Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 272/2018-T
Data da decisão: 2019-06-21  IRC  
Valor do pedido: € 792,82
Tema: IRC - Ajustamentos de inventários, reversão dos ajustamentos de inventários e ónus da prova.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., S.A., contribuinte n.º..., com sede na ..., n.º..., ..., Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 28/05/2018 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral respeitante ao ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017... e, em termos finais, da liquidação n.º 2016... de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) por, no seu juízo, padecer do vício de violação de lei, no que concerne à liquidação de IRC emergente da correção dos prejuízos fiscais, no montante de 3 927 327,00 euros, por via da desconsideração de reversões de perdas por imparidade.

 

2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 16/07/2018 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

3. No dia 06/08/2018 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

4. Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 06/08/2018 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter o processo administrativo (PA).

 

5. Em 01/10/2018 a Requerida apresentou a sua resposta na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, atenta a legalidade da liquidação de IRC e de juros compensatórios.

 

6.Por despacho 02/10/2018, o tribunal determinou a dispensa da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com base na inexistência de exceções a conhecer e na desnecessidade de convidar as partes a corrigir as peças processuais, concedeu oito dias para que estas, querendo, apresentassem as suas alegações finais escritas e fixou o prazo limite para proferir a decisão arbitral.

 

7. As alegações finais, em que as partes mantiveram, no essencial, as suas posições iniciais foram apresentadas pela Requerente no dia 11/10/2018 e em 17/10/2018 pela Requerida.  Sucede que,  como a Requerente juntou dois documentos nas alegações finais escritas e a Requerida invocou matéria de exceção (alegação de um novo pedido subsidiário, não constante no pedido de pronúncia arbitral), o tribunal, em 17/12/2018, determinou, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas e do contraditório, que a Requerente respondesse à matéria de exceção vertida pela Requerida nas suas alegações escritas.

 

8. A Requerente em 21/12/2018 pronunciou-se quanto à matéria de exceção, sustentando que não formulou um novo pedido subsidiário, somente evidenciou factos que compõem o seu pedido de pronúncia arbitral.

 

9. No dia 03/04/2019, por despacho, o tribunal determinou a inadmissibilidade da ampliação do pedido de pronúncia arbitral, pois a sentença proferida no âmbito da ação administrativa especial na qual foi decretada a manutenção do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), por referência ao exercício de 2012, à data de apresentação do pedido de pronúncia arbitral, já era do conhecimento da Requerente.

 

POSIÇÃO DAS PARTES

 

10. A Requerente insurge-se relativamente à decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2017... que tem por objeto a liquidação adicional n.º 2016... de IRC do ano de 2012, a qual apurou um montante a pagar de 792,82 euros, incluindo juros compensatórios.

A reclamação graciosa foi apresentada por entender que devia ser mantida a dedução, no exercício de 2012, do montante de 1 940 990,00 euros respeitante a “reversão de ajustamentos em inventários tributados”, inscritos na linha 762, do quadro 07 da declaração modelo 22, pois: i)  Os ativos – em especial os  direitos reais de habitação periódica (DRHP) do empreendimento “...” pertencem à Requerente; ii) Os ajustamentos em inventários encontram-se fiscal e contabilisticamente justificados; iii) O custo associado às perdas em inventários é fiscalmente dedutível, por preencher os requisitos do art. 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e iv) Os ajustamentos em inventários foram acrescidos em exercícios anteriores, mais concretamente ao exercício de 2010, o que legitima a sua dedução em 2012, de acordo com o seguinte quadro:

Prédio   Dedução modelo 22

 ...           1 893 370,00 euros

...            47 620,00 euros

Total a deduzir em 2012                1 940 990,00 euros

 

Contudo, observa que no despacho de indeferimento da reclamação graciosa refere-se que: i) para os ativos objeto dos presentes autos – “...” e “...” – a Requerente devia ter contabilizado o rendimento ou efetuado o acréscimo ao resultado tributável do valor correspondente à dedução efetuada; ii) a aceitação fiscal dos gastos deverá obedecer à regra geral prevista no art. 23.º do CIRC e, em tal âmbito, o meio de prova mais importante é a documental. A ausência de qualquer um dos requisitos implica a sua não consideração como gasto fiscal, pois em IRC vigora a autodeterminação do lucro contabilístico e iii) no que concerne à dedutibilidade do gasto associado à perda em inventários, refere que  quanto aos documentos em crise –  Acordo e Revogação dos DRHP –  verifica-se que, para além de não conterem qualquer referência à valorização dos DRHP, também não comprovam a sua existência e titularidade.

A Requerente aceita que, para o exercício de 2007, o acréscimo ao campo 270, no montante de 1 976 327,00 euros, não foi realizado nesse ano, como também em relação aos exercícios de 2006, 2008 e 2009. Pelo que refere aceitar expressamente a correção do montante de 1 976 327,00 euros, relativamente ao ajustamento efetuado em 2007, por referência ao empreendimento “...”.

Em segundo lugar, mantém a sua discordância relativamente à posição dos Serviços de Inspeção Tributária quando sustentam que: “…relativamente ao acréscimo no montante de 2 645 938,00 euros, não comprova o sujeito passivo que este acréscimo diga respeito às perdas por imparidade em causa”.

Cumulativamente  ainda se insurge  contra o entendimento da Requerida no sentido de que as reversões dos ajustamentos em inventários referentes ao prédio “...”, que foi registado em rendimentos, bem como a reversão dos DRHP da “...”, efetuada apenas em balanço, não reúnem as condições para a dedução, e como tal, não se encontra comprovada a reversão das perdas por imparidade (ajustamento em inventários) declarada no campo 762, no montante de 4 169 647,00 euros.

Essa discordância no que respeita aos DRHP do empreendimento da “...”, no montante de 3 869 697,50 euros tem por fundamento a posição da Requerida no sentido de que fica afastada a utilização do ajustamento em inventários, uma vez que para esta não ficou provada a tributação no exercício da constituição da perda por imparidade (ajustamento) e a dedutibilidade do gasto no momento da dedução ao resultado tributável.

