Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 305/2018-T
Data da decisão: 2019-04-10  Selo  
Valor do pedido: € 64.449,70
Tema: IS - Concursos - prémios em espécie - Verbas 11.2 e 11.2.2 da TGIS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros José Poças Falcão (presidente), Francisco Nicolau Domingos e Ana Teixeira de Sousa (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente tribunal arbitral, acordam no seguinte:

 

 

1.            RELATÓRIO

 

1.1.        A..., pessoa coletiva n.º ..., com sede no ..., n.º ...-..., ...– ... ..., doravante designada por Requerente, apresentou em 02/07/2018 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral respeitante ao ato de liquidação de Imposto do Selo  n.º 2018 ... e de juros compensatórios por, no seu juízo, ser nula e padecer do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

1.2.        O Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo legal.

 

1.3.        No dia 11/09/2018 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.        Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 12/09/2018 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo (PA).

 

1.5.        Em 15/10/2018 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual defende a improcedência integral de todos os pedidos formulados no presente processo arbitral.

 

1.6.        O tribunal em 25/10/2018 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com base na inexistência de exceções a conhecer e na desnecessidade de convidar as partes a corrigir as peças processuais, concedeu vinte dias para que estas, querendo, apresentassem as alegações finais escritas simultâneas e designou o dia 18/02/2019 como data limite para proferir a decisão arbitral.

 

1.7.        A Requerente apresentou no dia 19/11/2018 as alegações finais escritas e a Requerida em 05/11/2018, tendo as partes mantido as suas posições iniciais.

 

1.8.        O prazo para a prolação da decisão foi prorrogado tendo como data limite 10/04/2019.

 

2.            POSIÇÃO DAS PARTES

A Requerente alega, em primeiro lugar, que a liquidação adicional de Imposto do Selo deve ser anulada, na medida em que o relatório final da inspeção tributária não foi notificado ao seu mandatário, circunstância que determina a não produção dos seus efeitos jurídicos e consequente invalidade do ato consequente – liquidação de Imposto do Selo.

Nesta sequência, defende que: não tendo existido a notificação, também ocorreu falta de fundamentação do ato tributário que determina a sua anulabilidade.

Essa falta de fundamentação tem igualmente por fonte, o facto de a conclusão: «…quer o prémio tenha sido atribuído em dinheiro ou em espécie, decorre das regras gerais de direito que os prémios a atribuir em sorteios ou concursos devem ser publicamente anunciados pelo seu valor líquido», pois não se encontra ancorada em nenhuma norma jurídica.

Em segundo lugar, entende que existiu preterição de audição prévia, na medida em que foram suscitadas questões no exercício do direito de audição que não foram tomadas em consideração, perante a falta de notificação ao mandatário do relatório final de inspeção. Ou seja, alega que existiu preterição de formalidade essencial.

Em terceiro lugar, alega que se verificou a violação do princípio da boa-fé, da colaboração e da cooperação, pois efetuou o pagamento do Imposto do Selo no valor de 50 858,64 euros, de acordo com o art. 43.º do Código do Imposto do Selo (CIS) e da  guia de imposto emitida por um serviço  local da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e, posteriormente, foi exigido imposto adicional com base em método diferente de cálculo, circunstância que, no seu juízo, também deve conduzir à anulação do ato tributário.

Em quarto lugar, a Requerente entende que a isenção subjetiva prevista no art. 6.º do CIS se lhe aplica, tendo até a AT sufragado essa interpretação no projeto de correções ao relatório de inspeção. Por isso alega que essa posição é contraditória com as correções e liquidação adicional.

                Sustenta também que o imposto não é exigível, pois estamos na presença de uma situação de substituição tributária na qual deve ser o contribuinte direto a suportar o encargo do imposto ainda que não efetue o pagamento. No seu juízo, o instituto da retenção na fonte pressupõe a possibilidade de sobre as atribuições patrimoniais serem efetuadas deduções de determinadas importâncias, por aplicação de taxas previstas na lei, estando-se assim na presença de um mecanismo que, por natureza, só pode funcionar perante rendimentos com natureza coincidente com os meios genericamente admitidos para o pagamento de impostos – espécies monetárias líquidas. Sucede que, no caso concreto, estamos somente perante bens em espécie (automóveis) e, como tal, insuscetíveis de retenção na fonte. Assim, porque não há lugar a retenção na fonte na relação tributária objeto dos autos e porque a Requerente adotou todas as diligências que seriam imputadas – cobrança de Imposto do Selo – não tem qualquer responsabilidade ou encargo jurídico-tributário adicional.

Em sexto lugar, entende que há erro na quantificação do imposto, pois a AT considera que o valor de aquisição dos automóveis é o valor líquido, aplicando uma fórmula para determinar o valor ilíquido dos bens e determinar o Imposto do Selo a pagar. A fórmula utilizada e constante no ofício-circulado n.º 200067 – o valor ilíquido do prémio será igual ao quociente do valor líquido por (1-taxa de retenção aplicável), exceto se o valor resultante da aplicação das regras de equivalência lhe for superior, não decorre da lei e somente emerge de uma errónea praxis utilizada pela AT.

No seu juízo, os prémios devem ser anunciados pelo valor líquido, como exige o princípio da boa-fé, embora não tenha as mesmas consequências para os prémios em dinheiro e para aqueles em espécie. No caso dos prémios em espécie, a entidade pagadora deve limitar-se a identificar o prémio e o encargo de Imposto do Selo, pois viola o princípio anunciar para os prémios um valor mais baixo do que o seu real valor.

Neste âmbito ainda alega que reconhece ter efetuado no regulamento do concurso referência ao valor ilíquido dos bens de 305 454,50 euros, que excede o valor de aquisição dos bens. Embora, na sua opinião, essa interpretação não a vincula, pois, as obrigações tributárias não nascem das declarações da Requerente, antes resultam da lei interpretada em conformidade com a Constituição da República Portuguesa (CRP). Ou, dito de outro modo, o valor líquido dos bens deve corresponder ao valor dos bens, ao qual se retira o imposto.

Alega ainda que com essa interpretação, a AT atua em violação do princípio da capacidade contributiva, previsto nos artigos 13.º, 103.º e 104 da CRP, bem como age em violação ao princípio da proibição do confisco, corolário do direito fundamental de propriedade e que se encontra previsto no art. 62.ºda nossa lei fundamental. Por isso, invoca a inconstitucionalidade da verba 11.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), segundo a qual, a taxa incide sobre o valor dos prémios em espécie, calculada sobre o valor ilíquido do prémio [igual ao quociente do valor líquido por (1-taxa de retenção aplicável)], uma vez que resulta a aplicação de taxas superiores a 80%.

Termina sustentando que não são devidos quaisquer juros compensatórios, pois apenas seguiu as instruções da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (MAI), assim não existiu qualquer atuação reprovável suscetível de censura.

