DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dra. Filipa Barros e Prof. Doutor Luís Menezes Leitão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22 de Agosto de 2018, acordam no seguinte:
I – RELATÓRIO
A..., LDA. (adiante designada por Requerente), pessoa coletiva n.º..., com sede em..., ...-..., ..., ..., veio, ao abrigo dos artigos 2.º n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativos aos períodos mensais de imposto do ano de 2015 – com exceção de Julho e Outubro – praticadas sob os nºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017... .
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, (adiante designada por AT).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 14-06-2018.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 01-08-2018, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 22-08-2018.
Devidamente notificada, a AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido, defendendo-se por impugnação.
Por se entender que os factos relevantes para a decisão têm suporte documental bastante, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
Foi fixado o dia 18 de Dezembro de 2018 para a prolação da decisão final.
A Requerente apresentou alegações escritas, pronunciando-se sobre a prova constante dos autos, reiterando e desenvolvendo as suas posições jurídicas.
A Requerida optou por não exercer essa faculdade.
Assim, pretende a Requerente que seja declarada a ilegalidade das liquidações adicionais de IVA supra identificadas, respeitantes aos períodos mensais de imposto de 2015, com exceção de Julho e de Outubro de 2015, no montante global de € 1.336.531,90, com a sua consequente anulação, bem como a condenação da Requerida na indemnização das despesas que a Requerente suportou e vier a suportar com a garantia bancária prestada no montante de € 1.693.781,71, alegando, em síntese, o seguinte:
a) Como nota prévia, a Requerente refere que a questão objecto do presente pedido já foi submetida por diversas vezes à arbitragem no âmbito do CAAD, pelo mesmo contribuinte, discutindo-se o mesmo caso concreto, apenas variando os períodos de tributação;
b) A Requerente nota que o Relatório de Inspeção que subjaz às liquidações anteriores reproduz ipsis vebis o quadro factual e a fundamentação encontrada para as liquidações ora impugnadas, sendo tal consideração importante, uma vez que, até ao momento todos os Acórdãos Arbitrais produzidos com respeito a esta mesma questão decidiram, por unanimidade, pela anulação das liquidações adicionais e pelo consequente deferimento dos pedidos de reembolso de IVA solicitados pela Requerente;
c) A título de enquadramento da questão, a Requerente começa por explicar que tem por objeto social a prestação de serviços de produção de produtos plásticos, comercializados por outras empresas do grupo multinacional em que se insere – Grupo C... - atividade que exerce em Portugal há cerca de duas décadas;
d) A Requerente é uma empresa autónoma com gestão própria, sendo responsável pela condução e gestão diária da sua atividade, e detém poder de decisão no que respeita ao seu quadro de pessoal, política salarial, plano de produção e aquisição de equipamentos;
e) A Requerente foi destinatária das liquidações adicionais de IVA acima identificadas relativas aos períodos de 2015 (exceto Julho e Outubro), tendo estas resultado de correções efectuadas pela AT no âmbito de ações propostas pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de ..., no decurso do ano de 2017, que determinaram a negação do direito à dedução do IVA, embora, no período em causa (2015), os reembolsos de IVA solicitados pela Requerente tivessem sido sempre deferidos e pagos pela AT ;
f) Desde que iniciou a sua atividade, a Requerente adotou o mesmo procedimento regra em matéria de IVA – e que manteve no exercício em questão – deduzindo o imposto suportado em importações de bens realizadas no âmbito da execução do Acordo de Serviços de Fabrico (documento 5 junto à Reclamação Graciosa, no PA) celebrado com a sociedade B..., S.A. (adiante designada por B...), sociedade do grupo sediada na Suíça, o que, por vezes, deu origem a situações de crédito de IVA e respetivos pedidos de reembolso;
g) A Requerente deduziu igualmente, como sempre fizera, o IVA suportado com o transporte e despacho dos bens importados que utiliza no fabrico de produtos finais, em que consiste a sua principal atividade. Com efeito, tais serviços são faturados à B... e sujeitos a IVA, nos termos legais;
h) Não obstante adotar um mesmo procedimento de forma reiterada ao longo de 20 anos de atividade em Portugal, na sequência de pedidos de reembolso de IVA efectuados pela Requerente, referentes aos períodos mensais de 2015 (com exceção de Julho e Outubro de 2015), totalizando € 1.336.531,90, a Requerente viu suprimido liminarmente o direito à dedução daquele imposto, sem que tenha sido apresentada a mínima justificação ou apoio no Código do IVA, e ao contrário do que sempre foi entendimento da própria AT;
i) O Projeto de Correções apresenta assim três grupos de correções ao IVA que teria sido – na tese da AT – deduzido indevidamente: importação, transporte e desalfandegamento dos bens, nos valores respetivamente de € 1.262.983,48, € 65.312,54 e € 8.235,88;
