DECISÃO ARBITRAL
Acordam em Tribunal Arbitral
I – Relatório
1. A..., S.A., com o número de identificação fiscal..., com sede na Rua..., n.º..., ... Dto, em Lisboa, gestora do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B..., apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e segs. do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) nº ... de 14.02.2017, no montante global de € 326.231,10, relativo à aquisição de um imóvel, requerendo a anulação desse acto e o consequente reembolso do imposto indevidamente pago e a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos:
O FIIF B... é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular cuja política de investimento é especialmente vocacionada para a aquisição de imóveis afetos à actividade turística para efeitos de arrendamento.
No âmbito da sua actividade, o FIIF B... adquiriu, por escritura de compra e venda, promessa unilateral de venda e arrendamento, outorgada em 15 de Dezembro de 2017, a propriedade plena do prédio urbano sito na ..., nº..., ..., freguesia de ... e ..., concelho de Oeiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o nº ... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ... .
A sociedade gestora do FIIF B... adquiriu o referido imóvel com o intuito de que o mesmo integrasse o fundo de investimento imobiliário.
Esta aquisição está isenta de IMT ao abrigo do art. 1º do Decreto-Lei nº 1/87 de 3 de Janeiro, não havendo lugar ao pagamento deste imposto pela aquisição da propriedade plena sobre o referido prédio.
A Autoridade Tributária não apresentou resposta
2. Não foi requerida produção de prova testemunhal e, no seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, prosseguindo o processo para alegações.
Em alegações, a Requerente deu como reproduzido o alegado na petição inicial reiterando a sua anterior posição. A Autoridade Tributária não contra-alegou.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram, oportuna e devidamente, notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.°da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 13 de fevereiro de 2019.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II -Fundamentação
Matéria de facto
4. A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte:
a) O Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B..., gerido pela Requerente, é um fundo de investimento imobiliário cuja actividade é regulamentada pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.
b) No exercício da sua actividade, a Requerente adquiriu, por escritura de 15 de Dezembro de 2017, em representação do FIIF B..., e para integrar no património deste, o prédio urbano sito na ..., nº..., ..., freguesia de ... e ..., concelho de Oeiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o nº ... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ... (Doc. 2 junto com o pedido arbitral).
c) No dia 14 de Dezembro de 2017, foi efectuada e paga a liquidação do IMT nº..., referente à aquisição do imóvel, no montante de € 326.231,10 (Doc. 3 junto com o pedido arbitral).
d) Em 12 de Abril de 2018, deu entrada no Serviço de Finanças Oeiras ... reclamação graciosa apresentada pelo FIIF B... na qual peticionou a anulação do identificado acto de liquidação de IMT, por ilegalidade do mesmo em resultado da violação do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro e o consequente reembolso da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal (Doc. 4 junto com o pedido arbitral).
e) A 13 de Agosto de 2018, o FIIF B... foi notificado do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (Doc. 5 junto com o pedido arbitral).
f) O FIIF B... não exerceu o direito de audição prévia.
g) Em 8 de Novembro de 2018, o FIIF B... foi notificado do despacho de indeferimento da mencionada reclamação graciosa (Doc. 6 junto com o pedido arbitral).
Questão de direito
5. A Requerente pretende que a aquisição do bem imóvel efectuado para o Fundo de Investimento Imobiliário, que está sob a sua gestão, se encontre abrangido pela isenção de IMT, originariamente prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, como isenção de sisa, e que foi ressalvada pelo artigo 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, e mantida em vigor pelo artigo 31.º, n.º 6, desse diploma.
A questão que se coloca é, pois, a de saber se a evolução legislativa subsequente fez cessar a vigência da referida disposição do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.
Sobre essa matéria pronunciou-se já a decisão arbitral proferida no Processo n.º 622/2017-T - na linha do também decidido nos Processos n.ºs 326/2018-T e 544/2016-T -, e que, por desnecessidade de quaisquer outras considerações, se passa agora reproduzir:
“O Decreto-Lei n.º 1/87 estatui, no seu artigo 1.º, que “são isentas de sisa as aquisições de imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora”. A estatuição surge na sequência da regulamentação dos fundos de investimento imobiliário, operada pelo Decreto-Lei n.º 246/85, de 12 de julho, e, como ressalta do respectivo preâmbulo, teve em vista definir um quadro fiscal adequado para a criação desses fundos a que o Governo reconhece um importante contributo para a formação de poupanças e mobilização de investimentos no sector imobiliário, com efeitos positivos na construção e no mercado de arrendamento de imóveis.
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que procedeu à reforma da tributação do património, aprovando em anexo o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), e o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), determinou, no seu artigo 28.º, n.º 2, que as remissões constantes dos textos legais para o imposto municipal de sisa se consideram como referidas ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.
Além disso, o mesmo diploma, no artigo 31.º - que incluiu diversas normas revogatórias - ressalvou, no seu n.º 6, a manutenção em vigor dos benefícios fiscais respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante.