A Requerida na sua resposta defende-se da seguinte forma:

 

i)             Preterição do direito de audição

 

Defende-se alegando que o sujeito passivo foi notificado para exercer o direito de audição em 12/01/2018, tendo-o exercido em 29/01/2018. Como também observa que: pela análise ao Relatório de Inspeção – páginas 9 a 14 – constata-se que a matéria alegada pela Requerente foi analisada e tomada em consideração nas correções efetuadas.

 

ii)            Falta de fundamentação

 

Alega que as correções efetuadas não padecem do vício de falta de fundamentação, pois resulta claro que o homem médio colocado na posição de destinatário consegue apreender o seu sentido.

De igual modo, a Requerente compreendeu o iter cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT ao longo das correções e consequente liquidação adicional, de tal modo que as razões que as justificaram foram impugnadas pela Requerente.

Em suma, as razões de facto e de direito que alicerçaram as correções e liquidação adicional foram apreendidas pela Requerente.

Concomitantemente, quanto à falta de fundamentação de direito e ausência de notificação ao mandatário, não só o fundamento legal é o art. 9.º, n.º 1 do CIS e sempre se aplicaria o princípio da boa-fé, como também a constituição de mandatário apenas ocorreu no momento do exercício do direito de audição, tendo a natureza dos poderes conferidos suscitado dúvidas.

Contudo, mesmo que assim não fosse, defende que os vícios de forma não impõem necessariamente a anulação do ato a que respeitam e as formalidades procedimentais essenciais degradam-se em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses do contribuinte.

 

iii) Violação do princípio da boa-fé, da colaboração e da cooperação

 

Na visão da Requerente a Secretaria Geral do MAI e a AT prestaram informações divergentes; contudo para a Requerida, enquanto órgãos da Administração Pública, interpretaram as normas de incidência, os sujeitos da relação tributária, a competência para a liquidação e as pessoas sobre as quais recaía o encargo do imposto da mesma forma.  Por isso, entende que a pretensão da Requerente deve improceder com fonte neste fundamento.

 

iv) Inexigibilidade do Imposto do Selo

 

A isenção constante no art. 6.º, al. d) do CIS não pode ser aplicada, uma vez que apesar de a Requerente ser uma instituição particular de solidariedade social, não é a beneficiária do prémio, mas apenas a entidade que liquida o imposto que incide sobre esse prémio.

 

v) Erro na quantificação do Imposto do Selo;

 

                Considerando que o prémio a entregar ao beneficiário é publicitado pelo seu valor líquido, implica que, para obtermos o valor antes de o imposto, temos de dividir o valor a que tem direito o beneficiário pelo complementar da taxa de imposto. Ou seja, o valor ilíquido (tributável), calcula-se somando ao valor líquido o imposto devido.

                A Requerente encontrou a taxa que invoca de 81,82%, dividindo o Imposto do Selo devido pela atribuição dos dez automóveis de 113 549,56 euros, pelo valor líquido dos prémios de 138 782,80 euros. Contudo, as taxas de imposto (35% + 10%) incidem sobre o valor tributável, este é o valor ilíquido mencionado no relatório e que consiste em 252 332,36 euros.

 

vi) Se a interpretação efetuada pela AT quanto ao valor (ilíquido) a considerar para liquidação de Imposto do Selo é inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva e proibição do confisco

O prémio pago não pode deixar de corresponder ao valor líquido, porque é isso que de facto é entregue ao beneficiário e resulta da lei. Bem como, o Imposto do Selo não tem em consideração a capacidade contributiva.

Por conseguinte, não há qualquer violação dos aludidos princípios constitucionais.

 

vii) Juros compensatórios

 

Se o sujeito passivo por motivo que lhe é imputável retardou a liquidação de imposto do Selo, os juros compensatórios são devidos com fonte no previsto no art. 35.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).

 

                SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído com base nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 do RJAT, sendo competente para apreciar e decidir o pedido de pronúncia arbitral.

As partes, que estão devidamente representadas, gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. Factos que se consideram provados

4.1.1. A Requerente desenvolve as atividades a que respeitam o CAE 094995 e 072200 - «Outras Atividades Associativas, N.E.» e «Desenvolvimento de Ciências Sociais e Humanas».

4.1.2. A Requerente decidiu proceder à realização de um sorteio (n.º .../2016) com venda de bilhetes, através do qual foram atribuídos os seguintes prémios: dez veículos automóveis, ligeiros de passageiros, de marca ... e modelo ..., no valor líquido anunciado para cada um de 16 800 euros - condição 7 da venda de bilhetes.

4.1.3. O número de bilhetes emitidos é de 500 000 euros, revertendo a título de prémios, um terço desse valor – condição 3 da venda de bilhetes n.º.../2016.

 4.1.4. Na condição 7 da venda de bilhetes n.º .../2016 consta que o valor total ilíquido dos prémios é de 305 454, 50 euros, no qual está aplicado o Imposto do Selo de 35% + 10%, nos termos das verbas 11.2 e 11.2.2 da TGIS.

4.1.5. O sorteio realizou-se a 21/04/2017.

4.1.6. A Requerente entregou em 19/10/2017 no Serviço de Finanças de ... a guia de retenção na fonte de Imposto do Selo, respeitante ao mês de setembro de 2017, pelo valor de 50 858,64 euros.

4.1.7. O MAI participou à AT que não foi feita prova do cumprimento da obrigação de pagamento de Imposto do Selo.

4.1.8. A AT iniciou um processo inspetivo e em 12/01/2018 notificou a Requerente de uma proposta de correções com vista ao exercício do direito de audição.

4.1.9. A Requerente no dia 29/01/2018 exerceu o seu direito de audição.

4.1.10. A AT manteve as correções, notificando a Requerente do relatório final com base no ofício n.º... de 09/02/2018.

4.1.11. Foi emitida uma liquidação adicional de Imposto do Selo no montante de 62 756,38 euros.

4.1.12. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 02/07/2018.

4.2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

                A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

5. QUESTÃO DECIDENDA

Nesta sequência, são as seguintes questões que o tribunal deve apreciar:

i)             Se há preterição do direito de audição;

ii)            Se a correção e a liquidação controvertida padecem do vício de falta de fundamentação;

iii)           Se há violação do princípio da boa-fé, da colaboração e da cooperação;

iv)           Se o Imposto do Selo liquidado é exigível;

v)            Se há erro na quantificação do Imposto do Selo;

vi)           Se a interpretação efetuada pela AT quanto ao valor (ilíquido) a considerar para liquidação de Imposto do Selo é inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva e proibição do confisco;

vii)          Se os juros compensatórios liquidados são devidos.

Desta forma, a petição apresentada pela Requerente imputa vícios à notificação da liquidação de imposto em crise e, seguidamente, vícios à própria liquidação de imposto.

