Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 166/2013-T
Data da decisão: 2013-12-12  IRS  
Valor do pedido: € 192.294,00
Tema: Rendimentos de capitais, art. 6º, nº 4 do CIRS
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Decisão Arbitral

 

 

PROCESSO 166/2013-T

 

 

Os Árbitros Manuel Luís Macaísta Malheiros (árbitro presidente), Dra. Maria Celeste Cardona e Dr. Marcolino Pisão Pedreiro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para integrarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16-09-2013, acordam o seguinte:

  

I – Relatório

1. …, Lda, contribuinte …, com sede na rua …, Felgueiras, tendo sido notificada do indeferimento da reclamação graciosa nº …, relativa a retenções na fonte de IRS respeitante ao ano de 2007, no valor total de €192.294,00 (cento e noventa e dois mil, duzentos e noventa e quatro euros), veio nos termos dos nºs 1º, al. a) e nº 2 do art. 10º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das retenções na fonte e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira à restituição das importância pagas pela requerente, acrescida dos juros devidos desde a data de cada um dos pagamentos até ao efetivo reembolso

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e notificado às partes. Nos termos do disposto no artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011 de 20 de janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os Árbitros a integrar o coletivo e as partes foram notificadas da designação, que aceitaram. O Tribunal Arbitral foi constituído em 16 de setembro   de 2013. 

 

3.A Autoridade Tributária não usou da prerrogativa de revogação do ato impugnado, pelo que os autos prosseguiram. 

 

4.A reunião prevista no artigo 18º do RJAT teve lugar em 5 de novembro  de 2013, na qual foi decidido notificar Requerente e Requerida para no prazo de dez dias e de modo sucessivo apresentarem alegações escritas, tendo ainda sido determinado o dia 20 de dezembro para prolação da decisão arbitral. 

 

5.As partes apresentaram alegações escritas no prazo fixado.

 

6.O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar e decidir o objeto do processo. 

 

7.O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.  

 

8.As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011 de 22/03) 

 

9. A posição da Requerente sintetiza-se do modo seguinte: 

 

-No âmbito de procedimento inspetivo levado a cabo pela Direção de Finanças do Porto e incidente sobre o ano de 2007, foi constatado que do balancete analítico consta uma conta de Outros devedores e credores – …, em nome do sócio …, com um saldo em 31 de dezembro  de 2007 no montante de 961.470,00 €;

-Considerou-se no respetivo relatório final que a este tipo de operações era aplicável o preceituado no nº 4 do art. 6º do CIRS;

- Confrontado com esta situação, o sujeito passivo entregou a declaração de retenções na fonte de IRS/IRC e imposto de selo, declarando IRS-Capitais – Outros rendimentos em falta, no montante de € 192.294,00 (€ 961.470,00 *20%);

-Que foi induzida a apresentar a referida declaração de retenções pelo Senhor Inspetor Tributário, sem a adequada ponderação dos pressupostos e das consequências de tal conduta e que feita a pertinente análise, rapidamente chegou à conclusão de que tinha sido induzida em erro quanto à aplicação do art. 6º, nº 4 do CIRS;

-Que em face dessa análise apresentou requerimento dirigido ao senhor Diretor dos Serviços de Cobrança da então Direção-Geral dos Impostos, em que requereu que fosse considerada sem efeito a declaração entregue e anulada a certidão de dívida emitida, bem como a liquidação de juros compensatórios entretanto efetuada;

-Que este requerimento foi reencaminhado para o serviço de finanças competente e convolado em reclamação graciosa, que foi liminarmente indeferida por se entender ser intempestiva, decisão da qual foi interposto recurso hierárquico que revogou a decisão de indeferimento liminar, considerou a reclamação graciosa tempestiva e determinou que fosse apreciado o mérito da causa;

-Que apreciado o mérito da reclamação graciosa, foi proferida decisão de indeferimento, com fundamento na aplicabilidade do  art. 6º, nº 4 do CIRS;

