Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 591/2018-T
Data da decisão: 2019-06-26  IRC  
Valor do pedido: € 92.690,72
Tema: IRC – Tributação autónoma – Benefícios fiscais.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em Tribunal Arbitral

 

I – Relatório

1. A... – S.G.P.S., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., n.º ... – ..., ...-... ..., município de ..., sociedade dominante Grupo Fiscal B... SGPS, sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades B... – S.G.P.S., S.A., apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e segs. do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do indeferimento de reclamação graciosa deduzida contra o acto de autoliquidação de IRC, relativo ao exercício de 2016, no montante de € 92.690,72, na parte em que não admite a dedução à  colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

                A Requerente é a sociedade dominante do Grupo Fiscal B..., que se encontra sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto nos artigos 69.º e segs. do Código do IRC, e, nessa qualidade, apresentou a declaração agregada de IRC (modelo 22) referente ao ano de 2016, tendo procedido à autoliquidação das tributações autónomas desse mesmo ano no montante de € 92.690,72.

Na autoliquidação ficou impedida de deduzir os montantes de benefício fiscal reconhecido às empresas do grupo fiscal ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), que correspondiam a créditos fiscais em montante superior à colecta das tributações autónomas.

A Requerente dispunha ainda dos requisitos necessários para deduzir os benefícios fiscais, na medida em que o lucro tributável não foi apurado através de métodos indirectos e a sua situação fiscal e contributiva encontrava-se regularizada.

Acresce que a colecta de IRC prevista no artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC compreende a colecta das tributações autónomas em IRC, estando sujeita, como tal, ao modo de apuramento previsto no artigo 90.º desse Código, pelo que havia que efectuar, em relação ao montante apurado, as deduções relativas aos benefícios fiscais nos termos da alínea c) do n.º 2 desse preceito.

Não sendo relevante o estipulado no n.º 12 do artigo 88.º do CIRC que apenas permite que o imposto retido na fonte seja deduzido à parte da colecta em IRC produzida pelo n.º 11 do artigo 88.º do CIRC.

A Requerente refere ainda que a norma do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na redacção introduzida pelo artigo 134.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, tem natureza inovadora, apesar da sua qualificação expressa como norma interpretativa, tornando-se inaplicável à situação dos autos por efeito do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal e por violação do princípio da separação de poderes e interdependência dos órgãos de soberania e o princípio da independência do poder judicial.

 

E caso se entenda que o artigo 90.º do Código do IRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade da liquidação de tributações autónomas por ausência de base legal para a sua efectivação, atento o disposto nos artigos 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT e 103.º, n.º 3, da Constituição.

 

Pede em consequência a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como da autoliquidação de IRC, relativa ao exercício de 2016, por vício de violação de lei, na medida em que veda a dedução dos benefícios fiscais à parte da colecta de IRC correspondente às taxas de tributação autónoma, e, subsidiariamente, a declaração de ilegalidade da liquidação de tributações autónomas por ausência de base legal.

 

 A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que a inclusão das tributações autónomas no Código de IRC, pela sua natureza e finalidade, tem como corolário lógico a aplicação das normas gerais próprias desse imposto que não contendam com a sua especial forma de incidência, conferindo uma natureza dualista ao sistema normativo do imposto que se corporiza no apuramento separado das respectivas colectas de acordo com diferentes regras.

 

Havendo assim lugar a dois cálculos distintos, que, embora processados nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º, são efectuados com base na aplicação de diferentes taxas às respectivas matérias colectáveis que são determinadas igualmente de acordo com regras próprias.

 

A liquidação do IRC opera mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável, ao passo que em relação à liquidação da tributação autónoma são apuradas diversas colectas de acordo com as taxas previstas no artigo 88.º, consoante a diversidade dos factos que originam a liquidação da tributação autónoma, não podendo, por conseguinte, falar-se num sistema unitário de tributação em IRC.

