Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 266/2018-T
Data da decisão: 2018-12-17  Selo  
Valor do pedido: € 143.335,57
Tema: IS – Isenção - Operações financeiras – Art. 7.º/1 – g), do CIS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

1.            A..., S. A., pessoa coletiva nº..., com sede na Rua ..., nº...,  ..., piso..., ... (adiante designada A... ou “Requerente”), veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º e no art. 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade e anulação parcial do acto de deferimento parcial da Reclamação Graciosa com o nº ...2018..., proferido a 19 de Março de 2018 (doc. nº 1 junto com o pedido arbitral) apresentada contra a demonstração da liquidação de Imposto de Selo (IS) nº 2017..., de 14 de Agosto de 2017 (doc. nº 2 junto com o pedido arbitral), relativa ao exercício de 2013, no montante de € 204.865,55 (duzentos e quatro mil oitocentos e sessenta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos).

2.            É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).

3.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à Requerida nos termos regulamentares.

4.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo o Juiz José Poças Falcão (Presidente), o Dr. Miguel Luís Cortês Pinto de Melo e a Dra Cristina Aragão Seia que comunicaram a aceitação do encargo no prazo legal.

5.            Em 16-07-2018, as Partes foram devidamente notificadas, não tendo manifestado, nos termos e prazo legais, vontade de recusar a designação dos árbitros (art. 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do Regime Jurídico de Arbitragem Tributária (RJAT), conjugado com os art.s 6.º e 7.º do Código Deontológico).

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 06-08-2018.

7.            Devidamente notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido, defendendo-se apenas por impugnação.

8.            Por não ter sido requerida prova testemunhal e por se entender que inexiste controvérsia em relação aos factos essenciais e relevantes para a decisão e que têm suporte documental bastante, foi dispensada a reunião a que alude o art. 18º do RJAT.

9.            As Partes apresentaram alegações onde reiteraram as suas posições.

10.          Foi fixado o dia 18.12.2018 para prolação da decisão final.

 

II – SANEADOR

11.          Este Tribunal arbitral é materialmente competente.

12.          Não foram invocadas exceções.

13.          As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos art.s 4.º e 10.º do RJAT e do art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

14.          Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

III. MÉRITO

1.            MATÉRIA DE FACTO

1.1.        Factos provados

15.          O Tribunal considera provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma empresa do sector da Engenharia de Redes de Telecomunicações em Portugal, desenvolvendo atividades de planeamento, projeto, construção, instalação e manutenção, sendo, por isso, uma empresa integradora de soluções globais.

b)           Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2015..., foi aberta uma acção de inspeção tributária, em nome da A..., com data de 9 de Junho de 2015, para o período de tributação de 2013.

c)            O início da ação de inspeção verificou-se no dia 25 de Janeiro de 2017 e o seu encerramento ocorreu em 30 de Junho do mesmo ano, tendo a A... sido notificada desses factos.

d)           A Ordem de Serviço, de âmbito geral, ocorreu na sequência da acção de inspecção ao exercício de 2010, tendo sido, posteriormente, abertas Ordens de Serviço, de âmbito parcial (IRC), para os exercícios de 2011 a 2014, estando agora em crise as correções efetuadas em sede de IS, quanto ao exercício de 2013.

e)           Em resultado do Relatório de Inspecção Tributária (doc. nº 3 junto com o pedido arbitral) foram propostas as seguintes correcções no que concerne ao IS do exercício de 2013:

i)             Aplicação da norma geral anti-abuso, nos termos do nº 2 do artº. 38º da Lei Geral Tributária (LGT), a qual se traduziu numa correcção em sede de IS, no montante de €38.812,33;

ii)            Liquidação de IS sobre o empréstimo concedido à sociedade dominante B..., SGPS, S.A., no montante de €137.587,28.