Em resumo, na sua opinião, os elementos juntos aos autos ao longo do procedimento de inspeção permitem concluir pela admissibilidade fiscal da dedutibilidade no exercício de 2012 das reversões das perdas por imparidade relativas aos imóveis “...” e “...”.

A sua pretensão anulatória alicerça-se, em primeiro lugar, no facto de o relatório de inspeção tributária violar a distribuição do ónus da prova entre a AT e o contribuinte, previsto nos artigos 75.º e 76.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Alega que se é a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que tem o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretende exercer no procedimento, os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos.  Dever esse que a Requerente entende ter cumprido ao longo de todo o procedimento de inspeção tributária, carreando toda a prova documental suscetível de concretizar o seu direito à dedução das perdas por imparidade, mormente, a prova de que foi constituída, no exercício de 2010, a perda por imparidade de 2 645 938,00 euros – Relatório e Contas de 2010.

Ainda neste âmbito sustenta que a prova carreada encontra-se documentada à luz do estabelecido na legislação comercial, fiscal e contabilística. Por isso, entende que apresentou toda a documentação contabilística e registos auxiliares, confirmando os valores referentes às perdas por imparidade deduzidas no ano de 2012, pelo que ficou comprovado que o acréscimo de 2 645938,00 euros, respeita às perdas por imparidade.

Em segunda linha, refere que nos termos do art. 28.º, n.º 1 do CIRC (na redação em vigor à data do facto tributário) são dedutíveis no apuramento do lucro tributável, os ajustamentos em inventários reconhecidos no período de tributação até ao limite da diferença entre o custo de aquisição dos inventários e o respetivo valor realizável líquido referido à data do balanço.

Contudo, aquando da constituição dos concretos ajustamentos em inventários: i) 47 620,00 euros e 3 869 697,00 euros, não procedeu à dedução por não estarem reunidos os pressupostos legais, a definição do valor realizável líquido. De igual modo, apenas concorrem para a formação do lucro tributável a reversão, parcial ou total, dos ajustamentos que foram inicialmente dedutíveis.

Defende que foi esta a lógica que foi observada, quando em 2012 procedeu à dedução da reversão dos ajustamentos em inventários, isto é, no momento em que os pressupostos legais, de que depende a dedutibilidade, se verificaram.

O campo 718 da declaração de IRC - modelo 22 - respeita aos ajustamentos em inventários no momento da sua constituição, por não reunirem os pressupostos legais dos quais dependia a sua dedução – situação fáctica em apreço. Na verdade, não sendo um ajustamento em inventários dedutível, o contribuinte deve fazer a respetiva correção no apuramento do resultado líquido do exercício, colocando o valor do ajustamento a acrescer do quadro 07.

No exercício de 2010, a Requerente procedeu ao acréscimo do montante de 2 645 938,00 euros no campo 718 da declaração de IRC - modelo 22, pelo que não concorda com a correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária. Por isso considera que observou os princípios da dedutibilidade dos ajustamentos em inventários e da tributação das respetivas reversões, procedeu ao acréscimo do referido montante em 2010 e dedução em 2012. Defende que sempre seguiu os princípios contabilísticos e fiscais estabelecidos na lei e, assim, todos os acréscimos e deduções efetuadas no quadro 07 das declarações de IRC - modelo 22 dos diversos exercícios fiscais, foram um reflexo do princípio contabilístico seguido pela empresa, como se evidencia na nota 6 – inventários, do Relatório e Contas de 2010, que obteve parecer favorável do Revisor Oficial de Contas.

Assim, a reversão por imparidade referente aos DRHP não foi registada na conta rendimento, mas antes no balanço.

Não se conforma ainda a Requerente com a conclusão dos Serviços de Inspeção Tributária de que relativamente às perdas por imparidade que supostamente foram revertidas em 2012 apenas é feita referência à “...” e à “loja na Rua...”, não existindo qualquer referência ao prédio “...”. Contudo, uma das rubricas (intitulada de “Outras”) da nota 6 – inventários, do Relatório e Contas de 2010, abrange o prédio “...”.

E quanto ao edifício “...”, os Serviços de Inspeção Tributária referem que os documentos carreados para a inspeção não permitem validar, quer o valor do ativo registado supostamente em 2007, quer o valor das perdas por imparidade pretensamente constituídas entre 2007 e 2012. No referido quadro da nota 6 é indicado como valor a 31 de dezembro de 2009, o montante de 1 893 370,00 euros, sendo a perda por imparidade no montante de 1 893 370,00 euros e o valor a 31 de dezembro de 2010 de 0,00 euros. Por sua vez no quadro apresentado pelo sujeito passivo aquando do primeiro pedido de esclarecimentos é indicado a 31 de dezembro de 2011, um valor bruto de 3 869 698,00 euros e perdas por imparidade de 3 869 697,00 euros, o que perfaz um valor líquido de 1,00 euros.

Assim, a Requerente entende que se deverá considerar provado o registo da perda por imparidade do edifício “...”, ainda que parcialmente, no montante de 1 893 370,00 euros, uma vez que essa parte ficou inequivocamente provada.

Deste modo, a Requerente pretende que lhe seja reconhecido o direito à dedução, em 2012, do montante de 1 940 990,00 euros, pois ficou provado o acréscimo em 2010, no montante de  2 645 938,00 euros, o qual engloba 242 330,00 euros respeitantes ao prédio da Rua  ... (reconhecido pelos Serviços de Inspeção Tributária);  1 893 370,00 euros, respeitantes ao edifício “...”;  47 620,00 euros referentes ao prédio “...” e  462 618,00 euros referentes a outros ativos. Bem como ficar patente o registo contabilístico em 2010, de 242 330,00 euros, respeitantes ao prédio da Rua ... (reconhecido pelos Serviços de Inspeção Tributária), 1 893 370,00 euros referentes ao edifício “...” e 47 620,00 euros referentes ao prédio “...” – englobados na rubrica “outras”.

Quanto ao ativo dos DRHP “...”, aquele que para Requerida não existe evidência da sua titularidade na esfera jurídica da Requerente, sustenta que o registo dos direitos na Conservatória do Registo Predial não é constitutivo, mas somente declarativo. Razão pela qual entende que se encontra provado que os DRHP integram o seu ativo.

