Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 373/2018-T
Data da decisão: 2019-06-14  IVA  
Valor do pedido: € 102.436,25
Tema: Recurso de Revisão de Decisão Arbitral; Instância Internacional de Recurso; Arts. 293.º CPPT e 696.º, al. f) CPC - Decisão Arbitral (anexa à decisão).
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros designados acordam no seguinte:

 

1.            A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) veio requerer a reconstituição do Tribunal Arbitral Coletivo no presente processo, no âmbito da interposição de um recurso de revisão, por alegada inconciliabilidade da decisão arbitral com a ulterior pronúncia do Tribunal de Justiça no processo C-581/19, Frenetikexito.

 

2.            Embora o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, não contemple expressamente o recurso de revisão das decisões arbitrais (v. artigo 25.º do RJAT), o mesmo deve ser admitido, caso se verifiquem os respetivos pressupostos, por aplicação subsidiária do disposto no artigo 293.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

 

3.            Dispõe a referida norma nos seguintes termos:

“Artigo 293.º

Revisão da sentença

1 - A decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão, com qualquer dos fundamentos previstos no Código de Processo Civil, no prazo de quatro anos, correndo o respetivo processo por apenso ao processo em que a decisão foi proferida.

2 - (Revogado.)

3 - O requerimento da revisão é apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar dos factos referidos no número anterior, juntamente com a documentação necessária.

4 - Se a revisão for requerida pelo Ministério Público, o prazo de apresentação do requerimento referido no número anterior é de três meses.

5 - Salvo no que vem previsto no presente artigo, a revisão segue os termos do processo em que foi proferida a decisão revidenda.”

 

4.            A suscetibilidade de recurso de revisão das sentenças arbitrais tributárias é defendida, em geral, pela doutrina, referindo-se a título ilustrativo, JORGE LOPES DE SOUSA, que, sem prejuízo da irrecorribilidade (das decisões arbitrais) em relação aos erros ou vícios «normais» das decisões arbitrais, considera que essa solução não é defensável “em relação àqueles [erros e vícios] especialmente graves, que são fundamento de recurso de revisão de decisões judiciais proferidas em processos de impugnação de atos tributários” -  v. “Recurso de revisão de decisões arbitrais tributárias”, Newsletter CAAD – Arbitragem Fiscal, n.º 2, 2013, Lisboa. Posição que é secundada por CARLA TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado, Almedina, 2016, pp. 503 e segs. e por SAMUEL FERNANDES DE ALMEIDA/JOANA LOBATO HEITOR, “Recurso de Revisão das decisões proferidas nos Tribunais (Arbitrais) Tributários – Comentário ao Acórdão n.º 0360/13 do STA”, Newsletter CAAD – Arbitragem Fiscal, 2014, Lisboa.

 

5.            Note-se ainda que o recurso de revisão tem consagração nos artigos 154.º e 155.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), pelo que se trata de uma solução transversal ao contencioso administrativo e tributário.

 

6.            No tocante aos fundamentos do recurso de revisão, o citado artigo 293.º do CPPT remete para o disposto no regime processual civil que, no artigo 696.º [CPC], contém a correspondente enumeração, com caráter taxativo, prevendo na alínea f) que uma decisão transitada em julgado seja objeto de revisão quando “inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”.

 

7.            No caso, a Recorrente (AT) invoca, como fundamento de revisão, o acórdão do Tribunal de Justiça, de 4 de março de 2021, proferido no processo C-581/19, Frenetikexito, junto aos autos, resultante de um pedido de reenvio prejudicial, e enquadra-o no artigo 696.º, n.º 1, alínea f) do CPC, em reação contra a decisão arbitral proferida em 14 de junho de 2019 por este Tribunal Arbitral, transitada, que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela ora Recorrida. Entende a Recorrente que tal decisão aplicou erradamente o Direito da União Europeia e é inconciliável com a pronúncia, sobre a mesma matéria, proferida pelo Tribunal de Justiça, ao qual está vinculado o Estado Português.

 

8.            Relativamente à interposição e processamento do recurso, este tem uma tramitação própria, devendo ser apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar da decisão (definitiva) do Tribunal de Justiça (v. artigo 293.º, n.º 3 do CPPT), desde que não tenham decorrido mais de 4 anos sobre a decisão revidenda, requisitos que estão preenchidos in casu. No mais, deve seguir-se o disposto no CPC, por remissão sucessiva do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT e do artigo 293.º do CPPT, com a consequente necessidade de apreciação liminar da admissibilidade do recurso, de acordo com o disposto no artigo 699.º, n.º 1 do CPC.

 

9.            Na situação vertente, verifica-se a legitimidade da Recorrente (por ser a Parte que decaiu) e a tempestividade do recurso de revisão. Falta, todavia, aferir o seu fundamento substantivo, passo necessário para se concluir sobre a fase rescindente e a passagem, ou não, à fase subsequente (rescisória), sendo nesta última reapreciado o mérito da causa.

 

10.          A este respeito, convém recordar que a revisão consiste num recurso extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento. Constitui uma válvula de segurança do sistema, por forma a possibilitar a reparação de um erro ou injustiça grave cometidos, numa reponderação do decidido (v. RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA, A Revisão de Sentenças Judiciais no Ordenamento Jurídico Português, Revista Julgar Online, Julho de 2016, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/07/recurso-revisao-admin.pdf).

 

11.          A possibilidade de revisão de sentença por incompatibilidade de uma decisão nacional transitada em julgado com a decisão de uma instância internacional de recurso, vinculativa para o Estado português, constituiu uma inovação do Decreto-lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, e derivou da necessidade endereçar o problema da falta de meios internos de execução das decisões do Tribunal Europeu de Direitos do Homem (TEDH), conforme resulta do próprio preâmbulo do diploma, dirigindo-se aos casos em que uma decisão nacional transitada em julgado viole a Convenção Europeia dos Direitos do Homem – v. MARIA JOSÉ RANGEL DE MESQUITA, Introdução ao Contencioso da União Europeia, Almedina, 2015, p. 219,

 

12.          Porém, como refere RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA a sua previsão legal suscitou desde logo dúvidas interpretativas, nomeadamente quanto à questão de saber o que deve entender-se por “instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português” e, com relevância para a situação em análise, se estão abrangidas as pronúncias do Tribunal de Justiça. 

 

13.          Sobre esta última questão, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 2 de julho de 2014, no processo n.º 0360/13, exprimiu-se no sentido de que “o legislador pretendeu estender o recurso de revisão não só aos casos em que decisão interna seja inconciliável com uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como também aos casos em que se verifique inconciabilidade com qualquer decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”, concluindo que “[u]m acórdão proferido pelo TJUE no âmbito de processo por incumprimento movido contra Portugal assume carácter vinculativo para o Estado Português e pode ser invocado como fundamento de recurso revisão ao abrigo da nova al.f) do artº 771º do Código de Processo Civil [atual 696.º]”, verificados que sejam os demais pressupostos, nomeadamente incompatibilidade com decisão interna transitada em julgado.

 

14.          No presente recurso não está, todavia, em causa a decisão de uma ação por incumprimento (artigo 258.º do TFUE), mas um processo de reenvio prejudicial (artigo 267.º do TFUE), pelo que interessa concluir sobre se idêntica inferência [a propósito da ação por incumprimento de Estado] é transponível para as pronúncias do Tribunal de Justiça na tipologia dos processos de reenvio.

 

15.          Entendemos que não. Como salienta a decisão arbitral de 9 de abril de 2021, proferida no processo n.º 169/2019-T (bem como nos processos n.ºs 164/2019-T e 159/2019-T), que conheceu de idêntica questão, o Tribunal de Justiça nos processos de reenvio prejudicial não é uma instância de recurso. Desde logo, porque a sua decisão é anterior à decisão final do processo iniciado no órgão jurisdicional nacional e nenhuma das partes tem a possibilidade de apelar para o Tribunal de Justiça.