f)            Este valor foi apurado com base na aplicação da taxa de 0,04% à média mensal do crédito, nos termos da verba 17.1.4, da Tabela Geral do Imposto do Selo (cfr mapa constante do art. 54º, do pedido de pronúncia arbitral);

g)            Em consequência dessa acção inspectiva a AT procedeu á liquidação objecto e documentada nos autos (liquidação adicional de imposto do selo nº 2017..., de 14 de agosto de 2017);

h)           A Requerente apresentou Reclamação Graciosa em 11 de Janeiro de 2018 – doc. nº 5 junto com o pedido arbitral.

i)             A Requerida deu provimento parcial à reclamação da Requerente, decidindo pela caducidade do direito a liquidar Imposto do Selo relativamente ao mês de Janeiro de 2013 e...

j)             ... manteve as correcções relativas ao Imposto do Selo, quer as motivadas pelo empréstimo que havia sido concedido à sociedade dominante B..., SGPS, S.A., quer as decorrentes da aplicação da cláusula geral anti-abuso.

k)            Ou seja: à correcção resultante da aplicação da norma geral anti-abuso, no montante de €38.812,33, deverá deduzir-se o valor de €3.296,39, referente ao mês de Janeiro de 2013, e à correção sobre o empréstimo concedido à B..., no montante de €137.587,28, deverá deduzir-se o valor de €14.085,30, a título de imposto do selo, bem como, aos juros compensatórios, no montante de €28.465,94, deverão deduzir-se, respetivamente, os valores de €582,33 e €2.488,27, referentes ao mês de Janeiro de 2013, que pela AT foram anulados, permanecendo em discussão, as correcções de IS e juros compensatórios respeitantes aos meses de Fevereiro a Dezembro de 2013.

l)             O objecto do presente pedido de constituição do tribunal arbitral relativamente à decisão de deferimento parcial da Reclamação Graciosa supra identificada (objecto imediato) corresponde tão-somente à aplicação das normas de Imposto do Selo ao empréstimo concedido pela Requerente à sociedade dominante B..., SGPS, S.A. (objecto mediato), a qual esteve parcialmente na origem da liquidação de imposto, referente ao período de 2013.

m)          Como a Requerente não procedeu ao respectivo pagamento dessas importâncias (total de € 143.335,57) até ao final do prazo estipulado – 11.10.2017, foi a mesma citada no âmbito do processo de execução fiscal nº ...2017..., referente ao exercício de 2013.

n)           Tendo, em consequência, apresentado garantia idónea, sob a forma de fiança, de modo a proceder-se à suspensão do processo executivo, evitando, assim, lesões no seu património (cfr. doc. nº 4 junto com o pedido arbitral).

o)           A B..., SGPS, S.A.  detém uma participação de 99,3% do capital social da Requerente.

p)           Em 31 de Dezembro de 2009, a Requerente e a B..., SGPS, S.A. celebraram um contrato de mútuo, na modalidade de empréstimo intra-grupo, até ao montante de € 40.000.000,00, em tranches individuais com reembolso pela metodologia FIFO, para fazer face a carência de tesouraria ou necessidades de financiamento da mutuária (doc. 6 junto com o pedido arbitral).

q)           As utilizações de crédito foram contabilizadas nos termos do registo que consta de doc. n.º 7 anexo ao pedido arbitral, que aqui se dá como reproduzido.

r)            A Requerente apresentou em 25.05.2018 pedido de pronúncia arbitral.

 

1.2.  Motivação quanto à matéria de facto

16. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelas partes e constantes do processo administrativo, bem como nas posições das partes nos respetivos articulados.

 

2.            MATÉRIA DE DIREITO

Questões decidendas:

A - Da legalidade do acto de deferimento parcial da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IS

No pedido arbitral a Requerente contesta parcialmente a legalidade do deferimento parcial da Reclamação Graciosa nº ...2018..., de 19.03.2018, apresentada contra a liquidação adicional de IS nº 2017... de 06.07.2017 referente a IS relativo ao exercício de 2013.

