Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Professor Doutor Jónatas Machado e Dr. José Ramos Alexandre (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 21.06.2018, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A A..., Sociedade Unipessoal, LDA, (doravante Requerente ou A...), portador do NIPC..., com domicílio fiscal na Av. ... n.º..., ..., interpôs um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Administrativa e Tributária), contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2013, com o nº 2017..., da liquidação de juros compensatórios nº 2017... e da respetiva demostração de acerto de contas nº 2017..., nos termos da qual foi apurado imposto a pagar no valor de €2.001.603,86 (dois milhões, mil, seiscentos e três euros e oitenta e seis cêntimos).
2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo o Juiz José Poças Falcão, como árbitro-presidente, o Professor Doutor Jónatas Machado e o Dr. José Ramos Alexandre como árbitros-vogais, que aceitaram o encargo em 01.06.2018.
3. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. Por força do preceituado na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 21.06.2018.
5. No requerimento de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), a Requerente peticionou a anulação da correção à matéria coletável de IRC de 2013, no montante de €2.317.003,61, com o fundamento em que tal correção incorre em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, traduzida na errónea aplicação do artigo 23º do CIRC; a anulação da liquidação de IRC e de juros compensatórios e a demonstração de acerto de contas em cima referidas, referentes ao ano/exercício de 2013, com fundamento em vício de violação de lei; o reembolso das quantias pagas pela requerente, acrescida de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal até efetivo e integral pagamento
6. A AT, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, apresentou, em 17.09.2018, resposta, peticionando a final o seguinte:
“…deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida dos pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.”
1.1. Descrição dos factos
7. A A... foi constituída por escritura pública no dia 29.05.2000, iniciando a atividade (em termos fiscais) no dia 19.06.2000, e tendo por objeto o arrendamento, exploração e gestão do Centro Comercial designado por B... (B...). A A... reveste a forma jurídica de sociedade por quotas (unipessoal), tendo um capital social de 5.000,00€.
8. Na data de constituição da A..., esta era detida pela sócia única C... (atualmente D..., com sede na Alemanha. Em 31.07.2007 a A... passou a ser detida pela sociedade E... (sócia única), com sede no Luxemburgo. À data a que se referem os factos do procedimento inspetivo (2013), o capital da sociedade era detido em 100% pela empresa E... . Em julho de 2015 esta sociedade mudou a sua designação social para F... .
9. A E... é detida pela G... uma empresa gestora comum, configurando uma “estrutura chapéu” destinada a gerir conjuntos diferentes de ativos e passivos, no interesse dos seus comproprietários. Tanto a D... como a G... eram detidas a 100% pela sociedade D..., com sede na Alemanha, gerindo os fundos H..., um fundo imobiliário aberto, e I..., destinado a investidores institucionais, fundos independentes entre si, de acordo com o esquema seguinte:
10. A partir da G..., empresa gestora de fundos, os investimentos organizam-se num grupo com a seguinte estrutura: A G..., detém a 100% a J..., que por seu turno detém a 100% as E... e a K... . A E... detém a 100% a A... que por seu turno detém a 70% da L..., sendo os restantes 30% detidos pela K... que também é detentora, a 100%, da M... que, por seu turno, detém a 100% a N... . A O... era uma empresa do grupo detida em 100% pela P..., no quadro da estrutura referenciada em documentação consultada:
11. Em 01.11.2002 – como acima é esquematizado – a A..., que, nos termos da certidão permanente, tinha como objeto social “a compra e venda do imóvel do centro comercial designado como B..., bem como o arrendamento, exploração e gestão do B..., bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionados com a supra mencionada atividade”, tomou de arrendamento o B... à L... (L...), cujo objeto social consistia na “compra e venda de imóveis, bem como a simples ou mera administração do seu imóvel próprio mantido para fruição e destinado ao B..., neste se incluindo designadamente o seu arrendamento, bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionados com a supra mencionada atividade”;
12. O capital social da L... na data de constituição, a 29-05-2000, era de 10.000.000,00€, sendo que 9.999.995,00€ (99,99995%), era detido pelo sócio comanditário C... e 5,00€ (0,00005%), na posse do sócio comanditado A... . Esta era detida pela D... (D...) que, em 31.10.2007, vendeu a totalidade da A... e da L... ao fundo de investimento I..., cuja entidade gestora era a G... .