 

16.          Neste sentido aponta, de igual modo, LUÍSA LOURENÇO: 

 

“De acordo com o número 3 do artigo 4.º do mesmo Tratado, cabe aos Estados-Membros assegurar a execução das obrigações decorrentes dos Tratados e facilitar o cumprimento da missão da União Europeia. Desta dicotomia resulta uma necessidade de diálogo entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus, razão pela qual se viria a prever o instituto jurídico do reenvio prejudicial, não como uma via de recurso, mas sim como um processo especial de cooperação direta, capaz de garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito da UE através de todo o seu território.” – v. O Reenvio Prejudicial para o TJUE e os Pareceres Consultivos do Tribunal EFTA; Revista Julgar n.º 35, 2018. (negrito nosso)

 

17.          Estamos, assim, perante um mecanismo colaborativo distinto da figura do recurso jurisdicional, conceção a que, para além da doutrina (v. LUCINDA DIAS DA SILVA, O (Designado) Recurso Extraordinário de Revisão - 95 Bol. Fac. Direito U. Coimbra 1283, 2019), adere a própria jurisprudência do Tribunal de Justiça que, de forma reiterada, tem afirmado não constituir o reenvio prejudicial uma “via de recurso”:

 

“28      Para responder à questão submetida, importa sublinhar que o sistema instituído pelo artigo 267.° TFUE a fim de assegurar a uniformidade da interpretação do direito da União nos Estados‑Membros institui a cooperação directa entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais através de um processo alheio a qualquer iniciativa das partes (v. acórdãos de 10 de Julho de 1997, Palmisani, C‑261/95, Colect., p. I‑4025, n.° 31; de 12 de Fevereiro de 2008, Kempter, C‑2/06, Colect., p. I‑411, n.° 41; e de 16 de Dezembro de 2008, Cartesio, C‑210/06, Colect., p. I‑9641, n.° 90).

 

29      Com efeito, o reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio (v. acórdãos, já referidos, Kempter, n.° 42, e Cartesio, n.° 91).” – v. acórdão do Tribunal de Justiça, de 9 de novembro de 2010, VB Pénzügyi Lízing Zrt., C-137/08.

 

18.          Entendimento que é sufragado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de julho de 2019, processo n.º 18321/16.9T8LSB.L2 6ª Secção, nos seguintes moldes:

 

“1 - Um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial;

2 - A decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais;

3 - Tal pretensão não tem como função afrontar qualquer interpretação alegadamente errónea de normas internas ou aferir da violação de normas constitucionais dos diversos Estados-Membros,

4 - Uma questão prejudicial corresponde a uma pergunta/pedido de solução orientada para a obtenção de uma resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária para estear a solução de um litígio que lhe cumpra dirimir;

5 - O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde à interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito;

6 - No seio de um pedido de reenvio, o órgão jurisdicional nacional pede ao Tribunal de Justiça da União Europeia que formule a adequada leitura de uma norma jurídica do Direito dessa União cuja interpretação seja relevante para a solução do litígio que lhe cumpra concretizar; […].”

 

19.          Neste ponto, interessa relembrar que o recurso de revisão configura uma recurso extraordinário, de natureza excecional, cuja acessibilidade depende do preenchimento dos pressupostos enunciados de forma taxativa no artigo 696.º do CPC, pelo que se impõe uma particular contenção do seu campo de aplicação.

 

20.          Retomando a decisão proferida no processo arbitral n.º 169/2019-T, a Recorrente não só não explicou porque razão o Tribunal de Justiça deve ser considerado uma instância de recurso, como não se alcança o suporte dessa qualificação que implicaria uma considerável “extensão” do sentido literal da alínea f) do artigo 696.º do CPC. Neste sentido: “[t]ratando-se de normas excecionais que permitem eliminar a força do caso julgado e a obrigatoriedade geral que dela decorre (artigo 205.º, n.º 2 da CRP), elas não podem ser aplicáveis analogicamente a situações nelas não previstas (artigo 11.º do Código Civil), designadamente, a decisões de instâncias internacionais que não sejam, à face da legislação nacional, «instâncias de recurso»”. 

 

21.          Nestes termos, em linha com as decisões proferidas relativamente aos recursos de revisão dos processos n.ºs 169/2019-T, 164/2019-T e 159/2019-T, o acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo C-581/19, Frenetikexito, não consubstancia um fundamento válido de recurso de revisão, uma vez que não é proferido por uma “instância internacional de recurso”.

 

22.          À face do exposto, conclui-se pelo indeferimento do recurso de revisão interposto pela AT, ficando prejudicado o conhecimento dos demais requisitos legais previstos na alínea f) do artigo 696.º do CPC, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2 do CPC).

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil.

 

Notifique-se e publique-se.

 

Lisboa, 21 de abril de 2021

 

Os Árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

Regina de Almeida Monteiro

Maria Alexandra Mesquita

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro e Dra. Maria Alexandra Mesquita (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 17 de outubro de 2018, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

A..., S.A., pessoa coletiva número..., com sede na Rua ..., ..., ..., ..., ...-... ..., da área do Serviço de Finanças de Oeiras ..., adiante designada por “Requerente”, vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos conjugados do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. 

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e respetivos juros compensatórios, referentes aos anos 2013 e 2014, no valor total de € 102.436,25 (€ 89.255,23 de IVA e € 13.181,02 de juros compensatórios), com as consequências legais.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega vícios de ordem formal e de ordem material.

Considera, por um lado, que a AT não logrou fundamentar suficientemente o Relatório de Inspeção, em violação do disposto nos artigos 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 268.º, n.º 3 da Constituição (“CRP”), e, por outro lado, que incorreu em erro nos pressupostos (errada interpretação e aplicação da lei), por todos os serviços de nutrição prestados serem enquadráveis no disposto no artigo 9.º, 1) do Código do IVA e, desta forma, isentos do imposto, e não apenas as consultas avulsas de nutrição faturadas. No entender da Requerente, a AT violou os princípios da justiça, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da substância sobre a forma.

                A título subsidiário, a Requerente invoca que caso os serviços de nutrição fossem tributados em IVA o cálculo do imposto deveria ser feito “por dentro”, considerando-se o IVA incluído no preço final que foi praticado com os clientes, que são consumidores finais. Juntou 18 documentos e requereu prova testemunhal.

Em 7 de agosto de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT, em 13 de agosto 2018.

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação em 26 de setembro de 2018, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 17 de outubro de 2018.

                Em 20 de novembro de 2018, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido. Invoca que não está em causa a existência e o cumprimento dos requisitos necessários ao exercício dos serviços de nutrição, que considerou existirem e serem válidos, mas antes o seu carácter de acessoriedade face ao serviço principal prestado, de acesso e utilização do ginásio, configurando uma prestação global única, passível de IVA.

A Requerida solicitou a dispensa de prova testemunhal e, em 22 de novembro de 2018, procedeu à junção do processo administrativo (“PA”).

Por despacho de 3 de dezembro de 2018, o Tribunal Arbitral determinou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas, por entender existir matéria, com relevo para a decisão, passível de prova testemunhal, tendo a reunião sido reagendada em 15 de janeiro de 2019.

Em 31 de janeiro de 2019, teve lugar a referida a reunião, tendo sido ouvidas 5 testemunhas arroladas pela Requerente, que juntou 2 documentos adicionais. O Tribunal Arbitral Coletivo notificou as partes para alegações escritas sucessivas, com fixação do prazo de 15 dias e fixou o prazo para prolação da decisão. 

Ambas as partes apresentaram alegações e mantiveram as posições anteriormente assumidas.

 Por despacho de 11 de abril de 2019, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, atenta a complexidade da matéria.

 

II.            SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A cumulação de pedidos é admissível, em conformidade com o preceituado no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, atendendo a que a está em causa a apreciação de idênticas circunstâncias de facto e o mesmo regime jurídico, em concreto, a relação de acessoriedade, para efeitos de IVA, entre os serviços (consultas) de nutrição disponibilizados pela Requerente e a utilização do ginásio.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

1.            MATÉRIA DE FACTO

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

A.           A..., S.A., aqui Requerente, é uma sociedade de direito português, constituída em 2003, cujo objeto social consiste na “criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem estar, serviço de nutrição e outras atividades de saúde pública […]”. À data dos factos – 2013-2014 – a Requerente estava inscrita com o CAE 93192 – “OUTRAS ATIVIDADES DESPORTIVAS, N.E.”. – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) e cópia da certidão permanente junta pela Requerente na reunião do artigo 18.º do RJAT.

