Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 309/2018-T
Data da decisão: 2019-06-27  IRC  
Valor do pedido: € 2.786.733,72
Tema: IRC - Fundos de Investimento Imobiliário.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Fernanda Maças (árbitro-presidente), Dr. Nuno de Oliveira Garcia, Prof. Doutor Manuel Pires (árbitros vogais), que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

I. Relatório

1. A... (doravante designada por “A...” ou “Requerente”), com sede na ..., ..., ..., ...-... Lisboa, titular do número de identificação fiscal ..., apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida), com vista à declaração da ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, de 3 de Abril de 2018, proferida no âmbito do Processo n.º ...2017..., deduzida contra o acto de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativo ao período de tributação de 2014 e, bem assim, a declaração de ilegalidade e anulação parcial da referida autoliquidação de IRC.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral, no qual se identificava o árbitro a designar pela Requerente (o Dr. Nuno Oliveira Garcia), foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que, subsequentemente, indicou como seu árbitro o Prof. Doutor Manuel Pires.

3. Por não haver acordo entre os árbitros acima identificados, o CAAD designou a Conselheira Maria Fernanda Maçãs como árbitro presidente, tendo esta comunicado a aceitação do encargo dentro do prazo.

4. Notificadas as partes dessa designação, não foi apresentada qualquer reserva pelo que, em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi declarado constituído em 9 de Outubro de 2018.

5. A Requerente fundamentou o pedido argumentando, em síntese, que:

a)            No campo 359 da declaração Modelo 22 referente a 2014, a Requerente inscreveu o montante de € 794.766,74, a título de retenções na fonte sofridas.

b)           Esse valor compreendia o montante de € 457.215,28, referente ao imposto suportado na esfera do B...– Fundo Especial de Investimento Mobiliário Fechado (doravante abreviadamente designado por “B...” ou “Fundo”), associado às Unidades de Participação (UPs) detidas pela Requerente, conforme a declaração emitida pela respectiva Sociedade Gestora.

c)            O Fundo foi criado a 30 de Setembro de 2009.

d)           A Requerente foi detentora da totalidade das UPs do Fundo entre Julho de 2014 e Setembro de 2014 (data da liquidação do fundo).

e)           O cálculo do imposto a recuperar pela ora Requerente, tal como efectuado pela Sociedade Gestora, tinha subjacente a proporção do imposto imputável ao período de detenção das UPs por parte da Requerente.

f)            Ao invés, a Requerente entende que o valor correcto a considerar para este efeito no Campo 359 da declaração Modelo 22 relativa ao período de 2014 é de € 3.243.949,00, referente à totalidade do imposto sobre o rendimento suportado pelo Fundo durante a sua vigência, e não apenas à parcela do imposto suportado pelo Fundo com base no período proporcional de detenção das UPs (o qual ascenderia a € 457.215,28).

g)            O Fundo em apreço assumiu a natureza de um fundo fechado de capitalização, tendo sido constituído com um capital inicial de € 40.000.000, correspondente a 8.000.000 de Unidades de Participação (“UPs”) com o valor nominal de € 5 cada.

h)           No âmbito da oferta particular de subscrição realizada, a Requerente subscreveu 1.200.000 UPs, tendo as remanescentes UPs sido subscritas por outras entidades.

i)             A Requerente manteve a sua posição inicial até Julho de 2014, data a partir da qual procedeu à aquisição das UPs detidas pelos restantes Participantes, uma vez que a liquidação do Fundo implicaria a dispersão de parte dos créditos futuros sobre os atletas por terceiras entidades, existindo um interesse estratégico por parte da Requerente em recuperar os mesmos.

j)             Assim, a 30 de Setembro de 2014 (i.e. à data de liquidação do Fundo e, consequentemente, de resgate das UPs) a Requerente era a única titular das 8.000.000 UPs que compunham o Fundo.

k)            O n.º 3 do artigo 22.º do EBF dispunha, à data dos Factos, que: “Relativamente a rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1, de que sejam titulares sujeitos passivos de IRC ou sujeitos passivos de IRS, que os obtenham no âmbito de uma actividade comercial, industrial ou agrícola, residentes em território português ou que sejam imputáveis a estabelecimento estável de entidade não residente situado neste território, os mesmos não estão sujeitos a retenção na fonte e são pelos seus titulares considerados como proveitos ou ganhos, e o montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 83.º do Código do IRC e do artigo 78.º do Código do IRS”.

l)             Como tal, o regime fiscal em vigor à data assentava num modelo de “tributação à entrada”, atribuindo-se aos investidores a possibilidade de deduzirem à sua colecta de IRC o imposto pago pelo fundo relativamente aos rendimentos das UPs reconhecidos no período de tributação em causa.

m)          Segundo a Requerida, a Sociedade Gestora actuou em conformidade com a posição da AT sobre a matéria, a qual se encontra vertida em resposta a pedido de informação vinculativa, emitida no âmbito do processo n.º 283/93.

