Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 498/2018-T
Data da decisão: 2019-05-28  IVA  
Valor do pedido: € 1.358.262,98
Tema: IVA - Sujeito passivo misto - Instituição bancária - Locação financeira - Pro rata de dedução.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros José Poças Falcão (Presidente), Isaque Marcos Lameiras Ramos e José Ramos Alexandre (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar este Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

A..., S.A. (doravante Requerente), titular do número de pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou no dia 08/10/2018 um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto  no artigo 4.º e n.º 2 do artigo  10.º  do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida” ou “AT”).

1.            O Requerente pretende no referido pedido de pronúncia arbitral que o Tribunal Arbitral declare:

i.             a anulação dos actos tributários consubstanciados nas autoliquidações de IVA respeitantes aos períodos 01/2016, 02/2016, 03/2016, 04/2016, 05/2016, 06/2016, 07/2016, 08/2016, 09/2016, 10/2016, 11/2016 e 12/2016;

ii.            a revogação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa por si interposta, daquele acto tributário («Procedimento de Reclamação Graciosa n.º ...2018...»);

iii.           a restituição da quantia de 1.358.262,98 euros referente ao IVA não deduzido,

iv.           o pagamento de juros indemnizatórios a contar da data da apresentação das respetivas declarações periódicas relativas aos períodos 2016/01, 2016/02, 2016/03, 2016/04, 2016/05, 2016/06, 2016/07, 2016/08, 2016/09, 2016/10, 2016/11 e 2016/12, respetivamente, até à efectiva restituição.

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Requerida, em 12 de Dezembro de 2018.

3.            O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados como árbitros pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo as nomeações sido aceites, nos termos e prazos legalmente previstos.

4.            As partes, notificadas da referida nomeação, não apresentaram qualquer oposição.

5.            O Tribunal Arbitral foi constituído em 17 de Dezembro de 2018, tendo a Autoridade Tributária sido notificada na mesma data para apresentar Resposta, o que fez em 1 de Fevereiro de 2019, remetendo conjuntamente o processo Administrativo.

6.            Por Despacho de 22 de Fevereiro de 2019, foi dispensada a reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo-se convidado a Requerente e Requerida a alegar, por escrito.

7.            Apenas a Requerente apresentou, em 1/02/2019, alegações escritas, tendo, no essencial, reafirmado toda a argumentação que já tinha explanado na PI.

 

O pedido de pronuncia arbitral apresentado pelo Requerente fundamenta-se, essencialmente, no seguinte:

1.            Em 16 de Fevereiro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Janeiro de 2016 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 17 de Março de 2016.

2.            Em 22 de Março de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Fevereiro de 2016 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 05 de Abril de 2016.

3.            Em 13 de Abril de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Março de 2016 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 06 de Maio de 2016.

4.            Em 17 de Maio de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Abril de 2016 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 07 de Junho de 2016.

5.            Em 23 de Junho de 2016, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Maio de 2016 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 07 de Julho de 2016.

6.            Em 13 de Julho de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Junho de 2016.

7.            Em 10 de Agosto de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Julho de 2016 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 30 de Agosto de 2016.

8.            Em 12 de Setembro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Agosto de 2016 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 03 de Outubro de 2016.

9.            Em 24 de Outubro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Setembro de 2016 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 09 de Novembro de 2016.

10.          Em 29 de Novembro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Outubro de 2016 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 07 de Dezembro de 2016.

11.          Emc16 de Dezembro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Novembro de 2016 – a qual veio a ser substituída pela declaração apresentada a 04 de Janeiro de 2017.

12.          Em 16 de Janeiro de 2017, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2016.

13.          Por o Requerente ser, para efeitos de IVA, um sujeito passivo misto, deduziu ao longo do exercício de 2016, o IVA com base no cálculo do pro rata provisório de 14%, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2015.

14.          Na última declaração relativa ª Dezembro de 2016, apresentada a 16 de Janeiro de 2017, o Requerente, dando cumprimento ao disposto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, corrigiu os valores deduzidos ao longo do ano por força do pro rata determinado para o exercício de 2016 (pro rata definitivo para 2016).

15.          Na determinação do pro rata, o Requerente deveria ter considerado, quer no numerador quer no denominador, designadamente, (i) as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e (ii) os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.

16.          Porém, o Requerente, na determinação do cálculo do pro rata, excluiu do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.