 

E nesse sentido o “montante apurado nos termos do número anterior”, a que se refere o n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, deve entender-se como abrangendo o somatório do montante de IRC apurado de acordo com as regras do capítulo III do Código por aplicação das taxas previstas no artigo 87.º e do montante das tributações autónomas, calculado com  base nas regras previstas no artigo 88.º

 

De outro modo, a dedução de benefícios fiscais à colecta resultante da tributação autónoma teria um efeito contraditório, permitindo que a concretização de objectivos de incentivo fiscal viesse a eliminar a tributação autónoma em relação a despesas que o legislador pretende desincentivar.

 

Acrescenta que não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios que só seriam devidos se a liquidação incorresse em ilegalidade imputável a erro dos serviços.

 

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de prova testemunhal.

Em alegações, as partes reiteraram as suas anteriores posições.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 6 de fevereiro de 2019.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas.

O processo não enferma de nulidades nem foram suscitadas excepões.

Cabe apreciar e decidir.

 

II -Fundamentação

 

4. A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte:

               

a) O Grupo Fiscal B..., composto pela C..., S.A., D..., S.A., E..., S.A., F..., Lda., G..., S.A., H..., S.A., I..., S.A., J..., Lda., K..., S.A. e L..., encontra-se sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS);

b) Na qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal B..., a Requerente apresentou uma declaração agregada de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2016, procedendo à autoliquidação das tributações autónomas desse mesmo ano no montante global de no montante de € 92.690,72;

 

c) O sistema informático não permitiu a dedução à colecta de IRC, com referência ao exercício fiscal de 2016, dos montantes de beneficio fiscal reconhecido às empresas do grupo fiscal ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), no valor de € 1.630.384,09, do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), no valor de € 1.719.372,14, e do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), no valor de € 39.857,99;

 

d) A Requerente apresentou uma reclamação graciosa relativamente à autoliquidação de tributações autónomas do referido exercício de 2016, que foi objecto de indeferimento, por despacho de 28 de Agosto de 2018 do Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de ..., ao abrigo de subdelegação de competência;

e) A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa baseou-se na não dedutibilidade de quaisquer montantes à colecta produzida pelas tributações autónomas por ser contrário ao espírito do sistema que, por força das deduções a que se refere o artigo 90.º, n.º 2, do Código do IRS, se eliminasse o carácter anti-abusivo que presidiu à implementação dessas tributações, e por se considerar ainda que o artigo 21.º, n.º 8, do Código do IRC, na redacção introduzida pela Lei do Orçamento de Estado de 2018 veio clarificar a interpretação a extrair do artigo 90.º, n.º 2, desse diploma no sentido de não haver lugar a deduções ao montante global apurado por efeito das tributações autónomas.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária.

 

Matéria de direito

 

Dedução de benefícios fiscais à colecta da tributação autónoma

 

5. A questão a decidir é a de saber se há lugar em sede de IRC à dedução à colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI).

Esta questão tem vindo a ser decidida pela jurisprudência arbitral maioritária em sentido positivo, utilizando como principal argumento o modo de liquidação de IRC mesmo quando esteja em causa a tributação autónoma. A colecta proporcionada pela tributação autónoma – afirma-se – constitui colecta de IRC e a dedução dos benefícios fiscais é efectuada em relação ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC, o que leva a concluir que o processamento da liquidação do imposto, tal como resulta do falado artigo 90.º, se aplica a todas as situações previstas no Código, incluindo no tocante às tributações autónomas. Partindo desta ideia central, conclui-se que a autonomia deste tipo de tributação se restringe às taxas aplicáveis e à respectiva matéria colectável, não havendo suporte legal, face ao disposto no artigo 90.º, para distinguir entre a colecta proveniente da tributação autónoma e a que resulta dos rendimentos sujeitos a IRC.

 

Em todo o caso, a análise da questão justifica uma mais precisa caracterização das chamadas tributações autónomas.

 

Deve começar por dizer-se que a tributação autónoma constitui a principal excepção à tributação do rendimento segundo o princípio do rendimento líquido ou rendimento real, pelo qual o rendimento das pessoas singulares é apurado depois de deduzidas as despesas feitas para a sua obtenção e a tributação das sociedades é determinada de acordo com o lucro apurado pela contabilidade (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 406).

