DECISÃO ARBITRAL
Acordam os árbitros, Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dra. Maria Alexandra Mesquita e Dr. João Pedro Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído a 3 de janeiro de 2019, no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., S.A., adiante “primeira Requerente”, NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, e B..., S.A., doravante “segunda Requerente”, NIPC..., com sede em ..., ..., ...-... ..., em conjunto designadas por “Requerentes”, vêm, em coligação de autores, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos conjugados do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1 e 15.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
As Requerentes deduzem pedido de pronúncia arbitral, na sequência do decurso do prazo de indeferimento tácito dos Pedidos de Revisão Oficiosa apresentados contra duas liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), referentes ao ano 2016, emitidas sob os n.ºs 2016..., de 2 de março de 2017, no valor de € 152.321,10, referente à primeira Requerente, e 2016..., de 3 de março de 2017, no valor de € 93.081,48, respeitante à segunda Requerente, perfazendo € 245.402,58. Peticionam a declaração de ilegalidade e anulação parcial dos referidos atos tributários, no valor de € 175.646,72, e das decisões de indeferimento das revisões oficiosas apresentadas que tacitamente os confirmaram.
Invocam, para tanto, que 6 (seis) frações relativamente às quais foi liquidado IMI estão afetas à concessão do jogo de ... e beneficiam de isenção deste imposto, de acordo com o artigo 92.º da Lei do Jogo (Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, e alterações subsequentes). Alegam também a aplicação da isenção de IMI ao abrigo da utilidade turística que foi atribuída a esses imóveis, que consideram ainda vigorar no ano 2016.
As Requerentes juntaram documentos e arrolaram uma testemunha.
Em 22 de outubro de 2018, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado às Requerentes e à entidade Requerida.
Nos termos do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, notificando-se as partes dessa designação em 12 de dezembro de 2018.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou regularmente constituído em 3 de janeiro de 2019.
A Requerida, notificada para apresentar Resposta em 4 de janeiro de 2019, ao abrigo do n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, optou por não o fazer.
Em 19 de março de 2019, foi a Requerida notificada para juntar aos autos cópia do Processo Administrativo (“PA”), com fundamento no artigo 17.º, n.º 2 do RJAT. Neste âmbito, a Requerida veio solicitar a prorrogação do prazo para envio do PA, o que foi deferido.
Em 5 de abril de 2019, a Requerida informou os presentes autos arbitrais de que tinha sido sancionada a anulação parcial dos atos de liquidação de IMI, nos valores de € 105.816,14 e de € 69.830,58, perfazendo o total peticionado de € 175.646,72, e requereu a extinção da instância por inutilidade na prossecução da presente ação.
Em 11 de abril de 2019, no exercício do contraditório, as Requerentes pronunciaram-se no sentido de nada terem a opor à “revogação”, solicitando ao Tribunal a declaração da respetiva tempestividade, em face dos n.ºs 1 e 3 do artigo 13.º e do n.º 3 do artigo 10.º, todos do RJAT. Mais referem manter o interesse no prosseguimento dos autos para “reconhecimento do seu direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, porquanto da informação que precede o despacho de revogação se retira que houve erro imputável aos serviços”, do que foi, na mesma data, notificada a AT.
As partes foram notificadas, em 15 de abril de 2019, para alegações escritas sucessivas e facultativas.
As Requerentes apresentaram alegações, em 2 de maio de 2019. Reitera ter direito a juros indemnizatórios, por concluir que houve erro imputável aos serviços, dado que a AT possuía a informação de que as frações em causa se achavam afetas à concessão do jogo, sendo a isenção de IMI de aplicação automática. Juntaram documentos comprovativos do pagamento do IMI.
Em 17 de maio de 2019, a Requerida alegou no sentido de que os juros indemnizatórios somente deviam ser contabilizados a partir da data da presunção do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa, que considera ter ocorrido em 9 de agosto de 2018. Aduz ser falso que a AT tivesse conhecimento, desde 4 de janeiro de 2016, que as frações em dissídio estavam afetas à concessão de jogo, pois só em 7 de fevereiro de 2018 rececionou o ofício do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (“SRIJ”) do Turismo de Portugal, para o que junta o documento comprovativo, bem como o PA.