Simplificadamente (mas não totalmente em rigor), poder-se-ia sustentar que os primeiros vícios se reportam a aspetos formais, ao passo que a violação de lei imputada à liquidação constitui um vício de natureza material. Independentemente dessa distinção, o que se afigura determinante é saber até que ponto é útil nos presentes Autos conhecer de outros vícios para além do vício material, caso se conclua que este deva ser procedente.

Não obstante, o tribunal irá pronunciar-se sobre os vícios apontados, incluindo os vícios formais e os vícios de natureza material.

 

6. DA (i) LEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO EM CRISE

 

6.1.        A Requerente alega, em primeiro lugar, que a liquidação adicional de Imposto do Selo deve ser anulada, na medida em que o relatório final da inspeção tributária não foi notificado ao seu mandatário, circunstância que determina a não produção dos seus efeitos jurídicos e consequente invalidade do ato consequente – liquidação de Imposto do Selo.

 

O mandatário foi constituído aquando do exercício do direito de audição, que foi apresentado pelo advogado juntamente com uma procuração.

Importa atentar quer no disposto no n.º 1 do art. 40.º do CPPT, segundo o qual as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório, quer na alínea e) do n.º 1 do art. 60.º da LGT (direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária).

Conforme aponta o Cons. Lopes de Sousa, o disposto naquele n.º 1 do art. 40.º do CPPT «aplica-se às notificações a mandatários tanto no procedimento tributário como em processos judiciais tributários, como se conclui da epígrafe da Secção IV, «Dos atos procedimentais e processuais» em que a norma está inserida.» (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 5 ao art. 40º, p. 398.)

Assim, no presente caso, a notificação do relatório final da inspeção deveria ter sido notificada ao mandatário então já constituído pela Requerente. Foi no entanto aquando do exercício do direito de audição que a Requerente constituiu mandatário, pelo que a notificação para exercício do direito de audição foi remetida e bem unicamente para o sujeito passivo, pois nessa data não tinha ainda constituído mandatário: ou seja, a notificação que deveria ter sido dirigida ao mandatário era apenas a do relatório final da inspeção e não a que se destinava a interpelar o contribuinte para o exercício do direito de audição.

Mas a preterição de uma determinada formalidade (incluindo a própria preterição do direito de audiência prévia) poderá considerar-se preterição de formalidade não essencial se se demonstrar (apreciação dependente das circunstâncias concretas de cada caso) que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente (é essa a ponderação que está subjacente ao princípio do aproveitamento dos atos administrativos - cfr. neste sentido, entre outros, o ac. do STA, de 12/4/2012).

Ora, no caso, nem sequer está em causa a preterição do direito de audiência [A Requerente foi notificada para exercer o direito de audiência (e exerceu-o) e, por isso, tendo-lhe sido facultado esse direito antes da conclusão do relatório da inspeção, seria mesmo dispensável que que fosse de novo ouvida antes da liquidação, salvo se houvesse invocação de factos novos em relação aos quais ainda não tivesse tido oportunidade de se pronunciar] mas tão só a preterição de notificação do relatório final de inspeção ao mandatário constituído pela contribuinte, que no entanto foi notificado à Requerente e ela própria não questiona ter-lhe sido (a ela) notificado.

Daí que, nos termos e citando o disposto no Acórdão do STA, 01094/12, datado de 02/19/2014  , (i) considerando que estão em causa apenas correções técnicas e que, por isso, não poderia o contribuinte reclamar ou impugnar diretamente o conteúdo de tal relatório (ao contrário do que sucederia se estivesse em causa a fixação do lucro tributável por métodos indiretos, em que poderia formular, ao abrigo do art. 91.º da LGT, pedido de revisão da matéria tributável); (ii) considerando que não decorre da notificação do relatório final qualquer prazo para reclamar ou impugnar ou reagir por qualquer forma (tal prazo apenas se inicia com a notificação da liquidação e do relatório da ação inspetiva); (iii) e considerando que o cumprimento da formalidade preterida (notificação do relatório ao mandatário, em vez da notificação feita à contribuinte) em nada iria alterar o conteúdo do ato tributário (liquidação), que sempre teria o mesmo conteúdo; (iv) é de concluir que a preterição de tal formalidade não integra ato diretamente lesivo, tendo havido apenas preterição de formalidade que se degradou em não essencial, ou seja, é de concluir que estamos perante uma mera irregularidade.

Pelo que, a falta de notificação ao mandatário seguida da não notificação para um novo exercício do Direito de Audição não constitui uma preterição de formalidade essencial, mas antes uma irregularidade sanada pelo posterior exercício do direito de defesa da Requerente.

 

Pelo que não procede neste ponto o pedido da Requerente.

 

6.2          Em segundo lugar, entende que existiu preterição de audição prévia, na medida em que foram suscitadas questões no exercício do direito de audição que não foram tomadas em consideração, perante a falta de notificação ao mandatário do relatório final de inspeção. Ou seja, alega que existiu preterição de formalidade essencial.

 

O art. 60.º da LGT, sob a epígrafe «Princípio da participação», dispõe o seguinte>

«1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou ato administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, quando não haja lugar a relatório de inspeção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária.

2 - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável.

b) No caso de a liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projeto da decisão e sua fundamentação.

6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.

7             - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão».

 

A Requerida defende-se alegando que pela análise ao Relatório de Inspeção – páginas 9 a 14 – constata-se que a matéria alegada pela Requerente foi analisada e tomada em consideração nas correções efetuadas.

 

A Requerida apresentou o Relatório da Inspeção junto ao processo administrativo, na sua Resposta de 15/10/2018, sendo que o Relatório final, páginas 9 a 14, contempla a análise dos factos e fundamentos alegados pela Requerente no Direito de Audição, devendo assim considerar-se provada a consideração destes mesmos factos na decisão final da Inspeção Tributária e improceder o pedido da Requerente nesta parte.

 

6.3          Nesta sequência, defende que: não tendo existido a notificação, também ocorreu falta de fundamentação do ato tributário que determina a sua anulabilidade.

 

Essa falta de fundamentação tem igualmente por fonte, o facto de a conclusão: «…quer o prémio tenha sido atribuído em dinheiro ou em espécie, decorre das regras gerais de direito que os prémios a atribuir em sorteios ou concursos devem ser publicamente anunciados pelo seu valor líquido», pois não se encontra ancorada em nenhuma norma jurídica.

              Citando o Acórdão do STA no processo 01255/16 datado de 11/08/2017 podemos dizer que o dever legal de fundamentação do ato administrativo cumpre uma dupla função: endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência; exógena, ao permitir ao destinatário do ato uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa (cfr. o ac. deste STA, de 2/2/2006, rec. n.º 1114/05). Daí que essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio ato (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato. Atente-se que a fundamentação formal do ato tributário é distinta da chamada fundamentação substancial, devendo esta exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico.

Especificamente, também a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77.º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do ato, não relevando a fundamentação feita a posteriori (cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. n.º 01674/13 e de 23/4/2014, proc. n.º 01690/13).