B.            A Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal de IVA – cf. RIT.

C.            A Requerente faz parte do Grupo empresarial denominado B... e explora um Health Club sob a insígnia B... na ..., no ... do ..., Rua ..., no Porto – cf. RIT.

D.           No exercício da sua atividade, a Requerente proporciona aos seus sócios a prática de ginásio e diversos outros serviços, como SPA, Restauração, Fisioterapia, Estética e Massagem – cf. depoimento das testemunhas e RIT.

E.            A partir do ano 2013, em concretização da máxima “Life Well”, assente em três pilares “move well, eat well e feel well” – exercício, nutrição, repouso – a Requerente passou também a disponibilizar Serviços de Nutrição – cf. RIT e depoimento das testemunhas.

F.            Para prestar tais serviços, a sócios e não sócios, a Requerente contratou dois técnicos especializados – nutricionistas – e apetrechou dois Gabinetes nas suas instalações dedicados em exclusivo a esta área de atividade, nos quais são realizadas as consultas de nutrição – cf. Documentos 14 e 15, documentos juntos na reunião do artigo 18.º do RJAT e depoimento das testemunhas.

G.           As expressões “dietista” e “nutricionista”, “dietéticos” e “nutricionais” são utilizadas pela Requerente de forma indistinta para designar respetivamente os profissionais e os serviços relativos à nova área de atividade de nutrição, sendo que os profissionais que realizam as consultas são todos inscritos na Ordem dos Nutricionistas, com quem a Requerente celebrou um protocolo de colaboração – cf. depoimento das testemunhas.

H.           Neste âmbito, os clientes (“sócios”) da Requerente passaram a poder subscrever um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos”, pelo valor de € 15,00 mensais – cf. RIT e depoimento das testemunhas.

I.             Também é possível aceder aos serviços de nutrição sem se ser sócio da Requerente, embora, neste caso, em condições financeiras menos vantajosas – cf. depoimento das testemunhas.

J.             No caso de clientes/sócios, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, estes têm direito a duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais . Se pretenderem mais do que estas consultas, podem adquirir, mediante pagamento adicional, consultas de nutrição avulsas, quer isoladamente, quer em pacotes, sendo as consultas prestadas pelos mesmos profissionais que prestam as consultas iniciais do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e nas mesmas instalações – cf. RIT e depoimento das testemunhas.

K.            Aos sócios que aderiram a este novo serviço, subscrevendo o Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, foi oferecido um desconto de € 15,00 na mensalidade do ginásio. Este desconto é igual à mensalidade dos serviços de nutrição, também fixada em € 15,00, como forma de incentivo à adesão aos novos serviços da Requerente – cf. RIT e depoimento das testemunhas.

L.            A subscrição dos serviços dietéticos é uma condição de obtenção do desconto comercial na mensalidade do ginásio. Assim, os clientes/sócios que subscrevem os serviços de nutrição não têm de pagar qualquer valor adicional pelos serviços de nutrição, até ao número de consultas/telefonemas anuais previstos no contrato – cf. RIT e depoimento das testemunhas.

M.          A Requerente, na faturação emitida, aplicou aos serviços de nutrição previstos nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos celebrados com os seus clientes, a isenção de IVA prevista na alínea 1), do artigo 9.º do Código do IVA – cf. RIT e depoimento das testemunhas.

N.           Neste âmbito, as faturas emitidas aos clientes sócios que subscreveram o Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos (para além do Contrato de Adesão relativo à utilização do ginásio) contêm as seguintes menções (descritivo e valores) – cf. PA:

“Artigo Descrição            Qtd.       Preço unit.          Valor     % Iva

NC1MTFG2        Utilização das instalações desportivas   1              61,90     61,90     23,00

SDIET    Prestação de Serviços Dietéticos              1             15,00     15,00     0,00

DCOM  Desc. por subscrição de acomp.dietético             1              -15,00   -15,00   23,00

 

 

                                                                              

                Discriminação de IVA    

                % IVA    Base tributável  IVA        Valor    

                0,00       15,00€   0,00€     15,00€  

                23,00     38,13€   8,77€     46,90€  

                Total Fatura/Recibo      

                Total base tributável      Total IVA             Total valor         

                53,13€   8,77€     61,90€  

[…]”

Isento de IVA de acordo com o número 1 do artigo 9º do CIVA

[…]”

 

O.           Os clientes podem continuar a usufruir apenas da componente de ginásio, sem as consultas de nutrição – cf. RIT e depoimento das testemunhas.

P.            Em 15 de novembro de 2017, os Serviços de Inspeção Tributária iniciaram uma ação inspetiva à Requerente, ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2017.../..., datadas de 31 de outubro de 2017, de âmbito parcial, abrangendo IRC e IVA de 2013 e 2014, com finalidade de controlo declarativo – cf. RIT.

Q.           Na sequência desta ação inspetiva, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção, no qual a AT conclui que as prestações de serviços dietéticos realizadas pela Requerente devem ser consideradas acessórias em relação à prestação de serviços principal, constituída pela utilização das instalações desportivas (ginásio) e, por essa razão, não beneficiam da isenção de IVA – cf. RIT e PA.

R.            A Requerente optou por não exercer o seu direito de audição, tendo sido emitido o Relatório Definitivo que manteve as correções preconizadas no Projeto, com os fundamentos infra transcritos:

III            DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

 

III.1- EM SEDE DE IVA

III. 1.1 – Do IVA não liquidado – (prestação de serviços dietéticos)

III.1.1.1 Dos Factos

O SP tem como objeto social o exercício de gestão e exploração de health clubs, atividade, essa, que desenvolve no ginásio que explora sob a insígnia B..., no ... do ..., sito na Rua ..., no Porto.

Atualmente, nesse estabelecimento são colocadas à disposição dos sócios, não apenas as instalações desportivas necessárias à prática de atividade física mas também uma série de outras valências, das quais os sócios podem usufruir caso estejam interessados, ou seja, para além da atividade principal (CAE), o SP desenvolve uma série de atividades secundárias, a saber:

Quadro n.º 8 Quadro n.º 7: Códigos CAE do sujeito passivo

Tipo       Código  Designação         Data de Início

CAE Principal     93192    OUTRAS ATIVIDADES DESPORTIVAS, N.E              06-03-2008

CAE Secundário 1             86906    OUTRAS ATIVIDADES DE SAÚDE HUMANA, N.E. 09-04-2015

CAE Secundário 2             96022    INSTITUTOS DE BELEZA 09-04-2015

CAE Secundário 3             85591    FORMAÇÃO PROFISSIONAL        09-04-2015

Quem pretender ser cliente daquele ginásio e usufruir dos serviços neles disponibilizados, tem de se tornar sócio do ginásio explorado pelo SP mediante a assinatura de um contrato individual de adesão  Anexo 2, proceder ao pagamento de uma «taxa de inscrição» e ao pagamento antecipado de uma mensalidade cujo valor é variável de acordo com o número de frequências semanais e/ou serviços utilizados.

Por outro lado, a partir de 2013, nos atos de inscrição como sócios, verificamos a existência de clientes que passaram a subscrever um «Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos» (embora também possa ser subscrito à posteriori).

Esta possibilidade é, contudo, extensível aos sócios que já se encontravam, àquela data, com contratos em vigor.

[…]

Por outro lado, constatamos que a natureza das vendas e das prestações de serviços (faturação) se distribui, resumidamente, por três grandes áreas de atuação, a saber:

             MSI – Faturação (anual)

             Sporstudio (SS) – Loja (anual)

             Sporstudio (GE) – Gestão de Espaços (anual)

O ficheiro «MSI – Faturação (anual)» engloba a disponibilização das instalações e equipamentos desportivos para a prática de exercício físico – Ginásio (atividade principal) – atividade sujeita a IVA e dele não isenta – e algumas outras atividades associadas, tais como a Nutrição (NUT-FIS) – consideradas pelo SP como atividades isentas de IVA.

