Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
A. – PARTES
A…, S.A., a seguir designado por Requerente, pessoa colectiva nº … … …, com sede na Rua …, nº …, …. -… Lisboa, veio requerer em 14 de Fevereiro de 2014 a constituição do tribunal arbitral singular em matéria tributária, ao abrigo do prescrito no art. 2º, nº 1, alínea a) do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária - RJAT) e nos arts. 1º, alínea a) e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, com a finalidade de ser dirimido o litígio que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, que doravante será designada por Requerida.
B. – CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL
1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerente e à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18/02/2014, tendo o Presidente do respectivo Conselho Deontológico designado o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 1, do RJAT, encargo este que foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.
2. Em 04/04/2014, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos das disposições combinadas do art. 11º, nº 1, alínea b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.
3. Nestas circunstâncias, o Tribunal foi constituído em 22/04/2014, nos termos do preceituado na alínea c), do nº 1, do art. 11º do Decreto – Lei nº 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.
C. – PRETENSÃO
A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e a consequente anulação do Imposto Único de Circulação no valor de 11.887,96 euros, nos termos descritos no Pedido de Pronúncia Arbitral, e, em consequência determine a restituição do imposto que foi pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.
D. – TRAMITAÇÃO DO PROCESSO
Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 22/04/2014, seguiram-se os posteriores termos processuais na forma seguinte:
- Em 29/04/2014 – Foi notificada a Requerida para, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 17º do RJAT, apresentar Resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional.
- Em 21/05/2014 – A Requerida apresentou Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral, remeteu despacho de designação dos juristas representantes da Requerida e inseriu na “Plataforma” on line do CAAD o processo administrativo, tendo sido, de tudo, notificada a Requerente.
- Em 23/05/2014 – A Requerida, alegando lapso, requereu, por estar em tempo, a substituição da peça processual apresentada como Resposta, por uma Resposta tendo por objecto o presente processo.
- Em 27/05/2014 – O Tribunal designou o dia 16/06/2014 para a reunião prevista no art. 18º do RJAT, o que foi notificado às Partes.
- Em 01/06/2014 – Colhida a informação de não ter sido ainda notificada a Requerente do requerimento da AT de 26/05/2014, o Tribunal determinou a junção aos autos do requerimento da Autoridade Tributária de 23/05/2014, tendo sido ordenada a notificação do mesmo à Requerente, o que ocorreu em 02/06/2014.
- Em 04/06/2014 – A Requerente apresentou um requerimento declarando não se opôr à junção aos autos da nova Resposta apresentada pela Autoridade Tributária, por esta estar ainda em prazo para o efeito, quando o fez, concordando com a proposta da Requerida na Resposta quanto à dispensa da reunião prevista no art. 18º do RJAT agendada para 16/06/2014, sem renunciar à produção de alegações.
- Em 05/06/2014 – O Tribunal admitiu a junção aos autos do requerimento da Requerente de 04/06/2014 e ordenou a notificação da Requerida, o que ocorreu naquela data.
- Em 16/06/2014 – Realizou-se a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, de que resultou, o seguinte:
- As Partes, ouvidas para o efeito, declararam não invocar qualquer excepção susceptível de ser apreciada e decidida antes do conhecimento do pedido e não ser necessária a produção de prova adicional.
- Face ao acordo das partes quanto à produção de alegações escritas, o Tribunal fixou um prazo de quinze dias a contar da data desta reunião para apresentação simultânea, e por escrito, das alegações.
- Marcação da data da prolação da decisão em 14/07/2014.
- Em 24/06/2014 – A Requerente apresentou alegações escritas.
- Em 14/07/2014 – Prolação da decisão.
E. – PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS
A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e a consequente anulação de 249 (duzentos e quarenta e nove) actos de liquidação de Imposto Único de Circulação, identificados na Tabela anexa ao Pedido de Pronúncia Arbitral (Anexo A) e efectuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente aos 98 (noventa e oito) veículos automóveis também identificados no mesmo Anexo A, e relativos aos anos de 2009 a 2012, no valor global de € 11.887,96.
A fundamentar o Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
- Os actos de liquidação de IVA referidos assentam nos mesmos factos e, bem assim, nos mesmos fundamentos de Direito.