Acresce que as características exigidas quanto à fundamentação formal do ato tributário, são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico.

Em suma, nos termos do estatuído no art. 77.º da LGT, a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

Nos termos do n.º 2 de tal artigo a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

De acordo com o art. 125.º, n.º 1 (atual art. 152.º) do CPA, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso, parte integrante do respetivo ato, equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.

A fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.1 [ Acórdão do STA, de 2009.04.15, proferido no recurso n.º 065/09, disponível no sítio da internet www.dgsi.pt].

Ora, no caso vertente, consta do relatório da Inspeção Tributária todo o enquadramento factual da situação objeto de liquidação adicional de IS, a base legal que sustém a mesma bem como as correções efetuadas incluindo a determinação do responsável tributário, da base de incidência do imposto, do processo de liquidação e ainda do cálculo do valor do imposto.

Da recensão de peças processuais atrás efetuada forçoso é concluir que não subsistem dúvidas de que o Requerente teve possibilidade de conhecer das razões de facto e de direito que estão na base pressupostos em que assentou a liquidação do IS impugnado e bem assim de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo de quem tomou tal decisão.

Teve oportunidade de participar, e participou, no procedimento de inspeção.

Não há, pois, qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência na exposição dos fundamentos de facto e de direito do ato impugnado, que não padece de falta de fundamentação.

Entende o tribunal que se verifica que os citados elementos são suficientes para que o contribuinte conheça a razão da liquidação impugnada, sua extensão e natureza, pelo que se conclui que foi dado cumprimento às exigências legais de fundamentação previstas no art. 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art. 37.º do CPPT.

Improcedendo o pedido da Requerente neste ponto.

 

6.4          A Requerente alega que se verificou a violação do princípio da boa-fé, da colaboração e da cooperação, pois efetuou o pagamento do Imposto do Selo no valor de 50 858,64 euros, de acordo com o art. 43.º do Código do Imposto do Selo (CIS) e da  guia de imposto emitida por um serviço  local da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e, posteriormente, foi exigido imposto adicional com base em método diferente de cálculo, circunstância que, no seu juízo, também deve conduzir à anulação do ato tributário.

 

A Requerente é um sujeito passivo de IS nos termos do n.º 1, alínea p) do artigo 2º do CIS.

Nos termos do art. 23º n.º 1 do CIS a liquidação do imposto cabe ao sujeito passivo.

Nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea p), 23.º, n.º 1, 41.º, 43.º e 44.º, n.º 1, todos do CIS, a entrega do imposto liquidado é feita até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se constituiu através da guia de retenção na fonte de IRS/IRC e Imposto do Selo, rubrica 311, "IS - Jogo”.

A guia de pagamento, que é extraída da internet, no portal das Finanças, foi apresentada pela Requerente junto da Secção de Cobrança do Serviço de Finanças de ..., para cobrança do imposto, não tendo sido o SF mas sim a Requerente a liquidar o imposto. O SF apenas o cobrou, uma vez que, nos termos do n.º1 do artigo 23.° do CIS, é à Requerente que compete a liquidação do imposto, na qualidade de sujeito passivo, de acordo com a alínea p) do n.° 1 do art.  2.° do CIS.

O imposto foi, de forma voluntária, entregue nos Cofres do Estado, em 19.10.2017, e foi calculado pela Requerente e não pelos Serviços Tributários.

Segundo o Relatório da Inspeção Tributária, para apuramento do imposto a pagar considerou a Requerente o valor da fatura proforma n.º 1/9 de 12.10.2017, emitida pelo fornecedor B..., Ldª, NIF..., no valor de € 11.301,92 (cópia da fatura fls. 11 do processo inspetivo), multiplicou por 10 (n.° de automóveis sorteados), encontrando o valor tributável de € 113.019,20.

O imposto do selo apurado resulta da aplicação cumulativa das taxas de imposto, previstas nas verbas 11.2 e 11.2.2 (10% + 35%), àquele valor tributável, ou seja, 45% x € 113.019,20 = € 50.858,64.

A Requerente não justifica nem fundamenta a base para o seu cálculo e apuramento do IS, em qualquer norma, regime ou informação tributária.

Considera a Requerente, que ocorreu a violação do princípio da cooperação previsto no art.60º do Código de Procedimento Administrativo porquanto a AT e a Secretaria Geral do MAI teriam prestado informações divergentes.

Também aqui não assiste razão à Requerente, pois ambos os órgãos da Administração Pública interpretaram as normas de incidência, os sujeitos da relação jurídico-tributária, a competência de liquidação, e pessoas sobre as quais recaía o encargo do imposto, da mesma forma.

A Requerente, no requerimento que dirigiu ao Ministério da Administração Interna para a realização de um concurso (Doc. 3) anunciou os prémios a atribuir pelo valor total líquido de € 168.000,00 e o valor total ilíquido de € 305.454,50 informando que, neste valor total ilíquido, já estava incluído o valor do IS de 35%+ 10%.

Contudo, veio a liquidar o IS na Guia de pagamento por um valor totalmente díspar.

Desta forma, a Secretaria Geral do MAI comunicou à AT a falta de comprovação da entrega do Imposto do Selo, por parte da A... (comunicação fls. 2 do processo inspetivo), porque entendeu que era esta a entidade competente para a sua liquidação (apuramento) e entrega nos Cofres do Estado, não tendo solicitado a comprovação do pagamento aos beneficiários dos prémios do sorteio.

Pelo que não assiste razão à Requerente neste ponto.

 

6.5          A Requerente entende que a isenção subjetiva prevista no art. 6.º do CIS se lhe aplica, tendo até a AT sufragado essa interpretação no projeto de correções ao relatório de inspeção. Por isso alega que essa posição é contraditória com as correções e liquidação adicional.

 

Não deteta o tribunal no projeto de correções qualquer sufrágio por parte da AT sobre a aplicação desta isenção à Requerente.

O artigo 6º do Código do IS lista o âmbito pessoal das isenções subjetivas: 

 

São isentos de imposto do selo, quando este constitua seu encargo:

 

a) O Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais e as suas associações e federações de direito público e quaisquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, que não tenham carácter empresarial;

b) As instituições de segurança social;

c) As pessoas coletivas de utilidade pública administrativa e de mera utilidade pública;

d) As instituições particulares de solidariedade social e entidades a estas legalmente equiparadas;

No caso de concursos o encargo do IS recai sobre o titular do interesse económico que, no caso de sorteios, é o beneficiário do prémio – art.3.º, n.º 1 e n.º 3 als. c) e t) do CIS.

verifica-se o nascimento da obrigação tributária no momento em que a entidade promotora incorra na obrigação/encargo decorrente de ter de conceder um determinado prémio nos termos do regulamento do concurso e, por consequência, tornar o beneficiário detentor de um direito/crédito, independentemente de este estar identificado ou vir a levantar o prémio, conforme se sustenta na lei e com base na Informação Vinculativa n.º1492.