 

Como tem sido frequentemente assinalado, a tributação autónoma começou por se reportar a despesas confidenciais e não documentadas (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho), passando depois a abranger os encargos com viaturas, as importâncias pagas a pessoas com regime fiscal mais favorável e as despesas de representação, e, mais tarde, os encargos com ajudas de custo ou despesas de deslocação.

 

Com a Lei do Orçamento do Estado de 2010 (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), a tributação autónoma veio ainda a incluir os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes por virtude de cessação de funções, e, bem assim, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a € 27 500. Entretanto, a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, aditou um n.º 14 ao artigo 88.º, prevendo a elevação das taxas de tributação autónoma previstas nesse artigo em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.  

 

A introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificada, por outro lado, por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais (SALDANHA SANCHES, ob. cit., pág. 407).

 

Para além disso, a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.

 

Naquelas situações especiais elencadas na lei, o legislador optou, por isso, por sujeitar os gastos a uma tributação autónoma como forma alternativa e mais eficaz à não dedutibilidade da despesa para efeitos de determinação do lucro tributável, tanto mais que quando a empresa venha a sofrer um prejuízo fiscal, não haverá lugar ao pagamento de imposto, frustrando-se o objetivo que se pretende atingir que é o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas.

 

No entanto, através de sucessivas alterações legais, o legislador tem vindo a alargar o âmbito da tributação autónoma, tendo passado a incluir os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estes cessem funções, e, bem assim, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas ultrapassem certos limiares. O que se mostra justificado como uma forma de assegurar “uma distribuição mais justa dos encargos tributários e a uma moralização progressiva das políticas remuneratórias das empresas”. Como a doutrina tem reconhecido, trata-se, neste caso, de mecanismos de tributação autónoma que se afastam do desígnio inicial de combater a fraude e a evasão fiscais – como sucedia com as despesas não documentadas -, mas que poderão ainda enquadrar-se no objetivo de limitar despesas que poderão repercutir-se no rendimento coletável das empresas.

 

Neste contexto, analisando a questão da tributação autónoma à luz do princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real e do princípio da capacidade contributiva, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 197/2016, subscreveu o seguinte entendimento.

 

“ (…) o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas. O IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período tributação. Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC – segundo a própria jurisprudência constitucional -, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como um facto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Por isso se entende que estamos perante um imposto de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo ao longo do tempo, gerando a obrigação de pagamento de imposto com caráter regular.

Como é de concluir, a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa”.

 

Em idêntico sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012, que julgou inconstitucional, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, na parte em que faz retroagir a 1 de janeiro de 2008 os efeitos de agravamento das taxas de tributação autónoma, chamou a atenção para a natureza materialmente distinta da tributação autónoma em relação ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ainda que essa imposição fiscal se encontre formalmente inserida no Codigo de IRC.

 

A esse propósito, esse aresto sublinhou:

 

“Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC).

Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.

Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso).

Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa”.

Entende-se, nos termos acabados de expor, que a base de incidência da tributação autónoma se não traduz num rendimento líquido, mas num custo dedutível transformado excepcionalmente em objecto de tributação, correspondendo a uma sanção legal que se destina a reduzir a vantagem fiscal que poderia resultar de despesas injustificadas ou excessivas. E, neste enquadramento, seria inteiramente contrário à unidade do sistema jurídico que os benefícios fiscais a atribuir aos contribuintes em sede de IRC venham a ser deduzidos à colecta resultante da aplicação de taxas de tributação autónoma.

Como se assinalou, as taxas de tributação autónoma têm a natureza de normas anti-abuso e destinam-se a desencorajar certas situações especiais que visem obter uma diminuição da carga fiscal mediante a dedução de custos que se presume não serem determinados por uma causa empresarial. Além disso, o sistema normativo do imposto tem uma natureza dualista na medida em que integra, de um lado, a matéria colectável baseada no lucro tributável, e, de outro lado, a matéria colectável resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma incidente sobre certo tipo de despesas.