Como também, entende a Requerente que os ajustamentos em inventários, registados contabilisticamente em 2010, no montante de 2 645 938,00 euros respeitaram as regras contabilísticas em vigor, ficando provada a sua substância económica.

Para além do mais, integrando os ajustamentos em inventários um custo para as empresas, para que os mesmos sejam dedutíveis devem respeitar o princípio geral de dedutibilidade de gastos previsto no art. 23.º do CIRC e a partir do momento em que os ativos são aceites como parte integrante do lucro tributável, não se coloca a questão de saber se os mesmos são ou não indispensáveis à fonte produtiva,  nem se  se destinam à obtenção do lucro sujeito a imposto.

Contudo, no seu juízo, parece claro que os imóveis em questão são indispensáveis à atividade da Requerente, como até resulta do seu objeto social, a promoção imobiliária. Como também, os imóveis destinam-se à obtenção do lucro, embora nem sempre o originem – sendo este um risco associado à atividade económica, o que não obsta à sua dedutibilidade.

 A posição da AT no sentido de que a desistência do negócio jurídico tem por fonte o facto de ter deixado de interessar às partes, configura uma violação do princípio da liberdade de gestão empresarial, visto que essa posição envolve um juízo de oportunidade acerca da revogação do acordo de parceria.

Por isso e com fundamento de que os ajustamentos em inventários se encontram devidamente documentados, também no que respeita ao gasto associado à resolução do acordo dos DRHP do empreendimento “...”, encontram-se reunidos os pressupostos gerais do art. 23.º do CIRC.

Por último, peticiona a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, porquanto existe “erro imputável aos serviços” que determinou o pagamento indevido da dívida tributária.

11. A Requerida apresenta uma defesa com os seguintes fundamentos:

 

i) Reversão de ajustamentos em inventários e perdas por imparidade tributadas

 

O procedimento de inspeção tribuária que deu origem à liquidação controvertida teve como objetivo a análise da legalidade dos movimentos de registo contabilístico em rendimentos do exercício relacionados com as deduções inscritas nos campos 762 (reversão de ajustamentos em inventários tributados e de perdas por imparidade tributadas) do quadro 07 da declaração de IRC - modelo 22, exercício de 2012.

Quanto à comprovação de reversões de ajustamentos em inventários já tributados refere que a Requerente declarou no campo 762 do quadro 07 da declaração de IRC - modelo 22,  o montante de  4 169 647,00 euros com a finalidade de deduzir à matéria tributável e sustenta que: “… a reversão de ajustamentos em inventários que no momento  da sua constituição não reunia os pressupostos para serem aceites fiscalmente, nos termos do art. 28.º do Código do IRC”.  Refere ainda que a Requerente pretende demonstrar a tributação prévia dos valores deduzidos na declaração de IRC - modelo 22, através do seguinte quadro:

 

Constituição efetuada em 2007 – campo 270      1 976 327,00 euros

Constituição efetuada em 2010 – campo 718      2 645 938,00 euros

Reversão efetuada em 2011 – campo 762            - 190 948,00 euros

Saldo a 01/o1/2012         4 431 317,00 euros

Reversão efetuada em 2012 – campo 762            - 4 169 647,00 euros

Saldo a 31/12/2012         261 670,00 euros

 

Quanto ao enquadramento legal, sustenta que: o art. 28.º do CIRC (na redação em vigor à data do facto tributário) dispõe que são dedutíveis no apuramento do lucro tributável os ajustamentos em inventários reconhecidos no período de tributação até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respetivo valor realizável líquido à data do balanço, quando este for inferior àquele.  Como também, a reversão total ou parcial dos ajustamentos previstos no n.º 1 do art. 28.º do CIRC concorre para a formação do lucro tributável.

Por isso defende, a dedução no quadro 07, opera sempre que tal perda por imparidade já foi tributada anteriormente, no momento da constituição. Ora, nos esclarecimentos apresentados pelo sujeito passivo assume-se que tais perdas por imparidade não reuniram os pressupostos para serem aceites fiscalmente, nos termos do referido art. 28.º do CIRC. Cabendo à Requerente provar o acréscimo no quadro 07 no ano da constituição da perda por imparidade (art. 75.º da LGT, artigos 123.º e 130.º do CIRC), a verdade é que apesar da apresentação de um quadro fazendo a referência a “pretensos” acréscimos efetuados no quadro 07 por conta das perdas por imparidade, não se comprova, para o exercício de 2007, o acréscimo referido pelo sujeito passivo no campo  270 da declaração de IRC - modelo 22, no montante de  1 976 327,00 euros.

Acrescenta igualmente que, relativamente ao acréscimo no montante de 2 645 938,00 euros, não se prova que este diga respeito às perdas por imparidade em causa.

Por isso, defende que não se encontra comprovada a tributação de tais perdas por imparidade.

Paralelamente, refere que, a dedução no quadro 07 impõe que no exercício da dedução se comprove que tal rendimento concorreu para o resultado tributável. Contudo, defende que, da análise das demonstrações financeiras e esclarecimentos prestados pela Requerente, apenas a reversão das perdas por imparidade referentes ao prédio rústico sito no lugar de ..., no valor de 47 620,00 euros e à fração C do prédio urbano com o artigo matricial..., no valor de 252 330,00 euros foram registadas em rendimentos – conta (SNC) 762.

Relativamente ao valor restante da dedução, que corresponde à reversão decorrente da renúncia aos DRHP a favor da B..., Lda., segundo a Requerente, registada em balanço e não revelada em rendimentos, não se encontra provada a reversão das perdas por imparidade (ajustamentos em inventários) declarada no campo 762 da declaração de IRC - modelo 22, do exercício de 2012, no montante de  4 169 647,00 euros.

A Requerida entende que fica ainda afastada a utilização de ajustamentos em inventários de  3 869 697, 50 euros, na medida em que qualquer ajustamento/perda por imparidade apenas concorre para o resultado tributável  (por via do registo de um gasto ou de uma dedução fiscal), caso se comprove: i) a tributação, por via do acréscimo no quadro 07 da declaração de IRC - modelo 22, no ano da constituição da perda por imparidade; ii) a dedutibilidade do gasto (ou dedução fiscal) no momento da dedução ao resultado tributável, nos termos do art. 23.º do CIRC. Isto é, não se encontrando comprovada a tributação em exercícios anteriores do montante 3 869 697,50 euros referente ao ativo - DRHP sobre a “...”, vedada fica a sua utilização.