- Todos eles pressupõem o mesmo entendimento jurídico-tributário: o de que, na pendência dos respectivos contratos de locação financeira, a aqui Requerente, entidade locadora dos veículos em questão, é responsável pelo pagamento de IUC, em vez do correspondente locatário.
- O apuramento da (i)legalidade das sobreditas liquidações implica a análise dos mesmos fundamentos de facto e a interpretação e aplicação das mesmas regras e princípios de Direito.
- Considerando esta identidade de factos tributários, de fundamentos de facto e de direito e, bem assim, do tribunal competente para a decisão, e atendendo ainda ao elevado número de viaturas e ao volume de documentação necessária para comprovar os factos alegados, optou a Requerente por, ao abrigo dos artigos 3º do RJAT e 104º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, agregar as liquidações adicionais cuja legalidade contesta num único pedido de pronúncia arbitral.
- Pelo que requer, ao abrigo dos citados preceitos e tendo em consideração o princípio da economia processual, a emissão no âmbito do presente processo arbitral, um juízo de ilegalidade acerca dos 249 (duzentos e quarenta e nove) actos de liquidação de imposto aqui em apreço.
- Por outro lado, os actos de liquidação de IUC reclamados foram dirigidos a B…, S.A. SUCURSAL EM PORTUGAL, titular do NIPC … … … (doravante, simplesmente “B”), anteriormente designada por C…, SA.
- Tratava-se de uma sucursal em Portugal que, foi extinta, e cuja matrícula foi consequentemente cancelada em 10/01/2007.
- O conjunto de activos e passivos que era detido por esta sucursal foi, antes da sua extinção, incorporado na Requerente.
- Que, assim, assumiu a posição de locadora em todos os contratos de leasing que se encontravam então em vigor na esfera jurídica da SCFEC, entre os quais os que respeitavam aos veículos identificados no Anexo A, que passaram a integrar a carteira de activos da Requerente – que adquiriu todos os direitos e obrigações inerentes à posição de financiador e de locador, designadamente, mas sem restrições, o direito a receber todos os montantes devidos pelos adquirentes, vencidos e vincendos, e pelos locatários dos contratos ao respectivo locador, a título de rendas vincendas, valor residual e quaisquer outros montantes que, em virtude dos contratos, devem ser pagos ao locador.
- Cabendo-lhe a legitimidade processual para contestar eventuais dívidas de natureza tributária que venham a ser imputadas aos (ou que derivem dos) referidos contratos.
- A Requerente pagou o montante de IUC liquidado nos actos de liquidação adicional identificados no Anexo A.
- A Requerente é uma instituição de crédito com forte presença no mercado nacional.
- De entre as suas áreas de actividade, assume especial relevância o financiamento ao sector automóvel, sendo, actualmente, um dos maiores bancos portugueses especializados a operar naquela área particular de financiamento.
- Pelo que, uma parte substancial da sua actividade reconduz-se à celebração – entre outros – de contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis.
- Estes contratos obedecem, de forma geral, a um guião comum, próprio deste tipo de financiamentos: a Requerente, depois de contactada pelo cliente – que, nessa fase, escolheu já o tipo de veículo que pretende adquirir, as suas características (marca, modelo, acessórios, etc.), e inclusive o seu preço – adquire o veículo ao fornecedor que lhe seja indicado pelo cliente, e procede, de seguida, à sua entrega ao referido cliente – que assume, pois, a qualidade de locatário.
- Durante o período que vier a ser estipulado no contrato, este locatário mantém o gozo temporário do veículo – que permanece propriedade da Requerente – mediante remuneração a entregar à Requerente sob a forma de rendas, podendo vir a adquirir o veículo, no termo do contrato, mediante o pagamento de um valor residual.
- O veículo sobre o qual recai o contrato permanece a todo o tempo, durante a vigência do contrato, no gozo exclusivo do cliente/locatário.
- Os veículos automóveis identificados na listagem junta como Anexo A (cuja matrícula consta da coluna C) foram dados em locação financeira, pela Requerente, aos clientes ali também identificados na coluna L).
- Locação essa que se encontrava em vigor nos anos (ou, mais concretamente, nos meses dos anos) em que se venceu a obrigação de pagar IUC associado ao respectivo veículo.
- A utilização dos referidos veículos automóveis esteve sempre exclusivamente a cargo do locatário, embora a sua propriedade continuasse a pertencer à Requerente, enquanto entidade locadora.