13. Nessa mesma data, por decisão do grupo, a A... adquiriu 70% do capital social da L... à D... (antiga C...). Assim, após a divisão e transmissão da quota do sócio C... (depois D...), a posse de 3.000.000,00€ (30%) passou para o sócio comanditário K... (responsabilidade limitada), com sede no Luxemburgo, e 7.000.000,00€ (70%) ficou na posse do sócio comanditado A... (responsabilidade ilimitada), sediado em ..., detida, como se viu acima, pela E... a qual, juntamente, com a K..., era detida pela J... .
14. Para financiar a sua aquisição de 70% do capital da L..., no montante de cerca de 175,3 milhões de euros, a A..., em 25 e 31.10.2017, recorreu a três operações de financiamento junto de três empresas do Grupo onde está inserido. O primeiro crédito foi contraído junto da E... (casa – mãe), detentora em 100% da A..., no valor de cerca de 96,8 milhões de euros, com uma taxa de juro anual fixa de 7,25%, calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano, com um prazo de 10 anos e vencimento em 31 de outubro de 2017, sendo que em 2013 a E... e a A... acordaram uma redução de taxa de juro para 0,5% ao ano, com efeitos a partir de 01.01.2013 e até o acordo atingir a sua maturidade. Os juros são devidos trimestralmente;
15. O segundo financiamento foi obtido junto do M... (detido a 100% pela K...) no montante de 42,6 milhões de euros, por um prazo de 10 anos. Até ao final do 1º semestre de 2009 estipulou-se uma taxa de juro variável determinada com base na taxa Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 0,15%. A partir do 2º semestre de 2009 a taxa de juro passou a ser fixa, sendo estabelecido entre as partes que a taxa de juro seria determinada com base na taxa swap a 8 anos, à data de 01.07.2009 publicada pela Bloomberg, que se situou nos 3,40%, acrescida de um spread de 1,6%, ou seja, uma taxa de 5% ao ano. Tal como no caso anterior, os juros eram calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano e o seu pagamento devido mensalmente.
16. O terceiro contrato de mútuo foi celebrado em 25.10.2017 com o O... AG, um banco internacional que atua nos sectores de imóveis comerciais e das finanças públicas, no montante de 35,8 milhões de euros por um prazo de 10 anos. Numa lógica de garantias cruzadas, foi apresentada como garantia real um imóvel já detido por uma empresa do grupo, a L...– mais concretamente a ampliação da cessão de créditos com escopo de garantia emergentes de Contratos de Utilização relativos aos Imóveis A..., constituída por carta de 29.06.2001 e ampliada em 19.10.2007 – tendo sido acordado o pagamento de uma taxa de juro correspondente à Euro swap rate a sete anos acrescida de um spread de 50 pontos base (0,5%). No ano de 2013 o empréstimo venceu juros à taxa de 5,078%. Os juros são calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano, com pagamento devido trimestralmente.
17. Das três entidades concedentes do empréstimo, a M...e a E..., SARL dependem em 100% do fundo I... e da sociedade gestora G... (G...) e o banco O... também pertence ao grupo da P..., tal como a Q... . Acresce que a L... havia contraído um empréstimo no montante de 135.175.000.00 € para a construção/aquisição do imóvel do B... .
18. A A... é a responsável direta pela administração quotidiana do B..., desenvolvendo a promoção e comercialização das lojas e a promoção estratégica do B..., cabendo-lhe angariação e celebração de “contratos de utilização de loja” com os clientes, geralmente marcas que possuem cadeias de lojas nacionais e internacionais mas também utilizadores individuais. A A... fatura e recebe as rendas dos clientes – incluindo um valor fixo, um valor variável e uma comparticipação de encargos e despesas de funcionamento – e em seguida paga à L...as rendas pela utilização do imóvel do B...;
19. A partir do ano de 2007 a A... suporta elevados encargos financeiros, registados nas suas demonstrações financeiras na rubrica de juros suportados, resultantes do financiamento contraído para a compra de (cerca de) 70% da participação no capital social da L..., verificando-se que os seus resultados fiscais passaram dum lucro tributável bastante significativo em 2007, ano em que os encargos financeiros foram referentes apenas a cerca de 2 meses, para uma situação de prejuízo fiscal, em virtude do peso financeiro dos juros, situação atenuada em 2013, com a diminuição ocorrida na taxa de juro relativo ao empréstimo contraído à E...;
20. Em 31.12.2013 a A... detinha uma participação de 70% na L..., adquirida em 31.10.2007, sendo esta uma sociedade de simples administração de bens abrangida pelo regime da transparência fiscal, nos termos do artigo 6º do CIRC, e imputando aos seus sócios a matéria coletável que apura anualmente, ou seja, 70% da sua matéria tributável é imputada à A... e 30% à K... .