-Que a contabilidade através da referida conta …, reflete claramente que a Requerente é credora do seu sócio, como se colhe do mesmo extrato;

-Que se colhe ainda do referenciado extrato que a conta apresenta no início do ano de 2007 um saldo a favor da Requerente de 513.100,00 €;

-Que foram “utilizados” pelo sócio-gerente da Requerente durante o ano de 2007 o montante de 448.370 €, a titulo de empréstimos, feitos  pela Requerente ao seu sócio-gerente;

- Os lançamentos relevantes para fazer funcionar a presunção legal do art. 6º, nº 4 do CIRS são unicamente os lançamentos a crédito, que representam a criação de situações de crédito a favor do sócio, por só tais lançamentos poderem indiciar minimamente a existência de rendimento, não integrando os lançamentos a débito o facto base da presunção previsto no preceito legal em causa;

-As importâncias debitadas na conta 2681001 resultam de empréstimos que lhe foram feitos pela sociedade, que se subsumem na noção de mútuo ínsita no art. 6º, nº 4 do CIRS, sendo a falta de  forma do mesmo e a sua eventual nulidade irrelevante para o efeito;

-Que se algum motivo existisse para fazer funcionar a presunção do art. 6º, nº 4 do CIRC, tal só o seria pelos lançamentos do ano de 2007 no valor de 448.370 €.

 

 

10. Constituído o Tribunal Arbitral veio a ATA apresentar resposta e juntar o processo administrativo.

Na sua resposta, a ATA considera que a Requerente não conseguiu demonstrar a existência de mútuos conforme as formas legais exigidas, de acordo com o art. 1143º do Código Civil.

Sustenta ainda que se encontra preenchida a base da presunção do art. 6º, nº 4 do CIRS, e que a Requerente não ilidiu, como lhe competia, a presunção.

A demais matéria de facto invocada pela Requerente não foi impugnada pela Requerida.

 

II- Da matéria de facto

 

11.Atenta a matéria de facto alegada pela Requerente e a posição da ATA sobre o quadro factual, bem como dos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e os constantes do processo administrativo alegado pela Requerente, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. No âmbito de procedimento inspetivo levado a cabo pela Direção de Finanças do Porto e incidente sobre o ano de 2007, foi constatado que do balancete analítico consta uma conta de Outros devedores e credores – …, em nome do sócio …, com um saldo em 31 de dezembro de 2007 no montante de 961.470,00 €;
  2. Considerou-se no respetivo relatório final, datado de 5.04.2010, que a este tipo de operações era aplicável o preceituado no nº 4 do art. 6º do CIRS;
  3.  Consta também do relatório que “confrontado com esta situação, o sujeito passivo entregou a declaração de retenções na fonte de IRS/IRC e imposto de selo, declarando IRS-Capitais – Outros rendimentos em falta, no montante de € 192.294,00 (€ 961.470,00 *20%)”;
  4. Consta ainda do relatório que “De acordo com o referido no ponto III, o s.p. submeteu, em 2010-03-31, a declaração de retenções na fonte de IRS/IRC e Imposto de Selo, relativa ao período de 200712, onde fez reflectir o referido valor constante do quadro 1 do ponto I do presente relatório”
  5. A Requerente apresentou em 2.06.2010 requerimento dirigido ao  Diretor dos Serviços de Cobrança da então Direção-Geral dos Impostos, em que requereu que fosse considerada sem efeito a declaração de retenções na fonte   entregue e anulada a certidão de dívida emitida bem como a liquidação de juros compensatórios, entretanto efetuada;
  6. Este requerimento foi reencaminhado para o serviço de finanças competente e convolado em reclamação graciosa, que foi liminarmente indeferida por se entender ser intempestiva, decisão da qual foi interposto recurso hierárquico, que revogou a decisão de indeferimento liminar, considerou a reclamação graciosa tempestiva e determinou que fosse apreciado o mérito da causa;
  7. Apreciado o mérito da reclamação graciosa, foi proferida decisão de indeferimento, com fundamento na aplicabilidade do  art. 6º, nº 4 do CIRS;
  8. Consta  da contabilidade da Requerente que o extrato da  conta 2681001  apresentava no início do ano de 2007 um saldo a favor da Requerente de 513.100,00 €;
  9. O valor da totalidade  dos lançamentos a débito na referida conta 2681001, durante o ano de 2007 foi de 448.370 €