- Recentemente, a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento dos IUC a que respeitam os actos de liquidação adicional identificados na tabela junta como Anexo A.
- O que veio a fazer, ao abrigo do regime excepcional instituído pelo Decreto-Lei 151-A/2013 (Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Tributárias e à Segurança Social).
- A Requerida tinha conhecimento da existência dos contratos de locação financeira em apreço e da identidade dos locatários.
- Nos casos de locação financeira, aquisição com reserva de propriedade, etc. – o legislador optou, por onerar com a obrigação de imposto não os proprietários, mas os indivíduos a quem cabe o gozo (potencial de utilização) exclusivo dos automóveis: os locatários financeiros, adquirentes com reserva de propriedade ou locatário com opção de compra.
- Nos termos do nº 2, do art. 3º do Código do IUC a obrigação de pagar IUC é do locatário.
- O que está em conformidade com o pressuposto subjacente a este imposto: a potencial capacidade de poluição associada à utilização do veículo automóvel sobre que incide a tributação, que, nos termos legais (Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, e suas alterações) está atribuída ao locatário, designadamente, nos art. 9º, nº 1, alínea b) e 10º, nº 2.
- Na vigência do contrato de locação financeira o locador é proprietário dos veículos, de forma instrumental, a título de garantia.
- Por estarem sujeitos a contratos de locação financeira, e durante a sua vigência, os veículos automóveis (identificados no Anexo A) em momento algum, foram utilizados pela Requerente, mas sim pelos respectivos locatários, designadamente no momento em que o IUC foi liquidado.
- Os veículos automóveis identificados na listagem junta como Anexo A, encontravam-se na posse dos respectivos locatários no termo do mês da matrícula ou, tratando-se do ano de registo do veículo, noventa dias após a data da matrícula, pelo que a responsabilidade pela liquidação do imposto pertencia não à entidade locadora, aqui Requerente, mas aos locatários.
- A identidade dos locatários é do pleno conhecimento da Requerida, pois, em resultado do disposto no artigo 19º do Código do IUC, aquela é oportuna e atempadamente informada da existência do referido contrato de locação, assim como da identidade (mormente, número de identificação fiscal) do “utilizador do veículo locado”.
- E, mesmo que assim não fosse, a verdade é que o referido locatário encontra-se igualmente, de resto, perfeitamente identificado junto da Conservatória do Registo Automóvel.
- A Requerente conclui que, vigorando um contrato de locação financeira no momento em que se torna exigível o IUC, é ao locatário, e não ao locador (ainda que seja este que detém a propriedade do veículo), que compete liquidá-lo.
- Pelo que, a Requerente não é sujeito passivo de IUC relativamente aos contratos de locação financeira de que é parte, sendo, por isso, ilegais os actos de liquidação adicional de que foi alvo, que se encontram identificados na listagem junta como Anexo A.
F. – RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS
Alegou, em síntese, a Requerida:
- Não infirma os actos tributários de liquidação de IUC identificados no ANEXO A ao Pedido de Pronúncia Arbitral, tendo por objecto 98 veículos automóveis, relativos aos anos de 2009 a 2012.
- Impugna a alegada ilegitimidade da Requerente como sujeito passivo do IUC, nas situações em apreço, porquanto, no seu entender:
- A Requerente faz uma leitura enviesada da letra da lei, dado que o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que os sujeitos passivos do IUC são os proprietários (ou os que se encontram nas situações indicadas no nº 2 do art. 3º do CIUC) considerando-os como tal as pessoas em cujo nome se encontram os veículos registados, razão pela qual não foi utilizada neste dispositivo legal a expressão “presumem-se”, mas sim “considerando-se”.
- O normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do nº 1 do artigo 3º, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente, consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros, como, por exemplo, nos artigos 2º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), 2º, 3º e 4º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e 4º, 17º, 18º e 20º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC).
- Conclui, afirmando que a interpretação feita pela Requerente de que o legislador consagrou no art. 3º, nº 1 uma presunção, e a do nº 2, é uma interpretação contra legem.