A regulamentação fiscal e contabilística exige que o registo das perdas por imparidade nos inventários depende da identificação das causas que contribuem para a verificação da perda de valor e de um processo de quantificação da perda através de estimativas do valor realizável líquido. Ou, dito de outro modo, advoga que devem ser identificadas as circunstâncias económicas ou de mercado suscetíveis de justificar a desvalorização dos inventários e utilizando-se para prova – documentos cujo conteúdo deve proporcionar informação clara sobre a origem, natureza e estimativas dos preços tidos como relevantes e quantificação dos ajustamentos em inventários – artigos  123.º, n.º 2, al. b) e 23.º, n.º 1, ambos do CIRC.

Sucede que, no seu juízo, ficou demonstrado que a Requerente devia ter contabilizado o rendimento ou efetuado o acréscimo ao resultado tributável do valor correspondente à dedução efetuada, o que não se verificou. Nesta linha, observa que a própria Requerente informou que fez a reversão utilizando apenas a movimentação das contas de Balanço – 32 Mercadorias e 329 Perdas por Imparidade acumuladas.

No que concerne aos requisitos para a dedutibilidade dos gastos, nos termos do art. 23.º do CIRC (na redação em vigor à data), o normativo exige: i) prova documental (apoio escritural aos lançamentos contabilísticos); ii) ligação justificada com a atividade produtiva da empresa e essa indispensabilidade verifica-se desde que esses encargos se conectem com a obtenção do lucro e iii) que as despesas realizadas pelo contribuinte devem estar adstritas ou à obtenção dos ganhos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora.

No seu juízo, os documentos entregues pela Requerente são irrelevantes face às exigências do referido normativo, pois não foram juntos os documentos comprovativos dos encargos. Isto é, não tendo esta feito a prova que lhe competia, a sua pretensão anulatória tem de improceder.

Em concreto, relativamente à propriedade “...”, verifica-se que ocorreu a desistência do negócio, apresentando-se como única justificação a circunstância de ter existido perda de interesse pelas partes. Apesar de ter sido apresentado um “Acordo de Parceria”, datado de 11 de maio de 2007, no qual consta que as partes irão diligenciar no sentido de alienar a terceiros as frações relativamente às quais já têm entre si a totalidade dos DRHP e em relação às restantes frações irão promover a sua  aquisição, com vista à subsequente venda, a verdade é que em 2012 a Requerente apresentou um documento denominado “Revogação do Acordo de Parceria”, alterando-se a estratégia empresarial. Ou, dito de outro modo, o Acordo e a Revogação não contêm qualquer referência à valorização dos DRHP, como também não comprovam a respetiva aquisição e titularidade, quando o art. 8.º do Regime Jurídico da Habitação Periódica o exige.

Defende igualmente que da análise às matrizes prediais não consta o registo dos DRHP em nome da Requerente, nem a revogação do acordo com a B..., Lda., com o NIF... .

Em suma, deve ser mantido na ordem jurídica o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa e, consequentemente, a liquidação adicional de IRC.

 

ii) Direito a juros indemnizatórios

Se no caso concreto não existe “erro imputável aos serviços” não pode a Requerida ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.

 

QUESTÕES A DECIDIR

Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições da Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, acima sumariadas, são as seguintes questões que o tribunal deve apreciar (sem prejuízo da solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – art. 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art. 21.º, n.º 1, al. e) do RJAT):

a)            Se o indeferimento expresso da reclamação graciosa que, em termos finais, incide sobre a liquidação de IRC n.º 2016..., padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito;

b)           Se a Requerente deve ser reembolsada do imposto pago e se tem direito a juros indemnizatórios.

 

SANEAMENTO

 

O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se as condições para ser proferida a decisão final.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos que se consideram provados

 

1.1.  A Requerente tem como atividade principal a promoção imobiliária, tendo como atividade secundária a compra e venda de bens imobiliários (relatório de inspeção tributária constante no PA).

1.2. Em 27/05/2013 a Requerente, na declaração de IRC - modelo 22, do exercício de 2012, no quadro 07, campo 762, inscreveu a deduzir a título de reversão de ajustamentos em inventários tributados e de perdas por imparidade tributadas, o montante de 4 169 647,00 euros (Documento junto na reclamação graciosa sob n.º 3 e constante no PA).

1.3. A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva interna, de âmbito parcial levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, relativa ao exercício de 2012, com vista a aferir a legalidade dos movimentos de registo contabilístico em rendimentos do exercício, relacionados com as deduções inscritas nos campos 762 (reversão de ajustamentos em inventários tributados e de perdas por imparidade tributadas), do quadro 07 da declaração de IRC – modelo 22, sobretudo o seu enquadramento no art. 28.º do CIRC (relatório de inspeção tributária constante no PA).

1.4. No decurso da inspeção, a Requerente, declarou que a reversão dos ajustamentos efetuada em 2012 corresponde aos seguintes inventários:

a) Prédio rústico, sito no lugar ..., inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o art. ...º, da seção “AB”, cuja imparidade correspondia a 47 620,00 euros, o qual foi alienado no dia 20 de março de 2012, pelo montante de 70 000,00 euros;

b) Prédio urbano – fração “C” (inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o art. ...), sito na Rua ..., cuja imparidade correspondia a 252 330,00 euros, o qual foi alineado no dia 10 de outubro de 2012, pelo montante de 230 000,00 euros;

c)  Direitos Reais de Habitação Periódica sobre a “...”, cuja imparidade correspondia a 3 869 697,50 euros, tendo sido assinado um contrato de Revogação desses direitos, em 30 de novembro de 2012, o qual revogou o acordo de parceria celebrado a 11 de maio de 2007 entre a Requerente e as sociedades C... SGPS, S.A. e B..., Lda. (relatório de inspeção tributária constante no PA).