Por considerar que a Requerida invocou matéria de facto inédita em fase de alegações, as Requerentes vieram pronunciar-se, em 27 de maio de 2019, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), sustentando que, ao contrário do que foi afirmado pela Requerida, o PA evidencia que o Inspetor-Geral de Jogos comunicou ao Diretor-Geral dos Impostos, por ofício subscrito em 2016, que era aplicável a isenção de IMI às edificações afetas à concessão do Jogo de ... e, ainda, que foi apresentado em 4 de janeiro de 2016 um requerimento no Serviço de Finanças de ..., dando conta da isenção de IMI sobre os prédios dos autos.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e legitimidade, nos termos dos artigos 3.º n.º 1, 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
A coligação de autores é admissível, porquanto se trata de apreciar idênticas circunstâncias de facto e regime jurídico, em conformidade com o preceituado no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.
O processo não padece de vícios que o invalidem, não tendo sido invocadas exceções.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.I. MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:
A. As Requerentes são comproprietárias de 6 frações autónomas, situadas na freguesia do ... (...), concelho de..., registadas na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º..., que se encontram afetas à concessão do jogo de ..., identificadas no quadro infra:
Descrição Prédio Urbano
Artigo Matricial Fração Autónoma
Casino ... C
Centro Espetáculos ... E
Centro Congressos ... U
C... ... H
Bar / Discoteca ... BD
SPA ... S
– cf. informação da AT que fundamenta o despacho de anulação (parcial) das liquidações de IMI controvertidas, carta de comunicação enviada pelo SRIJ à AT, com data de 02.02.2018 e cadernetas prediais juntas como documento 5 com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) e constantes do PA.
B. Por carta datada de 21 de setembro de 2006, a Inspeção-Geral dos Jogos (“IGJ”), representada pelo Inspetor-Geral, comunicou ao Diretor-Geral dos Impostos que a segunda Requerente, por contrato celebrado com o Estado em 27 de junho de 2005, foi constituída concessionária da zona de jogo de ..., vinculando-se a construir um casino, um centro de congressos e um hotel. Nesta comunicação, o Inspetor-Geral conclui que “atento o previsto nos artºs. 92º e 93º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, concordo com a interpretação expressa no requerimento objeto do presente escrito, designadamente, quanto ao pagamento dos impostos sucedâneos da sisa e da contribuição autárquica, IMT e IMI, respetivamente, e de taxas devidas por alvarás e licenças municipais relativas a obrigações contratuais – cf. cópia da carta constante do PA.
C. Por despacho do Secretário de Estado do Turismo, n.º 9210/2009, de 6 de março de 2009, foi atribuída utilidade turística, a título prévio, ao empreendimento composto pelas infraestruturas descritas no ponto A supra – cf. Diário da República, 2.ª série, N.º 65, de 2 de abril de 2009.
D. A utilidade turística foi confirmada em definitivo por subsequente despacho da Secretária de Estado do Turismo, n.º 16592/12, de 4 de dezembro de 2012 – cf. Diário da República, 2.ª série, N.º 252, de 31 de dezembro de 2012.
E. Refere este último despacho, no seu n.º 2, que: “[n]os termos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, fixo a validade da utilidade turística em 7 (sete) anos, contados da data do alvará de utilização nº. .../10, da Câmara Municipal de ... (emitido em 14 de dezembro de 2010), ou seja, até 14 de dezembro de 2017” – cf. Diário da República, 2.ª série, N.º 252, de 31 de dezembro de 2012.
F. Em março de 2014, o Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de ... informou que as frações do prédio urbano inscrito sob o artigo n.º ... da freguesia de ..., concelho de ..., se encontravam devidamente averbadas de isenção de IMI até ao ano de 2015, inclusive, sem necessidade de procedimentos adicionais – cf. cópia do e-mail constante do PA.
G. Em 4 de janeiro de 2016, cada uma das Requerentes submeteu um requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de ... requerendo a isenção objetiva de IMI prevista no artigo 92.º da Lei do Jogo (Decreto-lei n.º 422/89), por todo o período da concessão – cf. cópias dos requerimentos constantes do PA.
H. A primeira Requerente foi notificada da liquidação de IMI referente ao ano 2016, emitida sob o n.º 2016..., de 2 de março de 2017, no valor global de € 152.321,10, que incidiu, entre outros, sobre os imóveis (frações autónomas) identificados no ponto A acima, cifrando-se, em relação a estes, no valor de € 105.816,14, contestado nos presentes autos – cf. cópia do ato de liquidação junto com o ppa e fundamentação do ato de anulação parcial do mesmo.