j) A Requerente recorda que os bens em causa são essenciais à fabricação de determinados produtos C..., e que sem eles não seria possível levar a cabo as tarefas de fabricação necessárias ao cumprimento do disposto no acordo celebrado com a B...;
k) Porquanto, de forma incompreensível, a Requerente viu-se confrontada com a oposição da AT ao procedimento por si seguido desde sempre, no que respeita à liquidação e dedução de IVA, alegando a AT, de acordo com as conclusões dos projetos de correção, que em razão da propriedade dos bens, a Requerente tê-los-ia afectado a outros fins que não os da sua atividade. Por conseguinte, a negação do direito à dedução teve por base critérios argumentativos de natureza puramente formal e extralegal, assentes numa questão de “propriedade de bens” omitindo, porém, a razão de ciência que justificou a supressão daquele direito;
l) Contrariando tal tese, veja-se não só o artigo 20.º do Código do IVA (CIVA), que não faz qualquer referência, expressa ou implícita, à propriedade enquanto requisito do exercício do direito à dedução, mas também o entendimento da Direção de Serviços do IVA (DSIVA) já chamada a pronunciar-se sobre a mesma questão e nas exatas circunstâncias do caso em análise (Informação n.º 2000), a Diretiva IVA, nomeadamente, o seu artigo 168º e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), reiterada e constante nesta matéria, v.g. acórdão de 29 de Março de 2012, proferido no processo nº C-414/10;
m) Reportando-se à situação concreta da importação, a Requerente sublinha que o Código do IVA, assim como a Diretiva IVA que o enforma, não exigem para que o imposto seja relacionado com uma atividade dedutível, que haja uma qualquer “aquisição” – muito menos no caso da importação de bens – que é um facto tributário em si mesmo – independentemente de qualquer transação subjacente, ou não, à operação de importação;
n) Se dúvidas houver sobre a compatibilidade do artigo 20.º do CIVA, na interpretação da AT, com a Diretiva do IVA, tal deve ser objecto de reenvio prejudicial para o TJUE, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE);
o) A posição da AT, no que se refere à (não) dedutibilidade do IVA suportado pela Requerente, traduz-se não só numa apropriação ilegítima de montantes que não lhe compete liquidar ou reter a qualquer título legal, bem como transforma o imposto num verdadeiro custo da atividade por si desenvolvida, causando um prejuízo injustificado à Requerente e pondo em causa a neutralidade do IVA;
p) Tal conduta da AT contraria o funcionamento do imposto visado pelo legislador, tal como resulta da base comunitária do imposto e de toda a jurisprudência firmada pelo TJUE, em matéria de direito à dedução do IVA, consagrando a regra da dedução do IVA suportado a montante, para fins empresariais, como regra fundamental de funcionamento do imposto (devendo ser absolutamente excepcionais as situações em que a mesma regra pode ser afastada), e viola o princípio da proporcionalidade (artigos 2.º e 266.º, n.º 2 da Constituição da República - CRP);
q) Acresce que a AT não apresentou nos projetos de correção ou no relatório final, de forma clara e congruente, os motivos e a fundamentação legal que sustentam a posição adoptada, em violação dos artigos 268.º, n.º 3 da CRP e 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), prejudicando dessa forma o direito de defesa da Requerente;
r) De facto, a AT não cumpriu o dever de justificar por que razão foi desconsiderada a dedução do IVA no caso em análise, ao invés estabeleceu uma presunção infundada e ilegal – ausência da propriedade jurídica sobre os bens importados, transportados e desalfandegados pela Requerente – para justificar uma pretensa não dedutibilidade do IVA em causa, sem explicar quais são, em concreto, as razões de facto e de direito para assim decidir, permitindo à Requerente conhecer tais razões e atacá-las, segundo a mais elementar das garantias de defesa, legal e constitucionalmente protegidas;
s) Além do mais, não obstante a Requerente ter sido regularmente notificada para exercer o seu direito de audição, que exerceu, tal não mereceu qualquer resposta por parte da AT, por conseguinte, a Requerente não foi realmente ouvida nomeadamente no que respeita à base legal para as liquidações em crise, em violação clara do preceituado no artigo 60.º da LGT;
t) No caso em apreço, a AT veio invocar o critério de “propriedade” em circunstâncias idênticas àquelas em que considerou tal critério irrelevante (caso subjacente à Informação n.º 2000 acima referida), tratando, dessa forma, situações idênticas de forma diferente, em clara violação do princípio da igualdade – artigo 13.º da CRP - ao qual as autoridades administrativas estão expressamente vinculadas (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT);
u) Ora, segundo a Requerente encontram-se reunidos todos os requisitos formais e materiais que legitimam o direito à dedução do IVA, sendo certo que tanto na importação de bens, como no transporte, como nos serviços de desalfandegamento o imposto suportado está na verdade diretamente relacionado com a atividade sujeita a IVA desenvolvida pela Requerente, a saber: o fabrico de produtos finais da marca C..., em que utiliza, como simples componentes, os bens importados em causa nos autos;
v) A Requerente concluiu, pedindo a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, e consequentemente anulação, porquanto padecem de vício de forma e de violação de lei.