De seguida, caberá aos sujeitos passivos a liquidação e entrega do imposto (artigos 23.º, n.º1 e 41.º) através da guia de retenção na fonte de IRS/IRC e IS, devendo fazê-lo até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que se verificou o facto gerador de imposto.

O sujeito passivo é a entidade promotora do concurso, neste caso a Requerente.

Embora ao sujeito passivo caiba a liquidação do imposto e correspondente entrega do mesmo junto dos cofres do Estado, não é sobre ele que recai o encargo do imposto.

Com efeito, o encargo recai sobre o titular do interesse económico que, no caso de sorteios, é o beneficiário do prémio – art.3.º, n.º1 e n.º3 als. c) e t) do CIS.

Transpondo estas noções para o caso em apreço temos como beneficiários aqueles a quem foi atribuído cada um dos dez carros sorteados, e como sujeito passivo a Requerente sobre quem impende a obrigação de apurar o imposto e de o entregar.

O que significa que a isenção constante do art. 6.º do CIS (assumindo-se que a Requerente se refere à alínea d) daquela norma) não lhe pode ser aplicada, uma vez que, apesar de ser uma instituição particular de solidariedade social, não é a beneficiária do prémio, mas apenas a entidade que liquida o imposto que incide sobre esse prémio.

É errónea a interpretação da Requerente sobre a Informação Vinculativa supra identificada pois ela diz precisamente o contrário, o que explicita é que, quando um prémio foi atribuído mas não foi reclamado pelo contemplado (beneficiário directo), no prazo estipulado no Regulamento do Sorteio, e o prémio venha, uma vez comunicada a situação ao Governador Civil, e por sua determinação, a ter outro destino, como reversão para instituições com fins sociais (humanitários, assistenciais), o novo beneficiário (beneficiário mediato), não vê recair sobre si o encargo do imposto, porque o imposto deve ser sempre e imediatamente liquidado pela entidade promotora, logo que esta reconheça a obrigação de ter de conceder um determinado prémio.

Ou seja, a referida informação vinculativa não transfere a posição da pessoa que suporta o encargo do imposto, mas apenas vem reforçar a interpretação de que mesmo num cenário de não levantamento do prémio, há obrigação de liquidar o imposto por parte da entidade promotora do sorteio, que assume a posição de sujeito passivo.

Pelo que não procede o pedido da Requerente.

 

6.6          Sustenta também que o imposto não é exigível, pois estamos na presença de uma situação de substituição tributária na qual deve ser o contribuinte direto a suportar o encargo do imposto ainda que não efetue o pagamento.

 

No seu juízo, o instituto da retenção na fonte pressupõe a possibilidade de sobre as atribuições patrimoniais serem efetuadas deduções de determinadas importâncias, por aplicação de taxas previstas na lei, estando-se assim na presença de um mecanismo que, por natureza, só pode funcionar perante rendimentos com natureza coincidente com os meios genericamente admitidos para o pagamento de impostos – espécies monetárias líquidas. Sucede que, no caso concreto, estamos somente perante bens em espécie (automóveis) e, como tal, insuscetíveis de retenção na fonte. Assim, porque não há lugar a retenção na fonte na relação tributária objeto dos autos e porque a Requerente adotou todas as diligências que seriam imputadas – cobrança de Imposto do Selo – não tem qualquer responsabilidade ou encargo jurídico-tributário adicional.

             A retenção na fonte é um mecanismo de antecipação da cobrança de imposto.

Este mecanismo é a forma prevista em sede de diversos impostos, nomeadamente IRS e IRC, para a AT arrecadar o imposto devido a final.  No caso do IRS a retenção na fonte sobre rendimentos em espécie sempre esteve prevista no respetivo Código, estabelecendo-se a dispensa dessa retenção na fonte em determinadas situações.

Só com a reforma do CIRS datada de 2015 se passa a prever uma regra geral de dispensa de retenção na fonte sobre os rendimentos do trabalho dependente – art. 99.º, n.º 1, al. a) – mantendo-se a regra geral de retenção na fonte aplicável a outros tipos de rendimentos, nomeadamente do trabalho independente e capitais, quer sejam pagos em numerário quer sejam pagos em espécie.

É bem verdade que a retenção na fonte sobre rendimentos em espécie suscita dúvidas operacionais que não estão resolvidas ou suficientemente esclarecidas pela AT.

Contudo, não é admissível concluir pela impossibilidade de a efetuar.

                No caso específico do IS sobre prémios teremos que verificar primeiramente se no caso em apreço estamos perante uma situação de substituição tributária, ou não.

Nos termos do art. 20º, n.º1 da LGT a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte. O legislador ao referir-se ao conceito de “contribuinte” está a aludir àquele em relação a quem se verificaram os pressupostos constantes da norma de incidência do tributo. Citando o Dr. Diogo Feio “Este instituto consubstancia-se no facto de o contribuinte que pratica o facto tributário não ocupar na relação em causa a posição que normalmente seria a sua”.

A substituição é efetivada através do mecanismo de retenção na fonte (art. 20.º, n.º2 da LGT).

No caso em apreço, nos termos do art. 2.º, n.º 1, al. p) do CIS o sujeito passivo é a Requerente. Contudo quem suporta o encargo é o premiado (art. 3.º, n.º1 e n.º 3, al. t) do CIS).

O mecanismo da substituição fiscal é distinto do mecanismo da repercussão fiscal. “Assim, embora, pelo menos num primeiro momento, substituído e contribuinte de facto sejam entidades que suportam o desfalque patrimonial em que se consubstancia o imposto (…), o substituído é contribuinte de direito, ou seja sujeito passivo de imposto, enquanto que o contribuinte de facto é totalmente alheio à relação jurídica fiscal, não é, (…) sujeito passivo da mesma” (  In Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, 3ª Ed., Almedina, 2009, Pág. 272).

A repercussão ocorre fora do âmbito da obrigação tributária sendo por isso que nos termos do art. 18.º, n.º4, al a) da LGT os repercutidos não são sujeitos passivos. A repercussão ocorre quando o sujeito abrangido pelas regras de incidência do imposto transfere para outrem o encargo económico.

No caso em apreço o legislador previu expressamente a Requerente como o sujeito passivo e previu que o imposto seria um encargo do titular do interesse económico, ou seja, do premiado. Assim, o premiado é o repercutido não sendo sujeito passivo.

No âmbito do CIS o beneficiário ou premiado está fora da relação jurídica do imposto porque não é sujeito passivo, nem responsável pelo seu pagamento. Ao beneficiário cabe suportar o encargo, sem ter a qualidade de devedor.

O único responsável pelo cumprimento da obrigação é o sujeito passivo (art. 41.º, n.º 1 e 23.º do CIS), estando o premiado desonerado de qualquer responsabilidade, principal ou acessória.