A referida liquidação adicional baseou-se no RIT elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) ao abrigo da Ordem de Serviço nº OI 2015..., discutindo-se, nos presentes autos, a parte respeitante à correcção efectuada com fundamento em incidência em IS do empréstimo concedido pela Requerente à sociedade dominante B..., SGPS, S.A.

Para tanto invoca que a liquidação controvertida padece de vício de erro quanto à qualificação e quantificação do facto tributário, porquanto, no seu entender, encontram-se verificados todos os pressupostos de que depende a isenção de tributação prevista na al. g) do nº 1 do art. 7º do Código do Imposto de Selo (CIS).

Fundamenta o pedido nos seguintes termos:

- a Requerente é detida quase na totalidade (99,3% do capital) pela “C..., SA”, encontrando-se em relação de domínio com a empresa-mãe;     

- concedeu um empréstimo intra-grupo à sociedade C..., SGPS, S.A. tendo como finalidade a cobertura de carências de tesouraria e que foi efectuado através de tranches individuais com reembolso pela metodologia FIFO;

- as operações financeiras por si realizadas foram integralmente reembolsadas pela mutuária em prazo não superior a um ano, sendo que o que releva, para a aferição do prazo, é o período que decorre entre cada utilização de crédito e o respetivo reembolso (e não o prazo formalmente estabelecido no contrato);

- existindo, ainda, uma correlação evidente entre os empréstimos e as carências de tesouraria da B... como resulta da análise comparativa do saldo médio mensal dos fundos concedidos pela Requerente.

Assim sendo, a Requerente sustenta que a operação financeira em causa preenchia todos os requisitos legalmente exigidos pela al. g) do n.º 1 do art. 7.º do Código do Imposto do Selo (CIS) em vista à aplicação da isenção aí prevista, na medida em que envolvia a concessão de crédito em benefício da sociedade com a qual se encontra em relação de domínio ou de grupo, por um prazo não superior a um ano e destinado à cobertura de carências de tesouraria.

Ao não considerar verificados esses requisitos, o acto de deferimento parcial da Reclamação Graciosa e a correspondente liquidação de IS emanados pela Requerida devem, no entender da Requerente, ser considerados ilegais e, consequentemente, anulados.

Na sua resposta, a AT sustenta que o ónus da prova dos factos que caracterizam a existência da isenção pertence ao sujeito passivo, competindo a este a demonstração de que as operações financeiras não tinham um prazo superior a um ano e foram exclusivamente destinadas à cobertura de carências de tesouraria, o que a Requerente não logrou comprovar. Seria ainda necessário dar como provado que a operação se destinava à cobertura exclusiva de carências de tesouraria. E nesse ponto, o que consta do clausulado é que a finalidade do contrato era carências de tesouraria ou necessidades financeiras. Além de que para que o empréstimo visasse suprir exclusivamente carências de tesouraria em concreto se tornaria exigível reportar as insuficiências de tesouraria ao início de cada utilização de crédito através dos registos contabilísticos. A Requerida concluiu pela improcedência do pedido.

 

Cumpre decidir.

 

Assinale-se que este Tribunal vai seguir muito de perto, por com ele concordar,  o acórdão proferido por Tribunal Arbitral constituído no âmbito do CAAD no processo nº 31/2018-T em situação análoga à dos autos, e que se encontra publicado na internet no site do CAAD (www.caad.org.pt).

A Requerente pretende obter a anulação da liquidação de imposto do selo referente ao ano de 2013 sobre as operações de tesouraria realizadas em benefício da sociedade comercial B..., SGPS, SA, alegando que essas operações financeiras preenchem os requisitos da isenção fiscal prevista no art. 7º, nº 1, al. g), do CIS.

Como resulta desta disposição legal, com a epígrafe “Outras isenções”, são também do imposto “as operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carências de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a (euros) 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo”.

A isenção depende, por conseguinte, da verificação cumulativa de três requisitos: i) deve tratar-se de operações financeiras por prazo não superior a um ano; ii) exclusivamente destinadas à cobertura de carências de tesouraria; iii) efectuadas em benefício de sociedade com a qual a mutuante se encontre em relação de domínio ou de grupo.