Por seu turno, a Requerida veio em resposta, por impugnação alegar, em síntese:
a) Toda a atividade da Requerente, quer de produção de produtos da marca C... quer de armazenagem dos mesmos e das matérias-primas necessárias ao processo de fabrico é efectuada ao abrigo de um acordo designado “Acordo de Serviços de Fabrico”, celebrado com a B..., sociedade com sede na Suíça;
b) A Requerente presta ainda serviços de armazenagem à D... Portugal- Lda., e à D... Espanha S.A.;
c) A Requerente deduziu um montante de imposto devido na importação de bens que não são sua propriedade e que não são inputs da sua atividade já que é uma mera prestadora de serviços (de moldagem e montagem das matérias primas e componentes de produção) à B...;
d) Com efeito, de acordo com confissão expressa da Requerente o seu principal cliente é a B..., representando a respetiva faturação mais de 90% do seu volume de negócios;
e) Ademais todas as matérias primas e componentes que incorporam o produto acabado, e o próprio produto acabado, são propriedade da B..., correndo os riscos inerentes a tais matérias-primas, componentes e produto acabado exclusivamente por sua conta;
f) A B... está registada em Portugal para efeitos de IVA, comercializando os referidos produtos quer no mercado interno, quer no mercado externo, na qualidade de sujeito passivo do imposto português;
g) Assim, como todos os bens importados são propriedade da B..., e nunca são contabilizados pelo seu montante líquido pela Requerente, a remuneração das referidas prestações de serviços não integra o valor dos bens importados;
h) Não pode existir uma dedução de imposto suportado a montante que não esteja conexa com uma operação tributável a jusante;
i) A importação dos bens a que se reporta o imposto em causa nos presentes autos é conexa com a venda do produto final efetuada pela B... quer no mercado interno, quer no mercado intracomunitário, e não com as operações praticadas pela Requerente;
j) Embora nada se exija na Diretiva IVA em relação ao requisito da propriedade dos bens, o imposto que está associado à aquisição dos referidos bens, seja no mercado externo ou no mercado interno, tem de estar associado ao montante (valor tributável) das referidas aquisições, o que não é o caso;
k) O mecanismo das deduções do IVA está previsto nos artigos 19.º a 26.º do CIVA e faz parte da essência do próprio imposto, referindo o artigo 19.º que, para o apuramento do imposto devido (autoliquidação), os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis num determinado período, o imposto que lhes foi facturado na aquisição de bens e serviços por outros sujeitos passivos, mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados sob a forma legal, no mesmo período, situação que deverá ser reflectida na declaração periódica a que se refere a alínea c), do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA;
l) No caso em apreço, a Requerente está subordinada às regras reguladoras do direito à dedução previstas no CIVA;
m) Devendo, assim, improceder, por falta de fundamento, o pedido arbitral.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4º e 10º, nº 2, do mesmo diploma e artigo 1º da Portaria nº 112-A / 2011, de 22 de março). O processo não enferma de nulidades.
Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III. DECISÃO
1. Matéria de facto
1.1. Factos dados como provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente dedica-se à prestação de serviços de produção de produtos plásticos, comercializados por outras empresas do grupo multinacional em que se insere, exercendo a sua atividade em Portugal há duas décadas;
b) A Requerente desenvolve a sua atividade económica em cinco áreas centrais: a título principal, a prestação de serviços de produção de produtos plásticos, comercializados por outras empresas do grupo multinacional em que se insere – Grupo C...; a título residual, a prestação de serviços de armazenagem, a venda de desperdícios, a venda de embalagens e a compra em nome próprio, mas por conta de outras empresas do grupo, de serviços de transporte de bens;
c) Em concreto, a Requerente desenvolve a sua atividade ao abrigo de um Acordo de Serviços de Fabrico (“Tolling Agreement” – conforme doc. n.º 5 junto à reclamação graciosa), celebrado com a B... sociedade do grupo sediada na Suíça, em dezembro de 1997;
d) Resulta desse Acordo de Serviços de Fabrico, que a Requerente se compromete a fabricar os produtos em conformidade e sob as instruções e especificações fornecidas pela B..., estando vinculada a respeitar os padrões de qualidade da marca, através do uso do know-how, desenhos, normas e outras imposições emitidas pela B..., (conforme artigo 2.º do Acordo de “Tolling Agreement” );
e) Todas as matérias-primas e componentes que incorporam o produto final, todos os produtos em curso e produtos finais são propriedade da B... (conforme artigo 4.1.º do Acordo de “Tolling Agreement” );
f) O valor acordado para a prestação de serviços de fabrico pela Requerente corresponde aos custos e despesas incorridos, acrescidos de uma tarifa equivalente a 15% do seu valor (conforme artigo 6.º do Acordo de “Tolling Agreement”);
g) O processo de produção dos produtos plásticos inicia-se com a aquisição de matérias-primas e componentes, pela B..., em nome próprio, sendo posteriormente importados pela Requerente, em Portugal, que os incorpora nos produtos finais que fabrica para a B..., para que esta possa, em última instância, proceder à sua alienação sob a marca C...;
h) No que se refere a este aspecto da cadeia de produção, a Requerente apresenta-se na alfândega portuguesa na qualidade de “importer of record”, atuando por conta da B..., em virtude de a última não dispor de qualquer estrutura de meios humanos e técnicos que lhe permitam efetuar as importações em Portugal;
i) Para esse efeito, ou seja, para proceder ao desalfandegamento das matérias-primas e componentes referidos, a Requerente contratou, no caso em concreto, em nome próprio, a sociedade E... Lda. (“E...”) como Despachante Oficial, sendo os custos com a prestação deste serviço refaturados à B...;
j) A Requerente presta serviços de armazenagem de produtos em território português à D... España S.A. (doravante “D... España”) e à B..., que incluem o armazenamento de produtos produzidos quer pela Requerente e por outras empresas do Grupo C..., quer por empresas que dele não fazem parte;
k) De igual modo, é ao abrigo de um Acordo para Serviço de Armazenagem – “Warehousing Services Agreement” – (documento n.º 6 junto à Reclamação Graciosa, Anexo II. 1ª parte), celebrado entre a Requerente e a B..., em 1997, que a Requerente presta serviços de armazenagem, manuseamento, carregamento em camiões e emissão de guias de remessa à B..., a respeito das matérias-primas, componentes e produtos finais que são propriedade da B...;
l) Todos os bens utilizados e fabricados ao longo da cadeia produtiva, incluindo as matérias-primas, os componentes, os produtos finais e outros bens necessários para a produção, são armazenados nas instalações da Requerente, quer em ..., quer em armazém arrendado em ..., ... — encontrando-se os bens da B... fisicamente separados dos restantes;
m) O valor do serviço de armazenagem abrange todos os custos e despesas relacionados com os serviços de armazenagem prestados ao abrigo do Acordo para Serviços de Armazenagem, ao qual acresce uma margem de lucro de 10% sobre os mesmos (Cfr. artigo 6.º do “Warehousing Services Agreement”);
n) Em estrita conexão com os serviços de armazenagem prestados, a Requerente procede, por vezes, à contratação de serviços de transporte em nome próprio, mas por conta de outras entidades do grupo, procedendo posteriormente à sua refaturação à B...;
o) No caso concreto, o transporte dos bens, desde a sua origem até ao local de descarga em ..., é da responsabilidade do respetivo fornecedor, podendo a Requerente contratar ela própria o transporte em situações excecionais, sendo o encargo refacturado à B...;
p) A Requerente encontra-se enquadrada no regime de periodicidade mensal e é um sujeito passivo de IVA integral, na medida em que pratica exclusivamente operações com direito à dedução do IVA;
q) Os serviços faturados à B... no âmbito do Acordo de Serviços de Fabrico correspondem a mais de 90% das operações realizadas pela Requerente;
r) Na sequência dos pedidos de reembolso de IVA efetuados pela Requerente referentes aos períodos de Julho e Outubro de 2015, no montante de € 494.214,00 e € 405.190,21, respectivamente, a AT conduziu inspeção a tais períodos de tributação, sustentados pelas Ordens de Serviços n.º 012015..., de 10 de Setembro de 2015, e n.º 012015..., de 11 de Dezembro de 2015;