1.5. A Requerente declarou no procedimento de inspeção que as imparidades registadas em inventários foram efetuadas contabilisticamente nos anos de 2007 e 2010 da seguinte forma:

a) Ajustamento efetuado em 2007, no montante de 1 976 327,00 euros, relativo ao empreendimento “...”;

b) Ajustamento efetuado em 2010, no montante de 2 645 938,00 euros, o qual abrange, nomeadamente, os empreendimentos “...”, no montante de 1 873 379,00 euros; Rua ..., no valor de 242 330,00 euros e “...”, no valor de 47 620,00 euros, incluído na rubrica “outras” (relatório de inspeção tributária constante no PA).

1.6. A Requerente enviou à AT, durante a inspeção, uma resposta na qual alega que a tributação prévia dos valores deduzidos na declaração de IRC – modelo 22, do exercício de 2012, ocorreu da seguinte forma:

Constituição efetuada em 2007 – campo 270      1 976 327,00 euros

Constituição efetuada em 2010 – campo 718      2 645 938,00 euros

Reversão efetuada em 2011 – campo 762            - 190 948,00 euros

Saldo a 01/o1/2012         4 431 317,00 euros

Reversão efetuada em 2012 – campo 762            - 4 169 647,00 euros

Saldo a 31/12/2012         261 670,00 euros

 

1.7. A AT, no relatório final de inspeção tributária, concluiu que ficou provada a reversão no montante de 242 330,00 euros, respeitante ao prédio urbano sito na Rua ... (fração “C” do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., com o art. matricial n.º...).

1.8.   A Requerente foi notificada do relatório de inspeção tributária, com despacho de 30/09/2016, que determinou as seguintes correções:

Descrição            Valor

Prejuízo Fiscal (declarado)             3 984 172,33 euros

Correções           3 927 317,00 euros

Prejuízo Fiscal (corrigido)             56 855,33 euros

 

1.9. Na fundamentação das correções efetuadas pela AT consta:

“ – Que o sujeito passivo deduziu no apuramento do resultado fiscal do exercício em causa, a título de reversões de ajustamentos em inventários e/ou de perdas por imparidade já tributados (artigos 28.º, n.º 3 e 35.º, n.º 3, ambos do CIRC) a importância de 4 169 647,00 euros, inscrevendo-a no quadro 07, campo 762, da respetiva modelo 22 de IRC;

- Todavia, os elementos disponíveis na AT, conjugados com os facultados pelo sujeito passivo em resposta ao pedido de esclarecimentos que lhe foi dirigido pelos Serviços de Inspeção Tributária, não permitiram confirmar a tributação em anos anteriores da referida verba;

- Que da referida verba, não concorreu para a formação do lucro tributável do exercício em causa a importância de 3 689 697,50 euros, supostamente correspondente a Direitos Reais de Habitação Periódica (DRHP).  Ou seja, apenas foi cumprido aquele requisito (art. 28.º, n.º 3 do CIRC) em relação a dois imóveis no valor de 299 950,00 euros, e

- Que não foi feita prova da quantificação do valor do ativo DRHP nem do da correspondente perda por imparidade, assim como também não foi justificada a racionalidade económica da operação subjacente à mesma perda, ou seja, a renúncia àqueles direitos reais.

Em face destas conclusões e tendo em conta o disposto no art. 75.º da LGT, conjugado com o disposto nos artigos 123.º e 130.º do CIRC e ainda o teor do art. 23.º deste último diploma, foi projetada a proposta de correção total das sobreditas reversões consideradas pelo sujeito passivo no apuramento do resultado fiscal do exercício em causa (4 169 647,00 euros)”.

Porém, na sequência da notificação que lhe foi efetuada para o efeito (…) tendo trazido ao processo elementos que permitiram confirmar a tributação em exercícios anteriores de parte do valor das reversões deduzidas, concretamente 242 330, 00 euros. Consequentemente revista a antedita proposta de correção (…), sendo proposta a alteração do prejuízo fiscal declarado pelo sujeito passivo para o exercício de 2012, de 3 984 172, 33 euros para o ainda prejuízo de 56 855, 33 euros…”.

1.10. Com fonte nas aludidas correções no montante de 3 927 317,00 euros foi efetuada pela AT a liquidação adicional de IRC n.º 2016..., relativa ao exercício de 2012 e demonstração de liquidação de juros compensatórios, no valor total de 792,82 euros (documento junto pela Requerente sob o n.º 2).

1.11. A Requerente pagou o montante de 700 euros da liquidação adicional, tendo sido anulados os juros compensatórios de 92,82 euros (documento junto pela Requerente sob o n.º 1).

1.12. Por não concordar com as correções que têm por fonte a impossibilidade de dedução, para efeitos de apuramento do lucro tributável de reversões de perdas por imparidade; por não ter ficado provada a sua tributação em exercícios anteriores, apresentou reclamação graciosa no dia 11/04/2017, na qual imputa à liquidação de IRC n.º 2016... o vício de violação de lei, solicita o reembolso do imposto  e peticiona a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal (relatório de inspeção tributária constante no PA).

1.13. A reclamação graciosa foi expressamente indeferida por despacho do Senhor Diretor Adjunto de Finanças de   Lisboa por ofício datado de 26/02/2018 (PA).

1.14. A Requerente foi notificada de tal despacho a 27/02/2018 (PA).

1.15. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 28/05/2018.

 

2. Factos que não se consideram provados

 

2.1. A Requerente foi titular dos DRHP que incidem sobre as frações DQ, DG, DH, DN, EG, ET, GI, GJ, GL, GM, GV, GZ, HI, HA, HJ, HL, HM, HS, HX, HZ, IH, II, IJ, IA, IX, IL, IM, IN, IT, IZ, JL, JA, JB, JC, JV, JZ, JM, JO, JP, LJ, LM, LA, LB e LC  do edifício denominado “...”, no período compreendido entre 2007 a 2012.

2.2. A referência a “outras” e respetivo valor monetário inscrito na nota 6 – inventários, do Relatório e Contas também se reporta ao prédio designado “...”.

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

No que se refere aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se nas posições assumidas pelas partes e na análise crítica da prova documental junta aos autos, descrevendo-se nos factos provados os documentos que os sustentam.