Ainda que a liquidação do imposto seja efectuada de forma agregada, com base nessas duas diferentes componentes, não faz sentido que as deduções gerais a efectuar relativamente ao montante apurado de imposto incidam sobre a colecta devida pela aplicação das taxas de tributação autónoma. De facto, as deduções à colecta constituem uma das formas de dar corpo ao princípio da capacidade da contributiva que tem como um dos seus corolários a tributação segundo o rendimento real. Tratando-se de impostos sobre o rendimento, as deduções objectivas a contemplar são as correspondentes às despesas que possam razoavelmente considerar-se necessárias à angariação do rendimento e que se adequem à natureza de cada categoria de rendimentos, havendo de entender-se, no caso das actividades empresariais, os gastos ou perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 299).

Certo é que a lei admite ainda deduções ao lucro tributável e, entre elas, as relativas a benefícios fiscais (artigo 90.º, n.º 2, alínea c)). Não tem cabimento, no entanto, que essas deduções possam ocorrer em relação à colecta da tributação autónoma.

Cabe recordar que a tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico. E o objetivo do legislador - como se referiu – é o de desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa.

A lógica da tributação autónoma parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para efectuar gastos que envolvem situações de menor transparência fiscal e afectam negativamente a receita fiscal. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas.

A despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização da despesa.  

Admitir que os créditos fiscais resultantes de situações de incentivo ou benefício fiscal pudessem neutralizar o efeito sancionatório da tributação autónoma seria desvirtuar o próprio conceito de benefício fiscal e os princípios da capacidade contributiva e da justa repartição da carga fiscal.

Pela sua própria natureza, os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem, correspondendo a situações em que o legislador fiscal desagrava, por razões técnicas ou de política fiscal, certas manifestações de riqueza que pretende afastar da tributação normal (artigo 2.º, n.º 1, do EBF). O benefício fiscal é considerado, por outro lado, como uma despesa fiscal na medida em que incide sobre uma situação sujeita a tributação e equivale, em termos quantitativos, a uma receita fiscal não arrecadada.

 

Não faz qualquer sentido, neste condicionalismo, que as deduções à colecta do imposto que resultem de benefícios fiscais incidam não apenas sobre o lucro tributável mas sobre despesas que o legislador pretendeu tributar por razões de transparência fiscal. O que conduziria a permitir que o benefício fiscal fosse utilizado para frustrar o objectivo que se pretende atingir com a tributação autónoma que é justamente o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas.

 

                6. No caso vertente, a Requerente imputa à decisão de indeferimento da reclamação graciosa e ao acto de autoliquidação de IRC o vício de violação de lei na parte em que não admitem a dedução à colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do SIFIDE, do RFAI e do CFEI.

 

                Em causa está o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II, abreviadamente designado SIFIDE II, aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, o regime fiscal de apoio ao investimento realizado em 2009, aprovado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de março (RFAI) – entretanto transpostos para o Código Fiscal do Investimento por via da alteração resultante do Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de junho -  e o crédito fiscal extraordinário ao investimento, estabelecido pela Lei n.º 49/2013, de 16 de julho (CFEI).

 

                No que se refere ao SIFIDE II - que passou a vigorar nos períodos de tributação de 2013 a 2020 por efeito da alteração imposta pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro - a lei permite que os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território possam deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2013 a 31 de Dezembro de 2020, numa dupla percentagem: a) taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período; b) taxa incremental - 50% do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 1 500 000. Há ainda lugar em certas situações à majoração dessa taxa (artigo 36.º do Código Fiscal do Investimento).

 

                O incentivo fiscal ao investimento, para além de envolver diversos tipos de isenções, processa-se por dedução à colecta de IRC, até à concorrência de 50% da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional: i) 20% do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de € 5.000.000; ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a € 5.000.000 (artigo 28.º do Código Fiscal do Investimento).

 

                O benefício fiscal a conceder aos sujeitos passivos no âmbito do CFEI, como prevê o artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013, corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20% das despesas de investimento em ativos afetos à exploração, determinando o subsequente n.º 5 que, no caso de aplicação do regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução se efetua ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com base na matéria coletável do grupo.