I. A segunda Requerente foi notificada da liquidação de IMI referente ao ano 2016, emitida sob o n.º 2016..., de 3 de março de 2017, no valor global de € 93.081,48, que incidiu, entre outros, sobre os imóveis (frações autónomas) identificados no ponto A acima, cifrando-se, em relação a estes, no valor de € 69.830,58, contestado nos presentes autos – cf. cópia do ato de liquidação junto com o ppa e fundamentação do ato de anulação parcial do mesmo.
J. A primeira Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IMI em três prestações de € 50.773,70, nas seguintes datas: 28 de abril de 2017, 28 de julho de 2017 e 24 de novembro de 2017 – cf. cópia dos documentos bancários juntos com o ppa e com as alegações da Requerentes.
K. A segunda Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IMI em três prestações de € 31.027,17, nas seguintes datas: 27 de abril de 2017, 28 de julho de 2017 e 24 de novembro de 2017 – cf. cópia dos documentos bancários juntos com o ppa e com as alegações da Requerentes.
L. Por carta-ofício datada de 2 de fevereiro de 2018 e rececionada pela AT em 7 de fevereiro desse ano, o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos comunicou à AT que os prédios identificados no ponto A supra estavam “afetos ao cumprimento das obrigações contratuais por parte da empresa concessionária de jogo de fortuna ou azar de ...” – cf. cópia do ofício constante do PA.
M. Não se conformando com os atos de liquidação de IMI, referentes a 2016, na parte em que respeitam às frações autónomas afetas à concessão do jogo de ..., cada uma das Requerentes dirigiu ao Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de ... um Pedido de Revisão Oficiosa daqueles atos tributários, submetido em 9 de abril de 2018, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, com fundamento do n.º 1 do artigo 115.º do Código do IMI – cf. procedimentos de revisão oficiosa que integram o PA.
N. Em 3 de setembro de 2018, na sequência de pedido de informação sobre o estado do procedimento, as Requerentes foram notificadas de que os Pedidos de Revisão Oficiosa tinham sido remetidos para o órgão periférico regional e que “ainda não era possível perspetivar a data da conclusão para a revisão oficiosa dos atos de liquidação” controvertidos – cf. documentos juntos com o ppa (3A e 3B) e constantes do PA.
O. Posteriormente, a 8 de outubro 2018, foram as Requerentes informadas pelos serviços centrais, de que “não sendo possível ainda perspetivar a data da conclusão, já seria possível às impugnantes querendo” presumirem o indeferimento – cf. documentos juntos com o ppa (4A e 4B) e constantes do PA.
P. Em 19 de outubro de 2018, em discordância parcial com os atos de liquidação de IMI referentes a 2016, e dada a presunção de indeferimento dos Pedidos de Revisão Oficiosa que os tiveram por objeto, as Requerentes apresentaram junto do CAAD o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo.
Q. Em 1 de abril de 2019, a Subdiretora-Geral para a Área do Património, procedeu à anulação parcial das liquidações de IMI, na parte em que estas foram contestadas pelas Requerentes, de acordo com os fundamentos expostos na informação sobre a qual recaiu o despacho de anulação de que se transcrevem os seguintes excertos relevantes:
“II – FACTOS
[…]
3 – Em 2018.02.07, foi rececionada na AT o ofício n.º TDP/...do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ) do Turismo de Portugal, o qual informa «…que os prédios afetos ao cumprimento das obrigações contratuais por parte da empresa concessionária de jogo de fortuna ou azar de B... S.A., e A... S.A. são os remetidos em anexo.»
4 – Os prédios constantes desse anexo são os que foram anteriormente mencionados e em relação aos quais está o imposto a ser impugnado.
III – APRECIAÇÃO
Considerando que o artigo 92.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02.12 – Lei do Jogo –, na redação vigente, prevê que «Ficam isentas de sisa as aquisições dos prédios indispensáveis ao cumprimento das obrigações contratuais assumidas pelas concessionárias, não sendo devida a contribuição autárquica pelos que estejam afetos às concessões.» e que o artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, determina que «Todos os textos legais que mencionam (…) contribuição autárquica consideram-se referidos (…) ao imposto municipal sobre imóveis (IMI).», comprovada a afetação dos prédios urbanos à concessão do jogo, os mesmos estão isentos do IMI.
Dispõe, ainda, o artigo 94.º da Lei do Jogo que «Deve a Inspeção-Geral de Jogos informar a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos ou as câmaras municipais, consoante os casos: a) De quais os prédios que, nos termos referidos no artigo 92.º, foram adquiridos ou construídos e afetados ao cumprimento das obrigações contratuais; b) De quais as atividades obrigatoriamente exercidas nos termos do contrato de concessão.»