 

4. Fundamentação da matéria de facto que não se considera provada

 

Não foram juntos aos autos quaisquer documentos pela Requerente que permitam que se dê a matéria indicada em 2 como assente. No que respeita aos DRHP, essa prova efetuar-se-ia com a junção dos certificados prediais e a referência a “outras”, na nota 6 - inventários, do Relatório e Contas de 2010 não permite, sem margem para dúvidas, comprovar a ligação ao prédio designado “...”.

 

MATÉRIA DE DIREITO

 

Antes de mais, importa descrever os normativos relevantes para a apreciação do mérito e desenvolver, de um ponto de vista teórico, a questão dos ajustamentos em inventários .

Para a determinação do lucro tributável a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística, sem prejuízo das particularidades previstas no CIRC e de refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, pois assim, os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas a IRC podem distinguir-se das restantes – art. 17.º, números 1 e 3, alíneas a) e b) do CIRC.

Os lançamentos devem ser suportados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de apresentação sempre que necessário – art. 123.º, n.º 2, al. a) do CIRC.

Relativamente aos inventários, o art. 26.º do CIRC (na redação em vigor à data do facto tributário) dispunha que: “1 — Para efeitos da determinação do lucro tributável, os rendimentos e gastos dos inventários são os que resultam da aplicação de métodos que utilizem:

a) Custos de aquisição ou de produção;

b) Custos padrões apurados de acordo com técnicas contabilísticas adequadas;

c) Preços de venda deduzidos da margem normal de lucro;

d) Preços de venda dos produtos colhidos de ativos biológicos no momento da colheita, deduzidos dos custos estimados no ponto de venda, excluindo os de transporte e outros necessários para colocar os produtos no mercado;

e) Valorimetrias especiais para os inventários tidos por básicos ou normais.

2 — No caso de os inventários requererem um período superior a um ano para atingirem a sua condição de uso ou venda, incluem-se no custo de aquisição ou de produção os custos de empréstimos obtidos que lhes sejam diretamente atribuíveis de acordo com a normalização contabilística especificamente aplicável.

3 — Sempre que a utilização de custos padrões conduza a desvios significativos, pode a Direcção-Geral dos Impostos efetuar as correções adequadas, tendo em conta o campo de aplicação dos mesmos, o montante das vendas e dos inventários finais e o grau de rotação dos inventários.

4 — Consideram-se preços de venda os constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo ou ainda os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco.

5 — O método referido na alínea c) do n.º 1 só é aceite nos sectores de atividade em que o cálculo do custo de aquisição ou de produção se torne excessivamente oneroso ou não possa ser apurado com razoável rigor, podendo a margem normal de lucro, nos casos de não ser facilmente determinável, ser substituída por uma dedução não superior a 20% do preço de venda.

6 — A utilização de valorimetrias especiais previstas na alínea e) do n.º 1 carece de autorização prévia da Direcção-Geral dos Impostos, solicitada em requerimento em que se indiquem os métodos a adotar e as razões que os justificam”.

Quanto aos ajustamentos em inventários, o art. 28.º do CIRC estatuía que: “1 — São dedutíveis no apuramento do lucro tributável os ajustamentos em inventários reconhecidos no período de tributação até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respetivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por valor realizável líquido o preço de venda estimado no decurso normal da atividade do sujeito passivo nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda.

3 - A reversão, parcial ou total, dos ajustamentos previstos no n.º 1 concorre para a formação do lucro tributável.

4 — Para os sujeitos passivos que exerçam a atividade editorial, o montante anual acumulado do ajustamento corresponde à perda de valor dos fundos editoriais constituídos por obras e elementos complementares, desde que tenham decorrido dois anos após a data da respetiva publicação, que para este efeito se considera coincidente com a data do depósito legal de cada edição.

5 — A desvalorização dos fundos editoriais deve ser avaliada com base nos elementos constantes dos registos que evidenciem o movimento das obras incluídas nos fundos”.

Já o art. 123.º, números 1 e 2 do CIRC dispunha que: “1. As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direção efetiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direção efetiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável. 2.Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário; b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objeto de regularização contabilística logo que descobertos”.

O art. 23.º, n.º 1, al. h) do CIRC previa a possibilidade de dedutibilidade fiscal das perdas por imparidade, desde que reconhecidas ou contabilizadas no mesmo período de tributação.

Importa ainda acrescentar que para que um gasto seja fiscalmente dedutível em IRC, exige-se a apresentação de documentos justificativos, constantes da contabilidade do sujeito passivo, que tenham efetivamente servido de alicerce às operações e transações realizadas e sejam indispensáveis para a realização dos proveitos. A este propósito  sustenta a jurisprudência: “Com efeito, muito embora resulte dos autos que a referida quantia está devidamente documentada (vide fls. 72 a 161) e ao contrário daquilo que se refere na sentença recorrida, uma vez que é jurisprudência pacífica desta Secção do STA de que os requisitos das faturas constantes do art.º 35.º, n.º 5 do CIVA, não são condição da validade formal das faturas para efeitos de IRC, mas apenas para efeitos de dedução de IVA, nos termos do art.º 19.º, n.º 2 do CIVA, o certo é que se tais talões e recibos demonstram que a impugnante adquiriu bens e fez determinadas despesas, nada demonstra nos autos qual o fim específico que lhes foi dado, de molde a permitir concluir que os mesmos foram indispensáveis para a realização dos proveitos tributáveis ou para a manutenção da fonte produtora e, na verdade, também lhe cabia tal ónus” . Ou, dito de outro modo, a comprovação da ligação dos gastos com a atividade empresarial.

A perda por imparidade é objeto de regulação na norma contabilística e de relato financeiro 12 (NCRF 12) – Imparidade de Ativos, a qual tem por fonte a Norma Internacional de Contabilidade IAS 36 – Imparidade de Ativos.

O conceito de perda por imparidade compreende o excedente da quantia escriturada de um ativo, ou de uma unidade geradora de caixa, em relação à sua quantia recuperável.