n)           De acordo com a referida informação vinculativa: “a retenção na fonte a imputar relativamente a esses títulos [UPs] deverá ser proporcionalmente correspondente ao período de detenção dos títulos pelo Fundo e não a totalidade da retenção na fonte sofrida pelo mesmo no momento do vencimento dos rendimentos desses títulos”.

o)           Desde modo, segundo o entendimento da AT, o valor de imposto a restituir aos vários participantes com referência aos rendimentos de UPs decorrentes de “lucros, resgate, liquidação, etc.”, “terá logicamente de ser em proporção às UPs por si detidas em relação aos demais.”

p)           O entendimento da AT vertido na referida informação foi proferido há mais de 15 anos, constitui meramente doutrina administrativa e decorre, naturalmente, de um específico enquadramento jurídico-tributário apresentado por um determinado sujeito passivo, pelo que o seu efeito é limitado à concreta questão analisada, não sendo oponível a terceiros.

q)           Adicionalmente, quer as informações vinculativas quer as orientações genéricas terão como limite o princípio da legalidade, valendo o seu conteúdo na medida em que seja compatível com o disposto nas disposições normativas aplicáveis (neste sentido vide a decisão arbitral n.º 705/2016, de 22 de Setembro de 2017, págs. 24 a 26).

r)            Ora, relativamente aos “rendimentos respeitantes a UPs”, o n.º 3 do artigo 22.º do EBF estabelece que “os mesmos não estão sujeitos a retenção na fonte”, indiciando que aquela expressão apenas se reconduz a rendimentos susceptíveis de tributação através do mecanismo de retenção na fonte.

s)            Como resulta da intenção subjacente à criação da figura dos fundos de investimento, e do seu tratamento jurídico e fiscal, tal como é confirmado por várias opções legislativas sucessivas, os titulares de UPs deverão ser tributados tal como seriam se em vez de investir através do fundo investissem directamente nos activos que integram o seu património.

t)            Ora, o n.º 3 do artigo 22.º do EBF corporiza este princípio da neutralidade, conferindo a possibilidade de os Participantes deduzirem à sua colecta de IRC o imposto suportado pelo Fundo relativamente aos rendimentos auferidos.

u)           Com efeito, o n.º 3 do artigo 22.º do EBF tem implícita a existência de alguma acção por parte do Fundo, nomeadamente de um pagamento antecipado de imposto por parte deste e, portanto, da susceptibilidade do rendimento em causa ser tributado mediante retenção na fonte.

v)            No caso das entidades que em virtude de beneficiarem de isenção de IRC não se encontram obrigadas a proceder à entrega da Declaração Modelo 22 (meio através do qual os restantes sujeitos passivos de IRC recuperam o imposto suportado pelo Fundo), o legislador previu que o montante de imposto a recuperar seria pago pelo Fundo em simultâneo com os “rendimentos respeitantes a UPs.”

w)          À luz do actual regime de tributação dos Organismos de Investimento Colectivos é inquestionável que os rendimentos decorrentes da transmissão onerosa de UPs são distintos dos rendimentos decorrentes do resgate de UPs ou da liquidação do OIC.

x)            Tendo presente o exposto supra, e assumindo como princípio orientador de hermenêutica jurídica que o legislador exprimiu a sua vontade de modo correcto, deverá entender-se que a expressão “rendimentos respeitantes a UPs” para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF à data dos factos incluía as mais-valias obtidas em resultado do resgate das UPs e da liquidação dos fundos, mas não as mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de UPs, dado que:

a) Decorre do elemento literal da norma que a mesma apenas se refere a rendimentos tributados pelo mecanismo de retenção na fonte, o qual não é aplicável aos rendimentos decorrentes da transmissão onerosa de UPs;

b) As mais-valias apuradas em resultado da transmissão onerosa de UPs não representam um rendimento gerado ou pago pelo Fundo;

c) Não há envolvimento do Fundo na decisão de investimento de transmissão onerosa das UPs; as mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de UPs resultam, simplesmente, da decisão unilateral por parte do detentor das UPs de venda de um activo por um valor superior ao seu custo de aquisição, pelo que não se justifica nesta sede a intervenção do legislador por forma a assegurar o princípio da neutralidade;

d) O n.º 4 do artigo 22.º do EBF, referente a entidades que não se encontram obrigadas à entrega da declaração Modelo 22 e que detenham UPs em fundos, dispõe que o reembolso do imposto suportado na esfera dos fundos será “pago conjuntamente com os rendimentos respeitantes a estas unidades”, indiciando que os rendimentos respeitantes a UPs compreendem apenas rendimentos pagos pelos fundos e, como tal susceptíveis de tributação através de retenção na fonte;

e) As recentes alterações introduzidas ao abrigo da Reforma do IRS e do regime de tributação dos OICs reflectem a intenção clara do legislador na distinção entre as mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de UPs e as mais-valias decorrentes do resgate de UPs ou da liquidação dos fundos;

f) Enquanto as primeiras resultam de uma decisão isolada do detentor das UPs, sem qualquer influência do fundo, as segundas pressupõem a intervenção do fundo, enquanto entidade que paga/distribui um rendimento e que, como tal, são passíveis de ser tributados mediante retenção na fonte.

y)            Conclui, assim, que o valor correcto a considerar a este título no campo 359 da declaração Modelo 22 referente ao período de 2014 é de € 3.243.949,00, devendo ser permitida na esfera da Requerente a recuperação do valor remanescente de € 2.786.733,72 (uma vez que o montante de € 457.215,28 foi já recuperado).

