DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros José Poças Falcão (presidente), José Joaquim Sampaio e Nora e Ana Teixeira de Sousa (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente tribunal arbitral, acordam no seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A...- FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, contribuinte fiscal n.º..., doravante designado por “Requerente”, representado pela sua sociedade gestora B...- Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., com sede no ..., n.º ..., ..., em Lisboa, com o número único de matrícula e pessoa colectiva ... e com capital social de € 2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil euros), apresentou em 16/11/2018 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral.
1.2. O objeto do pedido de pronúncia é a legalidade das liquidações de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) constantes do Documento n.º..., no montante total de €162.632,23 bem como do ato tácito de indeferimento da reclamação graciosa contra elas deduzida em 19 de Abril de 2018, à qual foram atribuídos os n.os ...2018..., ...2018..., ...2018..., ...2018..., ...2018..., ...2018..., ...2018..., ...2018... .
1.3. O Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo legal.
1.4. No dia 29/01/2019 ficou constituído o tribunal arbitral.
1.5. Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 05/02/2019 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo (PA).
1.6. Em 13/03/2019 a Requerida veio dar conhecimento aos autos de que não pretende apresentar Resposta.
1.7. O tribunal em 20/03/2019 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com base na inexistência de exceções a conhecer e na desnecessidade de convidar as partes a corrigir as peças processuais, bem como dispensar as partes da apresentação de alegações considerando que as questões objecto do pedido de pronúncia se encontram suficientemente analisadas por jurisprudência incuindo do CAAD.
1.8. Foi designada data para prolação da decisão nos termos dos despachos de 20-3-2019 e 24-5-2019.
2. POSIÇÃO DAS PARTES
A Requerente começa por justificar a tempestividade do pedido uma vez que requer também, nesta sede, a anulação do ato tácito de indeferimento da reclamação graciosa assinalada, por forma a prevenir o levantamento de obstáculos processuais à apreciação do mérito das pretensões aqui formuladas, à semelhança do que já sucedeu em processos passados, face a posições diversas dos doutos Tribunais Arbitrais sobre esta mesma questão (cfr. por exemplo o que se verificou no Acórdão Arbitral proferido em 05.05.2014 no âmbito do processo n.º 261/2013-T, disponível para consulta em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/).
Para este efeito fundamenta-se no seguinte:
2.1. As liquidações de IMT apresentam como data limite de pagamento o dia 20 de Dezembro de 2017.
2.2. O referido prazo de 120 dias, contados nos termos do artigo 279º do Código Civil, ex vi artigo 20º, nº1, do CPPT, terminou no dia 19 de Abril de 2018.
2.3. Em 19 de Abril de 2018 foi deduzida contra as liquidações de IMT constantes do Documento n.º ... a referida Reclamação Graciosa.
2.4. Tendo a reclamação graciosa em causa sido apresentada perante o serviço competente para o efeito no dia 19 de Abril de 2018, o prazo legal de decisão de 4 meses terminou no dia 19 de Agosto de 2018, contado nos termos previstos nos artigos 20.º, n.º 1 do CPPT e 279.º, alínea c) do Código Civil.
2.5. Considerando-se, pois, a reclamação graciosa tacitamente indeferida a partir do final desse dia 19 de Agosto de 2018.
2.6. Assim sendo, o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado nos termos do artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, termina no 18 de Novembro de 2018, Domingo e dia não útil, transitando, pois, para o término o dia 19 de Novembro de 2018.
A Requerente defende-se depois por impugnação com base nos argumentos seguintes.
2.7. A Requerente assume a natureza jurídica de fundo especial de investimento imobiliário fechado, nos termos previstos nos já referidos artigos 215.º a 217.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.
2.8. Por outro lado, é de referir que está previsto no EBF, desde 1 de Janeiro de 2006, um regime fiscal particular para os fundos de investimento imobiliário em recursos florestais, como é o caso do Requerente.