A título de exemplo, solicitámos algumas das faturas referentes às mensalidades (Anexo 2) e verificamos que um caso paradigmático é o das faturas emitidas aos clientes que a partir de 2013 subscreveram o contrato de prestação de serviços dietéticos. Nelas, para além da rúbrica «Utilização das instalações desportivas» (atividade sujeita e não isenta), podem surgir outras rúbricas, tais como «Personal Training» (também atividade sujeita e não isenta). Contudo, a esta ou estas, surge sempre associada a rúbrica «Prestação de Serviços Dietéticos», à qual correspondem códigos tais como «SDIET» e «SDIET1» consideradas pelo sujeito passivo como isentas de IVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA.

Acontece que nas referidas faturas (as das mensalidades de quem subscreveu o contrato de prestação de serviços dietéticos), para além das duas rúbricas – a referente à utilização das instalações desportivas e a referente à prestação de serviços dietéticos – surge, ainda, uma terceira rúbrica. Trata-se de um desconto por subscrição deste serviço, ou seja:

•             «Utilização das instalações desportivas» (sujeita a IVA à taxa normal – 23%);

•             «Prestação de serviços dietéticos» (isenta de IVA nos termos da alínea 1) do Art.º 9º do CIVA)

Uma terceira rúbrica:

•             «Desconto por subscrição de acompanhamento dietético» (sujeito a IVA à taxa normal – 23%)

Note-se que o SP sujeita o desconto à taxa normal, quando o faz depender da subscrição de um serviço que considera isento e quando ambos os valores são exatamente iguais o que, na prática, transforma este serviço num serviço gratuito.

Isso mesmo pode ler-se no portal da internet do Grupo B... no qual é referido que os seus espaços adotaram uma nova filosófica designada por Life Well «assente em três pilares: «move well, eat well e feel well» sendo que na abordagem à vertente «eat well», é referido que:

«o programa tem um custo mensal simbólico de 15 euros, para sócios. Contudo, à mensalidade do clube é retirado esse valor, tornando o programa, na realidade, gratuito.» (sublinhado nosso)

Ora, como se constata, o valor da prestação de serviços dietéticos, incluído na faturação, é considerado isento pelo sujeito passivo, nos termos da alínea 1) do art.º 9º do CIVA, enquanto o desconto, de montante igual ao do serviço dietético, é objeto de regularização de IVA a favor do sujeito passivo à taxa de 23%, donde decorre que o valor de imposto a ser entregue ao Estado, proveniente da faturação ao cliente da atividade principal desenvolvida (utilização de instalações desportivas), sofre uma diminuição por via da regularização na fatura a favor do SP, no valor de 23% aplicado ao montante faturado com isenção: «Prestação de serviços dietéticos».

Através da respetiva faturação, constata-se que o SP entende que todos os serviços que presta na área da nutrição se encontram isentos de IVA. Não é esse, contudo, o nosso entendimento. Efetivamente, na área da nutrição, o sujeito passivo desenvolve a sua atividade em duas vertentes: 

-              Prestação de Serviços Dietéticos (SDIET);

-              Consultas de Nutrição, isoladas, ou em packs que podem ir até 6 consultas (vários códigos NUT).

Se o próprio SP faz esta distinção (SDIET e NUT) é porque esses dois códigos encerram conteúdos diversos e, de facto, de toda a análise efetuadas, apurámos que o código NUT se refere a consultas de nutrição, enquanto o código SDIET se refere, unicamente, a «Prestação de Serviços Dietéticos». Esta «Prestação de Serviços Dietéticos» surge sempre associada à «Utilização das Instalações desportivas», constituindo, assim, uma atividade acessória a esta.

A prová-lo, estão os «Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos» (Anexo 2) de cujas cláusulas, respetivamente, primeira e terceira, se retira o caráter «acessório» desta vertente dos serviços dietéticos, relativamente ao ginásio, já que o acesso à mesma só é «permitido» enquanto durar o «Contrato de Adesão» (contrato para «Utilização das instalações desportivas» - Ginásio) (Anexo 2)

Clausulas 1ª e 3ª:

Caráter acessório:

«Pelo presente a primeira obriga-se a prestar serviços de aconselhamento dietético e nutricional, composto por duas sessões presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais (…) – (in Cláusula 1ª);

«O termino do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação do presente contrato (…) – (in Cláusula 3ª – ponto 3.3)

Note-se que é, exatamente, no caráter acessório destas prestações de serviços que focamos a nossa posição e não na falta de cumprimento dos requisitos para a respetiva prática, uma vez que, nesta matéria, solicitamos elementos e pudemos assim comprovar a conformidade com os requisitos exigidos no Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho.

Assim, é sobre a demonstração deste carácter acessório da «Prestação de serviços dietéticos» (por contraponto com as consultas de nutrição) e sobre os respetivos enquadramentos em sede de IVA, que nos iremos debruçar no ponto que se segue.

III.1.1.2.  Dos fundamentos das correções meramente aritméticas

III.1.1.2.1  Enquadramento fiscal

III.1.1.2.1.1  Direito comunitário

             A Diretiva do IVA estabelece, no nº 1 do seu artigo 132º, a isenção de determinadas prestações de serviços na área da saúde.

             Beneficiam de isenção, nos termos da alínea b), «a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos».

             Por seu turno, a alínea c) isenta «as prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa».

             A este respeito, o TJUE (Tribunal de Justiça da União Europeia) declarou que o conceito de prestações de serviços de assistência médica que figura na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Sexta Diretiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de novembro de 2006, visa as prestações que tenham por finalidade «diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde» (acórdão de 06-11-2006, Dornier, Processo C-45/01).

             A aceção de que a isenção prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 opera independentemente da forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas, isto é, tanto é aplicável às pessoas singulares como às pessoas coletivas, decorre necessariamente da interpretação desta disposição imposta pelo TJUE.

             No acórdão de 10 de Setembro de 2002, proferido no processo C-141/00 (caso Kugler, Colet. P. I-6833, n.º 26) é afirmado, a respeito dessa disposição comunitária, que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados, sem mencionar a forma jurídica do prestador, pelo que basta tratarem-se de prestações de serviços médicos ou paramédicos e que sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

             Segundo a jurisprudência do TJUE, nomeadamente o referido Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo c-141/00, referente ao caso Kugler, as alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 132.º, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, embora visem regular a totalidade das isenções aplicáveis às prestações médicas em sentido estrito, têm âmbitos muito distintos.

             Assim, a alínea b), do nº 1, do artigo 132 da Diretiva isenta todas as prestações efetuadas em meio hospitalar.

             Já a alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva, destina-se a isentar as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do doente, ou em qualquer outro lugar, ou seja, aplica-se a prestações efetuadas fora de organismos hospitalares e no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de serviços, relação que normalmente tem lugar no consultório deste último.

III.1.1.2.1.2 Direito interno

             Aquelas isenções previstas nas alíneas c) e b), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, foram transpostas para o Direito interno:

o             Para a alínea 1), do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE) – FORA DE MEIO HOSPITALAR

o             Para a alínea 2), do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea b), do nº 1, do artigo 132º da mesma Diretiva 2006/112/CE). – EM MEIO HOSPITALAR

             Na sequência dessa transposição, a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, isenta do imposto, «As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.» – FORA DE MEIO HOSPITALAR

             A alínea 2, do mesmo artigo prevê ainda estarem isentas de imposto, «As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares».

             Daqui se retira que as isenções previstas nas alíneas 1) e 2), do artigo 9.º do CIVA, respeitam a «atividades que tenham por objeto diagnosticar, tratar e, de possível, curar as doenças ou anomalias de saúde».

             Ambas se aplicam independentemente de os serviços serem prestados por uma pessoa singular ou coletiva, assim como da finalidade lucrativa ou não do exercício dessas atividades.

             A alínea 2), do artigo 9.º do CIVA, destina-se a isentar os serviços de assistência efetuados no meio hospitalar.

             A SP isenta as suas atividades de prestação de serviços dietéticos com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA (fora do meio hospitalar), conforme se pode verificar pela inscrição em rodapé nas respetivas faturas (Anexo 2), pelo que nos vamos abster de dissecar aqui o conceito de estabelecimento hospitalar, dado não se aplicar a esta situação.

             Assim sendo, passamos a analisar a isenção aplicada pela SP à prestação de serviços de nutrição, com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA.

