelas suas finalidades: enquanto a norma de incidência representa uma interferência na esfera patrimonial do contribuinte, referindo-se à retirada da prestação pecuniária do contribuinte para o Estado, a norma de exclusão tributária projeta efeitos económicos mais abrangentes, de que a mitigação do impacto negativo na esfera patrimonial do contribuinte é instrumento; enquanto a norma de incidência tem por objetivo a arrecadação de receita, a norma de não incidência funcionaliza o tributo a outras finalidades.
Estas diferenças projetam-se no parâmetro constitucional em face do qual deve ser aferida a justificação normativa. A norma de incidência, porque consubstancia uma onerosidade para o património dos contribuintes, encontra-se vinculada a repartir o encargo tributário em função da capacidade que cada um tem para pagar o tributo —princípio da capacidade tributária; já a norma de exclusão tributária, porque cria situações de favorecimento fiscal, para além da necessidade de assegurar o respeito pelo princípio da proporcionalidade, em função dos fins que se propõe atingir, deve assegurar que o critério do desagravamento fiscal se aplique a realidades que se mostrem iguais à luz desse critério —princípio da igualdade. Assim, na primeira tipologia, a relação de igualdade estabelece-se através de um juízo de comparação dos contribuintes à luz do critério da capacidade contributiva; na norma de não incidência, a relação de igualdade estabelece-se através do confronto das pessoas ou situações à luz do critério distintivo ou tertium comparationis de que o legislador se serviu por razões extrafiscais. Nesta última, considerando os efeitos de desoneração ou mitigação que a exclusão tributária provoca no património dos contribuintes, não se coloca propriamente um problema de tributação sem correspondência na capacidade contributiva do sujeito passivo; desse modo, por não eleger os factos sobre os quais incide o tributo, o problema não reside na observância do princípio da capacidade contributiva, enquanto pressuposto da tributação.
18. A introdução da referida diferenciação na estrutura interna do AIMI assenta eminentemente em razões de política económica, proteger a atividade económica das empresas titulares de prédios urbanos.
De facto, foi através de razões de índole extrafiscal que o legislador justificou na Proposta de Lei n.° 37/XIII a norma de exclusão tributária, referindo que com ela se pretende «evitar o impacto deste imposto na atividade económica». A prossecução desse objetivo — a proteção da economia — na modulação de um tributo sobre o património é constitucionalmente legítima, por votada à realização de incumbência prioritária do Estado: a promoção das estruturas económicas (artigos 9.°, alínea d) e 81.°, alínea a) da Constituição), o que pressupõe o bom funcionamento das atividades económicas.”
E concluíu:
“o racional da delimitação da incidência do imposto em pauta não decorre da atividade económica exercida pelo sujeito passivo, mas sim, tal como no IMI, da afetação social do prédio urbano.”
Por outro lado, considerando mais especificamente a questão da tributação dos “terrenos para construção”, considerou o seguinte:
“a incidência do imposto sobre «terrenos para construção», tal como definidos no n.° 2 artigo 6.° do Código de IMI, decorre de nele se terem constituído direitos de construção ou de proceder a operações de loteamento, quer por via de ato administrativo de concessão de licença ou autorização, quer pelo reconhecimento tácito resultante da admissão de comunicação prévia, quer, ainda, pela resposta favorável a pedido de informação prévia ou emissão de informação prévia favorável a operação de loteamento ou de construção. Acessoriamente, o legislador também acolheu, como critério de afetação à construção do terreno, que este seja adquirido expressamente para esse efeito e que possua viabilidade construtiva.
E, de acordo com o funcionamento normal do mercado, a titularidade de direitos sobre um terreno relativamente ao qual já se constituíram direitos a construir ou a lotear, ou reconhecidamente reúne condições de viabilidade construtiva, configura uma riqueza suscetível de avaliação autónoma do que venha a ser edificado, por força da expetativa juridicamente fundada que passa a incorporar a esfera jurídico-subjetiva do seu titular.”
(...)
“no âmbito de incidência do AIMI, mesmo que norteada por uma ótica pessoal, não pode deixar de se reconhecer que os terrenos para construção são bem distintos dos prédios urbanos já construídos e afetos a uma finalidade específica por via de licenciamento ou utilização normal. Na verdade, e assentando, como se viu, a razão da não tributação dos prédios urbanos, comerciais, industriais, para serviços ou outros no propósito de promover o bom funcionamento das atividades económicas —o que implica a criação de estímulos à reafectação de recursos a fins produtivos, de forma a incrementar o crescimento económico -, os terrenos para construção apenas podem contribuir para esse desiderato em potência, num futuro hipotético e condicional, pois mesmo que se tenha formado um direito a construir, nada impede a mudança de vontade do seu titular relativamente ao destino a dar ao prédio. Para além de que o que releva para efeitos da tributação anual em AIMI é o valor patrimonial tributário do prédio existente e constante da matriz, pois não se pode tributar uma capacidade contributiva futura e eventual, mas apenas a capacidade contributiva atual e efetiva. Os terrenos para construção constituem um ativo económico com valor patrimonial, em si mesmo revelador de capacidade contributiva do seu titular, estando, por isso, constitucionalmente legitimada a sua inclusão no acervo patrimonial globalmente sujeito a AIMI, independentemente do que neles venha a ser efetivamente implantado.”
Concluindo que:
“Assim sendo, nem o termo eleito para comparar as situações jurídico-subjetivas - a utilização potencial dos prédios urbanos - comporta relevo no núcleo problemático em equação, nem os titulares das duas tipologias de prédios urbanos postas em confronto - terrenos para construção com fins de comércio, indústria, serviços ou afins, por um lado, e prédios construídos classificados, de acordo com o artigo 6.º do Código de IMI, como «comerciais, industriais ou para serviços» ou «outros», por outro - estão em posição equiparável, de acordo com o facto tributário e a estrutura de incidência objetiva do AIMI, pelo que não se encontra, também neste ponto, fundamento para suportar um juízo de inconstitucionalidade da norma questionada, na específica hipótese em apreciação.
23. Pelo exposto, a tributação do AIMI não merece censura à luz dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva (artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 104.º, n.º 3, da Constituição).”
Esse é também o juízo do presente Tribunal, termos em que improcede o pedido, com todas as legais consequências.
6. Do reembolso da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios
Face à solução jurídica do caso, fica prejudicado o pedido de reembolso das importâncias pagas a título de adicional ao IMI e a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
7. Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, impõe-se que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerente.
8. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral Colectivo:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, por não provado, absolvendo a Requerida de todos os pedidos, nos termos peticionados, mantendo na ordem jurídica os actos de liquidação de AIMI impugnados;
b) Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.
*****
9. Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 174.055,19.
10. Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 3.672,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.
*****
Notifique-se.
Lisboa, 12 de Junho de 2019.
Árbitro Presidente
(Fernanda Maças)
Árbitro Vogal
(Prof. Doutor Vasco Valdez)
Árbitro Vogal
(Sílvia Oliveira)