s) Seguidamente, a AT abriu novas Ordens de Serviços, recuando no tempo até ao prazo de caducidade do direito à liquidação, começando pelo ano 2012, prosseguindo pelo ano 2013, 2014 e pelo ano 2015, em causa nestes autos;
t) A ação inspetiva ao ano 2015 (exceto Julho e Outubro), aqui em causa, baseou-se no mesmo Ofício da AT, de que a Requerente foi notificada no âmbito do despacho n.º 012015...– e respetivas respostas - i.e. o Ofício n.º ... de 10-11-2015, que instruiu os procedimentos inspectivos ao IVA de Julho e Outubro de 2015;
u) O Relatório de Inspeção Tributária emitido pela Direção de Finanças de ..., junto com o processo administrativo, o qual se dá por integralmente reproduzido, é baseado nos relatórios das ações inspectivas desencadeadas com respeito aos períodos de IVA de Julho e Outubro de 2015, variando apenas nos valores, (Cfr. doc. n.º 7 – Relatório de Inspeção relativo a IVA de Julho de 2015 –, doc. n.º 8 – Relatório de Inspeção relativo a IVA de Outubro de 2015 – , e doc. n.º 11 Relatório de Inspeção relativo ao IVA do ano 2015 excluindo os períodos de Julho e Outubro – juntos à Reclamação Graciosa);
v) O Projeto de Correções elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... conclui em relação ao IVA suportado pela Requerente na importação dos bens, nos seguintes termos: “Em face do exposto, concluímos que os bens importados descritos no quadro I a X, relativamente aos quais a A... deduziu o IVA respeitam a bens que não são sua propriedade e por isso não são utilizados para a realização das operações tributáveis [sic.] relacionadas com as operações de transmissões de bens e/as prestações de serviços da entidade portuguesa (A...)” (...) “Deste modo, foi deduzido, indevidamente, o IVA inscrito nos documentos de importação de bens propriedade da B..., durante o ano de 20144, no valor de € 1.262.983,48.” (Cfr. Anexo II, Reclamação Graciosa, do Projeto de correções junto como doc. n.º 11);
w) Em relação aos serviços de transporte adquiridos pela Requerente no mesmo âmbito de atividade, o Projeto de Correções conclui o seguinte: “Em face do exposto, concluímos que SP deduziu o IVA indevidamente relativo aos transportes de bens importados que são propriedade da B..., os quais estão descritos no ponto anterior. Nesta conformidade não se destinam à realização das transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a Imposto e dele não isentas, nos termos da alínea a) n.º 1 do art.º 20.º do Código do IVA.” (...) “Em suma, relativamente às prestações de serviços supra descritas [transporte] foi deduzido indevidamente IVA no valor total de € 65.312,54” — (Cfr. Projeto de correções cit., p. 44);
x) Em relação aos serviços de despachante, o Projeto de Correções conclui da seguinte forma: “No que respeita às prestações de serviços supra descritas [despachante] foi deduzido indevidamente IVA no valor total de € 8.235,88.” (Cfr. Projeto de correções cit., p. 52.);
y) Notificada dos projetos de correção relativos ao ano de 2015, a Requerente exerceu o respetivo Direito de Audição, manifestando a sua discordância com a AT (Cfr. exercício do Direito de Audição anexo ao Relatório Final de Inspeção junto como doc. n.º 12 à Reclamação Graciosa — Anexo II);
z) A Requerente foi notificada do relatório final no sentido do indeferimento do respetivo Direito de Audição e consequente manutenção das correções indicadas, concluindo-se pela não dedutibilidade de IVA nos valores de € 1.262.983,48 com referência ao IVA suportado com a importação de bens ao abrigo do Acordo de Serviços de Fabrico, € 65.312,54 atinentes ao IVA suportado com o seu transporte e € 8.235,88 respeitantes ao IVA suportado com as prestações de serviços do despachante (Cfr. Anexo II, Reclamação Graciosa, Relatório Final de Inspeção ali junto como doc. n.º 12);
aa) A Requerente foi alvo das liquidações adicionais de IVA relativas aos períodos mensais de Janeiro a Junho, Agosto e Setembro e Novembro e Dezembro do ano 2015, identificadas sob os números 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017... e 2017..., acompanhadas das demonstrações de acerto de contas que indicaram o prazo limite de pagamento para o IVA liquidado pela AT;
bb) A requerente não procedeu a qualquer pagamento do IVA liquidado pela AT com respeito aos períodos em causa no ano de 2015 (€ 131.532,32, € 101.164,42, € 125.622,10, € 69.579,38, € 243.858,69, € 124.566,81, € 97.734,22, € 170.256,77, € 144.001,18 e € 128.216,01, totalizando), perfazendo o valor total de € 1.336.531,90;
cc) Findo o prazo de pagamento fixado, foram-lhe instaurados 10 processos de execução fiscal sob os n.ºs ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017..., ...2017... e ...2017..., destinados à cobrança coerciva das quantias liquidadas;
dd) Em 20-10-2017, a Requerente prestou uma garantia bancária que lhe foi exigida, no valor de € 1.693.781,71 para suspender as execuções fiscais referidas (Cfr. doc. n.º 14 em anexo à Reclamação Graciosa, cujo teor se dá como reproduzido);
ee) Em 10-11-2017, com referência às referidas liquidações adicionais de IVA, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa dos autos, a qual foi objecto de indeferimento, (Cfr. Projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa que se junta como doc. n.º 5 em anexo, exercício do direito de audição que se junta como Anexo VI e indeferimento final já junto como Anexo I);
ff) No dia 12-06-2018 deu entrada o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.