21. Durante o exercício de 2013, a renda mensal para as 35 frações autónomas arrendadas no B... foi de 830.000,00€, enquanto que para o R... a renda foi de 40.000,00€. Nesse ano, a conta de gastos “626111 – Rendas A...” registava o montante de 9.960.000,00€, de rendas do B..., e na conta “626112 – Rendas...” o montante de 480.000,00€, relativos às rendas do R... . O valor das rendas então pago pela A... à L..., pelo arrendamento do B..., totalizou, assim, o montante de 10.440.000,00€.
22. No exercício 2013 os juros suportados pela A... com os empréstimos de financiamento à aquisição da participação no capital na L..., situaram-se no valor de 4.496.936,21€, referindo o Relatório de Gestão que esses gastos, essencialmente relativos aos juros dos empréstimos bancários com as empresas do grupo, e as perdas de imparidade no montante de 8.298.133,41€, referentes à participação na L..., contribuíram significativamente para o total dos gastos no exercício e consequentemente para o prejuízo da A... incorrido no exercício, verificando-se que o mesmo absorveu a matéria coletável que lhe era imputada pela L... no âmbito do regime da transparência fiscal.
23. Tendo sido feita uma análise prévia aos elementos disponíveis no sistema informático da AT e tendo sido detetadas situações de risco, foi aberta uma ação inspetiva externa de âmbito parcial, para o exercício de 2013, nos termos da ordem de serviço OI2017..., de 15.03.2017, tendo como destinatária a A... . Foram então propostas correções no montante de €4.639.205,24, correspondentes aos encargos financeiros com os empréstimos contraídos para a aquisição da participação financeira, discriminados nos termos seguintes:
681291-Imposto Selo Suportado - Juros Empréstimo 73.726,92 €
681292-Imposto Selo Suportado Comissões Bancárias 47.079,75 €
6911-Juros de financiamentos obtidos 1.843.172,95 €
691391-Outros Juros – M... Lda 2.162.817,63 €
691392-Outros Juros – E... 490.945,63 €
688804- Financing fees 21.462,36 €
Total 4.639.205,24 €
24. Uma vez que em resultado das correções efetuadas à rubrica de “encargos financeiros” a mesma passou a assumir valor zero, entendeu-se não haver lugar à aplicação do disposto no artigo 67º do CIRC pelo que foi proposta a anulação do valor acrescido no campo 748 do Q07 da modelo 22 de IRC de 2013, no montante de €1.476.780,60. Na sequência das correções efetuadas aos anos anteriores, o sujeito passivo ficou sem qualquer valor a reportar de prejuízos para os anos seguintes. Nesta conformidade, foi desconsiderado no apuramento da matéria coletável do ano em análise o montante de €5.187.876,09, relativo à dedução de prejuízos fiscais. Não tendo a Requerente (A...) exercido o seu direito de audição foi determinado que se procedesse à tramitação do documento de correção (DC) por forma adequada à liquidação e cobrança do imposto nele quantificado, no valor de apurado imposto a pagar no valor de €2.001.603,86 (dois milhões, mil, seiscentos e três euros e oitenta e seis cêntimos).
1.2. Alegações das partes
25. Para fundamentar a sua posição, a A..., apoiando-se nas decisões arbitrais do CAAD nos Processos nº 614/2015 e nº 680/2016, centra o arrazoado da PI e das alegações finais, na racionalidade económica da aquisição de 70% do capital com o recurso a financiamento e na dedutibilidade dos respetivos encargos, destacando-se os seguintes argumentos:
1) A aquisição de 70% pela A... da participação social da L... teve como único objetivo incrementar o lucro e, deste modo, dar origem a lucro tributável, cumprido o teste para aplicação do artigo 23º do CIRC, no que concerne à dedução fiscal dos gastos relacionados com tal aquisição;
2) A concessão do financiamento ficou dependente de este estar alocado à A..., por ser a sociedade que libertava maiores níveis de cash flow, imóveis e lucros operacionais e que por esse motivo se encontrava em melhor posição de prestar garantias;
3) A Requerente contraiu financiamentos bancários, os quais foram garantidos não só com os lucros operacionais resultantes da exploração do B... (variável não controlada) mas também com o penhor da quota correspondente a 70% do capital social da A... Comandita (variável controlada, mas sujeita às flutuações do valor da participação, a qual se encontra diretamente relacionado com as variações do valor de mercado do imóvel propriedade da L...;
