DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
1 – A..., SGPS, S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ..., ...-... ..., apresentou em 06/07/2018 um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, da alínea a) do nº 2 do artigo 5º e nº 1 do artigo 6º, todos do Regime Jurídico de Arbitragem Tributária (RJAT), com vista, de forma imediata, à apreciação da ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa nº ...2018... que correu termos na Direção de Finanças de ... e, de forma mediata, à apreciação da ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2015, na parte correspondente à não dedução à parte da respetiva coleta respeitante à tributação autónoma do benefício fiscal apurado no âmbito do CFEI - Crédito Fiscal extraordinário ao Investimento. Pede ainda subsidiariamente que, caso se entenda que o artigo 90º do Código do IRC não se aplica às tributações autónomas, seja declarada a ilegalidade da liquidação da tributação autónoma, por ausência de base legal, com o consequente reembolso do seu valor e pagamento de juros indemnizatórios.
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem que a Requerente tenha exercido a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 09/07/2018.
3 – Nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foram, em 28/08/2018, designados os árbitros do Tribunal Coletivo, que ficou assim constituído: Juiz José Poças Falcão, árbitro Presidente e árbitros auxiliares Professora Doutora Susana Fernandes Costa e licenciado Arlindo José Francisco, que comunicaram ao Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.
4 - O tribunal foi constituído em 17/09/2018 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 – Com o seu pedido, como já se aflorou, visa a Requerente a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa nº ...2018... e consequentemente a declaração da ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2015, na parte correspondente à não dedução à parte da respetiva coleta respeitante à tributação autónoma do benefício fiscal apurado no âmbito do CFEI, ou subsidiariamente a anulação da liquidação da tributação autónoma por indevida.
6 – Suporta o seu ponto de vista, em síntese, no facto do sistema informático da AT não permitir o abate de créditos de IRC resultante das tributações autónomas apuradas, o CFEI, sendo tais créditos de IRC por CFEI mais do que suficientes para compensar, através da sua utilização, a coleta da tributação autónoma em IRC do exercício de 2015 aqui em causa.
7 – Considera que na coleta das tributações autónomas não se vislumbra nenhum problema para que não seja tratada como coleta de IRC, agora ser para umas situações coleta de IRC e não ser para outras não se justifica.
8 – A grande maioria da jurisprudência arbitral vai no sentido de considerar a coleta do IRC das tributações autónomas em pé de igualdade com a do IRC, no sentido de aplicabilidade às mesmas as deduções do CFEI, no seu caso.
9 – O artigo 90º do CIRC , aplica-se à liquidação feita pelo sujeito passivo e não se encontra outro que se refira à liquidação das tributações autónomas e do restante IRC, pelo que, nestes termos, só se pode concluir que o artigo 90º se aplica a ambas, IRC e tributações autónomas.
10 – A questão que pretende, em suma ver esclarecida, é saber se a requerente tem direito a proceder à dedução do CFEI à coleta do IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, que a maioria da jurisprudência arbitral vem aceitando esse direito e que o requerente nada vê na lei que o impeça.
11 – Por sua vez a requerida, entende que as invocadas razões de facto e de direito estão longe de fundamentar e sustentar qualquer das pretensões formuladas, que devem improceder.
12 – Considera que a natureza jurídica das tributações autónomas tem uma natureza diversa da do IRC, é que enquanto este incide sobre os lucros, a tributação autónoma incide sobre despesas do sujeito passivo ou de terceiros que com ele mantenha relação, pelo que, em determinados domínios, implicam o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC.
13 – Também o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 do citado artigo, só podem ser efetuadas à parte do coleta do IRC com a qual exista uma correspondência direta, por forma a ser mantida a coerência da estrutura
14 – O CFEI tem subjacente a filosofia de que o benefício constitui um prémio cuja amplitude varia com rendibilidade dos investimentos, pois, quanto mais elevado foi o lucro/matéria coletável do IRC maior será a capacidade para efetuar a dedução, verificando-se assim, uma ligação indissociável entre o montante do crédito de imposto por investimento e a parte da coleta do IRC calculada sobre a matéria coletável baseada no lucro e, a não ser assim, subverter-se-ia a necessária articulação que, no plano material, deve existir entre os objetivos prosseguidos pelos benefícios fiscais e o seu impacto na própria grandeza que serve de base ao cálculo da matéria coletável e da coleta - o lucro.
15 - É manifesto que a tributação autónoma tem uma especial configuração nos seus aspetos materiais e temporais dos factos geradores que impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais do IRC.