6. Na Resposta a Requerida defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente, porquanto:

a)            Os Fundos de Investimento são sujeitos passivos do IRC, por força da alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º do Código do IRC e, não obstante se encontrarem sujeitos a um regime fiscal especial, previsto no art.º 22.º do EBF, os aspectos tributários não cobertos pelo regime especial, nomeadamente os relacionados com a liquidação e partilha regem-se pelos normativos daquele Código e do Código do IRS, quando for o caso.

b)           O artigo 82.º do Código do IRC determina que: “O disposto nos artigos anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, à liquidação de pessoas colectivas que não sejam sociedades.”, o que vale por dizer que, na operação de partilha, a diferença positiva apurada entre o valor que for posto à disposição dos sócios/participantes abatido do valor de aquisição das correspondentes participações é considerada uma mais-valia sujeita a tributação e que a diferença negativa é considerada uma menos- valia dedutível, em termos gerais (cfr., números 1 e do art.º 81.º do Código do IRC, (na redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 e Janeiro.

c)            Posto isto, é de concluir que se a Requerente apurou uma diferença positiva em resultado da liquidação do Fundo, tal ganho ou mais-valia deve ser englobado no lucro tributável e se apurou uma perda ou menos-valias, a mesma prima facie seria dedutível ao lucro tributável.

d)           Mas, convém reter que a mais-valia ou a menos-valia apurada com a liquidação do Fundo exprime a diferença positiva ou negativa apurada entre as importâncias investidas pela Requerente, sendo que, na sua maior parte, foi na aquisição das 85% de UPs que pertenciam aos demais investidores e não em investimento directo no Fundo, por conseguinte, não pode considerar-se que aquela diferença reflecte em termos exactos, os resultados acumulados pelo Fundo no decurso da sua vigência.

e)           O modelo de tributação aplicável aos Fundos de Investimento mobiliários e imobiliários em vigor até 2015, foi assumido como um regime de quase-transparência, na medida em que combinava, na esfera dos Fundos, um regime de tributação, relativamente aos rendimentos de capitais e de mais-valias mobiliárias, quase idêntico ao previsto no Código do IRS, com um regime de tributação específico de rendimentos de outra natureza.

f)            Em todo o caso, não pode afirmar-se que existia neutralidade entre a tributação dos rendimentos obtidos por investimento directo dos participantes e os rendimentos obtidos através de investimento num fundo fechado, porquanto, não havendo lugar, em cada ano, à imputação ou à distribuição de rendimentos pelos participantes, esvaía-se, em grande parte, a possibilidade de associar os rendimentos gerados pelas UPs que afluíam à esfera dos participantes, em resultado da sua alienação ou aquando da liquidação do Fundo, aos rendimentos ou ganhos realizados na esfera do Fundo.

g)            Por conseguinte, a alegada neutralidade que a Requerente arvora segundo a qual “os titulares das UPs deverão ser tributados tal como seriam se em vez de investir através do fundo investissem directamente nos activos que integram o seu património”, não tem plena correspondência com a realidade dos fundos fechados de capitalização, desde logo, pela diferente natureza dos rendimentos obtidos pelos Fundos e dos ganhos ou perdas realizados pelos participantes por alienação das UPs ou liquidação dos Fundos.

h)           Mais flagrante ainda se torna essa diferença relativamente ao B..., porquanto se o investimento em direitos económicos associados a jogadores de futebol fosse efectuado pela Requerente em caso de cedência definitiva ou temporária desses direitos, realizaria uma mais-valia ou menos-valia em activos fixos intangíveis, ao passo que a mais-valia ou a menos-valia apurada no momento da liquidação qualificada como um ganho ou perda em investimentos financeiros, num caso e noutro sujeitos a regimes de tributação diferenciados.

i)             Portanto, o argumento da neutralidade neste contexto é falacioso, não se revestindo qualquer utilidade para a dilucidação da questão central em apreço.

j)             No tocante a saber o âmbito material do n.º 3 do artigo 22.º do EBF abarcava todos os rendimentos e ganhos associados a unidades de participação em fundos de investimento, assumissem eles a natureza de rendimentos capitais ou de mais-valias e fossem estas apuradas mediante alienação onerosa das UPs, por resgate, ou por liquidação dos fundos, a resposta só pode ser positiva, em linha com o referido, em particular dos pontos 32 e 41, da Informação n.º A...-AIR2/2018, da UGC (Decisão da Reclamação Graciosa).