4) A necessidade de nivelar o financiamento com os bens dados em garantia (sejam eles os próprios imóveis ou quotas de sociedades) resultou de imposições decorrentes da negociação do financiamento com o banco, o qual queria garantir que o financiamento se encontrava registado na sociedade que libertava maiores níveis de cash-flow e, portanto, se encontrava em melhores condições para satisfazer as obrigações financeiras inerentes ao passivo;
5) Não se tratou de uma operação efetuada entre sociedades do mesmo grupo, nem de uma operação destinada a gerar encargos dedutíveis, sendo a mesma liderada por fundos de investimento distintos, e efetuada a preços de mercado – de acordo com os interesses e legítimas expectativas dos investidores dos dois distintos fundos de investimento envolvidos, tendo as sociedades gestoras de fundos de investimento pertencentes ao Grupo D... intervindo na operação em virtude de esses fundos não poderem atuar por si só;
6) O fundo de investimento H... não poderia, por si só, proceder à venda do complexo comercial B..., pelo que necessitou da intervenção da sua sociedade gestora - a D… - para concretizar a venda. A D... atuou sempre no interesse dos investidores do fundo (e não, por exemplo, no interesse da Q...);
7) Em 2007, os mercados - ainda na fase pré-crise económica - estavam animados, havia disponibilidade de dinheiro e os bancos ofereciam dinheiro a valores baixos e competitivos, com proporções de reinvestimento muito alto, pelo que o recurso ao crédito foi também uma questão de gestão financeira. Tendo uma determinada sociedade negócios com rentabilidades superiores às taxas de juro, esta seria uma forma de otimizar capitais se a sociedade se financiasse - por exemplo, se a sociedade tem um negócio com rentabilidade de 7, 8, 9 % e o banco cobra 3, 4% de juros, o respetivo leverage gerado torna racional a opção pelo financiamento;
8) Uma vez que a operação de venda do complexo comercial B... iria ser efetuada com recurso ao crédito e os ativos suscetíveis de constituírem garantia (o imóvel, o penhor das ações e o penhor das rendas pagas pelos lojistas) se encontravam em Portugal, o recurso ao financiamento apenas foi possível ser concretizado através das sociedades residentes em Portugal, isto é, foram condições essenciais para obter o financiamento o facto de este estar o mais próximo possível do ativo e da fonte de rendimento (libertação de cash-flow necessário ao cumprimento das obrigações financeiras);
9) A L... já tinha um financiamento garantido com hipoteca do imóvel, pelo que apenas a Requerente se encontrava em condições de contrair tal financiamento, uma vez que podia prestar garantias adicionais: o penhor das ações da L... e os lucros operacionais resultantes da exploração do B...;
10) A aquisição de 70% do L... potencia de forma objetiva a obtenção de lucro pela A... na medida em que: (i) existe imputação do lucro tributável da L... à A..., o que é sujeito a tributação ao nível desta última entidade.; (ii) quer em 2007 quer em 2013, caso ocorresse uma venda da participação social na L..., as mais-valias seriam sujeitas a tributação, sem poderem beneficiar de qualquer regime de isenção em sede de IRC; (iii) caso ocorresse a venda do imóvel por parte da L..., as respetivas mais-valias seriam necessariamente integradas no lucro tributável da empresa a imputar à A...;
11) O facto de a Requerente estar a pagar uma renda à L... e esta, por sua vez, estar a imputar 70% da sua matéria coletável à Requerente (por aplicação do regime da transparência fiscal, ao qual esteve desde sempre sujeita, por imposição legal e não por opção), não foi o motivo para aquisição da referida participação social da B... Comandita o que, aliás, não lhe conferia qualquer vantagem;
12) Num cenário em que a Requerente tivesse adquirido a propriedade do imóvel com o respetivo empréstimo hipotecário (ao invés de ter adquirido a respetiva participação social) e assim não tivesse que pagar rendas pela utilização do imóvel, nem houvesse imputação do rendimento em virtude da transparência fiscal, o resultado seria praticamente o mesmo que o atual, pois a totalidade do rendimento gerado pela exploração do centro comercial permanecia ao nível da Requerente, mas não seria tributado em virtude dos encargos que esta sociedade teria de suportar com os financiamentos para aquisição da propriedade do imóvel e respetivo passivo financeiro associado;