             Ora estabelece a alínea 1) do artigo 9º do CIVA que «estão isentas as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas».

             Uma vez que não existe no CIVA um conceito que defina o que são atividades paramédicas, teremos que nos socorrer de legislação avulsa para proceder ao seu enquadramento:

- Decreto-lei 261/93, de 24 de julho, que, basicamente, define os requisitos académicos exigidos para o exercício da função, e;

- Decreto-lei 320/99, de 11 de agosto, mais especificamente o nº 1 do seu artigo 3º, que refere o conteúdo funcional que terá de, necessariamente, compreender a «realização das atividades constantes do anexo ao já referido decreto-lei 261/93, de 24 de julho, tendo como matriz a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação.» (dessa lista consta, designadamente, a atividade de «dietista»).

             Ainda a propósito do conceito de prestação de serviços médicos, previsto na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, importa relembrar que o Acórdão do TJUE, de 14 de setembro de 2000, Processo 384/98, considera como tais as que consistam em «prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer outra anomalia de saúde» (Processo nº 3251, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2012-06-28).

             E continua: «Tal significa que as prestações de serviços que não tenham este objetivo terapêutico (diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde) ficam excluídas do âmbito de aplicação da isenção, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas.» (sublinhado nosso)

             Ora a isenção aqui aplicada à Prestação de Serviços Dietéticos, com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, não é lícita por não se tratar, efetivamente, de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão-só a «disponibilização» de um serviço com características de aconselhamento ao utente o qual apenas ocorre no caso de o utente «procurar» esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente faturado, nos termos em que já analisámos.

             Tal significa que as prestações de serviços que não tenham objetivo terapêutico, mesmo que efetuadas por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, encontram-se excluídas do âmbito de aplicação da isenção. Enquadram-se aqui as atividades de mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares. (Lembramos que o contrato prevê apenas «duas sessões presenciais» (e não consultas) e «dois acompanhamentos telefónicos anuais», os quais surgem designados por «aconselhamento dietético»).

             De facto, se alguém necessitar de uma intervenção terapêutica ao nível nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio, isto é, ó propósito da frequência de um ginásio (ou health club) não será, certamente, o de ser consultado por um nutricionista.

             A prová-lo está o facto de esse serviço ser faturado mensalmente a todos os utentes, sem exceção, independentemente de usufruírem ou não da referida consulta, significando isso que todos os utentes veem uma parte da mensalidade que pagam pela frequência do ginásio estar sujeita a IVA à taxa normal e outra parte dessa mensalidade estar isenta de IVA, quando a generalidade desses utentes, durante o mês a que essa fatura respeita, não tem qualquer contacto com o nutricionista (embora lhe tenha sido informado que existe um ao seu dispor).

             Assim, a faturação da prestação de serviços de nutrição não beneficia da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, estando sujeita a tributação nos termos gerais do CIVA, uma vez que os serviços de aconselhamento nutricional, disponibilizados em complemento da atividade física, não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos nem visam a assistência médica, diagnóstico, tratamento de doenças ou quaisquer anomalias de saúde.

             Ora não sendo aplicável a isenção prevista na alínea 1) do art. 9º do CIVA, daqui resulta que não pode ser separado na fatura a prestação de serviços de ginásio, da prestação de serviços de nutrição, uma vez que estes últimos fazem parte da prestação de serviços do ginásio, devendo-lhe ser aplicada a liquidação do imposto à taxa normal.

             Efetivamente, o serviço de nutrição é um serviço acessório da prestação de serviço principal que constitui o serviço de ginásio, nos termos a seguir desenvolvidos.

Prestação principal vs acessória

             Decorre do espírito da redação do artigo 2º, n.º 1, c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço, no plano económico, não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do IVA.

             Na esteira deste entendimento vem a jurisprudência comunitária confirmar que uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar de melhores condições do serviço principal prestado. Assim, quando existem prestações de serviços que visam melhorar as finalidades prosseguidas pelos ginásios, tornam-se suscetíveis de constituir operações «puramente acessórias» ou «estreitamente conexas».

Este conceito resulta da jurisprudência comunitária nos seguintes acórdãos:

•             Acórdão de 22 de outubro de 1998 «T.P.Madgett, R.M. Baldwin e The Howden Court Hotel», Processos apensos C-308/96 e C-94/97, onde o Tribunal considerou que poderia haver prestações que, embora relacionadas com a prestação principal, «não constituem (…) um fim em si, mais um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal.», concluindo nesse contexto que se trata de «prestações (…) puramente acessórias relativamente às prestações [efetuadas a título principal]».

•             Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, «Card Protection Plan Ltd», Processo C-349/96, através do qual o TJCE firmou o entendimento de que «uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador».

•             Acórdão de 27 de setembro de 2012, «Field Fisher Waterhouse LLP», processo C-392/11, o Tribunal de Justiça declarou que se está em presença de uma prestação única quando uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e a outra ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias, a que se aplica o tratamento fiscal da prestação principal. Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador. Neste sentido, vide os seguintes acórdãos: a) CPP – Processo n.º C 349/96, Colet., p. I 973, n.° 30, de 25 de fevereiro de 1999; b) Part Service, C-425/06, Colet., p. I 897, n.° 52 de 21 de fevereiro de 2008; c) Bog e outros, Processos n.ºs C 497/09, C 499/09, C 501/09 e C 502/09, Colet., p. I 1457, n.° 54, de 10 de março de 2011).

•             Acórdão de 17 de Janeiro de 2013, «BGZ Leasing Sp.z o.o», Processo C-224/11, onde se refere que está «em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial» e que «a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA». Continua, ainda, referindo que «para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa», designadamente «uma determinada conexão entre si».

Ainda segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, designadamente no nº 30 deste acórdão que se vem referindo (processo C-224/11), «uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal, nomeadamente, quando não constitua para a clientela um fim em si, mas sim um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador».

Este acórdão é particularmente relevante, na medida em que reforça a ideia de que, para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.

III.1.1.3  Da Análise dos factos

No âmbito das presentes Ordens de Serviço, e como já foi referido, verificou-se que, a partir de 2013, nas faturas emitidas pelo sujeito passivo aos seus clientes (os quais efetuam contratos de adesão e, acessoriamente, contratos de prestação de serviços dietéticos), para além da rúbrica «Utilização das instalações desportivas» (atividade sujeita), podem surgir outras rúbricas, tais como «Ginástica em Grupo» ou «Serviço de 1 Toalha pequena» (atividades também sujeitas), contudo, surge sempre associada a rúbrica «Prestação de Serviços Dietéticos», à qual correspondem códigos tais como «SDIET», «SDIET1», consideradas pelo sujeito passivo como isentas de IVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA. Surge, ainda, uma terceira rúbrica: «Desconto por subscrição de acompanhamento dietético» (sujeito a IVA à taxa normal – 23%)

Ainda tendo em conta o enquadramento fiscal dos serviços de dietética e nutrição (Ponto III.1.1.2.1/2. Comunitário e interno), é de salientar que a atividade de “Dietética”, não obstante estar prevista no ponto 5 da lista anexa ao D.L. n.º 261/93 de 24.07, esse facto determina, tão só, que se trata de uma atividade paramédica cuja isenção está prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, desde que o seu exercício tenha como objetivo terapêutico diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar (génese da alínea c) do artigo 132º da diretiva do IVA que, por transposição, deu origem à alínea 1) do artigo 9º do CIVA, esta sim, determinante das condições de aplicabilidade de isenção de IVA em matéria de prestação de serviços de saúde).

Assim sendo, é determinante para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados. Caso os serviços não se insiram no conceito de prestações de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18º do CIVA.

Ora, de facto, a referência, na fatura, à prestação de serviços médicos ou paramédicos como fazendo parte do valor de uma mensalidade previamente contratualizada, independentemente de os mesmos serem prestados, ou não, demonstra que não estamos perante serviços prestados no âmbito da assistência médica.

