Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 224/2018-T
Data da decisão: 2019-01-19  Selo  
Valor do pedido: € 255.947,81
Tema: IS – artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS; verba 17.3.4 da TGIS. Instituições Financeiras - Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões. Comissões.
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

I – Relatório

 

1. No dia 30.04.2018, a Requerente, A..., S.A., sociedade com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., com sede na ..., n.º..., em Lisboa (...-...), que se encontra na área de competência geográfica do Serviço de Finanças de Lisboa-..., tendo sido notificada de que, por despacho proferido em 22.01.2018, foi indeferida a reclamação graciosa nº ...2017..., que correu termos na Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, deduzida contra os atos tributários consubstanciados nas autoliquidações de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2015, efetuadas através das guias n.º... e n.º..., datadas de 18.01.2016 e de 22.01.2016, veio, em conjunto com Fundo de Pensões do B..., titular do número de identificação fiscal ..., Fundo de Pensões C..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões D..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões E..., titular do número de identificação fiscal ..., Fundo de Pensões F..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões G..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões H..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões I..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões da J..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões K..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões dos ADMINISTRADORES E/OU DIRETORES DA K..., titular do número de identificação fiscal ..., Fundo de Pensões dos ADMINISTRADORES DA L..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões L..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões M..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões da N..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões O..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões P..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões Q..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões R..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões da S..., titular do número de identificação fiscal ..., Fundo de Pensões T..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões U..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões V..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões W..., titular do número de identificação fiscal ... Fundo de Pensões X..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões Y..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões da Z..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões da AA..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões BB..., titular do número de identificação fiscal..., Fundo de Pensões da CC..., titular do número de identificação fiscal..., todos com sede na ..., n.º..., em Lisboa, e todos geridos à data pela Requerente (adiante designados por “Fundos de Pensões”),   requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL COLETIVO, com vista à declaração de ilegalidade dos supra referidos atos tributários e da referida decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os mesmos.

 

A Requerente, alegando ter pagado os montantes correspondentes às autoliquidações objeto do processo, peticiona, ainda, a condenação da Requerida à sua restituição, acrescido de juros indemnizatórios.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros os signatários, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 10 de julho de 2018.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão anulatória, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

a.            É entendimento da Requerente que a ilegalidade dos presentes atos tributários reside, desde logo, ao nível da sujeição a Imposto do Selo das comissões de gestão e administração cobradas aos Fundos de Pensões.

b.            De facto, embora para a Requerida não subsistam dúvidas quanto à sujeição daquelas comissões à verba 17.3.4 da TGIS, uma correta interpretação de todos os diplomas legais aplicáveis enuncia que não se encontra preenchido o elemento objetivo da referida norma de incidência, qual a seja, a realização de uma operação financeira.

c.            Tal falta de preenchimento da norma de incidência inquina os presentes atos tributários de manifesta ilegalidade, impondo-se a sua anulação.

d.            Ainda que assim não se entenda, e se considere que se encontra preenchido o elemento objetivo da referida norma de incidência, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, sempre se imporia a conclusão de que as referidas comissões estariam isentas de Imposto do Selo, nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do IS.

e.            De facto, não só a referida norma não é suscetível de ser interpretada da forma restritiva, como a ponderação de todos os demais elementos interpretativos enuncia que aquela isenção é aplicável às comissões de gestão e administração cobradas pela Requerente aos Fundos de Pensões.

f.             Acresce ainda, também sem prejuízo de todo o exposto, que não é despicienda a aplicação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 20/86, de 13 de fevereiro, e no Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, do qual decorreria, em qualquer caso, que as comissões de gestão e administração cobradas pela Requerente aos Fundos de Pensões estariam igualmente isentas de Imposto do Selo.

g.            É também inaplicável, por violação dos princípios constitucionais da não retroatividade fiscal e da confiança e segurança jurídicas, o disposto no artigo 7.º, n.º 7, do Código do IS, na redação dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2016, contrariamente ao que invocam os serviços da administração tributária no projeto de decisão da reclamação graciosa.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão anulatória da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

a.            Para que possamos concluir pelo preenchimento do elemento objetivo da norma de incidência, importa demonstrar que as operações desenvolvidas pelas SGFP com vista à gestão e administração dos fundos consubstanciam serviços financeiros, nos termos e para os efeitos da Verba 17.3.4 da TGIS.

b.            Considera a doutrina que as atividades financeiras no âmbito das quais são praticadas as operações financeiras abrange todas aquelas através das quais, direta ou indiretamente, se visa a captação e mobilização de capitais por forma a contribuir para o processo de financiamento e o regular funcionamento da economia.