2.9. Razão pela qual, na ausência de uma regra especial para os fundos de investimento imobiliário em recursos florestais, se deve linearmente concluir que a isenção de Sisa/IMT consagrada no 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 aproveita aos fundos de investimento imobiliário em recursos florestais.
2.10. Adicionalmente, e pela mesma razão de a isenção de Sisa/IMT consagrada no 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 se aplicar a todos os fundos de investimento imobiliário, sem distinguir, é facto assente que a mesma é aplicável não só a fundos de investimento imobiliário abertos, como também a fundos de investimento imobiliário fechados, sejam eles de subscrição pública ou de subscrição particular, como é o caso do Requerente.
2.11. Sendo que esta conclusão já foi atingida nas decisões arbitrais proferidas em 15 de Março de 2018, no âmbito do processo n.º 547/2017-T (de que se junta cópia sob a designação de Documento n.º 13) e em 24 de Maio de 2018, no âmbito do processo n.º 622/2017-T (de que se junta cópia sob a designação de Documento n.º 14).
2.12. No entender do Requerente os artigos 46.º e 49.º do EBF, nas suas redacções sucessivas, que a Requerente descreve através do pedido de pronúncia arbitral, consagraram isenções e reduções das taxas de IMT aplicáveis às aquisições de imóveis a certos fundos de investimento imobiliário (“à saída”).
2.13. Contrariamente ao artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, o qual manifestamente consagra uma isenção de IMT aplicável às aquisições de imóveis por todos os fundos de investimento imobiliário (“à entrada”).
2.14. Prevê-se no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87: “São isentas de sisa as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora.”
2.15. Ora, na opinião da Requerente, as aquisições acima mencionadas deveriam ter sido isentas de IMT com base neste artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.
2.16. Com efeito, não só esta norma nunca deixou de vigorar no ordenamento jurídico português, conforme se verá melhor de seguida, como a mesma não faz qualquer distinção entre os diversos tipos legalmente admissíveis de fundos de investimento imobiliário, sendo, em consequência, aplicável à Requerente.
2.17. As isenções e reduções de taxa de IMT consagradas sucessivamente nos artigos 46.º e 49.º do EBF tiveram sempre por objecto os “prédios integrados em” todos ou alguns fundos de investimento imobiliário.
2.18. Ou, em linguagem mais coloquial, mas talvez mais impressiva: as isenções e reduções de taxa de IMT consagradas sucessivamente nas várias redacções dos artigos 46.º e 49.º do EBF são atribuídas à saída e não à entrada desses fundos de investimento imobiliário.
2.19. Com efeito, conforme afirma João Espanha, “Na verdade, esta nova isenção de IMT (agora não para a aquisição de imóveis por FII, mas para a transmissão/alienação de imóveis por FII) quadra perfeitamente aos propósitos ou objectivos extra-fiscais que se encontram enunciados no preâmbulo do DL 1/87, posto que é evidente que em muito contribui para a promoção do investimento em imobiliário a possibilidade de os FII colocarem no mercado imóveis cuja aquisição não se encontra onerada pelo sucessor do “imposto mais estúpido do mundo” - cfr. Espanha, João (2007), Op. Cit., p. 60.
2.20. A este respeito afirmou-se na Decisão Arbitral proferida em 28 de Abril de 2017 no âmbito do processo n.º 544/2016-T, relativa à mesma questão que aqui se discute (de que se junta cópia sob a designação de Documento n.º 5)
2.21. A questão que aqui se levanta é pois a da correcta interpretação da referida expressão “prédios integrados em” no que respeita às mencionadas isenções e reduções de taxa de IMT.
2.22. É claro que o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 e os artigos 46.º e 49.º do EBF, nas suas sucessivas redacções e no que ao IMT respeita, são normas com âmbito de aplicação completamente distinto.
2.23. E o artigo 46º viu o seu âmbito de aplicação progressivamente restringido, deixando de ser aplicável a Fundos de Investimento Imobiliários fechados sendo que o artigo 49º foi mesmo revogado pelo artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março.