A propósito da qualificação daquele que suporta o encargo do Imposto do Selo, citando Silvério Mateus e Corvelo Freitas “estas pessoas, não obstante suportarem, por repercussão, o encargo do imposto, não têm a qualidade de sujeitos passivos, não estando, consequentemente, sujeitas a qualquer obrigação de natureza fiscal.”

“O caso do imposto do selo é ainda mais singular, pois a lei define que os sujeitos passivos são aqueles a quem a lei atribui a obrigação de liquidar e pagar o imposto ao Estado (art. 2.º do CIS), mas impõe a repercussão legal ao dizer que o encargo é da entidade com interesse económico na realidade tributária (art. 3.º), que normalmente, não coincide com o sujeito passivo.”.

Sobre a qualificação dos intervenientes no Imposto do Selo, o TCAS, no processo n.º04457/11, por Acórdão de 30/04/2013, tomou a seguinte decisão:

“2. Verifica-se a repercussão fiscal do imposto, dado que o sujeito diretamente determinado pela lei para pagar o imposto não é verdadeiramente o titular da riqueza a tributar, mas apenas um sujeito sobre quem é mais fácil executar a cobrança.”

Desta forma, a Requerente é a única responsável pelo IS devido por liquidação feita pelo sujeito passivo ou liquidação adicional efetuada pela AT.

E a forma de reter e entregar o IS, nos termos do respetivo processo de liquidação é similar à que já vinha sendo aplicada quando os prémios de sorteios, em dinheiro ou em espécie, se encontravam sujeitos a tributação como incremento patrimonial.

Recuando na história da tributação destes prémios vejamos:

Os ganhos provenientes do "jogo", eram até a entrada em vigor do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, tributados em sede do Imposto do Selo então vigente (Regulamento do Imposto do Selo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º12.700, de 20 de Novembro de 1926, e Tabela aprovada pelo Decreto n.º 10.039, de Agosto de 1924, diplomas que foram objeto de inúmeras alterações ao longo da respetiva existência).

                O art. 134.º da Tabela do Selo referia-se, aquando da entrada em vigor do CIRS, a “Prémios de lotarias, rifas e apostas mútuas” 11 e o art. 134-A da mesma Tabela, a “Prémios em concursos de televisão”12. O art. 134.º da Tabela de Selo foi abolido pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11, que aprovou o Código do IRS, tendo a redação inicial deste diploma passado a dispor, no artigo 12º, “São compreendidos na categoria I os ganhos pagos ou postos a disposição prove¬nientes de quaisquer lotarias, rifas e apostas mutuas, e ainda as provenientes de jogos do Ioto e do bingo”.

                Após a Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro, o art. 12.º do CIRS passou a dizer: “São compreendidos na categoria I :a) Os prémios pagos ou postos a disposição provenien¬tes de quaisquer lotarias, rifas e apostas mútuas e ainda os provenientes dos jogos do loto e do bingo; b) As importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos.”

 Com esta nova redação ficavam abrangidas pela categoria I todas as importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos 13, sendo o art. 134-A da Tabela do Imposto do Selo, revogado pelo Decreto¬-Lei n.º 205/90, de 25 de junho.

 A integração na categoria I dos «ganhos provenientes do jogo», entendidos como os pro¬venientes de um ato ou de uma atividade de que possam objetivamente (independentemente da vontade do agente) resultar rendimentos atribuíveis ao fator «sorte», decorria do conceito de rendimento-acréscimo subjacente à reforma da tributação dos rendimentos. Dada a natureza deste rendimento, o montante total do prémio (ou o seu contravalor em escudos quando atribuído em espécie), não admitia quaisquer deduções e a tributação era feita à taxa liberatória de 25%, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 74.º do Código. 

Na sequência das alterações da Reforma então efetuada, e no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 17º da Lei n.º 30-G/2000, de 29/12, o Decreto-Lei 198/2001, de 3 de julho, procedeu à revisão do CIRS, do CIRC e do EBF, os ganhos com jogos foram então incluídos na categoria G, como incrementos patrimoniais (art. 9º do CIRS).

                O n.º 2 do art. no art. 9.º do CIRS dispunha então: “2 - São também considerados incrementos patrimoniais os prémios de quaisquer lotarias, rifas e apostas mútuas, totoloto, jogos do loto e bingo, bem como as importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos, efetivamente pagos ou postos à disposição”.

Esta disposição, que foi ainda objeto de sucessivas pequenas alterações, dizia aquando revogada : “2 - São também considerados incrementos patrimoniais os prémios de quaisquer rifas, jogo do loto e bingo, bem como as importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos, efetivamente pagos ou postos à disposição, com exceção dos prémios provenientes dos jogos sociais organizados por Estados membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu desde que, neste caso, exista intercâmbio de informações.” (redação dada pelo art. 2.º do Decreto-Lei n.º 175/2009, de 04/08, em vigor a partir de 01/09/2009). 15

 O pagamento era feito por retenção na fonte através de taxa liberatória (art. 71.º, n.º 2, alíneas b) e f), do Código do IRS)

Pelo que não assiste razão à Requerente neste capítulo da sua argumentação.

 

6.7          Entende que há erro na quantificação do imposto, pois a AT considera que o valor de aquisição dos automóveis é o valor líquido, aplicando uma fórmula para determinar o valor ilíquido dos bens e determinar o Imposto do Selo a pagar. A fórmula utilizada e constante no ofício-circulado n.º 200067 – o valor ilíquido do prémio será igual ao quociente do valor líquido por (1-taxa de retenção aplicável), exceto se o valor resultante da aplicação das regras de equivalência lhe for superior, não decorre da lei e somente emerge de uma errónea praxis utilizada pela AT.

No seu juízo, os prémios devem ser anunciados pelo valor líquido, como exige o princípio da boa-fé, embora não tenha as mesmas consequências para os prémios em dinheiro e para aqueles em espécie. No caso dos prémios em espécie, a entidade pagadora deve limitar-se a identificar o prémio e o encargo de Imposto do Selo, pois viola o princípio anunciar para os prémios um valor mais baixo do que o seu real valor.

Neste âmbito ainda alega que reconhece ter efetuado no regulamento do concurso referência ao valor ilíquido dos bens de 305 454,50 euros, que excede o valor de aquisição dos bens. Embora, na sua opinião, essa interpretação não a vincula, pois, as obrigações tributárias não nascem das declarações da Requerente, antes resultam da lei interpretada em conformidade com a Constituição da República Portuguesa (CRP). Ou, dito de outro modo, o valor líquido dos bens deve corresponder ao valor dos bens, ao qual se retira o imposto.

Alega ainda que com essa interpretação, a AT atua em violação do princípio da capacidade contributiva, previsto nos artigos 13.º, 103.º e 104 da CRP, bem como age em violação ao princípio da proibição do confisco, corolário do direito fundamental de propriedade e que se encontra previsto no art. 62.ºda nossa lei fundamental. Por isso, invoca a inconstitucionalidade da verba 11.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), segundo a qual, a taxa incide sobre o valor dos prémios em espécie, calculada sobre o valor ilíquido do prémio [igual ao quociente do valor líquido por (1-taxa de retenção aplicável)], uma vez que resulta a aplicação de taxas superiores a 80%.