13) A correção levada a cabo pela AT, com fundamento legal exclusivo no art.º 23º do CIRC é ilegal por violação do mesmo, uma vez que no quadro de indispensabilidade dos custos, é indiscutível que a referida aquisição de 70% do capital constitui uma decisão de gestão da Requerente;
14) Não existiu qualquer duplicação de encargos financeiros, uma vez que o financiamento obtido pela Requerente (175,2 milhões de euros) foi para pagamento do preço de 70% da participação social na L... (175,3 milhões de euros), o qual já refletia o valor da dívida desta última sociedade;
15) Os dois empréstimos existentes foram contraídos por duas pessoas jurídicas distintas e para a aquisição de ativos diferentes: a Requerente comprou as participações sociais da L... e esta comprou um imóvel;
16) O facto de a Requerente se encontrar em prejuízo fiscal até 2010, não é derivado de qualquer planeamento fiscal desenvolvido, mas de uma conjugação de vários fatores relacionados com a crise económico-financeira (que se iniciou em 2008 e que teve particular impacto no mercado imobiliário) e com o montante de financiamentos e respetivos encargos que, numa primeira fase, foi necessário contrair para pagar o preço de 70% da participação social da L...;
17) Apenas em 2008, 2009 e 2010 (fase inicial após a compra), a empresa se encontrou em situação de prejuízo fiscal, sendo que desde 2011 e nos anos seguintes, designadamente 2013, aqui em discussão, a Requerente passou a estar em situação de lucro tributável, o qual tem vindo a aumentar;
18) O aumento do lucro tributável da Requerente refuta a ideia de que a aquisição de 70% da participação social da L... não teve qualquer motivação económica, uma vez que se assim fosse, facilmente a Requerente, querendo, se manteria em prejuízo fiscal de modo a não pagar imposto, o que na realidade não acontece;
19) Do valor total do financiamento (175,2 milhões de euros), 139,4 milhões de euros respeitavam a financiamentos do sócio único e de outra entidade controlada, sendo que apenas 35,8 milhões de euros respeitavam a dívida bancária, o que demonstra o compromisso dos primeiros no negócio relativamente à aquisição de 70% da participação social na L...;
20) A compra de 70% do capital social da L... por parte da Requerente não poderá ser analisada, de forma isolada, como uma mera aquisição de uma “empresa do grupo”, mas como parte de uma transação (transmissão do complexo comercial B...) ocorrida entre fundos de investimento com diferentes tipos de investidores, portfolio de ativos e perfil de risco;
21) Em 2007, com o deferimento do pedido de manutenção dos prejuízos fiscais feito pela Requerente ao abrigo do artigo 47.º do Código do IRC (à data dos factos) - processo n.º .../07 -, a AT, tendo tido acesso aos factos e documentação que envolveu não apenas a transmissão da própria Requerente mas também a transmissão de 70% do capital social da B... Comandita (aliás estas duas operações constam do mesmo contrato), em momento algum questionou o interesse económico da operação, tendo reconhecido a racionalidade económica da operação, não tendo havido alteração das circunstâncias, pelo que a Requerente contou com a concordância da AT, em consonância com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança que seria violado se a mesma alterasse a sua posição;
22) Tendo o pedido para manutenção dos prejuízos fiscais sido deferido pela Autoridade Tributária, parece que a atuação da Autoridade Tributária configura um venire contra factum proprium que viola o princípio da justiça e boa-fé a que aquela está vinculada nos termos do artigo 55.º da LGT.
23) A atuação da Autoridade Tributária criou no espírito da Requerente uma confiança (bastante) razoável, de caráter legítimo, uma vez que podia razoavelmente presumir que a posição assumida refletia, à data, o entendimento jurídico da Autoridade Tributária perante todos os casos que merecessem tratamento análogo;
26. Em sentido divergente, a AT sustenta a legalidade da liquidação adicional de IRC do exercício de 2013, da liquidação de juros compensatórios e da respetiva demostração de acerto de contas, nos termos constantes dos autos da presente lide, argumentando nos seguintes termos:
1) A A... encontra-se numa situação de relações especiais de capital, diretas e indiretas, com as E..., L... (L...), M...– Gestão de Centro Comercial, Sociedade Unipessoal, Lda: e O... - Sucursal em Portugal”.