2.24. Ora no caso do Decreto-Lei nº 1/87 tem que se concluir que não se verificou nunca caducidade, revogação expressa, revogação tácita ou revogação global, nomeadamente do seu artigo 1.º permanecendo assim a isenção de IMT aí prevista para “as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora” plenamente vigente na ordem jurídica portuguesa.
2.25. A qual, não tendo sido aplicada às aquisições aqui em causa, acarreta a ilegalidade das liquidações de IMT a elas correspondentes.
2.26. Por outro lado, mesmo que não se concorde com a interpretação dos artigos 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 e 46.º/49.º do EBF sustentada pela Requerente, sempre se terá de concluir que o primeiro se apresenta como norma especial face àquelas últimas normas e que, como tal, não se encontra por essa razão também revogado, devendo pois a isenção daí decorrente ter sido aplicada às liquidações aqui em causa.
2.27. Com efeito, mesmo que se conclua, ao contrário do que sustenta o Requerente, que as isenções e reduções de taxa de IMT sucessivamente consagradas nos artigos 46.º e 49.º do EBF são aplicáveis às aquisições de imóveis por certos fundos de investimento imobiliário (“à entrada”, portanto), ainda assim se terá que concluir pela plena vigência actual da isenção de Sisa/IMT consagrada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.
2.28. Prevê-se no artigo 7.º, n.º 3 do Código Civil que “A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador”.
2.29. Ora, é fácil de perceber que o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 se apresenta como uma norma especial face aos artigos 46.º e 49.º do EBF.
2.30. Com efeito, ao passo que os artigos 46.º e 49.º do EBF estabelecem, por um lado, isenções não só de IMT mas também de IMI e, por outro, atribuem essas isenções não só a fundos de investimento imobiliário, como também a fundos de pensões e a fundos de poupança-reforma...
2.31. … o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 prevê uma isenção de um único imposto (o IMT) e a favor de um único tipo de sujeito passivo (os fundos de investimento imobiliário).
2.32. E foi também esta a conclusão atingida na Decisão Arbitral proferida em 28 de Abril de 2017 no âmbito do processo n.º 544/2016-T, onde se afirmou “[…] mesmo que se entenda que o EBF constitui lei geral em matéria de benefícios fiscais, o artigo 7.º, n.º 3 do Código Civil dispõe que “a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador”. Sendo certo que nenhum dado de facto ou de direito permite discernir uma intenção inequívoca do legislador no sentido da revogação da isenção do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro.”
2.33. Bem como nas Decisões Arbitrais proferidas em 26 de Junho de 2017, no âmbito do processo n.º 677/2016-T (de que se junta cópia sob a designação de Documento n.º 9), em 15 de Janeiro de 2017, no âmbito do processo n.º 440/2017-T (de que se junta cópia sob a designação de Documento n.º 10), em 9 de Março de 2018, no âmbito do processo n.º 580/2017-T (de que se junta cópia sob a designação de Documento n.º 11) e em 20 de Outubro de 2018, no âmbito do processo n.º 130/2018-T (de que se junta cópia sob a designação de Documento n.º 12).
2.34. De onde resulta igualmente a ilegalidade das duas liquidações de IMT em apreço.
2.35. E sendo em consequência devidos à Requerente juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.
2.36. Tal como se concluiu, sempre por unanimidade, sem quaisquer votos de vencido, nas decisões arbitrais proferidas pelos tribunais colectivos constituídos, a requerimento também da ora Requerente, junto do Centro de Arbitragem Administrativa no âmbito dos processos n.º 544/2016-T, n.º 677/2016-T, n.º 440/2017-T, n.º 580/2017-T e n.º 130/2018-T, de que se juntou já cópia.
2.37. Sendo essas conclusões integralmente aplicáveis a um fundo especial de investimento imobiliário em recursos florestais, fechado e de subscrição particular, como é o caso da Requerente, na medida em que o regime fiscal consagrado nos artigos 22.º-B/24.º do EBF sempre foi limitado aos impostos sobre o rendimento, nunca nada tendo disposto a respeito do IMT, e em que a isenção de Sisa/IMT consagrada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 é aplicável a todos os fundos de investimento imobiliário, sem distinguir.