k)            Efectivamente, atentando na redacção do n.º 3 do art.º 22.º: “Relativamente a rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1, de que sejam titulares sujeitos passivos de IRC ou sujeitos passivos de IRS, que os obtenham no âmbito de uma actividade comercial, industrial ou agrícola, residentes em território português ou que sejam imputáveis a estabelecimento estável de entidade não residente situado neste território, os mesmos não estão sujeitos a retenção na fonte e são pelos seus titulares considerados como proveitos ou ganhos, e o montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 83.º do Código do IRC e do artigo 78.º do Código do IRS”, facilmente se conclui que quando o legislador utiliza o termo “rendimentos” e remete para a relevação contabilística como “proveitos ou ganhos”, expressão oriunda ainda do Plano Oficial de Contabilidade, está a abranger todos os rendimentos chamados “correntes” ou normais e os rendimentos esporádicos ou irregulares, sem distinção.

l)             Pese embora alguma imperfeição na redacção da norma, em lado algum se encontra apoio para afirmar que só são abrangidos rendimentos sujeitos a retenção na fonte e pagos pelo próprio Fundo, portanto, diferentemente do que defende a Requerente não constitui argumento bastante para afastar do n.º 3 do art.º 22.º do EBF as mais-valias resultantes da alienação onerosa das UPs, aduzir, tão só, que tais rendimentos estão excluídos da obrigação de retenção na fonte e que o legislador apenas visou os rendimentos cuja origem se situa nos Fundos.

m)          Torna-se forçoso reconhecer que a expressão utilizada pelo legislador “rendimentos respeitantes a unidades de participação” tem abrangência suficiente para incluir todos os rendimentos que possam afluir a um detentor de UPs, seja qual for a sua natureza, desde que enquadrados numa das categorias de rendimentos definidas no Código do IRS.

n)           Segundo jurisprudência constante do STA, as normas sobre benefícios fiscais, dado a sua natureza excepcional, embora possam ser interpretadas extensivamente, por regra, estão sujeitas a uma interpretação estrita ou declarativa que não tem de ser restritiva.

o)           Justamente, ao pretender incluir no n.º 3 do art.º 22.º apenas os rendimentos pagos pelo Fundo, em que este tenha, de facto, alguma intervenção, a Requerente defende uma tese que se baseia numa interpretação restritiva da norma, em lugar de atender ao exacto sentido do termo “rendimentos”, à luz do conceito definido pelo Código do IRS.

p)           Sendo certo que as mais-valias resultantes das transmissões onerosas estão excluídas, em termos gerais, da obrigação de retenção na fonte, é de concluir que, a este respeito, o n.º 3 do art.º 22.º nada diz de novo, quando prescreve que “os mesmos [rendimentos] não estão sujeitos a retenção na fonte”.

q)           Por conseguinte, os ganhos ou mais-valias resultantes da alienação das UPs e os ganhos ou mais-valias apurados na liquidação do Fundo são subsumíveis na expressão “rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos”, e isso significa que, a par do englobamento desses ganhos no lucro tributável para que a tributação desses rendimentos seja efectuada, na esfera dos respectivos titulares, têm direito a deduzir o “montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 90.º do Código do IRC e do artigo 78.º do Código do IRS”.

r)            Aqui chegados, é altura de concluir que as entidades residentes que alienaram as UPs à Requerente, caso tenham realizado mais-valias poderiam ter invocado na sua declaração de rendimentos o montante do imposto retido e/ou devido pelo Fundo na parte que proporcionalmente lhes correspondesse.

s)            Certamente, foi em atenção a essa realidade que a sociedade gestora não mencionou na declaração que emitiu à Requerente a totalidade do imposto devido ou devido pelo Fundo tendo, apenas, indicado a parte respeitante à percentagem de participação que deteve até Julho de 2014.

t)            Concluiu, portanto, que

i. Em consequência da liquidação do B..., a Requerente apurou uma mais-valia ou uma menos-valia, correspondente à diferença positiva ou negativa entre, por um lado, os valores investidos na subscrição das 1.200.000 UPs e na aquisição das UPs aos demais participantes e, por outro, o valor do património líquido do Fundo;

ii. Em caso de realização de uma mais-valia, o respectivo montante não equivale strictu sensu a rendimentos distribuídos pelo Fundo, será antes uma realidade compósita que reflecte os rendimentos acumulados e reinvestidos na esfera do Fundo que tenham contribuído para a valorização do seu património mas também sendo influenciada pelo valor de aquisição das UPs aos demais participantes;

iii. Portanto, o argumento da neutralidade não é pertinente, neste contexto, porquanto, os rendimentos que foram tributados na esfera do Fundo não são os rendimentos que afluíram à Requerente, no momento da liquidação;

iv. A mais-valia integra o âmbito dos “rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos”, sendo assim subsumível no n.º 3 do art.º 22.º do EBF e, como tal, está sujeita a englobamento no lucro tributável conjuntamente com o imposto retido ao Fundo ou devido pelo Fundo (cfr. , n.º 2 do art.º 68.º do Código do IRC) que a Requerente tem direito a deduzir, nos termos do n.º 2 do art.º 90.º do mesmo Código;

v. Do mesmo modo, as mais-valias que eventualmente foram realizadas pelos participantes que alienaram as UPs à Requerente, em datas anteriores à liquidação do Fundo, também são qualificados como “rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos”, na            medida em que a cotação das UPs reflecte o valor do património líquido do Fundo, portanto, se as entidades alienantes residentes em território português, incluíram aqueles ganhos na           declaração de rendimentos, poderiam ter invocado a dedução do imposto retido ou devido pelo Fundo proporcionalmente correspondente;