No caso sub juditio, em 31 de Dezembro de 2009, a Requerente e a B..., SGPS, S.A. celebraram um contrato de mútuo, na modalidade de empréstimo intra-grupo, até ao montante de € 40.000.000,00, em tranches individuais com reembolso pela metodologia contabilística conhecida pelo acrónimo FIFO (first in, first out), para fazer face a carências de tesouraria ou necessidades de financiamento da mutuária.

O sobredito empréstimo poderia atingir o valor limite de € 40.000.000,00 e foi concedido à mutuária B..., SGPS, SA, que detém uma participação de 99,3% do capital social da mutuante e ora Requerente, caracterizando-se como um empréstimo intra-grupo, e que tem como finalidade “carência de tesouraria ou necessidades de financiamento”.

Declarou-se ainda que o empréstimo se destina a ser concedido em “tranches individuais com reembolso pela metodologia FIFO”.

O contrato de mútuo cumpre manifestamente o requisito da relação de domínio ou de grupo a que faz referência a sobredita norma da al. g) do nº 1 do art. 7º, do CIS, na medida em que traduz um empréstimo da Requerente A... à sua sociedade dominante, uma SGPS detentora de 99,3% do seu capital social.

Todavia, não se encontra preenchido um dos outros requisitos essenciais.

Assim é que o empréstimo é referenciado como tendo por finalidade “carência de tesouraria ou necessidades de financiamento” e, nesse sentido, não satisfaz um dos critérios expressamente mencionados na al. g) daquele nº 1 do art. 7º, do CIS, segundo o qual as operações financeiras devem destinar-se exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria (sublinhado nosso), havendo de excluir-se do âmbito de aplicação do benefício fiscal aquelas outras operações - como a que está em análise nos autos – que tem por objecto não apenas carência de tesouraria -  entendida esta como uma temporária insuficiência de recursos financeiros para cumprimento de obrigações vencidas ou com vencimento eminente, mas, também, necessidades de financiamento. Na verdade, trata-se aqui de empréstimo, de elevado valor e por relativamente longo prazo, sem estar demonstrada uma relação entre a existência de carências de tesouraria e os valores mutuados.

Por outro lado, verifica-se que, ao longo dos exercícios, a demandante disponibilizou continuamente à sua citada accionista importâncias ou valores de uma ordem de grandeza que dificilmente se poderão compatibilizar com as denominadas “carências de tesouraria”.

Mais concretamente: os sucessivos fluxos financeiros de débito e de crédito, com amortização processada por ordem cronológica directa da sua realização, segundo o citado método contabilístico “FIFO”, são operações não compagináveis com uma simples operação autónoma de financiamento com o objectivo de suprir dificuldades pontuais de liquidez.

Ou seja, e concluindo neste particular: o sobredito empréstimo não visou a resolução de problemas de tesouraria no sentido que foi apontado supra, pese embora a evidência de situação financeira frágil da accionista, e, consequentemente, não resulta cumprido o pressuposto de isenção: ter o empréstimo como objectivo a cobertura de carências de tesouraria.

Por outro lado, os restantes elementos do processo revelam, de resto, que o empréstimo não reveste a natureza típica de uma operação financeira destinada exclusivamente a fazer face a carências de tesouraria. Basta notar que a tabela resumo do crédito utilizado descreve sucessivos fluxos financeiros de débito e de crédito distribuídos por duas diferentes contas (26620 e 26621) cuja amortização se processa por ordem cronológica directa da sua realização, segundo o citado método contabilístico FIFO (first in, first out), e que não é compaginável com uma simples operação autónoma de financiamento que tenha em vista suprir dificuldades pontuais de liquidez.