c.            Tal definição abrange inequivocamente as atividades praticadas pelas sociedades gestoras de fundos de pensões, tendo em conta que compete por lei a estas entidades a prática de todos os atos e operações necessários ou convenientes à boa administração e gestão do fundo, nomeadamente, selecionar e negociar os investimentos que devem fazer parte do património do fundo, de acordo com a política definida representar os associados, participantes, contribuintes e beneficiários no exercício dos seus direitos; cobrar as contribuições; garantir os pagamentos devidos aos beneficiários, negociar valores mobiliários ou imobiliários, fazer depósitos bancários na titularidade do fundo e exercer todos os direitos ou praticar todos os atos que direta ou indiretamente estejam relacionados com o património do fundo, conceder crédito hipotecário, aos seus trabalhadores, bem como, contrair empréstimos com fins de liquidez, quando atue como gestora do fundo de pensões, oferecer a terceiros os ativos dos fundos de pensões para garantia, qualquer que seja a forma jurídica a assumir por essa garantia, exclusivamente, no âmbito de contratos de reporte ou de empréstimo, ou outros, com o objetivo de uma gestão eficaz de carteira, nos termos a definir por norma regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal e conceder crédito hipotecário ou crédito aos participantes nos termos previstos no contrato constitutivo do fundo.

d.            Assim, as comissões cobradas a um Fundo por uma SGFP preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva contidos na Verba 17.3.4 da TGIS, e estão, nessa conformidade, sujeitas ao imposto do selo por força do disposto no n.º 1 do art.º 1.º do CIS.

e.            Supletivamente, a Requerente argumenta que, ainda que se acolha o entendimento de estar sujeita ao imposto de selo, estaria isenta do mesmo estribando  o alegado direito à isenção na alínea e) do nº 1, do artigo 7º do Código do Imposto do Selo (CIS) mas também aqui não lhe assiste razão pois como  Sumaria o acórdão do STA, datado de 15 de Junho de 2016 (processo nº 0770/15) que “[a] isenção concedida pelo art.º 7.º nº 1 al. e) do CISelo, na redação do DL n.º 287/2003NOV12, alterada pela Lei n.º 107-B/2003DEZ31, tem como elemento catalisador, - a que se reportam os juros, as comissões cobradas, as garantias prestadas ou a (sua) mera utilização -, o crédito concedido nos termos mencionados no mesmo normativo”

f.             Mas se dúvidas poderiam existir, estas deixam de ter qualquer fundamento quando o próprio legislador faz a interpretação expressa do texto que redigiu que sucedeu, com a introdução do nº 7 ao artigo 7º do CIS, através da Lei 7-A/2016, de 30 de Março.

g.            Na verdade, estipula este normativo que: “[o] disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”, sendo que,  tratando-se da mera explicitação de uma norma anterior, a disposição em causa tem natureza interpretativa, não enfermando de inconstitucionalidade.

 

5. Foi dispensada a realização da reunião arbitral prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT.

 

6. As partes foram notificadas para, no prazo simultâneo de vinte dias, apresentar alegações escritas, só o tendo feito a Requerente.

 

7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

8. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a) Ilegalidade das autoliquidações objeto do presente processo, por vício de violação de lei.

b) Em caso de declaração de ilegalidade das autoliquidações e consequente anulação das mesmas, direito da Requerente à restituição do imposto pago e a juros indemnizatórios.

 

II - A matéria de facto relevante

 

9. Consideram-se provados os seguintes factos:

1.            A Requerente é uma sociedade gestora de Fundos de Pensões que exerce a atividade de administração, gestão e representação de Fundos de Pensões, cujo regime jurídico consta do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro.

2.            No âmbito da sua atividade, a Requerente cobra aos Fundos de Pensões sob a sua gestão comissões tendentes à remuneração da prestação de serviços de gestão e administração daqueles Fundos.

3.            A Requerente, à data dos factos tributários em causa, não liquidava Imposto do Selo sobre as referidas comissões.

4.            No ano de 2015, foi desencadeada uma ação inspetiva externa à escrita da Requerente dos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, com vista à verificação do enquadramento fiscal, em sede de Imposto do Selo, das comissões de gestão cobradas aos Fundos de Pensões, sendo subsequentemente emitidas as liquidações adicionais de Imposto do Selo.