Constatando-se que o atual SRIJ cumpriu o dever constante do artigo 94.º e que a isenção do IMI em causa possui uma natureza automática, atendendo-se, ainda, ao contrato de concessão do exclusivo da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo de ..., o qual já era vigente em 2016, resta concluir que os prédios urbanos em causa beneficiam da isenção do IMI nos moldes anteriormente descritos.” – cf. despacho e informação juntos ao processo arbitral.
Os factos pertinentes foram escolhidos e recortados pela sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa
III.II. MATÉRIA DE DIREITO
A. ANULAÇÃO ADMINISTRATIVA (PARCIAL) DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO DE IMI – EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Os atos tributários sindicados, que constituem o objeto do pedido de pronúncia arbitral, foram anulados administrativamente na parte impugnada nesta ação. E foram-no quando já tinha decorrido o prazo para a apresentação da Resposta por parte da Requerida.
Nestas circunstâncias, o pedido de anulação parcial das liquidações de IMI relativas a 2016 ficou sem objeto, pois com a anulação administrativa, os respetivos efeitos jurídicos constitutivos (referimo-nos sempre à parte anulada) são destruídos com eficácia retroativa, de acordo com o artigo 171.º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), verificando-se uma impossibilidade superveniente da lide. Como refere a Decisão Arbitral no processo n.º 31/2013-T, do CAAD, de 4 de novembro de 2013, “torna-se impossível juridicamente anular o que já não existe”.
Pode colocar-se a dúvida sobre a tempestividade da anulação administrativa, atendendo a que já havia decorrido o prazo de 30 dias, a contar do conhecimento do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, estabelecido no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT para a AT proceder à “revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo”, estipulando o n.º 3 desta norma que, findo este prazo, “a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos”.
Entende-se que o preceito em apreço deve ser interpretado no sentido de que, uma vez transcorrido o mencionado prazo de 30 dias, a AT fica impedida de praticar um novo ato dispositivo que regule a relação jurídico-tributária, relativamente ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação, exceto com fundamento em factos novos. Porém, afigura-se que esta restrição não ocorre em caso de simples anulação administrativa do ato impugnado, desacompanhada de nova regulação da situação jurídica.
Com efeito, nesta última hipótese não merece tutela o princípio da estabilidade da instância subjacente às limitações legais à atuação administrativa no decurso de pendência judicial, uma vez que a parte vem, simplesmente, reconhecer que à outra assiste razão, com fundamento material na lei, e nessa medida permitir a resolução antecipada do litígio e consequente extinção da instância, com economia processual e de meios. Deixou de existir razão para a subsistência do litígio, pois, ainda que em momento superveniente, foi gerado consenso suportado na convergência das partes quanto ao regime legal aplicável.
Esta interpretação foi acolhida pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) em relação ao processo de impugnação judicial, que é regido pelo artigo 112.º do CPPT , o qual estabelece uma disciplina similar à do artigo 13.º, n.ºs 1 e 3 do RJAT, este último aplicável à ação arbitral tributária. Constituindo o processo arbitral tributário um meio alternativo à impugnação judicial, é inegável a manifesta identidade de razões, a que acresce o facto de o CPA e as normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários serem de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º n. º1, alíneas c) e d) do RJAT.
Sobre a aplicação do regime do CPA à “revogação” de atos administrativos em matéria tributária preconiza o STA, no Acórdão proferido em 15 de março de 2017, no processo n.º 449/14, que:
“A possibilidade legal de revogação dos atos administrativos em matéria tributária está prevista no art. 79º da LGT (a revogação é um ato que faz cessar ou elimina os efeitos de um ato anterior, com fundamento na sua inconveniência ou invalidade, estando o respetivo regime previsto nos arts. 138° a 146° do CPA).
Todavia, não constando da LGT nem do CPPT norma definidora do prazo para tal revogação, é incontroverso que hão-de acolher-se as regras constantes dos arts. 136º e ss. do CPA, que diretamente regulam a revogação dos atos administrativos [sendo que o CPA constitui legislação complementar e subsidiária ao direito tributário – arts. 2º, al. c), da LGT e 2º, al. d), do CPPT (Cfr., por todos, o ac. desta Secção do STA, de 15/5/2013, proc. nº 0566/12; bem como Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, anotação 1 ao art. 79º, p. 724 e Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária, anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 350, nota 7.)]. […]”
No mesmo no sentido da aplicabilidade do regime da invalidade administrativa aos atos em matéria tributária voltou o STA a pronunciar-se no Acórdão de 17 de dezembro de 2014, relativo ao processo n.º 454/14.