              Também neste ponto a Requerente não tem razão. Senão, vejamos:

                Viajando de novo à génese desta tributação no CIRS, logo nos primeiros tempos de aplicação do CIRS foi esclarecido pelos Serviços de Administração do Imposto sobre o Rendimento (SAIR), no Ofício-Circulado n.º 8/92, de 16 de abril, que:

- nos prémios atribuídos em espécie o seu valor ilíquido nunca poderia ser inferior ao que resultaria da aplicação das regras de equivalência estabelecidas no art. 23.º do Código do IRS;

- o valor ilíquido dos prémios atribuídos em espécie seria igual ao resultado da divisão do valor líquido por 0,75, exceto quando o valor resultante da aplicação das regras de equivalência já referidas fosse superior.

Esta orientação foi mantida e atualizada em despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 332/2002, divulgado pela DGCI através do Ofício Circulado n.º 20067, de 9 de Abril de 2002. O n.º 5 da referida circular era bem claro no sentido de que, quer no caso de atribuição de prémio em dinheiro quer em espécie, decorre das regras gerais de direito que os prémios a atribuir em sorteios ou concursos “devem ser publicamente anunciados pelo seu valor líquido. Assim, o valor ilíquido do prémio será igual ao quociente do valor líquido por (1 - taxa de retenção aplicável), exceto se o valor resultante da aplicação das regras de equivalência lhe for superior”.

 

A aplicação desta orientação administrativa terá sido, de um modo geral, acatada. Tenha-se em conta, designadamente, a fundamentação contida no Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido no proc. n.º 0498/06, em 3 de julho de 2007, que, aceitando a interpretação da Administração Fiscal decidiu (síntese e sublinhados nossos):

•             Estando em causa rendimentos sujeitos a tributação pela CIRS (antes como categoria I depois como G) o n.º 2 do seu art. 1.º sujeita tanto os rendimentos em dinheiro como os rendimentos em espécie, cujo valor é possível conhecer;

•             Segundo o então disposto no n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do art. 74.º do CIRS e alínea a) do n.º 2 do artigo 94.º do CIRS, a tributação desses rendimentos ocorre por retenção na fonte a título definitivo com carácter liberatório, pela entidade devedora desses rendimentos;

•             As orientações dadas pela Administração Fiscal para a tributação destes rendimentos não se traduzem apenas em retenção na fonte porque, para além de exigir que a entidade devedora não se limite a proceder a uma afetação de uma parte dos rendimentos atribuídos ao contribuinte, impõe que a empresa organizadora do concurso proceda, aquando do pagamento de prémios em espécie, a um aumento ficcionado ao respetivo custo de aquisição dos mesmos, aumento esse que corresponderá ao valor do imposto.

•             Mas não é, por isso, que se pode deixar de falar em retenção na fonte uma vez que o que se exige apenas à entidade organizadora dos concursos é que entregue nos cofres do Estado o imposto correspondente ao prémio atribuído, calculado pela aplicação da taxa devida sobre o seu valor;

•             Só que, como o prémio pago não pode deixar de corresponder ao valor líquido de IRS, porque é isso que de facto é entregue ao beneficiário, torna-se necessário apurar o rendimento ilíquido sujeito a imposto e foi isso que a AF pretendeu fazer através do ofício circulado citado, o qual se limita a esclarecer na prática o que já resulta da lei, sem qualquer carácter inovatório, pelo que não há aqui violação do princípio da legalidade tributária.

 

Após as mencionadas alterações legislativas, ocorridas em 2010 – substituição da tributação dos prémios atribuídos em concursos, antes abrangidos por IRS e agora objeto de incidência em Imposto do Selo – a Administração Fiscal veio esclarecer dúvidas surgidas quanto à determinação do valor tributável nos casos de pagamento de prémios em espécie. Reiterou então, em duas informações vinculativas (nºs 1233 e 1492, citadas nos autos pela AT), proferidas respetivamente nos Processos nºs 2010...-IVE 1233 e 2010...- IVE 1492 despachadas ambas em 31.01.2011, o entendimento quanto ao modo como se determina o montante do imposto. Assim:

•             Os montantes dos prémios devem ser anunciados líquidos de impostos, pelo que, independentemente da taxa, o beneficiário recebe sempre o prémio pelo montante anunciado, mantendo-se atual o entendimento expresso pela DGCI no seu Ofício -Circulado n.º 20067, de 09.04.2002, da DSIRS: "Quer o prémio seja atribuído em dinheiro ou em espécie, decorre das regras gerais de direito que os prémios a atribuir em sorteios ou concursos devem ser publicamente anunciados pelo seu valor líquido" (o Ofício -Circulado n.º 8/92 de 16.04.1992, entretanto revogado, já sancionava igual entendimento);

•             Quanto à fórmula de cálculo do Imposto do Selo a pagar : o valor ilíquido do prémio anunciado será igual ao quociente do: valor líquido / (1 - a taxa de retenção aplicável), isto é, valor líquido /1 - 0,25; 0,35 ou 0,45 consoante o tipo de jogo e o facto do prémio ser pago em dinheiro ou espécie;

•             Se o prémio for em espécie, o seu valor líquido corresponderá ao preço que o promotor tenha pago pelo bem, incluindo os impostos não dedutíveis que sobre aquele incidiram, nomeadamente o IVA.

                No caso de prémios de sorteios em espécie, os montantes dos prémios devem ser anunciados líquidos de impostos pelo que, independentemente da taxa, o beneficiário recebe sempre o prémio pelo montante anunciado, quer o prémio seja atribuído e dinheiro ou espécie (ponto 5. do Oficio-Circulado n.º20067, de 09.04.2002, da DSIRS).

                               Os prémios atribuídos no sorteio, são 10 automóveis, portanto prémios em espécie, o seu valor líquido corresponde ao preço que o promotor tenha pago pelos bens, incluindo os impostos não dedutíveis que sobre aquele incidirem, nomeadamente o IVA, conforme também se pode retirar da leitura da Informação Vinculativa 2010... -IVE 1233, de 2011-01-31, da DGI, no seu ponto n.º2 do Capítulo VI.

                               Da análise às 10 faturas de aquisição dos bens sorteados resulta um valor líquido do prémio individual de 13.886,28 Euros ou seja, um valor líquido global de 138.862,80 Euros, conforme as faturas de veículos que foram juntas ao processo.

                               Nos termos do art.º3º, n.º3, alínea t), do Código do Imposto do Selo, o imposto constitui encargo dos beneficiários dos prémios do bingo, das rifas e dos jogos do loto, bem como em quaisquer prémios de sorteios ou concursos, embora os sujeitos passivos da relação tributária sejam, nos termos do art.º2.º, n.º 1, alínea p), as entidades que concedem os prémios do bingo, das rifas e do jogo do loto, bem como quaisquer prémios de sorteios ou de concursos, sem prejuízo de terem que liquidar e entregar o imposto em obediência ao -art.º23º do CIS.