5.            O fundamento das aludidas correções residiu, em suma, no facto de entenderem os serviços de inspeção tributária que as comissões cobradas pela Requerente aos Fundos de Pensões sob sua gestão se encontrarem sujeitas a Imposto do Selo, com enquadramento na Verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), e dele não isentas por não se lhes aplicar a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS.

6.            Com vista à antecipação da realização futura de correções com o mesmo fundamento, a Requerente optou por proceder à autoliquidação do Imposto do Selo sobre as comissões em crise que cobra aos Fundos de Pensões por si geridos.

7.            Assim, com referência ao ano de 2015, a ora Requerente procedeu a autoliquidações e respetivos pagamentos ao Estado, a título de Imposto do Selo, do montante total de € 255.974,81.

8.            A Requerente deduziu reclamação graciosa contra as autoliquidações objeto do processo.

9.            Em 29.01.2018, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento que recaiu sobre a referida reclamação graciosa.

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.

 

10. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar ocorrer total concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

III - O Direito aplicável

 

11. Fixados os factos relevantes, pergunta-se se as comissões cobradas pelas sociedades gestoras de fundos de pensões se encontram sujeitas a imposto de selo em aplicação das disposições conjugadas das verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo, seguindo-se muito de perto a decisão arbitral nº 527/2017-T.

Defendendo opinião negativa, a Requerente refere vários motivos: (i) as sociedades gestoras de fundos de pensões não podem ser qualificadas como instituições de crédito ou sociedades financeiras nos termos do artigo 8.º, n.º 2, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e só as comissões cobradas por entidades dessa natureza é que podem ser incluídas na verba 17.3.4 da TGIS para efeitos da incidência do imposto; (ii) as comissões cobradas aos Fundos de Pensões encontram-se cobertas pelo regime de isenção fiscal a que se refere o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo; (iii) a norma interpretativa do artigo 7.º, n.º 7, do CIS, aditada pela Lei n.º 7.º-A/2016, de 30 de março, ao limitar o âmbito aplicativo dessa regra de isenção às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, é inconstitucional por violação dos princípios da irretroatividade da lei fiscal, da proteção da confiança e da segurança jurídica, quando aplicável a factos tributários anteriores à sua entrada em vigor.

A Requerente sustenta também que não é viável a liquidação e pagamento do imposto, o qual constitui antes encargo dos Fundos de Pensões porque titulares do interesse económico subjacente à operação financeira, além de os atos tributários impugnados porem ainda em causa a orientação genérica perfilhada pelo despacho de 17 de março de 1999, a que a Administração Tributária se encontrava vinculada nos termos do artigo 68.º-A, da Lei Geral Tributária, e, em todo o caso, as comissões cobradas aos Fundos de Pensões sempre beneficiariam da isenção aplicável aos fundos de investimento imobiliário, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 20/86, de 13 de fevereiro, e no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.

A Requerente deduz ainda um pedido subsidiário em vista à correção do valor do imposto apurado, para o caso de se entender haver lugar a tributação, por considerar que parte das comissões cobradas são posteriormente devolvidas aos Fundos de Pensões a título de unidades de participação.

 

12. O primeiro aspeto a considerar quanto ao âmbito de incidência da verba 17.3. 4 da TGIS, que se refere a “comissões e contraprestações por serviços financeiros” resultantes de “operações realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras” (verba 17.3.). 8.

Sustenta a Requerente que a previsão normativa pressupõe o preenchimento cumulativo de um requisito objetivo (serviços financeiros) e de um requisito subjetivo (instituições financeiras) de tal sorte que só as operações financeiras legalmente reservadas às sociedades financeiras que se encontrem subordinadas ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) é que poderiam encontrar-se sujeitas ao imposto de selo.

Para este resultado apontariam as disposições do artigo 6.º, n.º 3, desse Regime, que exclui do conceito de “sociedades financeiras” as empresas de seguros e as sociedades gestoras de fundos de pensões, e do artigo 8.º, n.º 2, que define as atividades financeiras que as instituições de crédito e as sociedades financeiras se encontram autorizadas a exercer.

 

13. Não é esse, no entanto, o entendimento sufragado de modo uniforme pela jurisprudência arbitral e que não se vê agora motivo para alterar (cfr. decisões proferidas nos Processos n.ºs 348/2016, 633/2016, 667/2016, 9/2017, 441/2017 e 527/2017).

A formulação utilizada na verba 17.3. da TGIS abarca não apenas as “instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas”, mas também “quaisquer outras instituições financeiras”. A referência às instituições de crédito e sociedades financeiras pode considerar-se como pretendendo abranger as espécies de instituições financeiras cujo processo de estabelecimento e exercício de atividade se encontra especialmente regulado no RGICSF. A menção feita a quaisquer outras instituições financeiras tem o sentido inequívoco de abranger outros tipos de instituições dessa natureza que constituam objeto de legislação especial e, por isso, se não encontrem enquadradas no regime geral do sistema financeiro.