Em 31 de Janeiro de 2010, o saldo devedor era de € 22 148 670,13, aparecendo inscrito nas 3.ª e 6.ª colunas, sendo depois lançados sucessivamente movimentos a débito (2.ª e 3.ª colunas) e movimentos a crédito (4.ª e 5.ª colunas). Todavia, o saldo apurado na 6.ª coluna é determinado apenas através das amortizações de dívida que constam das 4.ª e 5.ª colunas, implicando que essa dívida inicial tenha sido dada como extinta em 15 de Junho de 2011. Os movimentos a débito que continuam a ser lançados nas colunas 2.ª e 3.ª não são considerados para o apuramento do saldo e transitam antes para uma nova coluna (7.ª), originando a constituição uma nova dívida que, nessa mesma data de a 15 de Junho de 2011, atingia € 41 830 867,13.

A partir daí os movimentos a crédito vão sendo deduzidos ao saldo da dívida constante da 7.ª coluna, ao passo que os movimentos a débito são acumulados numa nova coluna (8.ª), de tal modo que em 15 de Dezembro de 2011, quando a dívida constante da 7.ª coluna se encontra liquidada, a nova dívida contabilizada na coluna 8ª ascende a € 37 552 801,30.

Seguem-se depois procedimentos semelhantes que, na prática, determinam a amortização da dívida existente através dos movimentos a crédito e a constituição de uma nova dívida através dos movimentos a débito (colunas 9ª, 10ª, 11ª e 12ª).

Por outro lado, constata-se que, através dos diversos registos contabilísticos, a Requerente disponibilizou continuamente à outra sociedade do grupo, no decurso dos anos de 2011, 2012 e 2013, valores de uma tal ordem de grandeza que, reafirma-se, não são compatíveis com a simples ocorrência de dificuldades de tesouraria.

Neste contexto, a operação financeira deve caracterizar-se como uma abertura de crédito sob a forma de conta corrente que se enquadra na norma de incidência da verba 17.1.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo.

A abertura de crédito é entendida como um contrato pelo qual uma parte se vincula a proporcionar a outra a disponibilização de crédito até a um certo montante e por um tempo determinado. Por efeito do contrato, o creditado adquire o direito de utilizar o crédito que lhe é facultado na medida e nas datas que entender como convenientes, pelo que é no momento em que se verifica a transferência dos meios financeiros através da utilização do crédito que se efectiva a relação creditícia.

Por efeito das alterações introduzidas no novo CIS, o facto gerador da obrigação do imposto passou a ser a utilização do crédito, e não a celebração do contrato - como resultava do regime precedente -, e, nesse sentido, o valor tributável é agora apurado em função da obtenção do crédito e do prazo pelo qual ele vigorar.

A norma geral de incidência do imposto é a da verba 17.1 da TGIS, que tributa a utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias ou outros valores, sobre o respectivo valor em função do prazo. Tratando-se de contratos com prazo determinado, o imposto incidirá sobre cada uma das utilizações de crédito nos termos das verbas 17.1. a 17.3 da TGIS, sendo aplicável a taxa de 0,5% quando o crédito é de prazo igual ou superior a um ano, de 0,6% quando o crédito é de prazo igual ou superior a cinco anos, e de 0,04% ao mês quando o prazo é inferior a um ano, correspondendo esse prazo ao lapso de tempo que ocorre entre a data de utilização do crédito e a data limite constante do contrato até à qual o crédito é concedido.

Contrariamente, nos créditos utilizados sob a forma de conta corrente, descoberto bancário e sempre que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, o facto tributário reveste-se de natureza continuada, e para esses casos a verba 17.4 fixa um outro critério de determinação do imposto, mandando aplicar a taxa de 0,04% sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30. O imposto incide, nesse caso, sobre os saldos apurados em cada mês, sendo apenas nesse sentido que pode atribuir-se relevância ao factor temporal.

É esse, de resto, o princípio que decorre do art. 5º, al. g), do Código de Imposto do Selo: nas operações de crédito, a obrigação tributária considera-se como constituída no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês.

Sendo esse o regime legal aplicável à situação do caso não tem qualquer relevo a demonstração de que os reembolsos dos créditos disponibilizados, no período de tributação em causa, foram sempre efectuados no período inferior a um ano.