Assim, de acordo com a interpretação conjugada das citadas disposições dos artigos 28.º e 31.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 287/2003, as isenções ao imposto de sisa constantes de quaisquer diplomas avulsos deveriam considerar-se reportadas ao IMT, e, por outro lado, as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário continuariam isentas de IMT por efeito do estabelecido no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.
Após a criação da isenção do imposto de sisa relativamente à aquisição de imóveis para os fundos de investimento imobiliário, em 1987, o Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, veio aprovar o Estatuto dos Benefícios Fiscais, com o claro propósito de sistematização dos princípios gerais a que deve obedecer a atribuição das situações de benefício. O EBF surgiu na sequência da reforma do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (CIRS), do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (CIRC) e da contribuição autárquica (CA), que já haviam introduzido alguns mecanismos estruturais de desagravamento do imposto, pelo que o Estatuto teve em vista caracterizar algumas outras situações de carácter menos estrutural mas que se revestissem de relativa estabilidade, deixando para as futuras leis de orçamento de Estado os benefícios com finalidades marcadamente conjunturais ou que exigissem uma regulamentação mais frequente (cfr. a respectiva nota preambular).
Na primitiva redacção do EBF, e em relação às sociedades de gestão e de investimento imobiliário, apenas se contemplava um regime fiscal específico de tributação em matéria de IRC e, em sede de IRS, quanto aos lucros distribuídos por aquelas sociedades aos respectivos sócios (artigo 26.º). Esse regime manteve-se com diversas alterações e veio a transitar para o artigo 22.º com a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, sob a epígrafe “Fundos de investimento”, que foi igualmente objecto de diversas modificações legislativas.
É a nova redacção dada ao artigo 46.º do EBF pela Lei de Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro) que prevê, pela primeira vez, um regime de isenção fiscal a favor dos fundos de investimento imobiliário em matéria de contribuição autárquica, nos seguintes termos:
Ficam isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário e equiparáveis, em fundos de pensões e em fundos de poupança reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
Após a reforma da tributação do património, aprovada pelo referido Decreto-Lei n.º 287/2003 - que revogou o Código da Contribuição Autárquica -, esse artigo 46.º, na redacção dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2007 (Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro) passou a estabelecer a isenção de imposto municipal sobre imóveis (IMI) e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) para os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, nas mesmas condições que já constavam da redacção anterior do preceito, e o Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, e manteve nos mesmos termos essa mesma isenção.
A Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril, sendo também uma lei orçamental, através de nova redacção dada ao artigo 49.º do EBF, passou a isentar de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis apenas os “prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos”, e a Lei do Orçamento de Estado para 2012 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro) alargou essa isenção aos “prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos ou fechados de subscrição pública”.
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, alterando esse artigo 49.º, suprimiu a isenção, passando a prever a redução para metade das taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis a prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos ou fechados de subscrição pública.
O artigo 49.º do EBF foi revogado pelo artigo 215.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 7- A/2016, de 30 de março.
[6.] Da evolução legislativa acabada de descrever ressalta a ideia de que os benefícios fiscais atribuídos aos fundos de investimento imobiliário não têm um carácter sistemático, assumindo antes uma natureza marcadamente conjuntural, assim se justificando que as sucessivas alterações ao regime legal tenham sido estabelecidas, em regra, por via de leis orçamentais.
Basta notar que começou por prever-se a isenção da contribuição autárquica - e do IMI e do IMT - em relação a prédios integrados em qualquer tipo de fundo imobiliário, para depois se restringir essa isenção aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos. Mais tarde foi reposta a isenção quanto a prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos ou fechados de subscrição pública até que o benefício fiscal foi transformado em redução da taxa de imposto aplicável e, finalmente, foi suprimido.
Não é possível ver, por conseguinte, na aprovação do EBF e nas múltiplas alterações desse Estatuto um critério geral que permita definir um regime fiscal estável que possa sobrepor-se a outras disposições avulsas que subsistiam já na ordem jurídica.
Para além disso, importa fazer notar que o âmbito aplicativo da isenção inicialmente criada pela Lei n.º 53-A/2006, mediante a alteração do artigo 46.º do EBF - que passou a prever a isenção de IMI e de IMT em relação a prédios integrados em fundos de investimento imobiliários -, não é coincidente com o da isenção contemplada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, que se refere a aquisições de imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora. Na verdade, por efeito da nova disposição do artigo 46.º do EBF, passaram a estar isentas do IMT os prédios já integrados nos fundos imobiliários, ao passo que a isenção a que se referia o diploma de 1987 abrangia as aquisições de bens imóveis efectuadas por sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário para passarem a integrar o património desses fundos. O que significa que o EBF veio ampliar a isenção, cobrindo não apenas as situações em que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel, mas também aquelas em que o fundo age na posição de alienante do imóvel (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 544/2016, em que se analisou a mesma questão).
[7.] Cabe agora enfrentar a questão de saber se a norma do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 se encontra revogada por qualquer das disposições do EBF que vieram a regular a isenção de IMT em relação a fundos de investimento imobiliário ou se houve lugar a uma revogação de sistema por efeito da nova regulação global da matéria dos benefícios fiscais.