vi. Em linha com este entendimento, a sociedade gestora, na declaração que emitiu à Requerente mencionou, a título de imposto imputado, a quantia de €451.215,28, que considerou corresponder ao tempo e à percentagem de participação detida no Fundo, não se vislumbrando razões de direito ou de facto que possam inquinar este procedimento;

vii. Aliás, poderia apreciar-se a justeza deste procedimento, prefigurando a hipótese de o Fundo ter procedido à distribuição de rendimentos anualmente, caso em que a Requerente teria direito a 15% dos rendimentos e a 15% do imposto retido ou devido pelo Fundo, até à data em que se tornou única titular das UPs.

5. Por despacho de 16 de Novembro de 2018 foi dispensada a reunião do artigo 18.º do RJAT e designado o dia 9 de Abril de 2019 para proferir Decisão Arbitral.

6. As partes produziram alegações escritas, insistindo particularmente nas implicações da dedução do imposto suportado pelo Fundo para o apuramento do lucro tributável da Requerente.

7. Por despacho de 5 de abril de 2019, o Tribunal prorrogou por dois meses o prazo para a prolação da decisão arbitral, indicando-se como data limite o dia 9 de junho. Por despacho de 5 de Junho este prazo foi prorrogado, por mais dois meses.

 

II. Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no art. 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III. Thema Decidendum

Na resposta ao Pedido de pronúncia arbitral, veio a Requerida referir que o Sujeito Passivo não teria direito à totalidade da dedução do imposto suportado pelo Fundo “uma vez que a dedução à coleta de IRC desse quantitativo implicaria o correspondente acréscimo ao lucro tributável, por força do disposto no n.º 2 do artigo 68.º do Código do IRC que impõe o englobamento dos rendimentos ilíquidos” (artigo 7.º da Resposta), argumentação desenvolvida em contra-alegações.

 

Acontece que da leitura do processo instrutor e da fundamentação que consta do indeferimento da reclamação graciosa (cfr. Informação n.º B…-AIR2/2018 e Informação n.º A...-AIR2/2018), não consta essa referência.

 

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa declarar a ilegalidade de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e eliminar os efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

 

Por isso, como ficou dito no Processo Tributário 400/2015-T, “sendo o objecto de apreciação do Tribunal Arbitral o acto praticado, a sua legalidade tem de ser apreciada em face do seu teor, tal como foi praticado, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos.

Assim, é irrelevante a fundamentação a posteriori.”

Por isso, à face da fundamentação contemporânea do acto impugnado, cabe a este Tribunal Arbitral apreciar se o único titular das Unidades de Participação (UP) no momento da liquidação do Fundo tem direito a deduzir à colecta do IRC a totalidade do imposto sobre o rendimento suportado pelo Fundo – como pretende a Requerente – ou se só o pode fazer na proporção das UP que deteve e durante o respectivo período de detenção – como entende a AT.

 

IV. Do Mérito

IV. 1. 1.Factos provados 

1.            A Requerente promoveu, com a C..., S.A., a constituição de um organismo especial de investimento, cuja principal actividade consistiria na aquisição de direitos de crédito associados à venda ou transferência temporária a título oneroso de jogadores de futebol profissionais.

2.            A constituição do B...– Fundo Especial de Investimento Mobiliário Fechado (doravante abreviadamente designado por “B...” ou “Fundo”), foi autorizada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) em 24 de Setembro de 2009, por um prazo de cinco anos, tendo aquele iniciado a sua actividade em 30 de Setembro de 2009.

3.            O Fundo assumiu a natureza de um fundo fechado de capitalização, tendo sido constituído com um capital inicial de € 40.000.000, correspondente a 8.000.000 de Unidades de Participação (“UPs”) com o valor nominal de € 5 cada.

4.            No âmbito da oferta particular de subscrição realizada, a Requerente subscreveu 1.200.000 UPs (conforme Documento n.º 5 junto à reclamação graciosa), tendo as remanescentes UPs sido subscritas por outras entidades.

5.            A Requerente manteve a sua posição inicial até Julho de 2014, data a partir da qual procedeu à aquisição das UPs detidas pelos restantes Participantes, uma vez que a liquidação do Fundo implicaria a dispersão de parte dos créditos futuros sobre os atletas por terceiras entidades, existindo um interesse estratégico por parte da Requerente em recuperar os mesmos

6.            A 30 de Setembro de 2014 (i.e., à data de liquidação do Fundo e, consequentemente, de resgate das UPs) a Requerente era a única titular das 8.000.000 UPs que compunham o Fundo.

7.            No campo 359 da declaração Modelo 22 referente ao ano de 2014, a Requerente inscreveu o montante de € 794.766,74, a título de retenções na fonte sofridas.

8.            O valor em causa compreende o montante de € 457.215,28, referente ao imposto suportado na esfera do Fundo associado às Unidades de Participação (UPs) detidas pela Requerente, conforme a declaração emitida em 20.01.2015 pela respectiva Sociedade Gestora (actualmente D... FUNDOS MOBILIÁRIOS).