17.          O Requerente adotou essa metodologia por força da doutrina constante do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30/01/2009, sancionado pelo Diretor Geral e adoptada pelos Serviços de Inspeção em sede de inspeção junto da Requerente em exercícios anteriores.

18.          Ao adoptar o critério imposto pela Administração Tributária e Aduaneira, o Requerente foi forçado a reduzir o seu pro rata de 56% para 14%, pelo que, consequentemente, viu o montante de imposto a deduzir diminuir de € 1.653.537,54 para € 413.384,39.

19.          Na última declaração do ano de 2016, 0 Requerente corrigiu os valores deduzidos ao longo do ano por força da aplicação do pro rata definitivo para 2016, o qual passou de 14% para 15% (pro rata definitivo para 2016), de acordo com o critério imposto pela AT, pelo que, com referência a 2016, o montante de IVA a deduzir pelo Requerente diminuiu de € 1.801.174, para € 442.911,84.

20.          Por não concordar com a posição estabelecida no citado Ofício-Circulado o Requerente apresentou reclamação graciosa solicitando a anulação dos actos de autoliquidação “uma vez que os mesmos assentaram na referida orientação genérica da AT - relativa às regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as atividades de Leasing ou de ALD - que na sua perspetiva se apresenta manifestamente contrária à lei”.

21.          O que está em causa na presente sede é apenas e tão só o procedimento adotado pelo Requerente na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista, ou seja, aferir se devem ser considerados no numerador e no denominador da fração de cálculo do pro rata (i) as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e (ii) os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.

 

Em 1 de Fevereiro do corrente ano, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua Resposta defendendo o indeferimento do pedido, essencialmente, pelas seguintes razões:

1.            O Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, pelo que, no âmbito da sua atividade, pratica operações às quais se aplica o n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, nomeadamente operações de financiamento e concessão de crédito.

2.            Tais operações configuram isenções simples ou incompletas que, como tal, não permitem o direito à dedução do imposto suportado a montante.

3.            A par disso, a Requerente realiza operações de locação financeira, através de contratos de locação financeira, nomeadamente de locação financeira mobiliária “Leasing e Aluguer de Longa Duração Financeiro”, operações sujeitas e não isentas que conferem direito à dedução nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.

4.            Tendo em conta a caracterização do contrato de locação financeira através do qual não se verifica a transferência da propriedade, mas antes a cedência do uso de um bem, o Requerente, como locador, obriga-se “a prestar um serviço traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação, sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra no final do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes”.

5.            A locação financeira caracteriza-se como uma prestação de serviços sujeita a imposto nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA.

6.            A contraprestação concretiza-se nas rendas auferidas pela Requerente, enquanto entidade locadora, sendo esta composta por uma parte correspondente a juros e outra a amortização financeira ou do capital, já que estas operações de locação (leasing e ALD) traduzem uma modalidade de crédito.

7.            Por assim ser, esta atividade levada a cabo pela Requerente mais não traduz do que “em substância, a concessão de financiamento, cuja contrapartida remuneratória é constituída, essencialmente, por juros e outros encargos incluídos nas rendas”.

8.            Na verdade, no âmbito dos contratos de locação financeira que a Requerente celebra, deduz o imposto que suportou na aquisição dos referidos bens, de acordo com o método de afetação real, e entrega os referidos bens ao locatário recebendo em contrapartida rendas, as quais integram a amortização do capital, juros e eventualmente outras despesas.

9.            Efetivamente, a dedução integral efetuada pela Requerente relativamente à aquisição dos referidos bens locados ocorre por imputação direta pelo facto de os referidos bens se destinarem a uma atividade tributada com direito à dedução nos termos do artigo 20.º do Código do IVA.

10.          No entanto, tal não ocorre relativamente à aquisição de bens e serviços de utilização mista, os chamados bens e serviços de natureza promíscua que se destinam indistintamente às diversas atividades da Requerente – sujeita e não isenta e isenta sem direito à dedução.

11.          Relativamente aos referidos bens, a dedução é efetuada tendo em conta a regra geral estabelecida na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º e calculado nos termos do n.º 4 da mesma disposição legal ou o método de afetação real de acordo com critérios objetivos.

12.          Acresce que, relativamente às atividades de locação financeira, os diversos operadores económicos concluíram não ser possível a adoção do método de afetação real de acordo com critérios objetivos atenta a natureza da referida atividade.