1.2. Factos dados como não provados
De entre os alegados, relevantes para a decisão, nenhum ficou por provar.
1.3. Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (artigos 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT- e 607º, nº 3 do Código de Processo Civil – CPC -, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alªs. a) e e) do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito (cfr. anterior artigo 511º, nº 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596º, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, al. e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 10º, nº 7 do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no acórdão do TCA-Sul de 26-06- 2014, proferido no processo 07148/131, “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Em especial, os factos dados como provados supra identificados nas alíneas c) a z) tiveram em conta o disposto nos articulados das partes bem como nos documentos juntos pela Requerente, e ainda o Relatório de Inspeção Tributária. A restante factualidade resulta da documentação constante do PA, considerando-se que os factos elencados não têm natureza controvertida, circunscrevendo-se a matéria principal em discussão a uma questão de direito essencial: aferir da ilegalidade ou não dos atos tributários ora sindicados por alegada desconsideração do direito à dedução do IVA suportado em 2015 (excepto Julho e Outubro) com as operações de importação, despacho e transporte de bens utilizados pela Requerente para a sua atividade de fabrico de produtos para comercialização sob a marca “C...”
2. Do Direito
A única questão em causa neste processo resume-se a analisar se é possível exercer o direito à dedução, relativamente a bens que não são da propriedade do sujeito passivo.
Examinar-se-á assim essa questão:
Nos termos do artigo 1º, nº 1, alínea b), do CIVA e do artigo 2º, nº 1, alínea d) da Directiva IVA, as importações de bens estão sujeitas a este imposto.
Refere o artigo 2º, nº 1, alínea a) do Código do IVA: “São sujeitos de imposto (…) As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)”.
Refere ainda a alínea b) do mesmo artigo: “São sujeitos de imposto (…) As pessoas singulares ou colectivas que, segundo a legislação aduaneira, realizem importações de bens”.
Do mesmo modo, refere o artigo 201º da Directiva IVA: “Na importação, o IVA é devido pela pessoa ou pessoas designadas ou reconhecidas como devedores pelo Estado-Membro de importação.”
Verifica-se, portanto, que, à face da lei, o sujeito importador de bens é sempre considerado sujeito passivo de IVA, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea b), do CIVA, ainda que já possua essa qualidade, nos termos da alínea a) do mesmo artigo.
Conforme o artigo 5º, nº 1, do CIVA:
“Considera-se importação a entrada em território nacional de:
a) Bens originários ou procedentes de países terceiros e que não se encontrem em livre prática ou que tenham sido colocados em livre prática no âmbito de acordos de união aduaneira;
b) Bens procedentes de territórios terceiros e que se encontrem em livre prática.”
Referindo também o artigo 30º da Directiva IVA:
“Entende-se por «importação de bens» a introdução na Comunidade de um bem que não se encontre em livre prática na acepção do artigo 24º do Tratado.
Para além da operação referida no primeiro parágrafo, considera-se importação de bens a introdução na Comunidade de um bem em livre prática proveniente de um território terceiro que faça parte do território aduaneiro da Comunidade.”
Conforme o artigo 7º, nº 1, alínea c) do CIVA: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o imposto é devido e torna-se exigível (…) Nas importações, no momento determinado pelas disposições aplicáveis aos direitos aduaneiros, sejam ou não devidos estes direitos ou outras imposições comunitárias estabelecidas no âmbito de uma política comum.”
E, conforme o artigo 71º, nº 1 da Directiva IVA:
“Quando um bem esteja abrangido, desde a sua introdução no território da Comunidade, por um dos regimes ou situações previstos nos artigos 156º, 276º e 277º, ou por um regime de importação temporária com isenção total de direitos de importação ou por um regime de trânsito externo, o facto gerador e a exigibilidade do imposto só se verificam no momento em que o bem deixa de estar abrangido por esses regimes ou situações.
Todavia, quando os bens importados estejam sujeitos a direitos aduaneiros, a direitos niveladores agrícolas ou a encargos de efeito equivalente, estabelecidos no âmbito de uma política comum, o facto gerador ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que ocorram o facto gerador e a exigibilidade desses direitos.”
Conforme o artigo 4º, nº 12, do Código Aduaneiro Comunitário, designa-se por devedor “qualquer pessoa responsável pelo pagamento de uma dívida aduaneira.”
Igual entendimento se encontra consagrado no Código Aduaneiro da União (artigo 5º, 19)).