 

Factos não provados:

 

Não se provou que a  utilização do  montante de 448.370 € pelo sócio-gerente da Requerente durante o ano de 2007 o fosse a título de empréstimos feitos  pela Requerente ao seu sócio-gerente.

Sobre esta matéria a Requerente não produziu qualquer prova, limitando-se a alegar de modo genérico a existência de “empréstimos”. Independentemente da questão da eventual preterição da forma legalmente prevista, impunha-se que a Requerente concretizasse tal alegação, designadamente especificando quantos empréstimos foram feitos, os respetivos montantes e as cláusulas contratuais inerentes, designadamente, o prazo, a natureza gratuita ou onerosa do mesmo e, neste último caso, qual a taxa de juros, o que  não foi feito.  Para além da alegação, impunha-se, ainda à Requerente a respetiva prova, que  não fez, nem se propôs fazer.

Acresce, ainda, que a prova produzida aponta até de forma positiva no sentido da inexistência de contratos de mútuo. Provado está que os valores em questão foram debitados na conta 2681001. Ora, à data dos lançamentos contabilísticos  em questão, estava prevista no Plano Oficial de Contabilidade[1] a conta 2511, apropriada  para registo dos empréstimos  entre a sociedade e os sócios. Resulta, assim,  que a própria inscrição  contabilística da Requerente é contrária à alegação da existência de contratos de mútuo.

Assim sendo, considera-se não provado que as quantias em questão tivessem sido debitadas ao sócio-gerente no âmbito  de contratos de mútuo.

 

 

III- MATÉRIA DE DIREITO

 

12.

São quatro  as questões a decidir pelo Tribunal Arbitral:

 

a) Se os lançamentos relevantes para fazer funcionar a presunção legal do art. 6º, nº 4 do CIRS são unicamente os lançamentos a crédito, que representam a criações de situações de crédito a favor do sócio;

b) Se importâncias debitadas na conta … resultam de empréstimos que lhe foram feitos pela sociedade, que se subsumem na noção de mútuo ínsita no art. 6º, nº 4 do CIRS;

c) Se a tributação em causa só seria admissível relativamente aos lançamentos do ano de 2007;

d) Se, em caso de procedência, total ou parcial, do pedido, deverá ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios à Requerente.

 

13.

 

PRIMEIRA QUESTÃO A ANALISAR

 

Sustenta a Requerente que os lançamentos relevantes para fazer funcionar a presunção legal do art. 6º, nº 4 do CIRS são unicamente os lançamentos a crédito, que representam a criação de situações de crédito a favor do sócio, por só tais lançamentos poderem indiciar minimamente a existência de rendimento.

Diga-se, desde já, que é manifesto que  não assiste razão à Requerente.

Dispõe a norma em causa que “os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitas a título de lucros ou adiantamento dos lucros”.

 

Atenta a natureza do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e a conceção  de  rendimento acréscimo patrimonial  adotada, a tributação visada pela norma em causa não pode ser outra senão  a existência, ainda que a título presuntivo, de fluxos económico-financeiros  da sociedade para o sócio (que contabilisticamente implicam registo a débito nas respetivas contas), pois só neste caso é indiciada  a existência dum acréscimo patrimonial e de capacidade contributiva, que, como é consabido, constitui o pressuposto e o critério de tributação.

A situação inversa de criação de fluxos financeiros do sócio para a sociedade  poderá revelar a existência de património na esfera jurídica daquele, mas não a de acréscimo patrimonial suscetível de ser tributado em sede de IRS.