13.          Nessa circunstância, “foi proferido o Ofício nº .../2009, amplamente citado nas informações constantes do processo instrutor e que suportam as decisões de indeferimento a que se reportam os presentes autos, no sentido de clarificar o apuramento de um método o mais preciso possível, na ausência dos critérios objetivos impostos pelo método de afetação real, para todos os operadores económicos da referida atividade”.

14.          Sendo certo que, “a redação do nº2 do artigo 23º do Código do IVA não impede que o critério objetivo seja determinado de acordo com a percentagem de dedução afeta a todos os recursos da ora Requerente, não é menos certo que este critério tinha de refletir tão só o montante dos proveitos provenientes da sua atividade tributada (os juros) sob pena de se subverter a neutralidade que preside a todo o sistema que consagra o direito à dedução”.

15.          Assim, conclui, “o procedimento adotado pelo Requerente aquando das autoliquidações de imposto foi o correto”.

16.          O Tribunal de Justiça da União Europeia já veio considerar que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Diretiva:

17.          “(…) deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e denominador a fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão de reenvio verificar.”

18.          Acresce que, sobre esta matéria também já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 29 de Outubro de 2014, proferido no âmbito do processo nº 01075/13, 2ª Secção, onde expressamente se decidiu:

19.          “Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista , apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros”.

20.          Por assim ser, não tem a menor razão o Requerente relativamente às considerações que tece no articulado do seu pedido arbitral, no que concerne à determinação do pro rata de dedução em causa nos presentes autos, bem como ao conceito de volume de negócios que, a este propósito, pretende aplicar.

21.          Na verdade, à luz de uma sã concorrência entre os vários agentes económicos no espaço da União Europeia e na defesa do princípio da neutralidade do IVA quanto à sua carga fiscal, o indeferimento do pedido relativamente ao imposto “supostamente autoliquidado a mais não está ferido de qualquer ilegalidade como pretende fazer valer a Requerente”.

22.          Além do mais, o princípio da neutralidade através do qual se “concretiza a igualdade das empresas perante a tributação do consumo” seria, igualmente, postergado a valer a tese defendida pelo ora Requerente.

23.          Por outro lado,  face aos Tratados, o Tribunal de Justiça da União Europeia é o garante da interpretação e aplicação uniforme do direito da União no território de todos os Estados-Membros, o que se concretiza através das decisões proferidas no âmbito dos processos de reenvio, ao abrigo do artigo 267.º do TFUE, como é o caso do Acórdão acima citado.

24.          Acresce que aquela interpretação não deixa qualquer margem para dúvidas pelo que o cálculo do pro rata que o Requerente aplicou nos períodos em questão estava corretamente calculado, não padecendo as autoliquidações que pretende corrigir de qualquer tipo de erro.

25.          Proceder a uma interpretação como a defendida pela Requerida ofenderia, sem qualquer margem para dúvidas, o tão apregoado princípio da neutralidade do imposto e mais do que esse o princípio o da sã concorrência no espaço da União Europeia verdadeiro motor de toda a harmonização indireta e da consequente obrigatoriedade de introdução do IVA por todos os Estados-Membros.

26.          Por assim ser, a interpretação da Requerida é a que melhor materializa o princípio da neutralidade e o princípio da igualdade de tratamento a que o Acórdão Banco Mais dá corpo, numa situação similar à dos presentes autos, e de um concorrente da Requerente.

27.          Logo, o cálculo do pro rata inicialmente calculado pelo Requerente, de acordo com a interpretação veiculada pela Requerida, não merece qualquer censura.

28.          Nesse sentido o ato de indeferimento da reclamação graciosa não padece de qualquer ilegalidade porquanto, no que à atividade de leasing e ALD diz respeito, a parte relativa à amortização do capital incluído nas rendas não pode fazer parte dos termos da fração do pro rata de dedução

 

II. SANEADOR

 

i.             O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

ii.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

iii.           A cumulação de pedidos é admissível nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.ºdo RJAT, uma vez que a procedência do pedido depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

iv.           Não se verificam nulidades nem questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

III. OBJETO DA PRONÚNCIA ARBITRAL

 

1.            O pedido de pronúncia arbitral sub judice tem por objeto imediato a decisão de indeferimento, por despacho de 6/07/2018, da reclamação graciosa

n.º ...2018..., referente às autoliquidações de IVA, respeitantes aos períodos de Janeiro a Dezembro do ano de 2016;