16 - Concluindo que sobre a coleta produzida pelas tributações autónomas não é passível efetuar qualquer dedução, designadamente o CFEI, sob pena de, entendendo-se em sentido contrário, subverter a génese, teleológica e hermenêutica de todo o ordenamento jurídico tributário subjacente à tributação autónoma.
II – SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º,nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Junta a resposta o Tribunal proferiu Despacho a dispensar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, salvo oposição expressa, no prazo de cinco dias, de qualquer das partes, uma vez que não foram arroladas testemunhas nem haver exceções ou questões prévias a apreciar.
Concedeu o prazo de 20 dias para alegações em simultâneo das partes, fixando a data da prolação da decisão para 14 de Fevereiro de 2019.
As partes nada disseram quanto à dispensa da reunião do artigo 18º do RJAT e apenas a requerente produziu alegações, que no essencial pretendeu reforçar o seu ponto de vista quanto à matéria em questão.
Deste modo, não enfermando o processo de nulidades, cumpre decidir.
III- FUNDAMENTAÇÃO
Questões a dirimir:
A pretensão objeto do presente pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, consequentemente, a declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, na medida correspondente à não dedução à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (“CFEI”), no montante de € 1 674 834,12, referente ao período de tributação de 2015.
Ou seja, pretende-se submeter á apreciação do Tribunal a questão da aplicação (ou não) do disposto no artigo 90º do Código do IRC às tributações autónomas previstas no artigo 88º do Código do IRC, bem como ao CFEI.
Subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90º do Código do IRC não se aplica às tributações autónomas, a declaração de ilegalidade da liquidação da tributação autónoma (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efetivação, com o consequente reembolso do valor pago e pagamento de juros indemnizatórios.
1 - Matéria de Facto:
A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) Em 31 de Maio de 2016, a ora requerente procedeu à apresentação da declaração de IRC modelo 22 do seu grupo fiscal referente ao exercício de 2015, tendo procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano, no montante de € 371.577,61.
b) Na referida declaração apurou matéria coletável no montante € 112 384,90, que originou um valor final a recuperar de € 1 017 422,76.
c) O valor das tributações autónomas incidiu sobre os encargos declarados pela Requerente, em nome do grupo de sociedades, nos respetivos campos do quadro 11 da modelo 2 oportunamente apresentada.
d) Em 4 de Janeiro de 2018, apresentou reclamação graciosa contra a referida autoliquidação, que veio a ser indeferida, conforme notificação de 13 de Maio de 2018.
e) O requerente tinha um montante de CFEI disponível no exercício de 2015 de € 1 674 834,12, devidamente certificado, que o sistema informático da AT, não permitiu abater ao IRC respeitante à tributação autónoma.
f) A AT não procedeu ao apuramento do IRC do grupo por métodos indiretos, e as empresas que dele fazem pate, tinham a situação contributiva regularizada perante a AT e a Segurança Social.
g) A requerente pagou o imposto autoliquidado no montante de € 371 577,61.
Os factos considerados provados com interesse para os autos, resultam dos documentos juntos pelas partes e procedimentos administrativos que por elas não foram postos em causa, circunscrevendo-se o diferendo que, resulta claro dos articulados, à interpretação e aplicação da lei aos mesmos.
Não se considera haver factos não provados com relevância para os autos.
2– Matéria de Direito
2.1 Ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa da respetiva autoliquidação
A Requerente pretende a restituição do montante de € 371 577,61 pago, referente a tributações autónomas, por entender que o referido valor deveria ser absorvido pelo CFEI, ao tempo disponível no montante de € 1 674 834,12 que estava devidamente certificado, e para isso, pretende que seja declarada a ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa já referida e, consequentemente, a declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação de IRC, dado que a não dedução à parte da coleta produzida pelas tributações autónomas do CFEI, suporta essa ilegalidade.
A Requerente pretende que o Tribunal aprecie a aplicação do artigo 90º do CIRC às tributações autónomas previstas do artigo 88º do aludido Código, no que concerne aos CFEI, dado entender que estes deverão ser deduzidos às coletas produzidas pela tributação autónoma e, no caso de vir a ser declarada a ilegalidade, a devolução do montante em questão acompanhado de juros indemnizatórios previstos no artigo 43º da LGT .