Como decorre do artigo 7.º, n.º 2, do Código Civil, a revogação da lei “pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior”.
A revogação é expressa quando uma lei individualiza, numa declaração explícita, o objecto da cessação de vigência de uma lei anterior. A revogação tácita tem lugar quando, face ao silêncio do legislador sobre a identificação das normas revogadas, se registe uma incompatibilidade de conteúdo entre os preceitos de uma lei nova e os de um acto legislativo cronologicamente precedente. A revogação global ocorre quando um complexo normativo passa a ser, no seu todo, sujeito a uma disciplina diversa da que anteriormente vigorava, independentemente do problema da sua compatibilidade com as regras anteriormente vigentes (cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, págs. 165-166; CARLOS BLANCO MORAIS, Leis Reforçadas – As Leis Reforçadas do Procedimento no Âmbito dos Critérios Estruturantes da Relações entre Actos legislativos, Coimbra, 1998, págs. 338, 341 e 343).
A revogação expressa não suscita especiais dificuldades. Ela consta de uma declaração feita na lei nova e pode limitar-se a extinguir a eficácia da lei velha ou a retomar um regime jurídico anterior que tinha sido revogado por esta, ou ser acompanhado de efeitos constitutivos ou modificativos, como se verifica quando a lei revogatória institui um complexo normativo novo ou opera a modificação do regime jurídico anterior.
A revogação tácita verifica-se na medida da contraditoriedade existente entre a lei precedente e a lei nova, pois onde essa contraditoriedade não tenha lugar é possível a coexistência ou compenetração entre as duas leis.
A revogação global tem em comum com a revogação tácita o facto de operar no eventual silêncio do legislador, o qual pode nada dizer sobre a supressão das leis antecedentes, mas diferencia-se dela pelo facto de não registar obrigatoriamente uma incompatibilidade geral de comandos entre a lei velha e a lei nova. A ratio desta modalidade de revogação ancora-se essencialmente em razões associadas à actualização do processo de inovação jurídica ou a políticas de sistematização e de consolidação legislativa (CARLOS BLANCO MORAIS, ob. cit., pág. 344).
[8.] Aplicando os princípios acabados de enunciar à situação sub juditio, facilmente se conclui que a norma do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 não pode ter-se como revogada.
É ponto assente que a norma do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87 não foi objecto de revogação expressa. E, como se deixou entrever, não existe qualquer incompatibilidade entre essa norma e aquela que veio a ser introduzida no EBF (artigo 46.º depois renumerado como artigo 49.º), visto que essas disposições contêm diferentes âmbitos aplicativos e esta última limitou-se a ampliar a isenção já estabelecida pelo diploma de 1987.
Encontra-se também afastada a possibilidade de ter ocorrido uma revogação de sistema. Como se deixou exposto, o EBF, na sua versão originária, e em relação às sociedades de gestão e investimento imobiliário, apenas estabeleceu um regime fiscal específico em matéria de IRC e IRS. E só muito mais tarde, através de leis orçamentais, é que se estabeleceu relativamente aos fundos imobiliários, mediante a nova redacção dada ao artigo 46.º (depois renumerado como artigo 49.º), a isenção em matéria de tributação de património por referência à contribuição autárquica e, depois, ao IMI e ao IMT (Leis n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, e 53-A/2006, de 29 de dezembro). Esse regime sofreu ainda sucessivas alterações até que o benefício fiscal passou a traduzir-se na redução para metade das taxas de imposto sobre imóveis e de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro) e foi finalmente extinto mediante a revogação do artigo 49.º operada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.
Com a aprovação do Estatuto dos Benefícios Fiscais, os benefícios fiscais com carácter estrutural aplicáveis ao sistema financeiro e ao mercado de capitais, aqui se incluindo os fundos de investimento, incidiram sobre a tributação dos rendimentos. A ulterior introdução de uma isenção de IMI e IMT aplicável aos fundos de investimento, na categoria de benefícios fiscais relativos a imóveis, mediante a mera alteração de disposição já existente, não evidencia um qualquer critério geral definidor do regime de benefícios fiscais em matéria de tributação do património e a evolução legislativa posterior revela que a isenção foi instituída por razões meramente conjunturais e sem um propósito claro de sistematização regime legal.
Neste condicionalismo, não pode falar-se de uma revogação global do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.”
Todos estes considerandos mantêm plena validade e são aplicáveis à situação do caso concreto, levando a concluir que o acto tributário de IMT relativo à aquisição do bem imóvel pela Requerente como representante do Fundo de Investimento Imobiliário é ilegal por violação do disposto no citado artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.
Juros indemnizatórios
A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IMT, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o acto tributário de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis n.º...;
b) Condenar no reembolso da quantia de € 326.231,10 e no pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento do imposto até à data da emissão da nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 326.231,10, que não foi contestado pela Requerida, e corresponde ao valor da liquidação a que a se pretendia obstar (artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT).
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 5.814, 00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 30 de abril de 2019
O Presidente do Tribunal Arbitral,
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal,
Cristina Aragão Seia
O Árbitro vogal,
Rui Ferreira Rodrigues