2.            Em termos de objeto mediato, pede-se ao Tribunal a pronúncia sobre as seguintes questões:

a.            Por um lado, se no procedimento adotado na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista, devem ser considerados no numerador e no denominador da fração de cálculo do pro rata as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados;

b.            Por outro lado, se enfermam de ilegalidade os atos de autoliquidação de IVA já reclamados e agora impugnados com base no critério imposto pela AT, no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30/01/2009; e

c.            Se é devida a condenação da AT no reembolso das importâncias alegadamente pagas a mais acrescidas de juros indemnizatórios pelo período que vai desde a data do pagamento do imposto autoliquidado até ao efetivo reembolso.

 

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

 

A. Factos provados

Partindo, nomeadamente, das posições assumidas pelas partes, da prova documental produzida e junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

- A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei

n.º 298/92, de 31 de Dezembro e sucessivas alterações) e que exerce, entre outras, as atividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração);

- Para efeitos de IVA, a Requerente é um sujeito passivo misto (realiza operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito);

- Apresentou tempestivamente, conforme se observa dos documentos juntos sob os n.ºs 1 a 12, as declarações periódicas do IVA relativas ao ano de 2016, a saber:

             Em 16 de Fevereiro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Janeiro de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 17/05/2016;

             Em 22 de Março de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Fevereiro de 2016 que substituiu por outra declaração entregue em 05/04/2016;

             Em 13 de Abril de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Março de 2016 que substituiu por outra declaração entregue em 06/05/2016;

             Em 17 de maio de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Abril de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 07/06/2016;

             Em 23 de Junho de 2016, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Maio de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 07/07/2016;

             Em 13 de Julho de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Junho de 2016.

             Em 10 de Agosto de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Julho de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 30/08/2019;

             Em 12 de Setembro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Agosto de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 03/10/2016;

             Em 24 de Outubro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Setembro de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 09/11/2016;

             Em 29 de Novembro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Outubro de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 07/12/2016;

             Em 16 de Dezembro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Novembro de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 04/01/2017;

             Em 16 de Janeiro de 2017, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2016.

- Em todas as primeiras declarações de cada período do ano de 2016 apresentadas, o Requerente teve em conta o IVA suportado com base no cálculo do pro rata provisório de 14%;

- Na declaração correspondente ao período de Dezembro de 2016, o Requerente corrigiu os valores deduzidos ao longo do ano, por força do pro rata definitivo de 15% determinado para o exercício de 2016, com observância das instruções da AT constantes do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30/01/2009.

- Por força da adoção da doutrina da AT, o montante do IVA a deduzir pelo Requerente diminuiu de € 1 801 174,82 para €442 911,84.

- O imposto relativo a todas as declarações periódicas de IVA aqui em causa encontra-se pago.

- A Requerente apresentou, em 09/02/2018, reclamação graciosa das autoliquidações de IVA acima referidas,

- Esta reclamação, a que foi atribuído o número ...2018..., foi indeferida por despacho de 6/07/2018(cfr. doc. n.º 13).

- Em 08/10/2018, a Requerente apresentou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

B. Factos não provados

 

Não existem outros factos com relevância para a apreciação do pedido, que devam ser considerados provados ou não provados.

 

 

V. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL

1.            O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT).

2.            Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

3.            No caso, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos apresentados pela parte, e que não foram impugnados, e na cópia do processo administrativo instrutor, apresentado pela AT, tendo ainda em conta que nenhuma da matéria de facto alegada foi contestada ou impugnada.

4.            Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, o que prevê o artigo110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

VI.  DO DIREITO

Como resulta da matéria factual assente, a Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que realiza operações sujeitas a regimes de dedução de IVA diferenciados, a saber: (i) actividades financeiras e de concessão de crédito, isentas de IVA e que não conferem o direito à dedução (cfr. art. 9.º, n.º 28, do Código do IVA) e, (ii) outras actividades, designadamente de locação financeira que, em regra, consubstanciam prestações de serviços, ou sujeitas a IVA e dele não isentas ou relativamente às quais houve renúncia de isenção, e que permitem a dedução do IVA incorrido nas aquisições de bens e serviços a montante.