Da análise a diversos «Contratos de Adesão» e «Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos» (Anexo 2) se retira, designadamente a partir das suas cláusulas primeira, terceira e quinta, que o acesso aos serviços dietéticos só é possível enquanto existir o contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas. De facto, e não obstante a cláusula quinta estabelecer que a extinção do contrato de prestação de serviços dietéticos não implica a anulação do contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas, nem qualquer alteração às condições subscritas pelo utente, já o inverso, ou seja, o fim do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação de contrato de prestação de serviços dietéticos, o que confere um caráter acessório à prestação de serviços em causa, uma vez que a mesma nunca está dissociada do contrato de adesão que tem em vista a utilização das instalações desportivas (ginásio).

Ora, uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua, para a clientela, um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.

Assim, considerando a análise efetuada à atividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos, da faturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição «avulso», faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizadas aos utentes, faturados enquanto uma rúbrica da fatura referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.

Fica assim demonstrado o caráter acessório da «Prestação de serviços dietéticos» (identificada pelo sujeito passivo por diversos códigos como; «SDIET») enquanto atividade de aconselhamento nutricional disponibilizada aos utentes que subscrevem um contrato de adesão ao ginásio, em oposição às consultas de nutrição, efetivamente prestadas por profissionais especializados. Estas consultas são adquiridas pelos utentes, isoladamente ou em pacotes que podem ir até 6 consultas, sendo que, nestes casos, estamos perante situações que visam, claramente, «diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde» daqueles sócios da SP que sentem fragilidades ou mesmo problemas ao nível físico que podem estar relacionados com questões  nutricionais e de alimentação e que recorrem à compra deste serviço que lhes é faturado através do código «NUT» ou variantes do mesmo, conforme o número de consultas adquiridas.

Assim, o sujeito passivo deveria ter procedido à liquidação de IVA sobre a «Prestação de Serviços Dietéticos» (códigos «SDIET» e «SDIET1»), uma vez que, relativamente às mesmas – e tão só a essas – não se mostram reunidas as condições para beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do art.º 9.º do CIVA. 

 III.1.1.4  Das propostas de correção (ao IVA não liquidado) – Anos 2013 e 2014

Como já foi referido ao longo deste relatório, a nossa análise baseou-se nos elementos e esclarecimentos que nos foram facultados.

Para determinação do valor a corrigir, em sede de IVA, resultante da não consideração da «Prestação de serviços dietéticos» como atividade isenta nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, foram trabalhados, respetivamente, os ficheiros «III-F Pres Serv... 2013» e «III-F Pres Serv ...2014», consoante se trate do exercício de 2013 ou 2014, evidenciando-se os códigos dos artigos relativos àquela prestação de serviços (códigos «SDIET»). Estes ficheiros incluem as mensalidades pagas pelos utentes pela utilização das instalações desportivas e serviços secundários relacionados.

[…]

Quadro n.º 10: Correção proposta ano 2013

Ano 2013             Proposta correção

Período IVA       Faturação – Artigos SDIET e SDIET1 – Prestação de Serviços Dietéticos; GR. Fact: Subs; Subfam: NUTS (1) (Base Tributável)       Valor IVA (3)

Jan – 13                […]         […]

[…]         […]         […]

Total Geral         118.004,68 €      27.141,09 €

(1) – valores fornecidos pelo sujeito passivo

Quadro n.º 11: Correção proposta ano 2014

Ano 2014             Proposta correção

Período IVA       Faturação – Artigos SDIET e SDIET1 – Prestação de Serviços Dietéticos; GR. Fact: Subs; Subfam: NUTS

(2)

(Base Tributável)             Valor IVA (3)

Jan – 14                […]         […]

[…]         […]         […]

Total Geral         327.515,48 €      75.328,54 €

(2) – valores fornecidos pelo sujeito passivo

(3) – Taxa de IVA de 23%, nos termos do art.º 18.º do CIVA

[…]” – cf. RIT.

S.            Subsequentemente, a Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários, no montante total de € 102.436,25 (€ 89.255,23 de IVA e € 13.181,02 de juros compensatórios e moratórios):

i.             Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 14 de abril de 2018, referente ao período 2013/02, com o valor a pagar de € 151,80, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 30,27, em ambos os casos com data limite de pagamento fixada em 28 de maio de 2018 – cf. Documento 1 junto com o ppa;

ii.            Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 14 de abril de 2018, referente ao período 2014/01, com o valor a pagar de € 10.942,75, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 1.782,01, em ambos os casos com data limite de pagamento fixada em 25 de maio de 2018 – cf. Documento 2 junto com o ppa;

iii.           Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 14 de abril de 2018, referente ao período 2014/02, com o valor a pagar de € 13.296,39, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 2.120,13, em ambos os casos com data limite de pagamento fixada em 25 de maio de 2018 – cf. Documento 3 junto com o ppa;

iv.           Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 14 de abril de 2018, referente ao período 2014/03, com o valor a pagar de € 6.894,75, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 1.075,19, em ambos os casos com data limite de pagamento fixada em 25 de maio de 2018 – cf. Documento 4 junto com o ppa;

v.            Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 14 de abril de 2018, referente ao período 2014/05, com o valor a pagar de € 8.815,00, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 1.317,66, em ambos os casos com data limite de pagamento fixada em 25 de maio de 2018 – cf. Documento 5 junto com o ppa;

vi.           Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 14 de abril de 2018, referente ao período 2014/06, com o valor a pagar de € 2.439,59, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 356,11, em ambos os casos com data limite de pagamento fixada em 25 de maio de 2018 – cf. Documento 6 junto com o ppa;

vii.          Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 14 de abril de 2018, referente ao período 2014/07, com o valor a pagar de € 12.584,83, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 1.795,66, em ambos os casos com data limite de pagamento fixada em 25 de maio de 2018 – cf. Documento 7 junto com o ppa;

viii.         Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 14 de abril de 2018, referente ao período 2014/08, com o valor a pagar de € 1.351,49, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 188,39, em ambos os casos com data limite de pagamento fixada em 25 de maio de 2018 – cf. Documento 8 junto com o ppa;

ix.           Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 14 de abril de 2018, referente ao período 2014/09, com o valor a pagar de € 8.562,66, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 1.164,52, em ambos os casos com data limite de pagamento fixada em 25 de maio de 2018 – cf. Documento 9 junto com o ppa;

x.            Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 14 de abril de 2018, referente ao período 2014/10, com o valor a pagar de € 8.621,99, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 1.144,24, em ambos os casos com data limite de pagamento fixada em 25 de maio de 2018 – cf. Documento 10 junto com o ppa;

xi.           Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 14 de abril de 2018, referente ao período 2014/11, com o valor a pagar de € 4.131,22, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 533,32, em ambos os casos com data limite de pagamento fixada em 25 de maio de 2018 – cf. Documento 11 junto com o ppa;

xii.          Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 14 de abril de 2018, referente ao período 2014/12, com o valor a pagar de € 4.689,01, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 590,42, em ambos os casos com data limite de pagamento fixada em 25 de maio de 2018 – cf. Documento 12 junto com o ppa;

xiii.         Liquidação de IVA n.º 2018..., datada de 14 de abril de 2018, referente ao período 2015/01, com o valor a pagar de € 6.773,75, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 6,69, e de juros moratórios n.º 2018..., no valor de € 1.076,41, no total de € 1.083,10 de juros, em qualquer caso com data limite de pagamento fixada em 25 de maio de 2018 – cf. Documento 13 junto com o ppa.

T.            Esta última liquidação de IVA, do período de janeiro de 2015, resulta de acertos de crédito de imposto do ano 2014 – cf. Documento 13 junto com o ppa.

U.           Em discordância com as liquidações de IVA e de juros, compensatórios e moratórios, identificadas supra, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 6 de agosto de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.

MOTIVAÇÃO

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos e, sempre que aplicável, nos depoimentos das testemunhas inquiridas, em particular dos funcionários da Requerente, C... (segunda testemunha inquirida) e D... (quarta testemunha inquirida). No primeiro caso, a testemunha é colaborador da Requerente desde 2011, tendo acompanhado o lançamento da nova área de atividade (serviços de nutrição) a partir de 2013 nos diversos ginásios com insígnia do Grupo, incluindo o da Requerente. No segundo caso, a testemunha é nutricionista da Requerente, no ginásio da ..., desde o arranque da área de nutrição em janeiro de 2013. Os respetivos depoimentos foram objetivos, consistentes e revelaram conhecimento detalhado dos factos relatados.