Esse requisito relevaria se estivéssemos perante uma operação autónoma que se destinasse exclusivamente à cobertura de carência de tesouraria para efeito de poder beneficiar da isenção fiscal prevista no art. 7º, nº 1, al. g), do CIS. Mas, como vimos, não só o financiamento não se destina em exclusivo a essa finalidade, como reveste tipicamente a natureza de abertura de crédito sob a forma de conta corrente sem prazo determinado ou determinável, o que, desde logo, é evidenciado pelos sucessivos fluxos financeiros de embolso e reembolso.

Importa ter presente, por fim, as regras do direito probatório que resultam do art. 74º, da LGT e do art. 414º, do Código de Processo Civil: o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, o que se traduz num princípio geral de repartição do ónus da prova, pelo qual cabe à Administração a prova da existência dos factos tributários em que assenta a liquidação e ao sujeito passivo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (também art. 342º, do Código Civil).

A isenção fiscal é, por natureza, um facto impeditivo da tributação regra, pelo que - como é entendimento jurisprudencial pacífico - é ao sujeito passivo que cabe fazer a prova da existência dos pressupostos de que depende o reconhecimento do benefício fiscal (Acórdão do STA de 14 de Janeiro de 2005, processo n.º 013143; acórdãos do TCA Sul de 24 de Janeiro de 2012, processo n.º 05079/11, de 2 de Julho de 2013 e processo n.º 06629/13 e decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 76/2013-T e 163/2015-T).

Verificando-se uma situação de falta ou insuficiência da prova relativamente a algum ou alguns dos factos que sejam indispensáveis para a decisão da causa, estes devem ter-se como inexistentes, na medida em que não podem ser considerados como provados, implicando que o tribunal emita uma decisão desfavorável em relação à parte que estava onerada com a prova desses factos; se o Tribunal tiver dúvidas sobre a realidade de um facto, deverá considerar este não provado à luz do disposto no citado art. 414º, do CPC [“(...)a dúvida sobre a realidade de um facto (...) resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (...)”]

No caso vertente, a Requerente não efectuou a prova dos pressupostos de que depende a pretendida isenção fiscal, e, especificamente, a prova da finalidade exclusiva do empréstimo à cobertura de carência de tesouraria. Além de que outros elementos dos autos apontam para a existência de um tipo de financiamento em conta corrente sem prazo determinado ou determinável que se não enquadra na previsão da norma do art.7º, nº 1, al. g), do CIS. E ainda que alguma dúvida pudesse subsistir quanto a esses resultados probatórios, o certo é que a dúvida teria sempre de ser resolvida em sentido desfavorável ao sujeito passivo sobre o qual impendia o ónus da prova do facto impeditivo da liquidação do imposto do selo e a quem manifestamente aproveitaria a prova desse facto.

B -Indemnização por prestação de garantia indevida.

A inevitável improcedência do pedido anulatório do ato tributário impugnado, prejudica obviamente a apreciação e decisão do pedido indemnizatório por prestação indevida de garantia.

 

IV – DECISÃO

 

Termos em que se decide:

a) Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral;

b) Manter na ordem jurídica a decisão de deferimento parcial, nos termos expostos supra, da Reclamação Graciosa respeitante aos actos tributários de liquidação de imposto do selo relativos ao ano de 2013 e

c) Condenar a demandante nas custas do processo.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em €143.335,57, nos termos do art. 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT e do n.º 2 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI - CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do n.º 2 do art. 12.º e do n.º 4 do art. 22.º, ambos do RJAT,bem como do n.º 4 do art. 4.º, do citado Regulamento, a suportar pela Demandante conforme já anteriormente decidido, por ser a parte vencida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa e CAAD, 17-12-2018

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

Miguel Luís Cortês Pinto de Melo

(Árbitro Adjunto)

 

Cristina Aragão Seia

(Árbitra Adjunta)