Assume, pois, a Requerente, a natureza de “sujeito passivo misto” atribuível, no léxico do IVA, a sujeitos passivos que realizam operações que conferem o direito à dedução e, em simultâneo, operações que, porque não tributáveis ou isentas, não conferem esse direito. Tais, contribuintes, como resulta do artigo 23.º do Código do IVA, apenas podem exercer o direito à dedução do imposto suportado nas aquisições que se destinem às operações que conferem direito à dedução .

Para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto suportado relativamente a esses bens de utilização mista, estes sujeitos passivos podem recorrer ao método da afectação real ou ao método da percentagem de dedução ou pro rata.

O método da afectação real substitui a presunção simples subjacente ao pro rata“por indicadores alheios ao volume de negócios imputando custos mistos a operações com direito a dedução e a operações sem direito a dedução de acordo com indicadores diferentes, melhor adequados à actividade do sujeito passivo” .

Já o pro rata, visa encontrar a percentagem da dedução admissível através de uma fracção em que no numerador figura o montante anual (sem imposto) das transmissões de bens e serviços que dão lugar a dedução e, no denominador, o montante anual de todas as operações efectuadas (também sem imposto), incluindo as isentas ou “fora do campo” do imposto (cfr. n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA).

A medida (percentagem) da dedução do IVA suportado a montante é apurada com base na relação entre os volumes de negócios que permitem a dedução do imposto suportado e pelas actividades que não permitem essa dedução.

No caso em apreço, a questão decidenda consiste, precisamente, em saber se um sujeito passivo, instituição de crédito, que pratica operações de leasing e ALD deve, na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista, considerar, no numerador e no denominador da fracção de cálculo, o valor total da renda ou apenas a parte correspondente aos juros (e que constitui o proveito ou rendimento do locador).

Dito de outro modo, está em causa apurar se, ponderados os métodos ou formas de cálculo da dedução de IVA, quando o sujeito passivo efectua operações que conferem direito a dedução e outras que não conferem esse direito enfermam, ou não, de ilegalidade, as autoliquidações de IVA (efectuadas em conformidade com instruções da Autoridade Tributária) em que o cálculo do pro rata excluiu do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras relativas aos contratos de leasing  e os valores de alienação/abate por destruição dos bens locados.

           Comecemos por analisar as disposições legais, europeias e nacionais, mais relevantes sobre a matéria em apreço.

Dispõem os artigos 173.º, 174.º e 175.º, da Diretiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (de agora em diante, abreviadamente designada por “Directiva IVA”):

“Artigo 173.o

1.   No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

2.   Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:

1.   O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a)             No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;

b)           No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

2.   Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a)            O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b)           O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c)            O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

3.   Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.”

Artigo 174.º

1.   O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a)            No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;

b)           No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

2.   Em derrogação do disposto no n.o 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a)            O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b)           O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c)            O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

3.   Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.o de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.”

“Artigo 175.º

1.   O pro rata de dedução é determinado anualmente, fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior.

2.   O pro rata aplicável provisoriamente a determinado ano é calculado com base nas operações do ano anterior. Na falta de tal referência, ou quando esta não seja significativa, o pro rata é estimado provisoriamente, sob controlo da administração, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões.

Todavia, os Estados–Membros podem continuar a aplicar a sua regulamentação em vigor em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados–Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão.

3.   A fixação do pro rata definitivo, que é determinado para cada ano durante o ano seguinte, implica a regularização das deduções operadas com base no pro rata aplicado provisoriamente.”

 

No que se refere à legislação nacional, determina o artigo 23.º do Código do IVA:

 

“1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior: a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas; b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.

6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.

7 - Os sujeitos passivos que iniciem a actividade ou a alterem substancialmente podem praticar a dedução do imposto com base numa percentagem provisória estimada, a inscrever nas declarações a que se referem os artigos 31.º e 32.º

8 - Para determinação da percentagem de dedução, o quociente da fracção é arredondado para a centésima imediatamente superior.

9 - Para efeitos do disposto neste artigo, pode o Ministro das Finanças, relativamente a determinadas actividades, considerar como inexistentes as operações que dêem lugar à dedução ou as que não confiram esse direito, sempre que as mesmas constituam uma parte insignificante do total do volume de negócios e não se mostre viável o procedimento previsto nos n.os 2 e 3.”

                Ainda com relevância para os presentes autos, atente-se no Ofício-Circulado

n.º 30.108, datado de 30 de Janeiro de 2009 que versa, precisamente, sobre as “Regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD”.