A NCRF 12 - Imparidade de Ativos prescreve os procedimentos que uma entidade deve aplicar para assegurar que os seus ativos sejam escriturados por não mais do que a sua quantia recuperável. Isto é, um ativo é escriturado por mais do que a sua quantia recuperável, se a sua quantia escriturada exceder a quantia a ser recuperada através do uso ou venda do mesmo. Se essa condição se verificar, o ativo é descrito como estando em imparidade e a Norma determina que a entidade reconheça uma perda por imparidade. Sucede que, a Norma também concretiza as hipóteses em que uma entidade deve reverter uma perda por imparidade e prescreve divulgações.

As imparidades nos inventários constituem uma das exceções de tratamento da NCRF 12 – Imparidade de Ativos, sendo esta questão acordada na NCRF 18 – Inventários.

A prática de reduzir o custo dos inventários para o valor realizável líquido harmoniza-se com a regra de que os ativos não devem ser contabilizados por quantias superiores àquelas que resultariam da sua venda ou uso.

As perdas por imparidade em inventários são apuradas pela diferença entre o custo da compra ou da produção e o seu valor realizável líquido, quando este é mais baixo.

O custo dos inventários pode também não ser recuperável, se os custos estimados de acabamento tiverem aumentado, se os inventários estiverem danificados ou se os custos estimados a serem suportados para realizar a venda tiverem aumentado.

Mas como se apura o valor líquido?

A NCRF 18 nos seus §§ 30 e 31 determina que as previsões do valor líquido que se estima realizar devem ser baseadas nas provas mais fiáveis disponíveis, no momento em que são feitas as estimativas e devem valorar a finalidade pela qual é detido o inventário. As referidas estimativas devem tomar em consideração as variações nos preços ou custos diretamente relacionados com acontecimentos que ocorram após o fim do período, pois assim tais acontecimentos confirmam as condições já existentes no fim do período.

No final de cada período de relato, o valor realizável líquido deve ser reavaliado  e, se as circunstâncias que anteriormente resultaram em ajustamento ao valor dos inventários deixarem de existir, ou quando houver uma clara evidência de um aumento do valor realizável líquido devido à alteração das circunstâncias económicas, a quantia do ajustamento deve ser revertida, de modo a que a  nova quantia escriturada seja o valor mais baixo de custo e do valor realizável líquido revisto.

Deste modo, os sujeitos passivos devem mensurar permanentemente o valor realizável líquido dos inventários existentes, sendo certo que naquelas hipóteses em que o custo histórico é superior ao valor realizável líquido, é necessário realizar o lançamento contabilístico da imparidade.

As reversões de perdas por imparidade concorrem para a determinação do rendimento tributável, conclusão que coincide com a NCRF 18, pelo que a reversão do ajustamento deve ser revelada no rendimento do exercício.

Para além do mais, os ajustamentos em inventários (perdas por imparidade) devem constar do processo de documentação fiscal da entidade, não só através do preenchimento do modelo 30 – mapa das provisões, perdas por imparidade em créditos e ajustamentos em inventários, como também da documentação de suporte, nomeadamente, as evidências de imparidade e as certidões de processos judiciais, art. 130.º do CIRC.

Em resumo, a dedução na declaração de IRC - modelo 22, opera quando a perda por imparidade já foi tributada anteriormente, no momento da constituição e exige-se, igualmente, que no exercício da dedução se comprove que o rendimento concorreu para o resultado tributável.

O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, como expressa e concretamente prevê o art. 74.º da LGT. Assim, incumbe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão com um determinado conteúdo e sentido. Por seu turno, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.

As correções impugnadas são relativas à não dedutibilidade de ajustamentos em inventários, plasmando-se a liquidação tributária em crise, no não reconhecimento da dedução ao lucro tributável pretendido pela Requerente, mormente, por falta de comprovação dos pressupostos que a legitimam.

Deste modo, cabe à Requerente, nos termos do art. 74.º, n.º 1 da LGT, a demonstração das situações fácticas que alicerçam os ajustamentos, reversões que por ela foram promovidos e cuja relevância tributária defende, esclarecendo, comprovando e documentando as operações realizadas.

Mais, de acordo com o art. 75.º, n.º 1 da LGT, as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos prescritos na lei, como também os dados e apuramentos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem em consonância com a legislação fiscal ou escrita, presumem-se verdadeiras.  Sucede que, a aludida presunção cessa quando essas declarações, contabilidade ou escrita, ou respetivos dados de suporte, apresentarem omissões, erros e inexatidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, art. 75.º, n.º 2, al. a) da LGT. Acrescenta-se ainda que nos termos do art. 75.º, n.º 3 da LGT, a “… força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar”.

A própria Requerente reconhece que a parte da dedução correspondente à reversão decorrente da renúncia aos DRHP foi efetuada “diretamente em balanço” e não foi registada em rendimentos. Ou, dito de outro modo, utilizou apenas a movimentação de contas de balanço – 32 mercadorias e 329 perdas por imparidade acumuladas. Isto é, cessa a presunção. Na mesma linha, a nota 6 – inventários, do Relatório e Contas de 2010 não permite estabelecer para efeitos do acréscimo da perda por imparidade, no momento da sua constituição, uma ligação com o prédio “...”.

Como observa Jorge Lopes de Sousa a propósito do art. 75.º, n.º 2 da LGT: “O alcance inequívoco da cessação da presunção nestas situações, é o de determinar que, quando elas ocorrerem, será sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existam dúvidas probatórias. Sendo de aplicar esta regra também no processo judicial, pelo que se disse, e harmonizando-a com a regra do n.º 1 do art. 100.º do CPPT, será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam  sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele, n.º 1, justificarem a anulação do ato impugnado”, Código de Procedimento e de Processo Tributário. Anotado e comentado, vol. II, 6.ª ed., Áreas Editora, 2011, p. 133.

Deste modo, incide sobre a Requerente o ónus da demonstração dos factos inscritos e das razões dos ajustamentos realizados na contabilidade, não bastando ficar a dúvida sobre a pertinência da respetiva justificação. Em resumo, a prova produzida deve assegurar, com a certeza exigível, que os ajustamentos e reversões de ajustamentos realizados possuem consistência e materialidade bastante em face das justificações que lhe presidem.