A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), entidade demandada no processo arbitral acima identificado, tendo sido notificada para responder nos termos e para os efeitos do artº 17 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro, veio dar conhecimento aos autos que não apresentava resposta.
3. SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído com base nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 do RJAT, sendo competente para apreciar e decidir o pedido de pronúncia arbitral.
As partes, que estão devidamente representadas, gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. Factos que se consideram provados:
4.1.1. A Requerente é um Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, sujeito ao regime fiscal próprio para os fundos de investimento imobiliário em recursos florestais e respetivos participantes, dos artigos 215.º a 217.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (RGOIC) aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.
4.1.2. À requerente foram emitidas as notas de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) constantes do Documento n.º..., no montante total de €162.632,23, com data limite de pagamento de 20 de Dezembro de 2017.
4.1.3 – Em 19 de Abril de 2018 a requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações referidas no número anterior, tendo sido atribuídos os n.os ...2018..., ...2018..., ...2018..., ...2018..., ...2018..., ...2018..., ...2018..., ...2018... e ...2018... a esses processos de reclamação graciosa.
4.1.4 – Por não terem sido objecto de qualquer decisão as mesmas foram consideradas presumidamente indeferidas por não ter sido comunicada à ora requerente qualquer decisão até 19 de Agosto de 2017.
4.1.5. O IMT decorrente das liquidações referidas em 41.2 e posteriormente reclamadas foi liquidado pelo Requerente em resultado da aquisição por escritura pública de compra e venda celebrada a 20 de Dezembro de 2017, da propriedade plena do prédio misto sito na ..., ... e ..., freguesia do ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da mesma freguesia e ao qual correspondem as nove inscrições na matriz predial indicadas no Documento n.º ... .
4.1.6. Sobre essa aquisição foi liquidado IMT à taxa de 6,5%, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 1, alínea d), do Código IMT, onde se prevê a aplicação dessa taxa às “aquisições de outros prédios urbanos e outras aquisições onerosas”.
4.1.7. O ora requerente pagou o imposto liquidado no montante referido em 4.1.2.
4.1.8. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 15/11/2018.
4.2. Factos que não se consideram provados
Não existem quaisquer factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa, não tendo os mesmos sido impugnadas pela requerida AT
5. QUESTÃO DECIDENDA
5.1 A única questão a resolver é a de saber se o requerente goza ou não de isenção de IMT nas aquisições de bens imóveis para os fundos que administra.
Defende a Requerente que a transacção imobiliária que efectuou goza da isenção de IMT consagrada no artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, o qual estabelece que "são isentas de Sisa as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora".
Em seu entender o legislador teve a intenção de manter, em sede de IMT, as isenções aplicáveis à sisa; e a isenção não foi revogada por lei expressa, nem tacitamente; nomeadamente, não o foi pelo artigo 46º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
E, assim sendo, a liquidação impugnada é ilegal, por não ter atendido à isenção referida.
Invoca, em apoio deste seu entendimento, jurisprudência deste Centro de Arbitragem Administrativa.
Por fim, constatado que houve por parte da AT errónea interpretação da lei, pretende a Requerente que lhe sejam pagos juros indemnizatórios incidentes sobre a quantia ilegalmente liquidada, por si paga em devido tempo.
5.2 A AT, não tendo exercido o direito de resposta, não explanou a sua posição.
Mas, que ela é oposta à da Requerente, logo resulta do facto de ter efectuado a liquidação impugnada e não ter deferido nenhuma das reclamações graciosas.
Ou seja, para a Requerida, a isenção de que a Requerente pretende gozar não existe. E não existe - sabemo-lo pelo que em outros casos tem defendido nos tribunais arbitrais - por ter sido tacitamente revogada pelo artigo 46º do EBF, o qual terá substituído a isenção de que beneficiavam as aquisições feitas por Fundos de Investimento Imobiliário por uma isenção atinente às alienações efectuadas pelos mesmos Fundos.