- Alega, ainda, a Requerida que aquela interpretação não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime que impõe a obrigatoriedade do registo automóvel, de modo a evitar que a Autoridade Tributária caia em absoluta incerteza relativamente ao sujeito passivo do IUC, colocando até em risco o decurso do prazo de caducidade, razão pela qual se optou por estabelecer que são proprietários para os mencionados efeitos tributários as pessoas em nome das quais os veículos se encontram registados, o mesmo se passando com os equiparados.
- Alega, também, a Requerida que a mencionada interpretação da Requerente ignora o elemento teleológico da interpretação da lei: a ratio do regime consagrado não só no dispositivo legal em apreço, mas também em todo o CIUC.
- Considera a Requerida que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. Isto é, o Imposto Único de Circulação passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos.
- Resulta tal conclusão do teor dos debates parlamentares em torno da aprovação do Decreto-Lei nº 20/2008, de 31 de Janeiro, da Recomendação nº 6-B/2012 do Provedor de Justiça e do espírito do CIUC que, tendo sido motivado, no essencial, por uma preocupação ambiental a sua “ratio” é a de tributar os utilizadores dos veículos, os quais, por força da respectiva utilização provocam um custo ambiental.
- Os actos tributários em crise não enfermam do alegado erro sobre os pressupostos de facto, na medida em que à luz do disposto no artigo 3º, nºs 1 e 2 do CIUC e do artigo 6º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC.
- No caso em apreço onde se encontram subjacentes contratos de locação financeira, a Requerente não demonstrou sequer ter dado cumprimento à obrigação acessória imposta pelo artigo 19º do CIUC.
- E, importa recordar que a aplicação do artigo 3º do CIUC deve ser conjugada com o disposto no artigo 19º do mesmo Código, no qual se estabelece que “para efeitos do artigo 3º do presente código (…), ficam as entidades que procedam à locação financeira, locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação dos utilizadores dos veículos locados.”
- Conclui que, a seguir-se a propugnada tese defendida pela Requerente quanto ao artigo 3º/2 do CIUC, então forçoso é concluir que o funcionamento daquele artigo depende igualmente do cumprimento do estatuído no artigo 19º do CIUC, conforme se retira do seu elemento literal (“para efeitos do artigo 3º do presente código(…)”).
- Alega que, em matéria de locação financeira e para efeitos do funcionamento do artigo 3º/2 do CIUC, forçoso é que os locadores (como a Requerente) cumpram a obrigação ínsita no artigo 19º daquele código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto.
- A Requerente não fez prova do cumprimento desta obrigação.
- Em matéria de locação financeira a Requerente só se poderia exonerar do imposto caso tivesse dado cumprimento à obrigação específica prevista naquela norma do CIUC.
- Sendo responsável pelas custas arbitrais relativas ao presente pedido de pronúncia arbitral, dado que a falta do fornecimento dos dados deu inexoravelmente azo à emissão das liquidações sub judice.
- A interpretação veiculada pela Requerente mostra-se contrária à Constituição, na medida em que viola o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade.
- Porquanto, desvaloriza a realidade registal em detrimento de uma “realidade informal” e insusceptível de um controlo mínimo por parte da Requerida, é ofensiva do basilar princípio da confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica, aqui se incluindo a relação tributária.
- Sendo, também, ofensiva do princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que se traduz num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português, de que, quer a Requerente quer a Requerida fazem parte.
- Representando uma violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que o desconsidera totalmente no confronto com o princípio da capacidade contributiva, quando na realidade a Requerente dispõe dos mecanismos legais necessários e adequados à salvaguarda daquela sua capacidade (v.g., o registo automóvel e o dever de comunicação consignado no artigo 19º do CIUC), sem que, contudo, os tenha exercitado em devido tempo.
- Quanto à responsabilidade pelo pagamento dos custos arbitrais, se o IUC é liquidado de acordo com a informação registal oportunamente transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado, e não de acordo com informação gerada pela própria Requerida, e se a Requerente não observou o dever de comunicação consignado no art. 19º do CIUC, a Requerida não é responsável por esse pagamento.
- Aplicando-se o mesmo raciocínio relativamente ao pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, não estando reunidos os pressupostos legais que conferem direito a serem peticionados.