Importa ter em conta que o conceito de “revogação” até à entrada em vigor do novo CPA, em 8 de abril de 2015, na sequência da aprovação do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, abrangia quer a revogação anulatória com fundamento em ilegalidade, quer a revogação por razões de oportunidade e mérito.
Com o novo CPA, o conceito de revogação administrativa ficou restrito a esta segunda modalidade. Conforme prevê o atual artigo 165.º do CPA, sob a epígrafe “Revogação e anulação administrativas”, a revogação é o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade (n.º 1), e a anulação administrativa é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade (n.º 2). É neste último segmento que se insere o ato que eliminou (parcialmente) as liquidações de IMI do ano 2017, em discussão nos autos.
Deste modo, a revogação a que se reporta o artigo 79.º da LGT e, bem assim, o citado Acórdão corresponde ao que hoje, à luz do CPA, se denomina de “anulação administrativa”, cujo regime consta dos artigos 163.º “Atos anuláveis e regime da anulabilidade” (anteriores artigos 135.º e 136.º); 166.º “Atos insuscetíveis de revogação ou anulação administrativas” (anterior artigo 139.º) e 168.º “Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa” (cujo n.º 2 corresponde ao anterior artigo 141.º), todos do CPA.
Em geral, não se alteraram os quadros conceptuais e estruturais do regime da invalidade dos atos administrativos, sendo aplicáveis, com as adequações necessárias, as considerações tecidas sob o quadro tradicional do Direito Administrativo português, sem prejuízo da flexibilização dos prazos de consolidação do ato anulável que, para os atos não constitutivos de direitos, passou a ter o limite máximo de 5 anos a contar da respetiva emissão (artigo 168.º, n.º 1 do CPA).
Acresce referir, a propósito da anulação de atos que tenham sido objeto de impugnação jurisdicional, como é o caso, que o artigo 168.º, n.º 3 do CPA determina que esta pode ter lugar até ao encerramento da discussão.
Retomando o caso concreto, os atos silentes (de indeferimento tácito) aqui impugnados formaram-se em 9 de agosto de 2018, atendendo a que os Pedidos de Revisão Oficiosa haviam sido apresentados em 9 de abril desse ano, atento o prazo de quatro meses previsto no artigo 57.º, n.º 1 da LGT. No que se refere à anulação administrativa dos mesmos e, em consequência, dos atos primários correspondentes (de liquidação), aquela teve lugar por despacho datado de 1 de abril de 2019, pelo que se conclui que tais atos não estavam consolidados, atento o preceituado no artigo 168.º, n.º 1 do CPA.
Por outro lado, a data do despacho de anulação administrativa é anterior ao encerramento discussão da presente causa, pois só em 2 e 17 de maio, respetivamente, Requerente e Requerida apresentaram alegações. Encontra-se, deste modo, observado o prazo estabelecido no artigo 168.º, n.º 3 do CPA.
À face do exposto, conclui-se pela tempestividade da anulação administrativa efetuada por despacho de 1 de abril de 2019, da Subdiretora Geral da área do Património da AT, que, ao dar satisfação integral à pretensão anulatória (parcial) incidente sobre os atos tributários em crise, no valor de € 175.646,72, retira à lide arbitral o seu objeto principal, pelo que, nesta parte, julga-se extinta a instância processual, com suporte nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.
B. SOBRE O DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Como acabou de se referir, os atos tributários sindicados que constituem o objeto do pedido de pronúncia arbitral, foram anulados administrativamente, na parte impugnada, pretendendo as Requerentes o reconhecimento do seu direito a juros indemnizatórios, sobre o qual o despacho anulatório é omisso.
A título preliminar, assinala-se que este pedido foi deduzido ex novo em articulado superveniente, na sequência do exercício do contraditório sobre a anulação administrativa, não constando do petitório que se limita à apreciação da legalidade e consequente anulação dos atos tributários de liquidação de IMI, nada mais. Ou seja, não foi aí deduzido, qualquer pedido de condenação da AT ao reconhecimento/pagamento de juros indemnizatórios, dentro da liberdade de conformação que assistia às Requerentes na delimitação do objeto da ação (pedido e causa de pedir) e dos poderes de cognição do juiz.
Rege, neste âmbito, o princípio processual da estabilidade da instância, acolhido no artigo 260.º do CPC , segundo o qual, a partir de um dado momento (a citação do réu, que corresponde no processo arbitral à notificação da Requerida para apresentar Resposta), a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir. O seu principal objetivo é o de evitar que o tribunal possa ser sistematicamente surpreendido com novas questões para resolver ao longo do processo e que, por essa razão, o andamento do processo seja prejudicado.