Pois bem, o ponto essencial aqui em apreciação em ordem à aferição da legalidade das correções controvertidas, prende-se com a circunstância de os ajustamentos em inventários se encontrarem fiscal e contabilisticamente justificados, bem como a reversão das perdas por imparidade.

Para se concluir pela legitimidade da dedução de perdas por imparidade na determinação do lucro tributável é necessário provar a tributação, no momento da constituição da perda e, em segundo lugar, a dedução exige que no exercício em que ela seja realizada se comprove que tal rendimento concorreu para o resultado tributável.

Em concreto, a questão coloca-se, em primeiro lugar, com a prova da tributação das perdas por imparidade relativamente aos DRHP da “...” e do prédio “...”.

Quanto às perdas por imparidade em que se exige a prova da tributação anterior, a AT coloca em crise, relativamente ao acréscimo de 2 645 938,00 euros, a ligação com as perdas por imparidade em causa. Por outro lado, quanto à exigência de que no exercício da dedução se comprove que o rendimento concorreu para o resultado tributável, defende que tal não acontece.

No que concerne ao empreendimento da “...” defende que, não se comprova a tributação no exercício da constituição da perda por imparidade e a dedutibilidade do gasto no momento da subtração ao resultado tributável, nos termos do art. 23.º do CIRC. Bem como, sustenta que a reversão da imparidade referente aos DRHP não foi registada na conta rendimento, mas em balanço.

Assim, em relação à “...”, coloca-se, desde logo, a questão de verificar a comprovação da aquisição dos DRHP e da sua valorização. A este propósito, a Requerente defende que não é necessário o seu registo, contudo, a constituição dos DRHP é efetuada por escritura pública e está sujeita a registo predial, cabendo à Conservatória do Registo Predial, a emissão de um certificado, que titule o DRHP e legitime a sua transmissão, sendo entregue ao titular do direito registado -  art. 10.º do  Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de agosto (na redação em vigor à data do facto tributário).

Quanto à questão observa a jurisprudência : “ Sendo a possibilidade de habitar uma unidade de alojamento, durante um período de tempo anual, previamente estabelecido, a faculdade essencial, e distintiva, atribuída ao titular de DRHP, temos que tal direito real, menor, de gozo, sobre coisa alheia, valendo erga omnes, se constitui por negócio jurídico unilateral, sujeito a escritura pública, art.º 7, do DL 275/93 .

O título constitutivo, por sua vez, está sujeito a inscrição no registo predial, art.º 9 do DL 275/93, tornando-se, por efeito do registo, oponível a terceiros. Realizado tal registo definitivo é feita, pela conservatória do registo predial, a emissão do certificado predial, que titula o direito e legitima a transmissão ou oneração deste, n.º 1 e n.º 2, do art.º 10, do DL 275/93. Já em termos de transmissão ou oneração dos DRHP, por ato entre vivos, as mesmas fazem-se mediante declaração das partes no certificado predial, com reconhecimento presencial das assinaturas do constituinte do ónus ou do alienante, estando sujeita a registo nos termos gerais, n.º 1, do art.º 12, do DL 275/93, ficando a transmissão por morte igualmente sujeita a inscrição no certificado predial, n.º 3, da referida disposição legal. Assim, e pese embora o DRHP seja facilmente negociável, pois titulado por um certificado predial, transmissível ou onerável por simples endosso ou averbamento, a que por certo não será estranha a extrema mobilidade, em termos de mercado, da atividade turística, não pode deixar de salientar-se que, para além da mencionada proteção a conceder ao adquirente, não deixou de consagrar-se a sujeição ao registo, para que seja dada a devida publicidade da situação jurídica do prédio, em termos de DRHP, tendo em vista a necessária segurança do comércio jurídico, art.º 1, e art.º 2, b), do CRegPredial, sabendo-se que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, art.º 7, do mesmo diploma legal.".

Contudo, os autos não documentam a existência desses certificados, titulados em nome da Requerente. Deste modo, não prova a Requerente, como lhe incumbia, a titularidade desses DRHP, prova essa necessária aos fins fiscais pretendidos por si pretendidos. Assim, por maioria de razão, não existindo prova documental que justifique o reconhecimento da dedução de 3 869 697,50 euros, não concorre o montante para determinação do lucro tributável, ficando prejudicadas as demais questões relativamente a esta renúncia.  Em suma, não há uma correspondência entre os registos contabilísticos e os documentos que, em tese, deviam suportar os mesmos, v.g. a prova da titularidade dos DRHP, pois não foram juntos os registos, nem os certificados.

No que respeita ao prédio “...”, defende a Requerida que nas perdas por imparidade hipoteticamente revertidas em 2012, não há qualquer referência ao prédio, alegando a Requerente que uma das rubricas da nota 6 – Inventários, do Relatório e Contas de 2010, abrange o aludido prédio.

Quanto a esta questão, o tribunal entende que o sujeito passivo comprovou no exercício da dedução que foi registado como rendimento o valor da reversão. Mas dever-se-á perguntar:  e quanto ao acréscimo da perda por imparidade no momento da sua constituição?

O ónus da prova é, na presente hipótese da Requerente, tendo para o efeito efetuado uma alusão expressa à nota 6 – inventários, do Relatório e Contas de 2010. Sucede que, o tribunal perante a análise do documento, vislumbra que o prédio em causa não se inclui  nas perdas por imparidade que a Requerente defende terem sido revertidas em 2012, pois, não há nenhuma referência expressa ao mesmo, não permitindo estabelecer, sem margem para dúvidas, a ligação do acréscimo da perda por imparidade com o prédio aqui em causa. E não se argumente que, esse acréscimo está na rubrica “outras” da aludida nota 6, pois não fica demonstrada essa ligação com o prédio “...”.

Em resumo, improcede o pedido de anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa e fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

 

III – DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

a) Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2012, sobre a qual incidiu a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa.

b) Julgar prejudicados os pedidos de reembolso da quantia paga e do pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 700 euros, nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

CUSTAS

 

Custas a suportar pela Requerente, no montante de 306 euros, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 21 de junho de 2019

 

 

O árbitro,

 

Francisco Nicolau Domingos