Assim sendo, é de supor que, para a AT, não existe erro que lhe seja imputável, e carecerá de fundamento a pretensão da Requerente relativa a juros indemnizatórios.
5.3 - O que se segue corresponde ao que já foi escrito em diversos acórdãos deste Centro de Arbitragem Tributária e que corresponde à corrente unânime de decisões a este respeito.
Conhecemos, pelo que ficou estabelecido em sede de matéria de facto, a natureza do sujeito passivo, a verificação do facto tributário e data da sua ocorrência, e a do acto tributário questionado.
Trata-se de factualidade que, para além de não controvertida, por falta de resposta da AT, está demonstrada de forma clara e inequívoca pelos documentos juntos ao processo.
A questão que se nos coloca é, pois, a da (in)existência de uma norma impeditiva da tributação: a Requerente pretende que não há lugar a tributação por beneficiar de uma norma que lhe atribui isenção; a AT, tendo procedido à liquidação identificada, entenderá que a norma de isenção não está em vigor.
A norma em causa é a do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro.
5.4 Estabelece o artigo 7º do Código Civil:
“1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.
2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior”.
Segundo os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, nas Noções Fundamentais de Direito Civil (5ª edição, Coimbra, 1961, pág 109 e segs.), “a lei pode deixar de estar em vigor ou por ter sido revogada ou por ter caducado.(…) Fala-se em caducidade da lei quando esta deixa de vigorar por força de qualquer circunstância inerente à própria lei, independentemente, portanto, de uma nova manifestação de vontade do legislador”.
A caducidade da lei resulta, mais frequentemente, de ela própria estabelecer o seu prazo de vigência (quando esse prazo se esgotar), ou de visar atingir um determinado fim (quando este for alcançado), ou de ser uma lei transitória (quando terminado o estado de coisas que lhe serve de pressuposto).
Quanto à revogação, dizem os citados Autores que “(…) resulta de uma nova manifestação de vontade do legislador, contrária à que serviu de base à vigência da lei”.
A revogação pode ser expressa – a nova lei aponta as disposições que quer revogar – ou tácita – a lei antiga é incompatível com a nova, prevalecendo a opção legislativa mais recente.
Esclarecem, por fim, que “A incompatibilidade entre as duas leis pode resultar dum conflito directo e substancial existente entre os respectivos preceitos ou da circunstância de a nova lei estabelecer um novo regime, completo, das relações em causa”.
5.5 - No caso vertente, não há sinais de que o Decreto-Lei nº 1/87 tenha caducado. Importa, pois, saber se foi revogado.
Ainda aqui há que distinguir, pois não se conhece, ao tempo do facto tributário e da liquidação, norma que expressamente tenha colocado termo à vigência do Decreto-Lei nº 1/87.
Deste modo, o que importa decidir é se ocorreu revogação tácita.
5.6 - No artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, estabeleceu-se que "são isentas de Sisa as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora".
Vigorava então o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD), aprovado pelo Decreto-Lei nº 41969, de 24 de Novembro de 1958. Na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 223/82, de 7 de Junho, a sisa incidia "sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis".
No uso da autorização legislativa dada pela Lei nº 26/2003, de 30 de Julho, foi publicado o Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, que aprovou o Código do IMT.
Os textos legais anteriores que referiam a sisa passaram a considerar-se referidos ao IMT, conforme o artigo 28º nº 2 do Decreto-Lei nº 287/2003; e o artigo 31º, revogando o CSISSD, manteve em vigor “(…) os benefícios fiscais (…) respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 41969, de 24 de Novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT" .
Até este momento parece seguro que os fundos de investimento imobiliário gozavam de isenção de IMT nas aquisições de imóveis.
5.7 - Em 2006, a Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, alterou o artigo 46º nº 1 do EBF, o qual passou a dispor que ficavam isentas de IMT “as transmissões onerosas de imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário (…)”.