                Escreveu-se aí:

“Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23.º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte:

1. O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.

2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou prorata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do prorata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º).

3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.

4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.

 5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

 6. Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas. No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um prorata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

 9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA.”

No caso em apreço, está em causa a dedução de IVA relativamente a bens utilizados, de forma indiferenciada, tanto na actividade tributada (locação financeira), como na actividade isenta (nomeadamente com a concessão de crédito).

Como decorre da legislação invocada e, em particular, do n.º 1 do artigo 173.º da Directiva IVA, aos meios de utilização mista, utilizados indiferentemente “para efectuar tanto operações com direito à dedução (...) como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações”.

Por outro lado, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º “o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução”, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.

Esta percentagem de imposto dedutível, ou “pro rata de dedução”, resulta, como já se referiu, de uma fracção que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigo 174.º da Directiva IVA e 23.º, n.º 4, do Código do IVA).

Contudo, e como decorre do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, o sujeito passivo pode optar por “efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação”.

A utilização deste método de afectação real, em princípio opcional, passará a ser obrigatória se a Administração Fiscal o determinar, o que poderá fazer, nomeadamente, “quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação” (cfr. alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA).

Note-se que este entendimento é expressamente sufragado pela AT no §.º 2.º do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de Janeiro, onde se referiu: “de acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23.º do Código do IVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou prorata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º)” – o negrito é nosso.

Ainda assim, no referido Ofício-Circulado, a Autoridade Tributária entendeu que, relativamente às instituições de crédito que, como a Requerente, desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD, “o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, pelo que, utilizando a prerrogativa prevista no n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA, obrigou à utilização do método da “afectação real” (cfr. §. 8 do referido Ofício-Circulado).

Acresce que, de acordo com os §.8 e 9, a “afectação real” deverá fazer-se de duas formas:

– se for possível, faz-se “a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades” (§.8);

– se não for “possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALDs” (§.9) ficando, neste caso, afastada a aplicação da percentagem que resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º.

Nos presentes autos é incontroversa a inviabilidade de utilização do método da afectação real, com base em critérios objectivos, tendo a Requerente, em cumprimento, do §.9 daquele Ofício-Circulado, utilizado nas liquidações impugnadas este “coeficiente de imputação específico” considerando no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD e excluindo do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.

Porém, e não obstante tenha dado cumprimento às instruções ali vertidas, coloca a Requerente em causa a legalidade deste método, defendendo que o pro rata de dedução deve ser calculado nos termos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, considerando no cálculo da percentagem de dedução o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

                Diga-se, desde já, que lhe assiste razão.

Com efeito, a interpretação do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA vertida no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de Janeiro de 2009 não encontra qualquer fundamento no Código do IVA e, por isso, não pode ser sufragado.

Como decorre da alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, nas operações de locação financeira, o valor tributável em sede de IVA, é o da totalidade da renda, recebida ou a receber, do locatário.

Por outro lado, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, o numerador da fracção que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual”, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo (…)”, o que obviamente inclui as primeiras.

Da conjugação de ambas as normas decorre que, naquela fracção, deve ser incluído o valor total da renda (e não apenas os juros e outros encargos).

A solução proposta pela Administração Tributária de tributar toda a renda, como manda a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, sobre o valor tributável, e de expurgar, do numerador e do denominador da fracção, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, a parte da renda correspondente à amortização financeira, traduz-se num verdadeiro pro rata “a la carte” não permitido pelo Código do IVA.

Na verdade, o artigo 23.º, do Código do IVA, consagra objetivamente, nos n.ºs 1 e 4,  o pro rata como  o regime de dedução do IVA para os denominados  “sujeitos passivos mistos”.

É certo que o sujeito passivo pode optar pela dedução do imposto de acordo com o método da afetação real, com base em critérios objetivos podendo nestes casos (e só nestes) a Autoridade Tributária impor, em determinadas circunstâncias, condições especiais ou mesmo fazer cessar esse procedimento, se for entendido que aquele provoca ou pode provocar distorções significativas na tributação  (cfr. o n.º 2, do citado artigo 23.º) imposição que, ainda assim, deve ser devidamente fundamentada .