O rendimento da categoria E, como acréscimo patrimonial,   resulta, também, de modo   especifico,  da natureza dos rendimentos desta categoria  genericamente configurados como frutos e demais   vantagens económicas procedentes de elementos patrimoniais de natureza mobiliária (art. 5º, nº 1, do CIRS).

Esta ideia tem, também, clara concretização no art. 6º, nº 4 do CIRS que dispõe  que “os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitas a título de lucros ou adiantamento dos lucros”. Resulta da mesma que, em concretização da conceção de rendimento acréscimo patrimonial,    o legislador teve em mente fluxos financeiros da sociedade para o sócio, pois das três situações previstas como impeditivas do funcionamento da presunção, duas delas (a “prestação de trabalho” e  o “exercício de cargos sociais”) só poderão implicar a existência de fluxos financeiros da sociedade para o sócio e não a situação inversa, sendo que o outro facto impeditivo da presunção, consistente no  facto do lançamento resultar de “mútuo”, pelas razões acima expostas, só poderá ter aplicação no caso de se tratar dum contrato em que sejam mutuante a sociedade e mutuário o sócio e não a situação inversa, uma vez que se assim fosse estar-se-ia a tributar o património  do sócio e não o seu rendimento.

De resto, sendo que a norma rege a presunção de “lucros” ou “adiantamento por conta de lucros”, a mesma só fará sentido quando o facto base da presunção consistir em fluxos financeiros da sociedade para o sócio.

Conclui-se, assim, pela aplicabilidade do art. 6º, nº 4º do CIRS à situação “sub judicio”.

 

14.

 

SEGUNDA QUESTÃO A ANALISAR

 

A segunda questão a analisar prende-se com a alegação da Requerente de que  as importâncias debitadas na conta … resultariam de empréstimos feitas pela sociedade ao seu  sócio, que se subsumiriam na noção de mútuo ínsita no art. 6º, nº 4 do CIRS, sendo a falta de  forma do mesmo e a sua eventual nulidade irrelevante para o efeito.

 

Da norma em questão resulta que se presumem feitos a título de lucros ou adiantamento por conta de lucros os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escriturados nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, de prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais. Este segmento da norma prevê, portanto,  situações impeditivas do funcionamento da presunção. Assim sendo, tendo resultado dos autos a prova dos lançamentos na  conta corrente do sócio, caberia à Requerente provar os alegados mútuos, impeditivos do funcionamento da presunção.

A jurisprudência tem vindo a considerar que a ATA tem o ónus da prova dos lançamentos em contas correntes dos sócios, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova de que os mesmos correspondem a situação enquadrável em mútuos, em prestação de trabalho ou no exercício de cargos sociais.

Na verdade, como se escreveu no Acórdão do TCA-SUL de 15.07.2008, proferido no processo 02371/08 “o que determina o artigo em questão é que quando a AF constate, em quaisquer empresas referidas no preceito, que as contas correntes dos respectivos sócios contém lançamentos contabilísticos de montantes em favor daqueles, cabe-lhe indagar da razão de ser de tais lançamentos, o que, por princípio, terá de ser revelado pela própria contabilidade, devidamente organizada segundo os princípios das leis comercial e fiscal; E então, ou os beneficiários demonstram que se trata de uma situação enquadrável em mútuos, em prestação de trabalho ou no exercício de cargos sociais, ou então a lei faz decorrer a “verdade ficta” de que correspondem a lucros ou a adiantamento de lucros” [2]

Ora, a Requerente não provou a existência de qualquer mútuo, apenas se limitando a invocar a sua existência, de modo genérico e sem concretizar. Ao invés, da sua contabilidade resulta até  a sua inexistência, face à inscrição contabilística efetuada não na conta de empréstimos referentes a sócios (2511 do POC), mas numa conta denominada “devedores e credores diversos” (268).