Os imóveis integrados num fundo não são senão os que esse fundo já tenha adquirido – o que leva à conclusão de que, desta feita, a isenção se referia à alienação e não à aquisição.
O artigo 81º nº 3 alínea e) da Proposta de Lei nº 478/2006, de 13 de Outubro – proposta de Lei de Orçamento para 2007 -, revogava expressamente o Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, mas tal revogação não veio a ser consagrada na Lei do Orçamento para 2007 – Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
É certo que o não acolhimento, pela Lei do Orçamento para 2007, daquela proposta, não constitui argumento definitivo, porquanto pode ter dois sentidos.
Um, é que o legislador não quis revogar o Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, por pretender mantê-lo em vigor.
Outro, é que o legislador entendeu não revogar expressamente o dito Decreto-Lei nº 1/87 por considerar que ele já não estava então em vigor, o que tornaria redundante (e mesmo errónea, como técnica legislativa) a revogação.
Mas esta segunda hipótese não é plausível e não favorece a tese da AT: é que foi na Lei do Orçamento para 2007 que o legislador alterou o artigo 46º nº 1 do EBF, consagrando a (nova) isenção de IMT para os fundos de investimento imobiliário “constituídos e que operem de acordo com a legislação nacional”.
Ou seja: se o legislador, ao estabelecer o novo benefício fiscal, quisesse extinguir o anterior, por substituição, era o momento adequado para dizer que ficava revogado o Decreto-Lei nº 1/87.
É que os dois benefícios são distintos um do outro, pelo que se não concebe que o da Lei de 2006 substituísse, sem mais, o do Decreto-Lei de 1987.
O legislador de 1987 isentou (numa leitura actualista) de IMT “(…) as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora".
O de 2006 isentou de IMT “as transmissões onerosas de imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário (…)”.
Enquanto em 1987 se falava de aquisições, não abrangendo, claramente, as alienações, em 2006 fala-se em transmissões (que tanto podem ser aquisições como alienações), sendo pela aposição do vocábulo “integrados em” que se conclui que a referência se limita a alienações. Aquilo que já está “integrado em” não pode mais ser adquirido, mas só alienado, pelo “integrador”; reflexamente, aquilo que ainda não está “integrado em” não pode ser alienado por quem o não integra, só pode ser adquirido para passar a estar “integrado em”.
Parece, pois, claro, não só que o legislador de 1987 só quis beneficiar as aquisições pelos fundos de investimento imobiliário, como que o legislador de 2006 apenas aludiu com o benefício concedido às alienações por esses mesmos fundos.
Um e outro benefício, distintos que são, não se excluem reciprocamente, não se contrariam, não são antinómicos, podem ser aplicados ambos sem nenhuma incoerência.
E não se pode pretender que o legislador de 2006, ao consagrar um benefício atinente às alienações, estabeleceu um regime completo dos benefícios fiscais a favor dos fundos de investimento imobiliário e revogou, com esse integral tratamento da matéria, o benefício vigente desde 1987, pois tal não resulta coerentemente da lei e não corresponde ao princípio de que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.” – Cfr. artº. 9º., nº. 3 do Cod. Civil
Em súmula, o legislador da Lei nº 53-A/2006, ao rejeitar a proposta do Governo de revogar expressamente o Decreto-Lei nº 1/87, sabia que:
- esse Decreto-Lei estava em vigor, pois até o referira na sua proposta inicial;
- o benefício que, pelo artigo 82º, introduzia no artigo 46º do EBF, era cumulável com o do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87;
- a Lei nº 53-A/2006 não continha um regime integral dos benefícios fiscais atribuídos aos fundos de investimento imobiliário;
Portanto, não pode concluir-se, a partir daquela rejeição da proposta do Governo, senão que quis manter o benefício atribuído pelo Decreto-Lei nº 1/87.