- À luz dos artigos 43º da LGT e 61º do CPPT, o direito a juros indemnizatórios depende da verificação dos seguintes pressupostos: Estar pago o imposto, ter a respectiva liquidação sido anulada, total ou parcialmente, em processo gracioso ou judicial, determinação, em processo gracioso ou judicial, que a anulação se funda em erro imputável aos serviços, o que não ocorreria no caso, uma vez que os actos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, razão pela qual não ocorreu qualquer erro imputável aos serviços.
G. – QUESTÕES A DECIDIR
Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:
1 – Questão Principal – Interpretação do art. 3º do CIUC, de forma a ser determinado se a norma de incidência subjectiva nela inscrita, admite, ou não, a sujeição do locatário ao pagamento do IUC, na vigência do contrato de locação.
2 – Juros indemnizatórios – Existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do art. 43º da LGT, no caso de serem anuladas as liquidações e determinado o reembolso da importância peticionada, que teria sido indevidamente paga.
3 – Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.
H. – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
1. O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é material competente, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 1, do art. 2º do RJAT (Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro).
2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos arts. 4º e 10º, nº 2 do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março.
3. Considerada a identidade do facto tributado, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o Tribunal admite a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos actos tributários que são objecto deste processo, uma vez que estão cumpridos os requisitos estabelecidos no art. 3º, nº 1 do RJAT.
4. O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.
I. – MATÉRIA DE FACTO
I. 1 – FACTOS PROVADOS
Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provado os seguintes factos:
1 – A Requerente é uma instituição de crédito em que assume especial relevância, de entre as suas áreas de actividade, o financiamento do sector automóvel.
2 – Parte substancial da sua actividade reconduz-se à celebração de contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis.
3 – Os veículos automóveis identificados na listagem junta como Anexo A ao Pedido de Pronúncia Arbitral (cuja matrícula consta da coluna C) foram objecto de contratos de locação financeira celebrados entre a B…, S.A., Sucursal em Portugal, a quem a Requerente juridicamente sucedeu, assumindo em todos eles a posição de locadora, e as entidades identificadas na coluna L do referido Anexo A, na qualidade de locatárias.
4 – A utilização dos veículos em apreço esteve sempre a cargo dos referidos locatários, durante a vigência dos contratos.
5 – Recentemente, a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento dos IUC, a que respeitam os actos de liquidação adicional identificados na tabela junta ao Pedido de Pronúncia Arbitral como Anexo A.
6 – A Requerente pagou o montante de IUC liquidado nos actos de liquidação adicional identificados no Anexo A, tendo por objecto 98 veículos e relativos aos anos de 2009 a 2012, num total de 11.887,96 euros.
7 – Em 14 de Fevereiro de 2014, a Requerente apresentou o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem aos presentes autos.
I. 2 – FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.
I. 3 – FACTOS NÃO PROVADOS
A Requerente não fez prova de ter dado cumprimento à obrigação imposta pelo disposto no art. 19º do CIUC, relativamente aos contratos de locação financeira sub judice.
J. – MATÉRIA DE DIREITO
Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.
No Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente alega que, à data em que ocorreram os factos tributários que originaram as liquidações de IUC, era locadora dos veículos em causa, uma vez que os mesmos tinham sido objecto de contratos de locação financeira, que estavam em vigor e, consequentemente, não era sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado.
A Requerida Autoridade Tributária assume uma posição oposta relativamente a esta questão da incidência subjectiva do IUC, defendendo que:
Nos termos do art. 3º, nº 1 do CIUC, é sujeito passivo do IUC a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado na Conservatória do Registo Automóvel, facto este que ocorria com a Requerente, no período em causa.
E, ainda que, mesmo que assim não se entenda, a aplicação do disposto no nº 2 do art. 3º do CIUC, que faz equivaler os locatários financeiros aos proprietários para efeitos de sujeição ao IUC, depende do cumprimento do estatuído no art. 19º do CIUC.
Estabelece o art. 3º do CIUC, sob a epígrafe “Incidência subjectiva”, no seu número 1: São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares e colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados.
Por seu turno, dispõe o número 2 do mesmo preceito: São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção por força do contrato de locação.
Das posições assumidas pelas Partes no presente processo, resulta claro que, no fundo, a questão se resume a saber se na data da ocorrência do facto gerador do IUC vigorar um contrato de locação financeira, tendo por objecto um automóvel, o sujeito passivo do IUC é o locador, seu proprietário, ou, por força do disposto no nº 2 do art. 3º do CIUC, é o locatário, mesmo no caso de não ter sido cumprida a obrigação imposta pelo art. 19º do CIUC, isto é, de o locador-proprietário não ter fornecido à Administração Tributária a identificação fiscal do locatário.