Destarte, não assume qualquer relevo a restrição constante do artigo 6.º, n.º 3, do RGICSF ao excluir do conceito de sociedades financeiras as empresas de seguros e as sociedades gestoras de fundos de pensões. Como resulta do segmento inicial do preceito, essa exclusão releva apenas para os efeitos do regime previsto nesse diploma, o que significa que as empresas de seguros e as sociedades gestoras de fundos de pensões – mesmo que possam ser entendidas como sociedades financeiras – não estão sujeitas à regulamentação específica decorrente do Regime Geral aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92. Essa é, todavia, uma mera opção do legislador que, como ressalta exposição de motivos do diploma preambular, pretendeu proceder à reforma do sistema financeiro nacional, mediante a transposição de diversas diretivas comunitárias, remetendo para um regime próprio o sector dos seguros e dos fundos de pensões.

 

14. No que tange aos fundos de pensões e às sociedades gestoras de fundos de pensões, a sua constituição e funcionamento encontra-se especialmente prevista no Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro, que pretendeu transpor para o Direito nacional a Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais.

A lei caracteriza as sociedades constituídas exclusivamente para a gestão de fundos de pensões como sociedades gestoras à quais compete a prática de todos os atos e operações necessários ou convenientes à boa administração e gestão do fundo (artigos 32.º, 1, e 33.º) e a sua atividade é supervisionada pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), que, como entidade administrativa independente, tem por missão assegurar o regular funcionamento do mercado segurador e dos fundos de pensões (artigos 36.º e 37.º do Decreto-Lei n.º 1/2015, de 6 de janeiro).

Em todo o caso, é evidente, no quadro legislativo comunitário, que as instituições de realização de planos de pensões são instituições financeiras e intervêm no mercado de serviços financeiros, havendo de considerar-se integradas no conceito amplo de sociedades financeiras (considerandos 1, 2 e 4 da Diretiva n.º 2003/41/CE).

 

15. Por tudo isto, e face à amplitude da norma de incidência fiscal, não tem sentido afirmar que estão apenas abrangidas pela verba 17.3.4 as comissões cobradas por serviços financeiros prestados pelas entidades às quais se aplique o RGICSF. A norma abrange os serviços financeiros de quaisquer instituições financeiras, independentemente do regime legal que regula o exercício da respetiva atividade, pelo que não pode deixar de ser aplicada às comissões que remuneram os serviços das sociedades gestoras de fundos de pensões.

 

16. Resolvida esta primeira questão, cumpre saber se as autoliquidações de imposto de selo realizadas se fundaram em normas constitucionais, em atenção à questão suscitada de as comissões cobradas aos Fundos de Pensões se encontrarem cobertas pelo regime de isenção fiscal a que se refere o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, sendo a norma interpretativa do artigo 7.º, n.º 7, do CIS, aditada pela Lei n.º 7.º-A/2016, de 30 de março, ao limitar o âmbito aplicativo dessa regra de isenção às operações financeiras diretamente às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, violadora dos princípios da irretroatividade da lei fiscal, da proteção da confiança e da segurança jurídica, quando aplicável a factos tributários anteriores à sua entrada em vigor.

Com efeito, as disposições legais ao abrigo das quais a Administração Tributária e Aduaneira fez a liquidação em imposto de selo foram retroativamente aplicadas a manifestações de riqueza anteriores ao momento do início da sua vigência.

 

17. Ora, esta conclusão implica a invalidade das normas em causa, sendo materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da não retroatividade das leis fiscais de incidência, previsto no art. 103º, nº 3, da Constituição.

Assim tem sido a jurisprudência constante do CAAD em processos análogos, pelo que para esses arestos remetemos o desenvolvimento desta fundamentação: os processos arbitrais nº 348/2017-T, nº 352/2017-T, nº 441/2017-T, nº 633/2017-T e nº 527/2017-T. É ainda de referir que o próprio Tribunal Constitucional já decidiu recentemente do mesmo modo: cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 644/2017.