Fica assim prejudicada a apreciação da questão da alegada falta de forma dos hipotéticos mútuos. De resto, a Requerente nem sequer alegou quantos mútuos teriam sido celebrados (na sua petição a Requerente menciona “empréstimos”), nem os respetivos montantes, condição essencial para que o Tribunal se pudesse pronunciar sobre tal questão.[3]

Improcede, assim,  a pretensão da Requerente no sentido da anulação das retenções na fonte em causa com base na não aplicabilidade do art. 6º, nº 4 do CIRS, com  o fundamento dos lançamentos em questão resultarem de contratos de  mútuo celebrados com o seu sócio.

 

 

15.

 

TERCEIRA QUESTÃO A ANALISAR

 

A terceira  questão a solucionar   prende-se com o problema  de saber se a tributação em causa só seria admissível relativamente aos lançamentos do ano de 2007.

A Requerente suscita esta questão a titulo subsidiário (uma vez que a sua posição é a de que  nenhum dos lançamentos é subsumível no art. 6º, nº 4 do CIRS).

A  Requerida não se pronunciou sobre esta questão.

Vejamos.

Em um de Janeiro de 2007 a conta … apresentava um saldo devedor de 513.100,00 € e no final do  exercício desse ano o mesmo saldo era de 961.470,00 €. Tal significa que no ano de 2007 os lançamentos ascenderam a 448.370,00 €.

Põe-se, portanto, a questão de saber se, no que respeita ao ano de 2007 os lançamentos a considerar para efeitos do art. 6º, nº 4 do CIRS incluem o saldo da dita conta existente no início desse exercício, ou apenas os lançamentos efetuados durante o exercício de 2007.

A Requerida não impugnou  o facto de que do saldo de 961.470,00 € existente no final do ano de 2007, 513.100,00 € já existirem no início do exercício e que no ano de 2007 apenas foram efetuados lançamentos no valor de 448.370,00 €. Acresce que tal facto consta do extrato de conta apresentado pela Requerente como doc. nº 1 junto com a petição inicial, documento que também não mereceu impugnação por parte da Requerida.

Do relatório inspetivo também não consta que no exercício de 2007 tivessem sido efetuados lançamentos de 961.470,00 € na conta 2681001,  mas apenas  que  tal conta apresentava um saldo devedor desse valor no final do ano de 2007.

Não se levantam, pois, dúvidas de que no exercício de 2007 os lançamentos a débito na conta 2681001,  foram, apenas,  de 448.370,00 €.

 

Como se escreveu  no acórdão 130/2012-T do Tribunal Arbitral:

“atento o disposto no artigo 7.º nº. 3 alínea a) s/n.º 2 do mesmo Código - que, no aspeto temporal do pressuposto objetivo, estabelece a colocação à disposição como momento relevante para a sujeição a tributação - as datas para a tributação, no caso sub judice, são as datas em que foram feitos os lançamentos dos quantitativos nas contas do sócio gerente, e com as taxas então vigentes”

 

 

 Por sua vez, pode ler-se também no acórdão 130/2012-T do Tribunal Arbitral que:

 

“Compete à AT demonstrar a existência dos factos (lançamentos em quaisquer

contas dos sócios) que levam à presunção de que trata de lucros ou adiantamento

destes, tributáveis em sede de IRS [rendimentos da categoria E –artigos 5º- 1 e 2/h) e

7º-1 e 3 – nº2/a), do CIRS].”

 

Pode, ainda, ler-se no acórdão do TCA-SUL de 15.07.2008, proferido no processo 02371/08:

“a presunção legal consagrada no citado n.º 4 do art. 7.º do CIRS restringe-se aos casos em que são feitos lançamentos nas contas correntes dos sócios”[4]

 

Ora, no caso dos autos, os lançamentos na conta corrente do sócio da Requerente no ano de 2007 foram de 448.370,00 € pelo que, face ao art. 6º, nº 4, do CIRS, seria sobre   este valor  e não  sobre o montante de  961.470,00 € que deveriam ter incidido as  retenções na fonte.