2) A A... e a L... são detidas a 100% indiretamente pelo fundo I... e dependem deste e da sociedade gestora do mesmo, a G... que se integra num grupo maior, o do Q..., que domina a 100% as sociedades detidas pela sua participada G... (G...), sendo que a Q... é uma sociedade residente na Alemanha e detém a 100% também a D... (D...);
3) Os motivos que determinaram a alocação à A... da participação no capital da L..., relevam de um processo de decisão, imputado aos investidores do fundo I..., cabendo em última instância à sociedade gestora do mesmo, a G..., que entendeu por vantajoso incumbir a A... de adquirir parte do B..., incluindo 70% do capital social da L..., através de recurso a financiamento;
4) Cabe às entidades gestoras decidir sobre os investimentos que realizam por conta dos fundos de investimento imobiliários cuja gestão asseguram, pelo que, mesmo que representem fundos de investimento autónomos, os termos da realização dos investimentos competem e são imputáveis às sociedades gestoras, as quais, in casu, pertencem inquestionavelmente ao mesmo grupo;
5) A decisão de aquisição, pela A..., da parte social de €6.999.995,00 do capital social da L... foi tomada pelo grupo de empresas, envolvendo empresas já pertencentes ao grupo, dentro de uma estratégia de grupo e com recurso a financiamento obtido junto de entidades do grupo, não correspondendo sequer ao escopo social da A..., o qual não integra a aquisição de participações sociais;
6) No dossier dos preços de transferência (Exercício fiscal de 2011) o grupo admite ter havido uma estratégia delineada pelo mesmo no sentido de adquirir tal participação, tendo isso sido dado como provado no âmbito do Processo Arbitral n.º 690/16 T, respeitante ao exercício de 2011, no qual a AT obteve ganho de causa;
7) O facto de estarem em causa sociedades gestoras de fundos de investimento distintos não exclui, pois, a atuação de acordo com uma lógica de grupo, como se depreende da assunção e organização do financiamento realizado com entidades do grupo para a aquisição pela A... da participação social no valor de €6.999.995,00 na L...;
8) Não se pode falar de independência entre dois fundos de investimento que são geridos por sociedades que eram dominadas a 100% pela mesma sociedade que se situa no topo do grupo;
9) O empréstimo obtido pela A... junto da E... foi celebrado por decisão do grupo e concedido entre duas sociedades, numa relação de dependência de 100%, tratando-se, substancialmente, de um empréstimo concedido por uma entidade a ela mesma, com um risco de incumprimento de 0%, não obstante ter uma taxa de juro superior, por comparação com as existentes;
10) Trata-se de aquisições e operações de financiamento que ocorrem no “seio” do próprio grupo, motivo pelo qual são merecedores de uma especial atenção, no sentido de afastar eventuais situações de planeamento fiscal, que desvirtua as normais relações entre os contribuintes e a igualdade de tratamento;
11) A contração do empréstimo pela A... gerou uma dívida entre credores e devedor pertencentes a um mesmo grupo, não se vislumbrando que interesse próprio da Requerente poderia ter justificado a aquisição de 70% da participação social da L...;
12) A aquisição da participação social de 70% da L... nada veio acrescentar ao volume de negócios da A..., observando-se que este tem sofrido flutuações mínimas ao longo destes últimos 7 anos, tanto positivas como negativas;
13) Com a operação de aquisição pela A... de 70% do capital da L... nada mudou na estrutura do complexo no B..., continuando ambas as sociedades a desenvolver a mesma atividade no quadro das relações comerciais pré-existentes, continuando a L... a explorar de forma passiva (paredes nuas) o imóvel e mantendo um contrato de arrendamento com a A..., ao mesmo tempo que esta continua a gerir o B... (e o R...) através da celebração de contratos de uso de loja;
14) Do ponto de vista da A..., e do seu interesse em gerar proveitos na sua esfera jurídica, a AT não vislumbra vantagem económica na aquisição de 70% da L... em 2007, visto que tal sociedade pertencia já ao grupo, tendo em conta que a mera possibilidade de poderem vir a ocorrer no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais, não determina só por si que os encargos financeiros, que lhe estão subjacentes, possam enquadrara-se no conceito de gastos fiscais;
15) Não ficou claro porque é que se passou de um fundo regulado pela lei alemã para um fundo luxemburguês com poucos investidores como a própria A... admite, nada se sabendo sobre quem eram estes investidores, o que investiram e se ou quais os dividendos que obtiveram da operação;
16) A alegada escolha da A... para contrair o empréstimo em virtude da necessidade de nivelar o financiamento com os bens dados em garantia por imposições decorrentes da negociação do financiamento com o banco não é justificação suficiente para os empréstimos contraídos na medida em que só no caso do empréstimo de €35,800.000,00 realizada com o banco O... – Sucursal em Portugal é que foram prestadas garantias, diferentemente do que sucedeu no caso dos empréstimos nos montantes de €96.844.069,52, obtido junto da sócia única E..., e €42.663.800,00 realizada com a M..., em que não foram prestadas garantias especiais;
17) O penhor das partes sociais na L..., quer da parte social no valor de €3.000.000 da K..., sócia comanditária, quer da parte social de €7.000.000 da Requerente, sócia comanditada, a favor do S...– Sucursal em Portugal (anteriormente O...) apenas se concretizou em 26.2.2013 para garantir a quantia de €25.000.000,00;