                               A obrigação de liquidar e entregar o Imposto do Selo nos cofres do Estado incumbe à entidade que concede o prémio nos termos da alínea p), n.º 1 do art.º 2.º, do CIS, no caso a Requerente, entidade que concedeu os prémios do sorteio nacional n.º 29/2016.

                               Assim, e de acordo com o já exposto, a taxa de imposto a aplicar incide sobre o valor ilíquido do prémio. Por sua vez este valor ilíquido do prémio resulta do quociente entre o valor líquido e um menos a taxa de retenção aplicável (35% acrescida de 10% por se tratarem de prémios em espécie), resultando no valor ilíquido global de 252.477,82 Eur., assim determinado (ponto 5. do Oficio-Circulado n.º20067, de 09.04.2002, da DSIRS):

                               Deste modo o Imposto do Selo devido pela atribuição dos 10 automóveis no sorteio é de 113.615,02 Eur., calculado pela aplicação das taxas de imposto das verbas 11.2 e 11.2.2, ao valor tributável de 252.477,82 Eur, ou seja (35% + 10%) x 252.477,82 Eur.

                               Ora a Requerente apurou incorretamente o IS porque utilizou para valor tributável o valor líquido, quando o IS deve ser liquidado pela aplicação das taxas da verba 11.2 ao valor ilíquido dos prémios em espécie (automóveis), sendo o valor de aquisição de cada uma das 10 viaturas de 13.886,28 Euros.

                Em face do exposto, a Requerente não liquidou devidamente o IS nos termos das normas legais e direito circulatório adjuvante na interpretação e aplicação das mesmas, não havendo outra solução legal mais adequada: Imposto do Selo em falta.

 

6.8          Termina sustentando que não são devidos quaisquer juros compensatórios, pois apenas seguiu as instruções da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (MAI), assim não existiu qualquer atuação reprovável suscetível de censura.

 

A liquidação de juros compensatórios tem por base a liquidação de Imposto do Selo (artigo 35.º da LGT).

                Como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-09-1998, e é jurisprudência pacífica (   ):       

«Os juros compensatórios destinam-se a compensar ou indemnizar o credor tributário pelo prejuízo presumivelmente sofrido com o atraso da entrada do imposto na sua esfera patrimonial.

                A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende existência de uma dívida de imposto, da existência de um atraso na efetivação de uma liquidação de imposto, e da imputabilidade deste atraso atuação do contribuinte.

                Esta imputabilidade reclama a existência de nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e o retardamento referido e a possibilidade de formulação de um juízo de censura à atuação do contribuinte (culpa)».

                No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira imputa à Requerente factos que configuram todos os requisitos de aplicação de juros compensatórios.

                Ora a responsabilidade por juros compensatórios depende, portanto, de nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação (a título de dolo ou negligência).

                No presente caso não parece existir necessariamente esse nexo. Efetivamente, a solução da questão da incidência e cálculo de IS no caso de prémios em espécie no âmbito de concursos não é, apesar de tudo, clara, à face da letra da lei, daí a necessidade de direito circulatório e processos no quadro de pedidos de informação vinculativa que adjuvam na aplicação destas normas do CIS. Por outro lado, não há jurisprudência consolidada no sentido defendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Acresce que a Requerente confiou também na aceitação da liquidação de IS por parte da Administração Interna, que aconteceu pelo menos num primeiro momento. Pelo que não pode merecer um juízo de censura o mero facto de a Requerente defender a interpretação da lei que entende adequada.

                Pelo que procede o pedido da Requerente nesta matéria.

 

7.            DECISÃO 

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

a)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo n.º 2018..., mantendo-a na ordem jurídica;

b)           Julgar procedente o pedido da Requerente de anulação dos juros compensatórios liquidado e

c)            Condenar ambas as partes nas custas do processo na proporção arredondada dos respetivos decaimentos, ou seja, 2,8% a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira e 97,2%, a cargo da Requerente.

 

8.            VALOR DO PROCESSO

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €64.449,70

 

9.            CUSTAS

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo de ambas as partes na proporção acima definida.

 

 

 

Lisboa, 10-04-2019

 

O Árbitro Presidente

(José Poças Falcão)

 

O Árbitro Vogal,

vencido quanto ao pedido de anulação de juros compensatórios, conforme declaração que junta,

(Francisco Nicolau Domingos)

 

O Árbitro Vogal

(Ana Teixeira de Sousa)

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Voto vencido a questão da anulação da liquidação dos juros compensatórios, pelo que se impõe descrever os fundamentos que justificariam uma decisão diversa.

O art. 35.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe que: «1 – São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.».

Os juros compensatórios assumem uma natureza de reparação civil e, consequentemente dependem do retardamento da liquidação e da atuação do contribuinte. Ou, dito de outro modo, a sua finalidade consiste na reparação dos prejuízos sofridos pelo Estado com o atraso na liquidação do imposto.

Assim, em tese, existirá culpa do sujeito passivo quando a sua atuação preencher uma infração tributária. Todavia, podem até não ser devidos juros compensatórios, quando seja possível excluir a culpa.

Para além do mais sustenta a doutrina  que: «Constitui, pois, seu pressuposto o contribuinte – que não é apenas o de direito, podendo sê-lo, no âmbito dos deveres de retenção e entrega que lhe estão legalmente cometidos, o substituto tributário – não ter atuado com  diligência normal no cumprimento das suas obrigações tributárias, como realça o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de janeiro de 1992, no recurso número 13671. Essas obrigações não são apenas as declarativas, podendo consistir na entrega do imposto nos cofres do Estado a título de retenção na fonte ou pagamento por conta ou após a sua liquidação a terceiros, como é o caso do IVA e de várias das verbas da Tabela Geral do Imposto do Selo».

Por isso, apenas serão exigíveis naquelas hipóteses em que é possível formular um juízo de censura – culpa – relativamente à atuação do sujeito passivo.

Acontece que, no caso concreto é seguro formular esse juízo de culpa, pois no momento de decisão da realização do sorteio já existia jurisprudência arbitral relativamente à questão essencial (erro na quantificação do Imposto do Selo) distinta daquela que sustenta a pretensão da requerente, v.g. a decisão arbitral n.º 229/2013-T, de 8 de abril de 2014 e a decisão arbitral n.º 30/2013-T, de 29 de outubro de 2013 que, no essencial, interpretam a verba 11.2 da TGIS de forma semelhante àquela que fez vencimento  neste tribunal.

Em resumo, se assim o é, a conduta da Requerente é censurável e como tal dever-se-ia manter na ordem jurídica a liquidação de juros compensatórios.

 

O árbitro,

Francisco Nicolau Domingos