Nos termos do artigo 201º, nº 3, do Código Aduaneiro Comunitário, “O devedor é o declarante. Em caso de representação indirecta, a pessoa por conta de quem a declaração aduaneira é feita é igualmente considerada devedora.”
Indica o artigo 20º, nº 1, alínea a) do CIVA: “Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”.
De acordo com o artigo 19º, nº 1, alínea b) do CIVA, “Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: (…) b) O imposto devido pela importação de bens”
No caso em concreto, está apenas em causa o facto de a Requerente não ser proprietária dos bens transportados.
Ora, conforme referem XAVIER DE BASTO e ODETE OLIVEIRA, em parecer junto aos autos do processo arbitral nº 410/2016-T, e citado nesse acórdão: “Na situação em análise, a especificidade é apenas a de que a entrega dos materiais pelo dono da obra ao confecionador (empreiteiro) não ocorre diretamente no território nacional, antes a este chegando depois de atravessar as fronteiras territoriais de Portugal e também da União Aduaneira. E isto apresenta consequências várias, que devemos analisar para bem concluir.
Primeiro, a de ocorrer uma importação, que o CIVA define como operação tributável face à aplicação do princípio do destino no comércio internacional a que o imposto obedece, e cuja definição é feita pela legislação fiscal nacional em conjugação com o Código Aduaneiro (um Regulamento comunitário).
A segunda consequência é a de que a entidade considerada como importador – sujeito passivo na importação – é a definida pela legislação aduaneira por remissão feita na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que considera como o importador a pessoa que figure como destinatário no documento de importação, na medida em que o artigo 4.º, n.º 18 do Código Aduaneiro Comunitário (CAC) considera como “declarante” a pessoa que faz a declaração aduaneira em seu nome ou a pessoa em nome de quem a declaração é feita, e o artigo 201.º, n.º 3, 1.º parágrafo do CAC diz que o devedor é o declarante.
Relembre-se a propósito que embora a Diretiva IVA considere que o IVA da importação pode ser pago por um sujeito passivo ou por um mero devedor (artigo 21.º n.º 2 da Sexta Diretiva), o legislador português não adotou a mesma solução, antes considerando sempre o importador como sujeito passivo, umas vezes apenas com a natureza de “devedor” do imposto para aplicação do princípio do destino (alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA), já que nas restantes, esse importador, se sujeito passivo, está já abrangido pela alínea a) do mesmo número e artigo. Note-se, aliás, que, segundo jurisprudência constante do TJUE, “o IVA na importação e os direitos aduaneiros apresentam traços essenciais comparáveis na medida em que façam nascer o facto da importação na UE e a consecutiva introdução dos bens no circuito económico dos Estados Membros. Paralelismo que é confirmado pelo facto de que o artigo 71.º, parágrafo 1, segunda alínea, da Diretiva IVA autoriza os EM a ligar o facto gerador e a exigibilidade do IVA na importação ao facto gerador e à exigibilidade dos direitos aduaneiros” [É a doutrina do Acórdão C-273/12, de 11 de Julho de 2013, n.º 41, e remissão nele feita para os Acórdãos C-343/89, de 6 de Novembro de 1990, n.º 18 e C-230/08, de 29 de Abril de 2010, n.ºs 90 e 91: “a este propósito, há que recordar que o IVA na importação e os direitos aduaneiros apresentam características essenciais comparáveis, cujo facto gerador é a importação na União e a subsequente entrada das mercadorias no circuito económico dos Estados Membros. Este paralelismo é, por outro lado, confirmado pelo facto de o artigo 71.º, n.º 1, segundo parágrafo, da diretiva IVA autorizar os Estados‑Membros a ligar o facto gerador e a exigibilidade do IVA na importação aos direitos aduaneiros (v., designadamente, acórdãos de 6 de dezembro de 1990, Witzemann, C‑343/89, Colet., p. I‑4477, n.º 18, e de 29 de abril de 2010, Dansk Transport og Logistik, C‑230/08, Colet., p. I‑3799, nºs 90 e 91).