As testemunhas E..., atual Diretor Financeiro e apenas cliente à data dos factos, F..., Nutricionista do ginásio da Constituição, no Porto, e o cliente/sócio G..., apesar de revelarem conhecimento genérico dos procedimentos padronizados do Grupo em que a Requerente se insere, em sentido coincidente com o das testemunhas anteriormente referidas, não tiveram, com referência à data dos factos, contacto direto com o ginásio da ..., cuja matéria está em causa nos presentes autos.

Os depoimentos foram consensuais no sentido da confirmação da criação, em 2013, de uma área de negócio autónoma, de nutrição, a somar a outras existentes, como SPA, Personal Training e Fisioterapia, bem como da equivalência das expressões dietista e nutricionista, dada a convergência histórica das duas profissões, requerendo-se a inscrição dos profissionais na Ordem dos Nutricionistas para poderem exercer a prática clínica. As testemunhas descreveram os procedimentos de prestação dos serviços de nutrição, realizados com o apoio de um software específico – SANUT – que, para além de repositório dos dados clínicos dos clientes, permite o registo das consultas e iterações realizadas e gera alertas que visam o acompanhamento sistemático dos clientes por parte dos nutricionistas. 

                               FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

2.            DO DIREITO

2.1.        DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR

Está em causa uma única questão jurídica que respeita à qualificação das prestações de serviços de nutrição como acessórias em relação aos serviços de utilização de instalações desportivas, por parte dos clientes da Requerente. O caráter acessório de tais serviços (nutrição), invocado pela AT e contestado pela Requerente, implica(rá) a sua perda de autonomia e o correspondente enquadramento na prestação dita “principal” [serviços de ginásio], deixando de ser abrangidos pela isenção de IVA.

Neste âmbito, importa apreciar os vícios de falta de fundamentação e de violação de lei suscitados pela Requerente.

2.2.  FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

A Requerente invoca que a AT não logrou fundamentar o Relatório de Inspeção de forma suficiente a justificar a sua posição, em violação do disposto no artigo 77.º, n.º 1 da LGT e o artigo 268.º, n.º 3 da CRP. Contudo, não especifica quaisquer argumentos para substanciar esta alegação.

Neste âmbito, interessa salientar que o dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa, dando a conhecer ao sujeito passivo o itinerário cognoscitivo e valorativo para a AT ter decidido no sentido em que decidiu.

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), deve considerar-se “fundamentado o ato quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível por um destinatário normal colocado na posição em que se encontra o seu real destinatário” – Acórdão proferido no processo n.º 1051/09, de 17 de novembro de 2010.

Compulsados os autos arbitrais, constata-se que o RIT contém, com clareza e suficiente grau de detalhe os argumentos, de facto e de direito, nos quais a AT alicerçou as correções de IVA impugnadas, que se prendem com a pretendida natureza acessória dos serviços de nutrição, em relação aos serviços de ginásio.

Estes argumentos, o seu sentido e alcance, foram devidamente percecionados pela Requerente que os refuta de forma circunstanciada. 

                Improcede, pelas razões expostas, o vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente.

Questão distinta é a de saber se a Requerente discorda da fundamentação por não considerar verificados os pressupostos de tributação nela retratados e que “tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade «stricto sensu» do próprio ato” (cf. Acórdão do STA, processo n.º 1690/13, de 23 de abril de 2014). Neste caso, não se trata de aferir o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário, por erro nos pressupostos, que de seguida de aprecia.

2.3. A ISENÇÃO DE IVA APLICÁVEL AOS SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO - ENQUADRAMENTO

O exercício das atividades profissionais na área da saúde designadas por atividades paramédicas, encontra-se regulamentado pelo Decreto-lei n.º 261/93, de 24 de julho, que estabelece as respetivas condições e naquelas inclui a Dietética, definida como a “[a]plicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.” – artigo 1.º, n.º 3 do referido diploma e  n.º 5 da Lista anexa.

De acordo com o artigo 1.º, n.º 1 do citado Decreto-lei n.º 261/93, as atividades paramédicas “compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação”, visando assim, quer a fase de tratamento de um problema, quer a sua prevenção, sendo este último aspeto particulamente importante e sensível no domínio das doenças crónicas como a hipertensão e a diabetes, verdadeiros flagelos de saúde pública das sociedades modernas, cuja relação com a obesidade e a manutenção de hábitos sedentários é por todos conhecida.

Adicionalmente, o Decreto-lei n.º 320/99, de 11 de agosto, em concretização da base I da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto (“Lei de Bases da Saúde”), veio definir os princípios gerais “em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica” e proceder à sua regulamentação, incluindo de forma expressa no seu âmbito a profissão de Dietista.

O exercício da profissão denominada de “nutricionista” ou “dietista” está dependente de título profissional, atualmente atribuído pela Ordem dos Nutricionistas, criada pela Lei n.º 51/2010, de 14 de dezembro , e sujeita às correspondentes regras técnicas e deontológicas. 

A Ordem dos Nutricionistas abrange os profissionais licenciados na área das Ciências da Nutrição e ou Dietética, podendo a profissão de nutricionista ou dietista “ser exercida de forma liberal, quer a título individual quer em sociedade, ou por conta de outrem” – cf. artigos 2.º e 3.º n.º 1. Conforme dispõe o Regulamento de Inscrição na Ordem dos Nutricionista, n.º 308/2016, de 15 de março, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 58, de 23 de março, podem inscrever-se como “nutricionistas” os licenciados em ciências da nutrição, dietética ou em dietética e nutrição.

De acordo com a definição constante da página eletrónica da Ordem dos Nutricionistas, o “nutricionista é um profissional de saúde que dirige a sua ação para a salvaguarda da saúde humana através da promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença pela avaliação, diagnóstico, prescrição e intervenção alimentar e nutricional a pessoas, grupos, organizações e comunidades, bem como o planeamento, implementação e gestão da comunicação, segurança e sustentabilidade alimentar, através de uma prática profissional cientificamente comprovada e em constante aperfeiçoamento. Incorpora ainda as atividades técnico-científicas de ensino, formação, educação e organização para a promoção da saúde e prevenção da doença através da alimentação.”  – cf. http://www.ordemdosnutricionistas.pt/ver.php?cod=0A0D.

Os serviços de nutrição inserem-se, desta forma, na prestação de cuidados de saúde, sendo a sua área de atuação a alimentação humana, com o objetivo de prevenir e tratar as doenças associadas a uma incorreta alimentação, em linha com as políticas de saúde promovidas pelo Governo e por organizações com competências na área, como a Organização Mundial de Saúde.

Como salienta CLOTILDE CELORICO PALMA no parecer junto aos presentes autos, que se acompanha: “quer a nível internacional, quer a nível nacional o nutricionismo e a prática de atividade física são vistos individualmente como imprescindíveis para a implementação de estratégias transversais para a promoção da saúde pública numa ótica de complementaridade para a adoção de estilos de vida saudáveis e não de acessoriedade, consubstanciando-se neste contexto a obesidade como um dos grandes flagelos do século XXI.”

A prestação de serviços de aconselhamento nutricional através de consultas presenciais ou por meios telemáticos é, nos termos da legislação acima referida, enquadrável no âmbito da prestação de serviços paramédicos e, em consequência, subsumível à norma de isenção de IVA constante do artigo 9.º, 1) do Código deste imposto, segundo o qual:

“Artigo 9.º

Isenções nas operações internas

Estão isentas do imposto:

1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;

[…]”

Esta norma constitui a transposição do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, publicada no JO L 347, de 11 de dezembro de 2006, que estabelece a disciplina do “sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado” na União Europeia, adiante designada por “Diretiva IVA”. Dispõe a referida norma de direito europeu que são isentas (pelos Estados-Membros) “[a]s prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”.

Esta isenção provém da anterior Sexta Diretiva  [(artigo 13.º, A), n.º 1, alínea c)] que harmonizou as legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios e que a consagrava nos seus exatos termos, com a diferença das “profissões médicas e paramédicas” serem então referidas por “actividades médicas e paramédicas”, e insere-se nas isenções em benefício das atividades de interesse geral, que visam reduzir o custo dos cuidados de saúde, tornando-os mais acessíveis aos particulares, como reiteradamente afirmado pelo Tribunal de Justiça – cf., a título de exemplo, os casos Dornier, C-45/01, de 6 de novembro de 2003, e Kügler, C-141/00, de 10 de setembro de 2002.