Todavia, contempla-se, entre outras, uma exceção a este princípio se o autor ampliar o pedido e a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, circunstância em que poderá fazê-lo em qualquer altura até ao encerramento da discussão – artigo 265.º, n.º 2 do CPC.
Enquadra-se nesta exceção, a pretensão de juros indemnizatórios, acessória e consequente do pedido principal anulatório, exigindo normalmente que se constate o pressuposto de ter ocorrido erro imputável aos Serviços como postula o artigo 43.º, n.º 1 da LGT, ou, se for pedida a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, como sucede in casu, de a revisão se efetuar mais de 1 ano após o pedido deste, nos termos infra transcritos:
“Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 - […]
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) […]
b) […]
c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”
É por a pretensão de juros ser consequência do pedido principal que a jurisprudência considera que o facto de não serem peticionados na ação constitutiva, nem sequer preclude o direito de os requerer ulteriormente, em fase de execução de julgado (se os mesmos não forem voluntariamente arbitrados pela AT), pois o seu pagamento inscreve-se no dever de execução da sentença anulatória e da reconstituição plena da situação hipotética atual, i.e., da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, conforme também previsto no artigo 100.º da LGT.
Desta forma, entende-se ser de admitir a pronúncia sobre os juros indemnizatórios requeridos antes do “encerramento da discussão”. Adicionalmente, ocorrendo impossibilidade superveniente da lide, como se verifica nos presentes autos, se o ato anulatório não se pronunciar sobre os juros indemnizatórios, o Tribunal pode conhecer do pedido de juros indemnizatórios que haja sido oportunamente deduzido sobre esta matéria.
Este entendimento deriva de a eficácia retroativa da anulação dos atos de liquidação não ter a virtualidade de eliminar instantaneamente todos os efeitos lesivos que foram produzidos pelos atos tributários, durante o período de tempo que precedeu a anulação, designadamente no que se refere à privação dos meios financeiros utilizados para pagar a prestação tributária que, afinal, não era devida, por ilegal.
Pelo que se a remoção dos atos de liquidação (ou da parte inquinada) não for acompanhada da regulação da situação que existiria se não tivessem sido praticados, ou seja da atribuição de juros indemnizatórios (ou de indemnização por prestação de garantia se for o caso), então, nessa medida o processo pode prosseguir para acautelar a pretensão acessória suscitada pela emissão de tais atos ilegais que, apesar de anulados, existiram e produziram efeitos lesivos.
Importa assinalar que a posição adotada não é unânime, como se pode constatar da leitura das recentes Decisões Arbitrais nos processos do CAAD n.ºs 215/2018-T, de 16 de novembro de 2018, e 481/2018-T, de 7 de março de 2019 .
Porém, o entendimento contrário, segundo o qual não é de conhecer a pretensão de juros indemnizatórios em caso de inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, não se afigura de harmonia com a jurisprudência constante do STA que preconiza que não existindo pronúncia administrativa (decisão) sobre os juros indemnizatórios (e, mutatis mutandis, sobre a indemnização por prestação de garantia indevida se for o caso), não está integralmente regulada a relação tributária gerada pelo ato ilegal, nem satisfeita de forma integral a pretensão deduzida no processo, pelo que o Tribunal, tendo sido deduzido pedido nesse sentido, pode apreciar e, caso se verifiquem os respetivos pressupostos, condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, ou seja, nesta exata medida mantém-se a utilidade e interesse da pronúncia jurisdicional. A título de exemplo, referem-se os Acórdãos daquele Supremo Tribunal nos processos n.ºs 574/14, de 7 de janeiro de 2016, e 1101/16, de 3 de maio de 2017.
É certo que a anulação administrativa faz recair sobre a AT o dever (“ope legis”) de restabelecer a situação que existiria se o ato tributário não tivesse sido praticado. Todavia, no caso, a AT não reconheceu expressamente esse direito no “ato anulatório”, omitindo a regulação administrativa dessa parte. Assim, a pretensão (acessória) deduzida pelas Requerentes em juízo – de juros indemnizatórios – não foi expressamente acolhida (ou decidida favoravelmente) pelo dispositivo do ato anulatório.