Deverá então concluir-se que os EM não têm qualquer margem de manobra no que respeita à exigência do IVA da importação conformemente à legislação aduaneira, de acordo com o artigo 204.º do Regulamento n.º 2913/92, e sendo certo, como se recorda nas conclusões da Advogada Geral Juliane Kokott, no Processo C-414/10, que “É a doutrina do Acórdão C-273/12, de 11 de Julho de 2013, n.º 41, e remissão nele feita para os Acórdãos C-343/89, de 6 de Novembro de 1990, n.º 18 e C-230/08, de 29 de Abril de 2010, n.ºs 90 e 91: “a este propósito, há que recordar que o IVA na importação e os direitos aduaneiros apresentam características essenciais comparáveis, cujo facto gerador é a importação na União e a subsequente entrada das mercadorias no circuito económico dos Estados Membros. Este paralelismo é, por outro lado, confirmado pelo facto de o artigo 71.º, n.º 1, segundo parágrafo, da diretiva IVA autorizar os Estados‑Membros a ligar o facto gerador e a exigibilidade do IVA na importação aos direitos aduaneiros (v., designadamente, acórdãos de 6 de dezembro de 1990, Witzemann, C‑343/89, Colet., p. I‑4477, n.º 18, e de 29 de abril de 2010, Dansk Transport og Logistik, C‑230/08, Colet., p. I‑3799, nºs 90 e 91)” e que se “o direito à dedução visa garantir que o imposto sobre o valor acrescentado se mantenha economicamente neutro para as empresas, a dedução do imposto a montante suportado não pode ser negada, a menos que estejamos perante temáticas de fraude, evasão ou abusos, cuja luta contra é um objetivo reconhecido e encorajado pela Sexta Diretiva, não devendo restar qualquer margem para abusiva ou fraudulentamente poder haver aproveitamento do direito da União, e como tal, se uma Administração Fiscal verificar que o direito à dedução foi exercido de modo fraudulento, pode pedir, com efeitos retroativos, a restituição das quantias deduzidas e compete ao juiz nacional recusar o benefício do direito à dedução se for provado, com elementos objetivos, que este direito é invocado fraudulentamente.
Na situação em apreço, tal temática não se coloca, e há que reconhecer porém, e como resulta do ponto 45, das Conclusões mesma Advogada Geral, no mesmo processo que “No que respeita à cobrança do imposto sobre o valor acrescentado na importação, não é, no entanto, discernível por que razão neste caso existiria, em geral, um maior risco de fraude que tornasse necessário fazer depender o direito à dedução, em qualquer caso, do pagamento prévio do imposto sobre o valor acrescentado na importação” e, mais à frente, “Também o comprovativo da importação que, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), da Diretiva, o sujeito passivo deve apresentar para poder deduzir o imposto pago a montante e que o indica como devedor do imposto sobre o valor acrescentado e pelo menos permite o cálculo do montante do imposto devido, reduz a possibilidade de uma fraude”, posição reconhecida no Acórdão nos pontos 30 e 33, com o ponto 34 a reconhecer que “ Com efeito, a importação de um bem constitui um ato físico que é certificado e verificável pela Administração competente, devido à presença do referido bem na alfândega” e que “ a circunstância de que o devedor do IVA na importação ser igualmente o titular do direito a dedução do referido IVA também não parece aumentar o risco de fraude ou de abuso em relação ao IVA.
Pelo contrário, como a Comissão Europeia alegou, a circunstância de uma só e mesma pessoa ser, ao mesmo tempo, devedora do IVA e titular do direito a dedução aproxima esta situação daquela que se apresenta no âmbito do regime da autoliquidação do IVA previsto pela Sexta Diretiva.”
Igual entendimento tem sido seguido por este Tribunal, nas decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 548/2017-T e 15-2018-T.
Não se poderá entender, portanto, que o facto de a Requerente não ser proprietária dos bens importados obsta à dedução do imposto, uma vez que os bens foram importados para os fins das operações tributadas da Requerente e sem essa importação a Requerente não poderia exercer a sua actividade.
Verifica-se, portanto, que estão reunidos os requisitos para o exercício do direito à dedução.
No que se reporta à prestação da garantia por parte da Requerente, refere o artigo 53º da Lei Geral Tributária o seguinte:
“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”
Referindo o artigo 171º do Código de Procedimento e Processo Tributário:
“1 - A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.
2 - A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.”
É, portanto, em sede do presente processo arbitral que deverá ser apreciado o pedido de indemnização por garantia indevida”.
No caso em concreto, tem a Requerente, manifestamente, direito a indemnização pela garantia prestada, uma vez que os erros existentes decorreram de correcções efectuadas pela Requerida, sendo os mesmos a esta imputáveis.
Não sendo possível determinar o montante da indemnização, deverá a condenação ser efectuada através do que for liquidado em execução do presente acórdão arbitral, nos termos do artigo 609, nº 2 do NCPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.
3. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular as liquidações de IVA de relativos aos períodos mensais de imposto do ano de 2015 – com exceção de Julho e Outubro – praticadas sob os nºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., que perfazem o valor total de € 1.336.531,90;
c) Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão arbitral pela garantia prestada para suspender as execuções fiscais instauradas para cobrança coerciva das quantias liquidadas.
4. Valor do processo
De acordo com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.336.531,90.
5. Custas judiciais
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 18.054,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
• Notifique-se.
Lisboa e CAAD, 11 de dezembro de 2018
O Tribunal Arbitral Coletivo
José Poças Falcão
Filipa Barros
Luís Menezes Leitão