9.            O montante do imposto que a Requerente reclama como tendo direito a deduzir à colecta do IRC com base no disposto no n.º 3 do art.º 22.º do EBF, é o que resulta do somatório dos montantes dos impostos retidos sobre rendimentos auferidos pelo Fundo e/ou devidos na esfera do Fundo, como evidenciados nas demonstrações financeiras publicadas:

 

10.          Em reunião de 09 de Setembro de 2014, a Requerente, na qualidade de detentora da totalidade das UPs do Fundo naquela data, deliberou não prorrogar o prazo de duração do Fundo, pelo que a liquidação ocorreu na data prevista no Regulamento de Gestão, i.e., em 30 de Setembro de 2014, tendo também sido aprovada a distribuição de parte do excesso de liquidez do Fundo, no montante de 15.500.000 euros.

 

IV.1. 2. Factos não provados

Não demonstrou a Requerida que foi efetuada uma qualquer dedução de imposto suportado pelo Fundo pelos Alienantes das UPs, por referência ao período de detenção compreendido entre setembro de 2009 e Julho de 2014.

Também não ficou provado que o imposto suportado pelo Fundo por referência à detenção das UPs tenha sido deduzido por outro contribuinte diferente da Requerente ou por referência a uma atuação do Fundo.

Não existem outros factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.

 

IV.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base na posição assumida pelas partes livremente apreciada pelo Tribunal e nos documentos juntos pelas partes, nas informações oficiais e demais documentação constante do processo administrativo.

 

IV.2. Matéria de direito

O regime fiscal dos fundos de investimento vigente no ano de 2014, tal como previsto no artigo 22.º do EBF [reproduzido em 1.6.k) vigente em 2014], resultou de uma opção do legislador por um sistema através do qual os participantes eram tributados de forma semelhante àquela a que estariam sujeitos se o investimento fosse realizado directamente.

Essa valoração encontrava-se presente na redacção do n.º 3 do artigo 22.º do EBF vigente em 2014, quando o mesmo estabelecia que “Relativamente a rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1 [maxime Fundos de Investimento Mobiliário], de que sejam titulares sujeitos passivos de IRC (…), que os obtenham no âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, residentes em território português (…), não estão sujeitos a retenção na fonte e são pelos seus titulares considerados como proveitos ou ganhos”. 

Vejamos.

O disposto na supracitada norma resulta do facto de a tributação já ter ocorrido na esfera do Fundo. Essa tributação encontrava-se ligada à natureza da UP e não à esfera do seu detentor.

No mesmo sentido, segue a interpretação da Requerida quando, no artigo 28.º da sua Contestação, afirma que “(…) não havendo lugar, em cada ano, à imputação ou à distribuição de rendimentos pelos participante, esvaía-se, em grande parte, a possibilidade de associar os rendimentos gerados pelas UPs que afluíam à esfera dos participantes, em resultado da sua alienação ou aquando da liquidação do Fundo, aos rendimentos ou ganhos gerados na esfera do Fundo.” .

Ora, essa situação é típica dos fundos de investimento fechado, como determina agora o n.º 3 do artigo 10.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro e republicado pelo Decreto-lei n.º 56/2018, de 9 de Julho (“3 - As unidades de participação de organismos de investimento coletivo fechados não podem ser objeto de resgate, salvo disposição legal ou regulamentar em contrário.”), e já resultava quer do n.º 3 do artigo 9.º do Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pelo Decreto-lei n.º 63-A/2013, de 10 de Maio – vigente à data do resgate –, quer do n.º 2 do artigo 22.º do Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pelo Decreto-lei n.º 252/2003, de 17 de Outubro – vigente à data da constituição do Fundo.

Vê-se assim que a tributação suportada pelo Fundo antes do resgate se encontrava intrinsecamente ligada à UP e não ao seu detentor, como referido supra. Desse facto deve concluir-se que os rendimentos dos participantes enquanto tais apuram-se a partir do momento em que a operação de resgate tem lugar. Não havendo resgate, apuram-se no momento da liquidação do Fundo. Até qualquer um desses momentos estamos perante rendimentos do Fundo. Uma alienação/ transmissão onerosa de unidades de participação entre participantes de um Fundo de Investimento, não sendo vedada, sempre foi fiscalmente qualificada como uma operação autónoma, alheia ao Fundo, e geradora de mais-valias, enquanto “alienação onerosa de valores mobiliários”, fosse para efeitos de IRS ou de IRC, sem qualquer interferência da Sociedade Gestora do Fundo bem como sem qualquer possibilidade de invocação de qualquer crédito de imposto por dupla tributação jurídica. E bem se compreende que assim seja, porque, em rigor, esta transmissão onerosa das unidades de participação no Fundo de investimento, mais não representava que uma cedência de posição no próprio fundo e o fundo não sofria qualquer alteração quantitativa. Ao contrário do que sucede no resgate, em que o Fundo extingue as UPs resgatadas e reconstitui o seu valor em conformidade, incluindo naturalmente no montante do imposto que declara ao resgatante para que ele, querendo englobar o rendimento, ou sendo obrigado a fazê-lo, possa invocar o correspondente crédito de imposto.