Em primeiro lugar, vejamos que, tal como têm entendido a jurisprudência, os Tribunais não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes (conforme, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Séc – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094). Este entendimento consta do disposto nos artigos 607º-2 e 3, do CPC e 123º - 1ª parte, do CPPT, quando impõem apenas ao Juiz (ou ao Tribunal) que, depois de identificar as partes e o objeto do litígio e enunciaras questões decidendas, fundamente a decisão discriminando os factos provados e os não provados e indique, interprete e aplique as normas correspondentes para a sua conclusão final (decisão).
Consta também do RJAT (DL nº 10/2011, de 20 de janeiro e alterações) este entendimento, no artigo 22º-2, do RJAT, ao dispor que “(...) é aplicável à decisão arbitral o disposto no artigo 123º, primeira parte, do CPPT, relativamente à sentença judicial (...)”.
O objeto do litígio centra-se na apreciação da questão da consideração ou desconsideração da coleta decorrente das tributações autónomas para efeitos do limite das deduções previstas no artigo 90º, do CIRC (períodos de tributação de 2015), designadamente o CFEI.
Vejamos agora a redação do artigo 90~do Código do IRC com a epígrafe “procedimento e forma de liquidação”:
“1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o maior dos seguintes montantes: (Redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
1) A matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a administração tributária e aduaneira disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75; (Aditado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
2) A totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada; (Aditado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
3) O valor anual da retribuição mínima mensal. (Aditado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
c) (Revogada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
2 — Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a*) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;
b*) A correspondente à dupla tributação económica internacional;
c) A relativa a benefícios fiscais;
d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;
e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.
3— (Revogado)
4 — Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.
5 — As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
6 — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.
7 — (Revogado pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro)
8(*)— Relativamente aos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, ao montante apurado nos termos do n.º 1 apenas são de efetuar as deduções previstas nas alíneas a) e e) do n.º 2.
9(*)— Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.
10 — Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos nºs 2 a 4.
11 — Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.
12 — A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas”.
A jurisprudência entende, unanimemente, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC.
Com efeito, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro corrobora o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.
O artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela AT, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional. Por isso, este artigo aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela AT, na sequência da apresentação ou não de declarações.
Por outro lado, foi aditado o n.º 21 ao artigo 88º do Código do IRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que passou a referir que: “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial”.
Esta norma, independentemente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, “estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores». Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à AT, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à AT, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que parece ser inquestionável que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a AT dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos. Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável, nos termos referidos, à liquidação de tributações autónomas, ou seja, com apuramento de forma autónoma e distinta do processado nos termos do citado artigo 90º.”, tal como se refere no acórdão do CAAD do processo n.º 727/2015-T.
As tributações autónomas surgiram com vista a impedir tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal evitar a distribuição escondida de lucros, combater a evasão fiscal, apurando-se a tributação autónoma de forma independente do IRC, sendo o facto gerador do imposto a própria despesa.
Anteriormente a esta tributação existia no CIRC um conceito de despesas não dedutíveis, tendo o legislador vindo a considerar ser mais eficiente a tributação autónoma de certas despesas relacionadas com áreas mais suscetíveis de evasão fiscal (ajudas de custo, despesas de representação, despesas com viaturas, etc.).Deste modo, não se afigura razoável, mas até contrário ao motivo que levou o legislador a tributar autonomamente certas despesas e, depois, permitir que à coleta assim apurada lhe fossem deduzidos, no caso concreto os, CFEI. A proceder-se assim seria uma forma de eliminar o fundamento das tributações autónomas.
Na verdade as tributações autónomas visam um combate à evasão fiscal e, ao mesmo tempo, contribuir para a arrecadação de receitas que de outra forma não seria possível e, sendo uma receita apurada sobre despesas específicas, que enquanto tal, ficam afastadas da determinação da matéria coletável sujeita à liquidação prevista no artigo 90º do CIRC, a receita assim apurada tem uma natureza diversa da do IRC, enquanto este incide sobre lucros, ela incide sobre despesas e seria incongruente consumir os benefícios com tais receitas, que são medidas de caráter excecional que visam a tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes superiores aos da tributação, seria como retirar em simultâneo a razão de ser da tributação autónoma e dos benefícios fiscais.
Nesta perspetiva, entende-se que as deduções que o nº 2 do artigo 90º do CIRC prevê, no caso concreto os CFEI, só deverão ocorrer à coleta do IRC que recai sobre os lucros apurados pelo exercício da atividade e com a qual têm uma correspondência direta, nesse sentido o legislador acrescentou o nº 21º ao artigo 88º do CIRC que veio reforçar a interpretação que vimos defendendo das normas vigentes, mesmo antes desta intervenção legislativa.