As orientações arrogadas pela Requerente e pela Requerida quanto a esta matéria e a sua fundamentação estão expostas em síntese, ou com parcial transcrição, em E. e F. do Relatório desta Decisão.
Cumpre, então, decidir:
Para uma correcta e rigorosa interpretação dos normativos em apreço, torna-se necessário indagar sobre os princípios informadores dos institutos disciplinados pelos mesmos.
Quanto ao IUC, convém referir que, actualmente, o seu princípio estruturante é o princípio da equivalência, na sua acepção de compensação pelos efeitos nefastos nas áreas ambientais e energéticas provocados pela circulação dos veículos automóveis.
Quer isto dizer que o legislador, quando disciplinou o IUC, teve em conta os custos viários e ambientais que a circulação rodoviária provoca, e que isto se encontra subjacente a este imposto.
Com efeito, o actual e novo quadro da tributação automóvel consagra este princípio, visando sujeitar os proprietários dos veículos, em princípio, seus utilizadores, a suportarem os custos decorrentes dos prejuízos por danos viários e ambientais causados por estes, como se alcança do teor do art. 1º do CIUC.
Deste modo, a sua incidência deverá ser sobre quem utiliza o veículo automóvel, isto é, quem provoca os referidos danos, o que afasta de todo, uma interpretação que visasse impedir a tributação de outros, que não, os que usufruem do gozo dos veículos automóveis.
Como regra, o legislador atribuiu essa situação ao proprietário, o que se compreende por ser essa a mais comum, em que o proprietário é simultaneamente o utilizador do veículo.
No entanto, verificando-se as situações a que alude o nº 2, do art. 3º, do CIUC, em que o proprietário, embora mantenha essa qualidade, cede o gozo exclusivo do veículo a um terceiro, a lei equiparou essa situação à do proprietário, para efeitos de incidência subjectiva do IUC, por ser este o potencial “poluidor”
Tal é o que ocorre na vigência dos contratos de locação financeira em que, embora o locador se mantenha proprietário do bem locado, é o locatário quem tem o gozo exclusivo do mesmo, utilizando-o exactamente nos mesmos termos em que o proprietário o utilizaria, caso não tivesse sido celebrado o referido contrato.
Com efeito, do Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira (aprovado pelo Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Julho, com alterações posteriores), decorre, designadamente das disposições combinadas dos arts. 9º e 10º, que o uso do veículo locado é atribuído de modo exclusivo ao locatário, com vista a dele usar e fruir, como se do proprietário se tratasse.
Nesta conformidade, dúvidas não há que decorre da letra do art. 3º do CIUC designadamente do seu nº 2, e também da sua ratio, que é o locatário quem é responsável pelo pagamento do IUC, dado que se encontra equiparado ao proprietário por ter o uso exclusivo do veículo automóvel e, por essa razão, provocar os danos ambientais e rodoviários que o imposto pretende compensar.
Resulta dos autos que o Requerente não terá dado cumprimento ao disposto no art. 19º do CIUC, que estabelece que: Para efeitos do disposto no artigo 3º do presente código, bem como no nº1 do artigo 3º da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.
Com efeito, os locadores, nos termos deste preceito, estão sujeitos à obrigação de fornecer à AT, os elementos relativos à identidade fiscal dos utilizadores dos veículos locados, para os efeitos do disposto no art. 3º do CIUC.
Tal não significa, porém, que a incidência subjectiva do IUC, prescrita nos termos já referidos no art. 3º, nº 2 do CIUC, dependa de tal comunicação.
Na verdade, é este preceito (art. 3º do CIUC) que estabelece as regras de incidência subjectiva do IUC, revestindo a obrigatoriedade da comunicação da identificação fiscal do locatário (art. 19º do CIUC) uma natureza meramente complementar e acessória.
Na verdade, se na data da ocorrência do facto gerador do imposto vigorar um contrato de locação financeira, tendo por objecto um veículo automóvel, o sujeito passivo do imposto é o locatário, independentemente de ter sido comunicada a sua identificação fiscal à AT.