Em suma, decorre da legislação aplicável que:

(i)           O método da percentagem de dedução deve ser o aplicado nas situações como a que está subjacente aos presentes autos;

(ii)          O método da afetação real será de aplicação facultativa pelos sujeitos passivos;

(iii)         A Autoridade Tributária pode obrigar à aplicação do método da afetação real em certos casos;

(iv)         Porém, a única fórmula de cálculo da percentagem de dedução ou pro rata  prevista na legislação interna portuguesa é a que consta do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, não havendo margem para a alterar.

Assim, e subsumindo tudo o que antecede ao caso em apreço, ter-se-á de concluir que, tendo as autoliquidações ora impugnadas resultado das orientações vertidas no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de Janeiro de 2009 – e de acordo com o qual, para o cálculo do pro rata apenas pode concorrer a componente de juros – enfermam, à luz do exposto, de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Diga-se, por fim, que, ao contrário do que refere a Requerida, este entendimento não é colocado em causa pela Jurisprudência do TJUE e, em particular, pelo Acórdão daquele Tribunal datado de 10/07/2014 e proferido no âmbito do processo C-183/13 (“Banco Mais”).

Desde logo porque, como ressalta da mera leitura do mesmo e vem sendo denunciado pela Doutrina, o referido Acórdão lavra em erro de facto. Na verdade, e como decorre dos §.18 e 19 do referido aresto, assentou o TJUE a sua decisão no pressuposto de que o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA “reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva constitui a transposição, para o direito interno do Estado Membro em causa, do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva” .

Por outro, o citado Acórdão do TJUE não responde diretamente à pergunta prejudicial formulada e que assentou na questão de saber se a renda correspondente à amortização financeira deve ser considerada no denominador do pro rata, ou, ao invés, se apenas deveriam ser considerados os juros, por apenas estes constituírem a remuneração ou o proveito de uma entidade que desenvolve atividades de locação financeira (sujeitas) e outras atividades associadas à concessão de crédito (isentas).

Não se ignora que o TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA não se opõe a que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método .

Porém, e como bem se refere na Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 309/2017-T (Jorge Lopes de Sousa), nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, limita-se à “interpretação dos Tratados”, e à “validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União”.

                Não cabe, pois, ao TJUE aplicar o direito europeu “à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”  .

Decorre do exposto que a referida Jurisprudência não tem qualquer influência na interpretação do artigo 23.º do Código do IVA, na parte em que este contém opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006, à sua discricionariedade. Recorde-se a este propósito que que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA não é uma disposição de efeito directo, carecendo de transposição para o Direito interno de acordo com o procedimento legislativo vigente em cada Estado Membro.

            Ora, no caso em apreço, a norma de Direito interno (artigo 23.º do Código do IVA) apenas prevê dois métodos de dedução para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos, a saber:

– a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» - alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA por remissão para o n.º 4 da mesma norma; e

– «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º do Código do CIVA).

Ademais, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2. Contudo, nesta norma apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.

           Ora, como se escreveu na já citada Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 309/2017-T (Jorge Lopes de Sousa): “É manifesto que a determinação da afectação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objectivo que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objectividade, por exemplo, quais as despesas de electricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às actividades dos dois tipos que estão afectas à actividade de locação financeira.

            Isto é, a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos do n.º 2 do artigo 23º” – negrito original.

             Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.

             Embora, à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal.

                Sem prejuízo do que antecede, só por si suficiente para conduzir à anulação dos actos tributários impugnados, dir-se-á ainda, no que concerne ao argumento invocado pela Requerida no §. 41 da Resposta, e segundo o qual a aplicação do método referido no Ofício-Circulado n.º 30.108 é uma imposição do “princípio da neutralidade do imposto e mais do que esse o princípio o da sã concorrência no espaço da União Europeia”, dir-se-á que também não procede.

Desde logo, não fundamenta a Requerida, como lhe competia, as suas alegações. De todo o modo, e como referem José Xavier de Basto e António Martins no Parecer junto aos autos e já citados, tal afirmação não é rigorosa. Na verdade, “o apuramento da parcela de IVA dedutível pelo método que a administração tenta impor, provoca, ela sim, distorções significativas de tributação, pois tanto na modalidade de rendas de leasing constantes como de rendas variáveis, e uma vez que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, a proporção de juros contida na totalidade da renda flutua ao longo do período contratual, originando flutuações da percentagem de dedução, que nada têm que ver com diferentes intensidades de uso dos inputs comuns e que portanto têm de ser julgadas arbitrárias e sem fundamento legal e económico» e que «pelo método imposto pela administração, a parcela de IVA dedutível fica claramente desajustada do desígnio do imposto de libertar o empresário de todo o IVA suportado a montante, quando é certo que a jusante a renda foi integralmente tributada”.