5.8 - Por outro lado, nada existe, na evolução legislativa ocorrida desde a aprovação do EBF pelo Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho, e nas sucessivas Leis do Orçamento, que possa qualificar-se como uma sistematização do regime de benefícios fiscais em sede de impostos sobre o património dos fundos de investimento imobiliário, de tal modo que possa pretender-se que em algum momento o legislador criou um novo regime, completo, incompatível com a subsistência do Decreto-Lei nº 1/87. Nem nenhuma norma concreta há que se mostre inconciliável com este diploma. Como se viu, o artigo 46º (depois 49º) do EBF, na redacção que lhe foi dada pela Lei do Orçamento de 2003, é harmonizável com o artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87.
5.9 - O que ficou dito é suficiente para suportar a decisão que adiante se ditará.
Mas importa ainda acrescentar que a questão que vem colocada a este tribunal já foi outras vezes posta a tribunais arbitrais no âmbito do CAAD, e por eles decidida, pelo menos, por vinte e sete vezes.
Todas estas decisões foram no sentido propugnado pela Requerente, sem qualquer voto de vencido.
Está, pois, formada, nos tribunais arbitrais, uma forte corrente jurisprudencial, convergente e sem dissidências, que flui no sentido da manutenção na ordem jurídica do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro após a Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
O que não deixa de ser significativo, e deve ser atendido, em reforço dos fundamentos aduzidos, face ao comando do artigo 8º nº 3 do Código Civil, que determina que “(…) o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.
5.10 - Entretanto, entrou em vigor a Lei nº 71/2018, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2019.
Dispõe ela, no seu artigo 319º:
“São revogados (…) os artigos 1º e 8º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de janeiro, que cria incentivos fiscais à constituição de fundos de investimento imobiliário”.
Ora, esta disposição não deixa dúvidas sobre o acerto do que até aqui se expendeu.
O referido artigo 1º do decreto-lei nº 1/87 vigorou até à sua revogação pela Lei nº 71/2018, ou seja, não tinha, até então sido expressa ou tacitamente revogado.
Consequentemente, estava em plena vigência quando ocorreu a aquisição de imóvel que conduziu à liquidação impugnada que, por esse motivo, é ilegal.
Admitir o contrário seria imputar ao legislador de 2018 um erro palmar, revogando expressamente uma norma já então inexistente no ordenamento jurídico.
6. Dos juros indemnizatórios:
O requerente peticiona ainda a condenação da requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados sobre a totalidade do imposto pago – ponto 4.1.7 dos factos provados - desde a data em que foi pago imposto liquidado ora anulado até à data em que vier a ser reembolsado ao requerente o indevidamente pago, juros esses vencidos e vincendos, desde aquela data.
A propósito dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
No caso ora em apreciação, o erro que afeta a liquidação impugnada é exclusivamente imputável à requerida AT, que liquidou o imposto sem qualquer suporte factual ou legal e até contra lei expressa, pelo que dúvidas não existem de que tem o requerente direito ao recebimento dos juros indemnizatórios.
É que, nos termos da alínea b) do artigo 24º do RJAT, 35º nº 10 e 43º nº 1 da Lei Geral Tributária e 61º nº 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a requerida incorreu em erro que lhe é imputável ao proceder à liquidação, pelo que deve pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre a quantia paga, contados à taxa legal, desde o seu pagamento até à restituição do imposto.
Portanto, tem o ora requerente direito a ser reembolsado relativamente à quantia que pagou indevidamente e, ainda, a ser indemnizado pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
7. DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade da nota de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) constante do Documento n.º..., no montante total de €162.632,23, que se declara anulada; condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir ao requerente o montante de imposto indevidamente pago, quantia essa acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor; condenar a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.
8. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 162.632,23 Euros
9. CUSTAS
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas, totalmente a cargo da Requerida, em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Lisboa e CAAD, 29-5-2019
O Árbitro Presidente
(José Poças Falcão)
O Árbitro Vogal
(José Joaquim Sampaio e Nora)
O Árbitro Vogal
(Ana Teixeira de Sousa)