O facto de a lei impor uma dada solução, não significa que esta seja observada pelos órgãos administrativos. A seguir a linha de raciocínio dos processos arbitrais citados, sempre se dirá que nunca seria de admitir uma pronúncia jurisdicional sobre os juros indemnizatórios ou sobre a indemnização por prestação de garantia indevida, pois estes são sempre um efeito ipso iure da pronúncia anulatória constitutiva – seja do tribunal, seja da AT – e da obrigação de reconstituição da situação atual hipotética que em ambos os casos se verifica (conquanto que verificado o pressuposto do erro imputável aos Serviços). Porém, em entendimento distinto, estes pedidos acessórios têm sido admitidos, atendendo à finalidade de regular e abranger pela pronúncia jurisdicional a totalidade da relação material, com a força vinculativa que é própria daquela.
Assim, conclui-se que a pretensão jurídica das Requerentes (ainda) não ficou totalmente satisfeita pela anulação do ato. A circunstância de o dever de pagamento de juros indemnizatórios estar previsto na lei e decorrer (como efeito) da anulação, desde que verificados os seus pressupostos, não compromete, segundo este Tribunal, a utilidade de uma pronúncia jurisdicional nesse sentido que regule a questão com efeito de caso julgado material. Interpretação esta parametrizada pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva e pela dispensa de um eventual contencioso (desnecessário e oneroso), em caso de incumprimento dos deveres reconstitutivos por parte da AT, nomeadamente uma ação indemnizatória autónoma, que derivaria da posição contrária.
Apreciando a situação concreta dos autos relativamente à pretensão de juros indemnizatórios, que este Tribunal Arbitral considera dever conhecer, e como ponto prévio à aferição do erro imputável aos Serviços, interessa considerar que estão em causa dois Pedidos de Revisão Oficiosa apresentados pelas Requerentes em 9 de abril de 2018, já ultrapassado o prazo de 120 dias previsto no artigo 70.º, n.º 1 do CPPT e, portanto, não convoláveis em (nem atendíveis como) Reclamação Graciosa. Neste caso, o direito a juros indemnizatórios é enquadrável na disciplina específica do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, que prevê que estes sejam devidos se a revisão do ato se efetuar mais de 1 ano após o pedido do contribuinte, ou seja, in casu, após 9 de abril de 2019.
Porém, os atos tributários, na parte relevante, foram anulados anteriormente, em 1 de abril de 2019, ainda não tinha decorrido o mencionado prazo de 1 ano, condição indispensável ao nascimento do direito a esses juros. Neste sentido milita, de igual modo, a jurisprudência consolidada do STA, sintetizada no recente Acórdão do Pleno, de 8 de maio de 2019, proferido no processo n.º 116/18.7.BALSB, de que se retiram os seguintes excertos ilustrativos, com plena aplicabilidade à situação dos autos:
“2.2. A questão fundamental de direito que opõe a decisão arbitral recorrida ao acórdão do fundamento consiste em saber se os juros indemnizatórios, a fixar na sequência de anulação judicial de ato de liquidação precedida de pedido de revisão por iniciativa do contribuinte, devem ser contados a partir da data do pagamento do imposto indevidamente liquidado, ou devem ser contados após o decurso do prazo de um ano sobre o pedido de revisão formulado.
A questão não é nova e já foi por diversas vezes analisada e decidida pelo STA no sentido de que tais juros só são devidos após o decurso do prazo de um ano contado da data de apresentação do pedido de revisão - acórdãos desta Secção de 24/05/06, no proc. nº 01155/05, de 2/11/2006, no proc. nº 0604/06, de 15/02/2007, no proc. nº 01041/06, de 10/05/2017, no proc. nº 01159/14, e de 6/12/2017, no proc. nº 0926/17, e acórdãos do Pleno de 23/05/2018, no proc. nº 01201/17, e de 27/02/2019, no proc. nº 022/18.
Sufragamos, sem reservas, esta orientação jurisprudencial, que atualmente se encontra consolidada no Supremo Tribunal Administrativo face aos mencionados acórdãos do Pleno, razão por que iremos transcrever o que a este propósito é salientado naquele seu último aresto.
«A leitura do disposto no artº 61.º, n.º 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário permite concluir que dirigindo-se ele à entidade administrativa lhe confere poder/dever de reconhecer o direito a juros indemnizatórios em benefício do contribuinte em diversas situações
[…]
Além do referido normativo dispõe ainda a Lei Geral Tributária, art.º 43.º n.º 3 que: «São também devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
Como se concluiu no acórdão fundamento, e foi reafirmado no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01201/17 em 23/05/2018, também a situação dos autos é enquadrável no nº 3, al. c) do art.º 43º da Lei Geral Tributária porque o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do ato de liquidação praticado em 2012 e 2013, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro, até que em 28 de Setembro de 2016, apresentou um pedido de revisão oficiosa do ato tributário.