18) As principais motivações que presidiram à decisão de aquisição tomada pela A... foram, por um lado, razões de natureza financeira [i.e., a colocação dos financiamentos junto da fonte dos rendimentos (o imóvel)] que permitiram fazer face aos respetivos encargos e garantir as responsabilidades financeiras, a par da evidente vantagem fiscal propiciada pela redução do respetivo lucro tributável à custa da dedução dos encargos financeiros, como se deduz a partir dos valores apurados;
19) Como para a determinação da matéria coletável da L... contribuem as rendas pagas pela A..., o valor das mesmas é parcialmente anulado, em virtude dos gastos que o sujeito passivo regista a título de pagamento dessas mesmas rendas;
20) As operações de financiamento em causa comprometem os níveis de rendibilidade da A..., tendo resultado em falta de liquidez, traduzida na impossibilidade de pagamento da totalidade dos juros devidos no exercício de 2013;
21) Não obstante a L... lhe imputar 70% da sua matéria coletável (influenciada pelos encargos financeiros que esta suporta relativo ao empréstimo para construção do imóvel cuja exploração constitui a sua única atividade), por aplicação do regime de transparência fiscal, esta é absorvida pelos prejuízos que a A... apura na sua atividade, concluindo-se assim que o financiamento tem o propósito de evitar a tributação em território nacional através de “drenagem” de resultados subjacentes ao pagamento de juros;
22) Atendendo a que a L... também contraiu empréstimos e a que a mesma está abrangida pelo regime de transparência fiscal, e que como tal imputa 70% dos resultados à A..., isso dá origem a uma “duplicação” de encargos no seio da sociedade A..., subvertendo os princípios subjacentes àquele regime, nomeadamente a neutralidade fiscal e o combate à evasão fiscal;
23) A circunstância de a sociedade participada – L...– ser abrangida pelo regime de transparência fiscal – leva a tratar a situação da A... como se tivesse adquirido 70% da propriedade do imóvel com os empréstimos contraídos, donde resulta que, na sua esfera, convergem duas deduções a título de encargos financeiros: a efetuada pela própria e a efetuada pela L...;
24) Não se pode dar relevo à construção artificiosa feita pela requerente com base numa suposta avaliação do imóvel a preços de mercado (questão mão equacionada perante a AT no procedimento inspetivo), na medida em que uma análise dos dados apurados permite confirmar que a A... e a L... suportam elevados encargos financeiros com os empréstimos contraídos;
25) O elemento singular que caracteriza esta situação e que propicia a duplicação de encargos tem a ver com a cumulação, na A..., por força da posição de locatária e de sócia da sociedade locadora abrangida pelo regime da transparência fiscal, de encargos financeiros elevados e desproporcionados com dois empréstimos contraídos para a aquisição do mesmo imóvel;
26) O facto de a L... ser abrangida pelo regime de transparência fiscal introduz um fator diferenciador da maior relevância, porque se pressupõe o levantamento do véu da personalidade jurídica da L..., visualizando-se apenas a figura dos respetivos sócios, passando a assumir-se que a atividade exercida pela entidade transparente é, para efeitos de IRC, desenvolvida diretamente pelos seus sócios;
27) Por força da transparência fiscal, a integração, no lucro tributável da A..., de 70% da matéria coletável imputada pela L..., tem como efeito que 70% dos encargos registados por esta, a título de amortizações do imóvel do B..., juros e outros encargos inerentes, bem como 70% dos rendimentos provenientes das rendas, passem a ser assumidos como gastos e rendimentos próprios da A..., sendo o seu lucro tributável influenciado pela dupla dedução de encargos financeiros, com origem diferente, é certo, mas que, do ponto de vista da realidade económica, têm em comum o facto de respeitarem direta e indiretamente ao mesmo bem – o imóvel do B...;
28) O gasto inscrito pela requerente decorrente dos empréstimos contraídos para a aquisição de 70% da participação social da B... Comandita, antes de mais, não resiste a um juízo que teste a prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou a ligação a um negócio lucrativo;
29) O requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa;
30) A A... tem como objeto social “o arrendamento, exploração e gestão do B... Incluindo aquisição de quaisquer bens ou direitos, móveis ou imóveis, conforme necessários para os referidos fins”, pelo que a aquisição de uma participação social, foge ao escopo social da mesma não se antevendo qualquer interesse da requerente, mas só eventualmente do grupo com relações especiais em que a mesma se insere, na detenção e gestão dessa participação social;
31) Do deferimento do pedido de manutenção dos prejuízos fiscais feito pela Requerente ao abrigo do artigo 47.º do Código do IRC (à data dos factos) - processo n.º .../07 - e não se pode extrair a conclusão, errada, de que a AT já validou todos os pressupostos, para todos e quaisquer efeitos fiscais, da operação em causa;
32) Não se encontra preenchido o critério da indispensabilidade dos custos, pressuposto de aplicação do artigo 23.º do CIRC, pelo que fica comprometida a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, em virtude de não se vislumbrar o interesse económico da operação que lhe está subjacente;
27. Por despacho de 24.09.2018, foi considerada inútil e dispensada a realização da reunião a que se reporta o art. 18.º do RJAT – para inquirição de testemunhas – indeferindo-se o respetivo requerimento nos termos dos artigos 16º-c) e e), do RJAT e 130º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, do RJAT, em virtude de não se antever a existência de factos essenciais controvertidos e suscetíveis de prova testemunhal e de as partes dissentirem apenas quanto ao enquadramento jurídico e/ou conclusões. O Tribunal Arbitral, no seu despacho de 24.09.2018, fixou como prazo limite para a prolação da decisão arbitral o dia 15.11.2018.