 

                Em qualquer dos casos, a lei manda deduzir as importâncias resultantes dos incentivos fiscais à colecta de IRC ou ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC, devendo entender-se que a remissão é efectuada para o procedimento de liquidação a que se refere esse mesmo preceito do Código. As normas específicas que regulam os incentivos fiscais não contêm, como tal, um regime especial no que se refere ao método pelo qual deve processar-se a dedução à colecta, pelo que haverá lugar à dedução dos benefícios fiscais ao montante de imposto que for apurado como prevê o artigo 90.º, n.º 2, alínea c).

 

                O ponto é que essa disposição, como se deixou entrever, não pode ser interpretada no sentido de abranger as tributações autónomas visto que estamos aí perante uma tributação distinta do IRC e relativamente à qual não faria qualquer sentido fazer recair as deduções a título de benefício fiscal.

 

                A este propósito alude ainda a Requerente à natureza inovadora da norma do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na redacção introduzida pelo artigo 134.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, com a consequente inaplicabilidade à situação dos autos por violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal.

 

                A referida norma veio estabelecer que “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”. E o subsequente artigo 135.º da mesma Lei confere à citada disposição do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC natureza interpretativa.

 

                A invocação da apontada disposição poderia suscitar a questão de saber se a norma, no condicionalismo do caso, poderia ser qualificada como interpretativa e se o efeito retroactivo dessa qualificação poderia pôr em causa o princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal.

 

                No entanto, o tribunal, para chegar à solução do caso, limitou-se a interpretar a disposição do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), do CIRC segundo as regras gerais da hermenêutica jurídica, abstendo-se de aplicar a disposição do falado artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, pelo que, não tendo sido utilizada essa disposição como ratio decidendi, não é invocável a violação de qualquer parâmetro de constitucionalidade que se reporte ao pretenso carácter interpretativo da lei (entre muitos, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 319/94 e 524/98).

 

                7. A Requerente deduz ainda um pedido subsidiário em vista a obter a anulação do acto tributário de liquidação das tributações autónomas, caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC se não aplica a esse tipo de tributação, por considerar que inexiste base legal para a sua efectivação, invocando o disposto nos artigos 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT e 103.º, n.º 3, da Constituição.

 

                Se bem se entende, a Requerente parte do pressuposto de que, não havendo lugar à dedução à colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais, não há também base legal para efectuar a tributação autónoma.

 

                O argumento baseia-se num evidente equívoco.

 

                As taxas de tributação autónoma estão previstas no artigo 88.º do CIRC e é essa disposição que permite a liquidação do correspondente imposto, embora essa liquidação surja agregada à liquidação de IRC. Ao considerar que os benefícios fiscais não são dedutíveis ao montante de imposto apurado que resulte da aplicação das taxas de tributação autónoma, o tribunal não está a afirmar que a disposição do artigo 90.º não é aplicável à tributação autónoma, mas antes a efectuar uma interpretação do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), no sentido de que a dedução à colecta de benefícios fiscais não incide sobre a tributação autónoma.

 

                Sendo certo que a tributação autónoma não deixa por isso de ter sustentação legal.

 

                Termos em que improcede o pedido da Requerente, sendo de manter a decisão de indeferimento da reclamação graciosa impugnada, ficando necessariamente prejudicados os restantes pedidos de devolução das quantias pagas e do pagamento de juros indemnizatórios.

 

III - Decisão

Termos em que se decide:

                a) Julgar improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o acto de autoliquidação de IRC, relativo ao exercício de 2014, na parte em que não admite a dedução à colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI);

 

                b) Julgar prejudicados os pedidos de reembolso das quantias pagas e do pagamento de juros indemnizatórios.

 

Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do CPC, do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em € 92.690,72.

 

Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em

€ 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que fica a cargo da Requerente.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 26 de junho de 2019,

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

José Ramos Alexandre

 

O Árbitro vogal

Jónatas Machado