Para esse efeito, o artigo 22.º do EBF, em vigor à data dos factos, e em sentido diferente do sistema presente no hodierno regime, tratava em primeiro lugar da tributação que deveria ocorrer na esfera do próprio fundo e, em segundo lugar, da tributação na esfera do participante. E, embora para efeitos e situações específicos, previa expressamente que o montante do imposto devido nos termos do n.º 1 tivesse “natureza de imposto por conta”.

Daqui resulta que, fosse no momento da distribuição a Sujeitos Passivos de IRC dos rendimentos do Fundo, fosse por ocasião do resgate das UPs, aqueles deviam ser reconhecidos como proveitos ou ganhos pelo titular pelo valor pago pelo Fundo ao titular da UP, tal como sustenta a Requerente. Acresce, que de acordo com o regime em vigor à data, terá forçosamente de se concluir que o montante de imposto já suportado pelo Fundo pode ser deduzido à colecta do titular na totalidade e no ano em que ocorre, seja por que forma for, a distribuição do rendimento: mera distribuição,  resgate das UP ou liquidação do fundo.

Veja-se até que apenas desta forma poderiam os investidores ser tributados de forma semelhante àquela a que estariam sujeitos se o investimento fosse realizado directamente no activo de investimento pretendido, isto é, cumprir o regime de neutralidade fiscal que deve estar subjacente, seja qual for a modalidade por que o legislador opte, aos fundos de investimentos. É com no corolário da “neutralidade fiscal” que o regime tributário dos fundos, aplicável à data dos factos, era vulgarmente denominado como ‘regime de tributação à entrada, isenção à saída’. Isto é, a tributação a tributação dos rendimentos, e curiosamente já segmentada por categorias, verificava-se no Fundo, fosse por retenção, fosse por auto-tributação, desonerando-se, como regra, os seus participantes. Apenas não podiam desonerar-se os que obtivessem tais rendimentos no âmbito de uma atividade empresarial, dada a preponderância desta e a correspondente atração, que obrigatoriamente tinham de incluí-los nos réditos da atividade exercida. E não podia negar-se a faculdade de opção pelo englobamento aos contribuintes que, no imposto sobre o rendimento pessoal e em conformidade com o desiderato constitucional, entendessem que podiam ter aí uma tributação mais favorável. Em ambos os casos, obviamente, com o crédito de imposto suportado pelo Fundo de Investimento, em nome da neutralidade fiscal.

Segundo a AT, os rendimentos que possam afluir à esfera dos participantes na liquidação do Fundo são integrados na matéria colectável pelos valores ilíquidos, o que implica um acréscimo ao lucro tributável do montante do imposto, invocando o disposto no n.º 2 do art.º 68.º do Código do IRC (“Sempre que tenha havido lugar a retenção na fonte de IRC relativamente a rendimentos englobados para efeitos de tributação, o montante a considerar na determinação da matéria colectável é a respectiva importância ilíquida do imposto retido na fonte.”). Entende a AT que essa regra se aplica também aos rendimentos provenientes de aplicações em Fundos de investimento (como sucede in casu), não considerando que o disposto no n.º 3 do art.º 22.º do EBF seja uma norma especial que disponha em sentido contrário.

Ao invés, sustenta a Requerente que, ao contrário dos restantes rendimentos incluídos na base tributável dos sujeitos passivos de IRC sujeitos a tributação, no caso dos fundos de investimento em causa está apenas o imposto suportado pelos fundos, o que implica que o regime fiscal dos fundos de investimento permite aos detentores das UPs deduzirem o imposto suportado pelo fundo relativamente aos rendimentos de UPs reconhecidos na sua esfera.

A nosso ver, é isso mesmo que o texto legal – o disposto no n.º 3 do art.º 22.º do EBF – pretende, ou seja, que o proveito a reconhecer pelo titular das UPs deverá corresponder ao montante pago pelo Fundo, sem que haja lugar ao acréscimo do valor respeitante ao imposto pago por este relativamente àquele rendimento. Mesmo que se entenda que esse regime seja mais benéfico do que o regime geral (o que não sucede em todos os casos, note-se), a verdade é que é nesse sentido que milita a letra da lei, não cabendo ao intérprete fazer conclusões interpretativas que se afastem da letra e espírito da lei. Acresce que a lei em causa regula precisamente os denominados benefícios fiscais, ou seja, medidas de carácter excepcional instituídas para a tutela de interesses extra-fiscais relevantes.

Ao contrário do entendimento da AT, inclusivamente na doutrina administrativa invocada, o imposto suportado pelo Fundo a imputar aos sujeitos passivos participantes que, nos termos dos nºs 2 e 3 do art. 22º do EBF, considerem os rendimentos respeitantes às unidades de participação deve corresponder à totalidade do imposto apurado, e anteriormente suportado, aquando do vencimento do respectivo rendimento pelo titular. Efectivamente, apenas na data do vencimento o titular pode proceder à tributação na sua esfera do rendimento que aufere e, como tal, imputar – deduzindo – o imposto suportado pelo fundo. Qualquer participante que tenha sido anteriormente titular de UPs e as tenha alienado também em data anterior, viu o seu ganho tributado na totalidade, dado que ao fundo nessa fase, e pelas razões já invocadas, não existe qualquer relação intrusiva no Fundo de investimento.