As isenções de IVA são delimitadas por conceitos autónomos do direito europeu que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro. No que respeita à isenção em análise, aplicável aos serviços efetuados no exercício de profissões paramédicas, importa considerar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça estes têm de se configurar como serviços de assistência com uma finalidade terapêutica, i.e. de “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde” –Acórdãos Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005; Dornier, C-45/01; Kugler, C-141/00; e D. e W., C-384/98, de 14 de setembro de 2000.

O Tribunal de Justiça esclarece ainda que a finalidade terapêutica não tem de ser compreendida numa aceção particularmente restrita, considerando que as prestações efetuadas para fins de prevenção, que visem proteger a saúde humana, também são abrangidas.

Com efeito, mesmo nos casos em que as pessoas sejam objeto de exames ou de outras intervenções médicas e paramédicas de carácter preventivo e não sofram de qualquer doença ou anomalia de saúde, a inclusão das referidas prestações nos conceitos de assistência é conforme ao objetivo de redução do custo dos cuidados de saúde subjacente à isenção do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA. “Portanto, as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção” – Acórdãos L.u.P., C-106/05, de 8 de agosto de 2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20 de novembro de 2003; D’Ambrumenil, C-307/01, de 20 de novembro de 2003; e Comissão/França, C-76/99, de 11 de janeiro de 2001. (realce nosso)

Relativamente à forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas previstas na isenção de IVA, que no caso em apreciação é uma sociedade comercial, o Tribunal de Justiça também clarificou que a isenção não se limita às pessoas singulares, pois tal restrição não resulta do elemento gramatical e contraria o objetivo da isenção que é justificado pela necessidade de reduzir as despesas médicas e de favorecer o acesso à proteção da saúde, para além de que não se coordena ao princípio da neutralidade fiscal que postula idêntico tratamento para as pessoas singulares e para as pessoas coletivas. Segundo o Tribunal de Justiça, “basta que sejam preenchidas duas condições, a saber, que se trate de prestações médicas e que estas sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.” – Acórdão Kugler, C-141/00.

No caso concreto, as consultas de nutricionismo prestadas pela Requerente consubstanciam prática clínica e foram realizadas por profissionais de saúde, nutricionistas, por aquela contratados e inscritos na respetiva ordem profissional, com observância das regras definidas pelo legislador nacional. É inequívoco que tais serviços visam a proteção da saúde dos clientes, numa conceção holística do conceito de saúde que reclama a promoção de estilos de vida saudáveis e uma abordagem multissetorial que conjuga, entre outros fatores, um regime alimentar adequado com atividade física.

Desta forma, encontram-se reunidos os requisitos indispensáveis e suficientes à aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 9.º, 1) do CIVA, que transpõe o artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA, nos termos preconizados pela jurisprudência europeia e pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”), de 23 de março de 2010, processo n.º 3816/10.

Relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção. Conforme assinalado por CLOTILDE CELORICO PALMA no parecer supra citado “[a] partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de atividades físicas).”

Aliás, a questão que se poderia colocar a este propósito não seria a de tais serviços passarem a ser tributados em IVA, por não terem sido utilizados, mas, ao invés, a de não serem sequer sujeitos a imposto, porque precisamente não foram prestados (com a eventual restituição da remuneração paga pelos clientes). Em qualquer caso, esta última hipótese não procede, porque o serviço em causa consiste na disponibilização das consultas, pelo que se considera prestado com essa disponibilização, tal como sucede, entre outros, com os serviços de ginásio, telecomunicações ou de transporte aéreo.

Neste sentido, se pronunciou o Tribunal de Justiça, designadamente nos casos Air France-KLM, C-250/14, de 23 de dezembro de 2015, e MEO, C-295/17, de 22 de novembro de 2018. Segundo o tribunal europeu, com a assinatura do contrato de prestação de serviços o cliente adquire o direito de beneficiar do “cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito”.

Conclui-se, desta forma, que o facto de os clientes por vezes não usufruírem dos serviços contratados não implica que se considere que a prestação de serviços não foi realizada pelo prestador e/ou que a qualificação desses serviços e respetivo regime de IVA sofram modificações.

2.4. O CARÁTER NÃO ACESSÓRIO DOS SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO

                Sem prejuízo de no Relatório de Inspeção se suscitarem alguns pontos relativos à interpretação da norma de isenção escrutinada, a AT não questionou a existência e o cumprimento dos requisitos necessários ao exercício dos serviços de nutrição, que confirmou e considerou serem válidos. Os serviços de nutrição prestados pela Requerente, se considerados autonomamente são, também para a AT, enquadráveis como ¬¬¬operações isentas de IVA.

O que vem verdadeiramente questionado é o caráter autónomo desses serviços. Segundo a Requerida, as “prestações de serviços dietéticos devem ser consideradas acessórias em relação à prestação principal – utilização de instalações desportivas – e, por essa razão, estão sujeitas a IVA à taxa de 23%, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA”.

                Interessa notar que os critérios de determinação do caráter acessório de uma operação relativamente a outra dita “conexa” e considerada como “principal” têm sido recortados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se com frequência sobre esta matéria, dadas as dificuldades derivadas da indeterminação concetual.

                O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.

                O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. (realce nosso)

Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa. Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.

                O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única.

Segundo este Tribunal atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.°, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007 . (realce nosso)

A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C 394/04, de 1 de dezembro de 2005.

Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.

Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória.

Com efeito, as prestações de serviços das diversas áreas são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. Os clientes mantêm a faculdade de escolha dos prestadores e das modalidades de utilização dos serviços em causa. O facto de a Requerente, por razões comerciais, ter estabelecido condições vantajosas que fomentam e promovem a adesão aos novos serviços de nutrição, tendo em vista o arranque dessa nova área de atividade e assegurar uma oferta mais vasta de serviços, com o intuito de fidelização dos clientes, não conduz à consideração destes como meramente acessórios à utilização do ginásio. A prática de exercício físico é independente da adoção ou não determinado regime alimentar, pelo que devem ser consideradas prestações de serviços distintas.

Não se verifica, pois, a indissociabilidade das consultas de nutrição relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objetivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.

As referidas consultas valem por si, têm objetivos próprios e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio. Aliás, existem sócios que não aderiram aos referidos serviços de nutrição e, por outro lado, a Requerente presta serviços de nutrição a não sócios, que não utilizam o ginásio. Refira-se que a esta conclusão chega, de igual modo, a Decisão Arbitral, de 2 de abril de 2018, proferida no processo do CAAD n.º 454/2017-T, que versa sobre situação análoga.

                No que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços. De salientar que os referidos preços não são dirigidos a entidades relacionadas, sendo aplicados à generalidade dos seus clientes e ao público em geral.

                Por outro lado, a diferente codificação “SDIET” e “NUT” aplicável às consultas de nutrição abrangidas pelo Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e às consultas de nutrição adquiridas avulso não afetam a natureza exatamente idêntica dos serviços prestados.

                Trata-se de uma codificação que visa facilitar a análise/comparabilidade das consultas geradoras de receita incremental (up-selling), representando uma forma de tratamento da informação de gestão da Requerente que não patenteia ou indicia realidades diferenciadas, sendo inidónea a suportar uma re-caracterização das operações. Ficou demonstrado que as consultas, independentemente da forma como são remuneradas – na mensalidade ou de forma avulsa – são prestadas exatamente da mesma forma, com os mesmos objetivos, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações.

                À face do exposto, conclui-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados.

* * *

                EM SÍNTESE

                Os atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios e moratórios de que a Requerente foi alvo, acima identificados, são anuláveis por vício de violação de lei por erro nos pressupostos, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

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Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, designadamente à forma de cálculo do IVA liquidado.

 

IV.          DECISÃO

                Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente procedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios supra identificados, com as legais consequências.

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                Fixa-se ao processo o valor de € 102.436,25, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

                Custas no montante de € 3.060,00, a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 14 de junho de 2019

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

Regina de Almeida Monteiro

Maria Alexandra Mesquita