Relativamente ao CFEI aqui em causa, o artigo 3º, nº 5 alínea a) da Lei 49/2013, esclarece “aplicando-se o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução prevista no nº 1 alínea a), efetua-se ao montante apurado nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 90º do CIRC, com base na matéria coletável do grupo. As normas que regulam a dedução̧ dos benefícios fiscais como CFEI, só poderão ser contempladas, dadas as finalidades a que estão adstritas e a forma como operam, na estrutura do regime regra do IRC.
Ao pretender a Requerente que o CFEI seja deduzido à coleta produzida pelas tributações autónomas que no exercício de 2015 a oneraram, verificamos que as normas que regulam o CFEI, conjugadas com o artigo 90 do CIRC, impedem tal procedimento.
Assim, concordamos com o acórdão do CAAD do processo n.º 727/2015-T, ao referir o seguinte:
“Com efeito, tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à coleta das tributações autónomas, incentivos fiscais, como a Requerente o pretende. Essa possibilidade resultaria num duplo efeito estranho: de um lado poderia, no limite, eliminar a coleta resultante das tributações autónomas e, de outro, propiciaria a dedução de certo benefício fiscal (no caso, estão em causa o SIFIDE e o CFEI) a imposto que tem uma função especificamente anti abuso, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados. Finalmente, seguindo a doutrina do Acórdão Arbitral n.º 722/2015-T, seria de concluir, reafirma-se, pela ilegalidade da dedutibilidade do SIFIDE e do CFEI à coleta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do caráter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (OE para 2016) ao n.º 21 do artigo 88º do CIRC, que passa a ter o seguinte conteúdo: “21 – A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números seguintes, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.
Na tese que se sufraga, o legislador, ao aditar este n.º 21 ao artigo 88º do CIRC com o conteúdo mencionado, limitou-se a acolher e a reforçar o sentido interpretativo que já resultava das normas vigentes, como ficou demonstrado pelo raciocínio supra exposto. O que dispensa a aplicação retroactica daquela norma”.
Concluímos ainda como no acórdão do CAAD do processo n.º 587/2016-T, que “torna-se forçoso interpretar correctivamente a norma do artigo 90.º, n.º 2 do CIRC aplicável, de modo a restringir a remissão que faz para o n.º 1 da mesma norma, na referência que faz “Ao montante apurado nos termos do número anterior”, limitando-a ao montante da colecta de IRC calculada mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código, e já não aos montantes apurados a título de tributação autónoma, assim se devolvendo à norma o seu sentido original, que era o que correspondia à sua redacção textual antes da introdução das tributações autónomas no CIRC”.
Ao montante apurado das tributações autónomas não há lugar a qualquer dedução, seja CFEI ou outro benefício fiscal, pelo que quer o indeferimento da reclamação graciosa quer a autoliquidação em causa não sofrem de qualquer ilegalidade e por isso deverão permanecer na ordem jurídica.
2.2 – Direito a juros indemnizatórios
O Grupo Requerente pede que seja condenada a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
Improcedendo a declaração de ilegalidade da liquidação em causa nos presentes autos, improcede também o pedido de condenação da AT no reembolso da quantia paga e no pagamento de juros indemnizatórios.
IV – DECISÃO
Assim o Tribunal decide:
a) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2018...;
b) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC de 2016;
c) Julgar prejudicado o pedido de reconhecimento do direito da Requerente ao reembolso desses montantes e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios;
d) Julgar prejudicado, nos termos mencionados, pela apreciação e decisão do pedido principal o pedido formulado nos seguintes termos: “(...)caso se entenda que o artigo 90.º do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade da liquidação da tributações autónoma (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação (cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da Constituição), com o consequente reembolso do mesmo montantes e o pagamento de juros indemnizatórios contados da mesma data (...)”.
e) Fixar o valor do processo em € 371 577,61, considerando as disposições contidas nos artigos 299º nº 1 do CPC , 97-A do CPPT e 3º nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
V - CUSTAS
Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 6.120 €, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º n.º 4 do RJAT.
Notifique.
Lisboa, 18 de abril de 2019
O Tribunal Coletivo
Juiz José Poças Falcão
Presidente
Doutora Suzana Fernandes da Costa
Árbitro adjunto
Lic. Arlindo José Francisco
Árbitro Adjunto