 

Tendo as retenções na fonte sido feitas com base neste último  valor, em parte com base em lançamentos de exercícios anteriores (não se sabendo quais), não pode deixar  de se concluir enfermarem as mesmas de erro, devendo, em consequência ser anuladas  parcialmente.

Assim,  devem ser anuladas as retenções na fonte, na parte em que incidiram sobre 513.100,00 €, que já estavam registadas na conta  no início do exercício  de 2007 (102.620,00€) e manter-se as retenções na fonte   efetuadas com base nos lançamentos efetuados no ano de 2007, no valor de 448.370,00 € (89.674 €).

 

 

16.

 

QUARTA QUESTÃO A ANALISAR

 

A última questão a decidir prende-se com a pretensão da Requerente a receber  juros desde a data dos  pagamentos até ao efetivo reembolso.

Resulta da matéria de facto provada que  a ATA no decurso do procedimento inspetivo comunicou à Requerente o seu entendimento no sentido de que esta deveria efetuar as retenções  com base no saldo da conta …, à data de 31 de Dezembro de 2007, e que a Requerente, confrontada com esta situação, observou tal indicação.

O próprio relatório inspetivo menciona expressamente  que a Requerente, confrontada com a posição da ATA, procedeu às retenções na fonte.

Nos termos do art. 43º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário “São devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Face ao acima exposto, entende-se  que o erro na retenção na fonte tem a sua origem na observância pela Requerente da posição da ATA, que decidiu observar, pelo que se verifica a ocorrência  de erro imputável aos serviços, sendo, pois, devidos juros indemnizatórios sobre a quantia indevidamente paga, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito (art. 61º, nº 3 do CPPT).

 

 

IV-      DECISÃO

 

 

                                   Termos em que se decide:

  1. Julgar parcialmente procedente o presente pedido de declaração de ilegalidade e anulação da retenção na fonte ajuizada, no valor de 102.620,00 € (cento e dois mil seiscentos e vinte euros).
  2. Julgar  improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação da retenção  na fonte no montante de 89.674 € (oitenta e nove mil seiscentos e setenta e quatro euros), não se declarando a anulação da retenção na fonte nesta parte.
  3. Condenar a Requerida a pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre o valor da retenção na fonte anulado desde a data do pagamento até è emissão da respetiva nota de crédito.

 

Fixa-se o valor do processo em € 192.294,00 (cento e noventa e dois mil, duzentos e noventa e quatro euros) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em 3 672.00 €  (três mil seiscentos e setenta e dois euros) nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas a cargo da Requerente e da entidade Requerida, na proporção de 46,63 % a cargo da requerente e  de % 53,37   a  cargo da entidade Requerida.

 

 

 

Lisboa, 12/12/2013

 

Árbitro Presidente,

 

__________________________

(Manuel Luís Macaísta Malheiros)

 

 Árbitro Vogal,

 

__________________________

(Maria Celeste Cardona)

 

 

Árbitro Vogal (Relator),

 

__________________________

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 

 



[1] Decreto Lei nº 410/89, de 21 de Dezembro.

[2] Pode ainda ler-se no acórdão de 11-01-2011, proferido no proc.  04357/10, “(…)só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prova que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no nº 4 do art. 7º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.” No mesmo sentido também o acórdão do mesmo Tribunal de 25.11.2008.
 

[3] Nos termos do art. 1143º do Código Civil a forma dos contratos de mútuo depende do seu montante sendo que para  os de valor não superior a 2000 € (à data dos factos, atualmente 2500€) não é exigida a forma escrita. Cfr. Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil anotado, 2ª edição, 1981,  Vol. II, pag. 603 (anotação ao art. 1143º do CC)

[4] O atual nº 4 do art. 6º do CIRS, corresponde ao nº 4, do art. 7º na versão inicial do diploma.