           Refira-se finalmente que a questão subjacente aos presentes autos foi já objecto de apreciação por parte deste CAAD, sendo a jurisprudência uniforme no sentido que aqui também se propugna. Invoquem-se a este respeito e a título meramente exemplificativo, as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.ºs 309/2017 (Jorge Lopes de Sousa), 311/2017 (José Poças Falcão), 312/2017 (Fernanda Maçãs) e 339/2018-T (Carlos Fernandes Cadilha)  .

Face ao exposto, e sem necessidade de mais considerações, é manifesta procedência da pretensão da Requerente.

 Juros indemnizatórios

 

                No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticiona ainda o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT: “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária […]: a) restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Por outro lado, e sob a epígrafe “Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo”, o artigo 100.º da Lei Geral Tributária determina que a “administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

Não obstante o âmbito material do RJAT não preveja, expressamente, decisões condenatórias, uma vez que o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT refere somente “declaração de ilegalidade”, a jurisprudência do CAAD entende que se integra na competência dos tribunais arbitrais a apreciação de pedidos de condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Neste sentido, vejam-se, a título meramente exemplificativo, as decisões do CAAD proferidas nos processos nº.s 142/2012-T (Jorge Lopes de Sousa), 303/2015-T(Jorge Lopes de Sousa), 681/2016-T (Fernanda Maçãs).

Com efeito, tratando-se o recurso à arbitragem de uma via alternativa de resolução de litígios, nomeadamente alternativa em relação à impugnação judicial, e sendo admissível na impugnação judicial peticionar juros indemnizatórios e, consequentemente, condenar a AT no seu pagamento, nada leva a que não seja possível condenar em sede de arbitral.

O artigo 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

Mais ainda, resulta do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios quando preceitua que “[é] devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

No entanto, para que haja lugar ao pagamento de juros indemnizatórios torna-se necessária a verificação de quatro requisitos cumulativos, a saber:

a)            que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;

b)           que ele seja imputável aos serviços;

c)            que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

d)           que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso em apreço, todos os requisitos legais se encontram preenchidos. Na verdade o único pressuposto do direito a juros indemnizatórios que poderia suscitar dúvidas seria a exigência de que o erro seja imputável aos serviços uma vez que, como resulta da matéria factual, são objecto mediato dos presentes autos actos de autoliquidação de imposto.

Todavia, nos termos do n.º 2 do artigo 43.º da LGT, se  autoliquidação se efetiva de harmonia ou em execução de instruções da própria Autoridade Tributária – como é o caso dos autos – se justifica o juízo de imputação de responsabilidade aos próprios Serviços da AT e não ao contribuinte e, consequentemente, a causa do erro já não estará propriamente no contribuinte que procede à autoliquidação mas antes e sobretudo na AT que “impôs” uma certa interpretação da Lei e desse modo “obrigou” o contribuinte a proceder à autoliquidação com base em critérios ou pressupostos que ulteriormente não vieram a ser reconhecidos judicialmente.

                Procede pois, também, o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

VII. DECISÃO

 

Pelo exposto, acordam os árbitros que integram este Tribunal Coletivo, em julgar totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente e, em consequência:

a) Determinar a anulação dos actos tributários consubstanciados nas autoliquidações de IVA respeitantes aos períodos de 2016/01, 2016/02, 2016/03, 2016/04, 2016/05, 2016/06, 2016/07, 2016/08, 2016/09, 2016/10, 2016/11 e 2016/12;

c) Revogar o acto de indeferimento da Reclamação Graciosa interposta pela Requerente dos actos tributário mencionados na alínea anterior (Procedimento de Reclamação Graciosa n.º ...2018...);

d) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente a quantia de 1.358.262,98 Euros referente ao IVA não deduzido acrescida de juros indemnizatórios calculados sobre cada pagamento indevido desde a data em que foi efectuado até ao respectivo reembolso.

 

VIII. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €. 1.358.262,98,

 

IX. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €.18.360,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 28 de Maio de 2019,

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

José Poças Falcão (Presidente)

Isaque Marcos Ramos (Adjunto)

José Ramos Alexandre (Adjunto)