A nosso ver, e sempre no sentido, “os rendimentos das unidades de participação em Fundos de investimento” consubstanciam rendimentos de capitais, tal como definidos no Código do IRS na Categoria E [alínea j) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS]. Ao passo que, os ganhos obtidos com a alienação onerosa de valores mobiliários enquadram-se na Categoria G, incrementos patrimoniais [alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS]. A relevância desta qualificação é determinante in casu à luz do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRC que determina que “o rendimento global” das sociedades comerciais corresponde “à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS” (cit.). Assim, não tem razão a AT ao pretender atribuir aos “os rendimentos das unidades de participação em Fundos de investimento” natureza distinta da de rendimento (de capital). Na eventualidade de a valorização da UP ser positiva o ganho resultante da sua alienação não beneficia do regime previsto no Estatuto dos Benefícios Fiscais, donde importa sublinhar que há uma distinção entre situações a que correspondem rendimentos gerados pela UP (liquidação ou resgate) e a situação em que se vislumbram ganhos gerados pela alienação da UP. Como é amplamente reconhecido pela Doutrina, a primeira está próxima do conceito do rendimento produto, e a segunda do rendimento acréscimo, não se confundindo.

 

Por tudo o quanto vai exposto, a interpretação adequada da norma supra referida tem de ter em conta, além do elemento racional ou teleológico visado pelo legislador ao consagrar o benefício fiscal em causa,  o elemento sistemático, ou seja, o regime jurídico dos fundos de investimento e, em particular, a distinção entre transmissão onerosa ou alienação de unidades de participação a terceiros durante a vida do Fundo (no caso um fundo fechado de capitalização), sem qualquer reflexo nos rendimentos gerados pelo mesmo, por um lado, e resgate ou liquidação do mesmo fundo, como ocorre nos autos, por outro. Uma interpretação que tenha em conta os elementos de hermenêutica jurídica racional ou teológico e o sistemático conduz a que a expressão “rendimentos respeitantes a unidades de participação…” se deva entender como referindo-se apenas a esta última situação, pois somente aqui ocorre o apuramento dos rendimentos acumulados pelo fundo.    

Realce-se, por fim, que a Requerida nunca alegou, nem juntou prova, de que o imposto suportado pelo Fundo foi deduzido total ou parcialmente, e ainda que indevidamente, por qualquer outro titular, bem como não foi alegado ou demonstrado pela Requerida que, aquando da alienação das UPs, a perda da possibilidade da dedução do imposto pago foi acautelada ou sequer equacionada, donde sempre foi considerado que o imposto suportado se manteve na esfera do Fundo e não na esfera dos titulares das participações. Aliás, sempre se diga que, mesmo que a AT tivesse demonstrado a dedução do imposto suportado pelo Fundo por um, ou mais, titulares de UPs no momento da alienação destas à Requerente em momento anterior ao resgate, a correcção fiscal teria de ocorrer na esfera dos alienantes por dedução indevida por contrária ao n.º 3 do art. 22.º do EBF, e não na esfera da Requerente que, por lei, pode beneficiar da dedução da totalidade do imposto retido ou devido pelo fundo na sua vigência.

Termos em que deve proceder o pedido do Sujeito Passivo, com as legais consequências.

 

V. DECISÃO

Em face do supra exposto, decide-se neste Tribunal Colectivo:

a)            Julgar procedente a presente ação arbitral e, nessa medida, declarar a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida no Processo n.º ...2017..., com a consequente anulação;

b)           Anular (parcialmente) o acto de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativo ao período de tributação de 2014.

 

VI. Valor do Processo             

Fixa-se o valor do processo em € 2.786.733,72  (dois milhões, setecentos e oitenta e seis mil setecentos e trinta e três euros e setenta e dois cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

Notifique.

 

Lisboa, 27 de junho de 2019.

 

A Árbitro Presidente

(Fernanda Maçãs)

 

O Árbitro Vogal

(Nuno de Oliveira Garcia)

 

O Árbitro Vogal

 (Manuel Pires), vencido conforme declaração de voto anexa.

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

O meu dissentimento face à decisão , com os efeitos inerentes, assenta fundamentalmente no carácter dos resultados da determinação da questão fáctica referente aos quantitativos em causa, da indagação sobre as consequências da aplicação ao caso da distinção entre rendimento-produto e rendimento acréscimo, atento nomeadamente o investimento feito na aquisição das unidades de participação, e da valoração da orientação administrativa relativa à matéria, bem como na consideração da necessária majoração (gross up) relativa ao rendimento atribuível, de modo a não existir crédito de imposto em base diferente da que originou o mesmo imposto, tendo sido, aliás, o rendimento antes de impostos o que teria sido auferido, se o investimento tivesse sido directo.

 

 (Manuel Pires)