Entre 2012 e 2016 decorre um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte suscita a questão da ilegalidade do ato de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão, nomeadamente nos três meses seguintes ao termo do prazo de pagamento voluntário usando o processo de impugnação do ato de liquidação.
O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respetiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.
Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus atos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.
A decisão arbitral recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação.».
É certo que o contribuinte se viu forçado a recorrer ao tribunal arbitral em virtude de os serviços da Administração não terem procedido à solicitada revisão do ato de liquidação ilegal, e que isso constitui uma circunstância que tem sido esgrimida para afastar a aplicação da alínea c) do nº 3 do art.º 43º da LGT.
Todavia, importa não esquecer que o princípio da igualdade impõe um tratamento semelhante entre os contribuintes cujos pedidos de revisão obtêm êxito (para além do prazo de um ano) junto da Administração, e os contribuintes que obtêm idêntico resultado (também para além desse prazo) junto do Tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração e deriva da prática de ato ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito. Nestes casos, o direito de indemnização deriva da prática de ato ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte, já que o prazo de um ano fixado nesse normativo nem sequer coincide com o prazo de quatro meses que a LGT fixa para a emissão de decisão (art.º 57º, nº 1).
No caso vertente, o imposto foi liquidado em 20/03/2015 e pago em 30/10/2015 e 30/11/2015. Todavia, o pedido de revisão da liquidação só foi apresentado em 28/09/2016 [cfr. alínea e) do probatório da decisão recorrida] e, nesta circunstância, os juros só podem ser contados a partir de um ano depois, isto é, a partir de 29/09/2017.
Assim sendo, não pode deixar de ser revogada a vertente da decisão arbitral que fixou o termo inicial dos juros indemnizatórios nas datas do pagamento do imposto, e de julgar que esse termo inicial só ocorreu em 29/09/2017, nesta medida se concedendo provimento ao recurso.
3. Pelo exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, anular a decisão arbitral no segmento em que julgou serem devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto, declarando que tais juros são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado.”
De assinalar que a interpretação preconizada não se altera pelo facto de a anulação administrativa (parcial) das liquidações ter ocorrido em razão da apreciação da legalidade dos atos suscitada no âmbito da ação arbitral, como resulta da leitura do Acórdão do STA, de 15 de fevereiro de 2007, no processo n.º 1041/06, confirmado por jurisprudência ulterior, designadamente, pelos Acórdãos de 28 de janeiro de 2015, no processo n.º 722/14, e do Pleno, de 24 de outubro de 2018, no processo n.º 099/18.3BALSB, que afastam uma interpretação restritiva do citado artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT.
À face do exposto e independentemente de as liquidações de IMI, na parte inválida, derivarem de erro imputável aos Serviços, desde logo por vigorar a isenção prevista no artigo 16.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, cujo prazo de 7 anos ainda não se encontrava expirado em 2016, os juros indemnizatórios não são devidos, por se tratar de uma situação enquadrável no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) – da LGT, e a AT ter demorado menos de 1 ano a rever – mediante anulação administrativa parcial – os atos tributários em causa.
A inobservância deste prazo de 1 ano para a revisão dos atos é condição para o nascimento do direito a juros indemnizatórios, que, porém, não se verificou na situação concreta.
Deste modo, improcede a pretensão das Requerentes a juros indemnizatórios, à face do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT e da jurisprudência acima referida.
IV. DECISÃO
Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em:
(a) Julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, relativamente ao pedido de declaração de ilegalidade e anulação parcial dos atos silentes de indeferimento dos Pedidos de Revisão Oficiosa e das liquidações de IMI relativas ao ano 2016 acima identificados;
(b) Julgar improcedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios às Requerentes;
(c) Condenar a AT nas custas do processo.
V. VALOR DA CAUSA
Fixa-se ao processo o valor de € 175.646,72, por ser aquele cuja anulação se pretende, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, e do artigo 3.º, n, º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VI. CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, 527.º e 536.º, n.º 3 do CPC fixa-se o montante das custas em € 3.672.00, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, uma vez que lhe é imputável a inutilidade superveniente da lide, derivada da anulação (parcial) dos atos tributários na pendência da instância arbitral.
Notifique-se.
Lisboa, 6 de junho de 2019
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Maria Alexandra Mesquita
João Pedro Rodrigues