Não colhe, portanto, a argumentação da Requerida, no sentido de que o proprietário só se desonera da sua obrigação de pagar o IUC, nas situações em que vigoram contratos de locação financeira, se proceder à comunicação a que alude o referido art. 19º.
Com efeito, o disposto no art. 3º, nº 2 do CIUC é bem claro relativamente à incidência subjectiva do IUC, na vigência de contratos de locação financeira, sujeitando o locatário a essa obrigação, quando o equipara ao proprietário para este efeito.
Assim sendo, não atribuindo a lei essa obrigação ao proprietário-locador, não haverá lugar a nenhuma desoneração por parte deste, com a comunicação prevista no referido art. 19º do CIUC, pela razão simples de nunca ter estado sujeito ao pagamento do imposto.
A incidência subjectiva do IUC está estabelecida, em todos os seus elementos, no art. 3º do CIUC, e será através da aplicação deste normativo que será apurado o sujeito passivo, não relevando para efeitos da incidência do imposto a falta de cumprimento da mencionada obrigação acessória.
Nesta conformidade, estamos em condições de concluir que, verificando-se, como ficou provado, que, nas datas da ocorrência dos factos geradores do IUC a que respeitam as liquidações em apreço, estavam em vigor contratos de locação financeira, eram os locatários os sujeitos passivos do mesmo.
Razão pela qual, as mencionadas liquidações devem ser anuladas e, consequentemente restituído à Requerente pela Autoridade Tributária o imposto que indevidamente lhe foi cobrado.
Quanto aos juros indemnizatórios, esta matéria está regulada no art. 24º do RJAT, o qual expressamente determina no seu nº 1, alínea b) que a decisão arbitral obriga a administração tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias, para o efeito”, e preceitua, ainda, no seu nº 5, que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo
Tributário”.
Também o art. 100º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo disposto no art. 29º, nº 1, alínea a) do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.
Por seu lado, o art. 43º, nº 1 da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Nesta conformidade, coloca-se a questão de, face ao teor do disposto no art. 3º, nºs 1 e 2 do CIUC, se poder considerar ter havido, ou não, um erro imputável aos serviços na situação vertente.
Analisada a situação, verifica-se que a Autoridade Tributária ao liquidar o IUC nos termos em que o fez, deu cumprimento ao ditame legal estabelecido no referido normativo, uma vez que esta atribui a qualidade de proprietário, para os referidos efeitos, ao contribuinte em nome do qual se encontra registado o veículo na Conservatória do Registo Automóvel e o locador-proprietário não teria dado cumprimento ao disposto no art. 19º do CIUC.
Razão pela qual se conclui pela inexistência de erro imputável aos serviços, pois a Autoridade Tributária tinha o direito de liquidar o imposto na forma em que o fez, uma vez que estaria no desconhecimento da existência de contratos de locação financeira, que lhe não terão sido comunicados, designadamente para efeitos de identificação dos locatários, conforme exige o art. 19º do CIUC.
Quanto à responsabilidade pelas custas arbitrais, alega a Requerida que não é responsável pelo seu pagamento, por desconhecer a identificação fiscal dos locatários, em consequência da Requerente não ter dado cumprimento ao disposto no art. 19º do CIUC, razão pela qual procedeu às liquidações do imposto com os elementos de que dispunha, não podendo ser responsabilizada por o que apelida de “falta de zelo” da Requerente.
Não pode proceder, porém, este argumento, porquanto a lei é taxativa na imputação da responsabilidade pelo pagamento das custas à parte que for condenada, face ao disposto nos nºs 1 e 2, do art. 527 do Código do Processo Civil, aplicável por força do art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.
Assim sendo, a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais é da Requerida.
L. – DECISÃO
Atento o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IUC respeitante aos anos de 2009 a 2012, relativamente a todos os veículos cujas matrículas estão identificadas nos autos, e, em consequência,
b) Anular os actos tributários de liquidação correspondentes.
c) Julgar improcedente o pedido do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente.
d) Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo (art. 527º, nºs. 1 e 2 do Código do Processo Civil, ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).
Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex. 315º, nº 2) e 97º - A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 11.887,96 euros.
Custas: De harmonia com o nº 4 do art. 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de Julho de 2014
O Árbitro
José Nunes Barata
(Redacção pela ortografia antiga)