 

18. O raciocínio que o explica pode ser observado no processo arbitral nº 527/2017, que por ser paradigmático nos permitimos transcrever: “Essa solução normativa, resultante da conjugação dos n.ºs 1, alínea e), e 7 do artigo 7.º do CIS, em consequência do aditamento desse n.º 7 pelo artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, é inovadora e agrava a posição jurídica do sujeito passivo que fica assim impedido de beneficiar do regime de isenção de imposto. E, tendo sido aplicada aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, e, portanto, a anos fiscais anteriores à entrada em vigor da Lei, essa solução torna-se substancialmente retroativa e, nessa medida, incompatível com a proibição da imposição de impostos retroativos”.

 

 19. Na sequência desta conclusão pela invalidade das normas de imposto de selo aplicadas, com as consequências da devolução do pagamento – que era indevido – das prestações tributárias da requerente à requerida, coloca-se ainda o tópico de saber se deve haver lugar, nessa devolução, à aplicação de juros indemnizatórios. 

Assim sucede de um modo geral quando se chega à conclusão de que houve uma prestação tributária indevida em prejuízo do contribuinte, nos termos dos arts. 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

20. Porém, na situação em apreço, considera-se que esses juros indemnizatórios não são exigíveis, na medida em que a Administração Tributária e Aduaneira – parte integrante da Administração Pública no exercício da sua função administrativa de autoridade – não tem o mesmo acesso à Constituição que é conferido aos tribunais, não dispondo de um poder de livre desaplicação de normas que eventualmente considere inconstitucionais.

Essa asserção decorre do princípio da legalidade, que vincula de um modo específico a Administração Pública à legalidade administrativa, ainda que isso não signifique a ausência de aplicação da superior legalidade constitucional.

A conjugação de duas obediências conflituantes – uma norma legal num sentido e uma norma constitucional em sentido divergente, sendo esta hierarquicamente superior à primeira – leva à conclusão de que se torna necessário encontrar um equilíbrio quanto ao grau de preferência por parte da Administração entre obedecer à lei ou à Constituição.

Tem sido entendimento geral o de que o princípio da legalidade se afigura prevalecente, só sendo de atender uma desaplicação de norma legal por inconstitucionalidade na atuação administrativa em certos casos específicos e graves, estando em causa a prática de crimes ou a violação do núcleo essencial de um direito, liberdade e garantia.

 

21. Não estando presentes no caso sub iudice essas dramáticas situações, entende-se que a aplicação de juros indemnizatórios, ainda que se entenda haver normas materialmente inconstitucionais, não se considera adequada por a Administração Tributária, neste caso, não ter o poder de desaplicar uma norma que considerasse ser inconstitucional, prevalecendo estritamente o princípio da legalidade administrativa em relação ao princípio da constitucionalidade.  

Este nosso entendimento é confortado pela posição tomada em vários acórdãos proferidos no âmbito do CAAD, sendo de referir a paradigmática posição tomada no acórdão nº 507/2015-T: “No que concerne aos juros indemnizatórios, tratando-se de vícios derivados apenas da aplicação de norma inconstitucional, tem de se entender que as liquidações não enfermam de qualquer erro que seja imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que não há direito a juros indemnizatórios, à face do preceituado no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, como vem decidindo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo”.

Nesta linha, v. também a decisão do processo nº 527/2017-T: “No caso vertente, teve relevo, para a decisão que veio a ser adotada pela Administração, o aditamento da norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, a que foi atribuída natureza interpretativa. A Administração encontra-se subordinada ao princípio da legalidade (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição), não podendo deixar o cumprir o disposto na lei a pretexto da sua inconstitucionalidade, tarefa que, em termos difusos, e conforme o disposto no artigo 213.º, se encontra apenas conferida aos tribunais (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, pág. 800). Fundando-se a decisão arbitral na recusa de aplicação de norma por inconstitucionalidade, não se verifica o pressuposto de que depende a condenação em juros indemnizatórios”.

 

IV - Decisão

 

22. Assim, decide o Tribunal arbitral:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, por invalidade, no plano da inconstitucionalidade material, das normas aplicadas do CIS;

b)           Anular as liquidações do imposto de selo aplicadas à requerente;

c)            Condenar a requerida à devolução à requerente do imposto de selo indevidamente pago por esta;

d)           Absolver a requerida do pagamento de juros indemnizatórios;

e)           Condenar a requerida no pagamento das custas do processo.

 

Valor da ação: 255.947,81 € (duzentos e cinquenta e cinco mil novecentos e quarenta e sete euros e oitenta e um cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida, no montante de 4 896.00 € (quatro mil oitocentos e noventa e seis euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

             Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 10 de janeiro de 2019.

 

 

O Árbitro Presidente

(José Poças Falcão)

 

 

O Árbitro Vogal

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 

O Árbitro Vogal

(Jorge Bacelar Gouveia)