28. Ponderadas as posições das partes expressas nos requerimentos apresentados em 8-10-2018 e 19-10-2018, o Tribunal Arbitral, em 26.10.2018 proferiu despacho atípico decidindo a) aproveitar eventualmente para o objeto deste processo, depois de a ouvir, a prova testemunhal produzida nos processos nºs 614/2015-T e 690/2016-T (artigo 421º, do CPC); b) alterar o dies a quo do prazo para apresentação das alegações finais escritas nos termos determinados em despacho anterior no sentido de que aquele prazo se inicia com a notificação do presente despacho às partes; c) prorrogar, por dois meses, nos termos do artigo 21º-2, do RJAT, o prazo previsto no artigo 21º-1, do RJAT, considerando tal prorrogação justificada, designadamente pelos incidentes processuais relativos à produção e/ou aproveitamento de prova testemunhal e d) reagendar a data limite para a decisão final para o dia 21-1-2019.
29. Tendo as partes apresentado alegações finais, as mesmas reiteraram essencialmente os argumentos expendidos respetivamente na Petição Inicial e na contestação, embora a Requerente tenha suscitado a questão prévia do valor extraprocessual da prova e do trânsito em julgado das decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 614/2015-T (definitiva) 680/2016-T (factualidade materialmente transitada em julgado).
II. SANEAMENTO
30. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (arts. 5.º, n.ºs 1 e 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT)
31. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.
32. Não há alegadas, ou de conheciemnto oficioso, exceções a apreciar e decidir.
Certo que a Requerente em sede de alegações finais, tentou demonstrar a vinculação do Tribunal aos factos provados nos processos nos processos arbitrais nºs 614/2015-T e 680/2016-T, sob pena de, assim não acontecendo, ocorrer violação de caso julgado.
Liminarmente se dirá que não lhe assiste qualquer razão.
Na verdade, e além do mais, a autoridade do caso julgado não se verifica relativamente à matéria de facto provada noutro processo ou, dito doutro modo, os fundamentos de facto de uma decisão não assumem, quando autonomizados da sentença de que são pressuposto, o valor de caso julgado (Cfr., v.g., Acs. da Relação do Porto de 6-6-2016, no Proc nº 1226/15.8T8PNF.P1 e da Relação de Coimbra de 121-10-2016, no Proc nº 2560/10.9TBPBL.C1).
Relevante ainda a este propósito a ponderação feita no Acórdão do STJ de 5-5-2005, no Processo nº 05B691: “(...) O princípio da eficácia extraprocessual das provas, consagrado no art. 522º, nº 1, do Código de Processo Civil [atual artigo 421º, do NCPC], significa que a prova produzida (depoimentos e arbitramentos) num processo pode ser utilizada contra a mesma pessoa num outro processo, para fundamentar uma nova pretensão, seja da pessoa que requereu a prova, seja de pessoa diferente, mas apoiada no mesmo facto.
(...) Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial.(...) Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui (...)”
33. O processo não enferma de nulidades nem foram invocadas exceções, podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.
III. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Questão a decidir
34. A questão decidenda no presente processo arbitral consiste, essencialmente, em saber da verificação do requisito da comprovada indispensabilidade dos encargos suportados pela A... com os créditos obtidos para a aquisição de 70% do capital da L... para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora estabelecido pelo n.º 1 do art. 23.º do CIRC (na redação aplicável ao tempo dos factos) relativamente ao ano de 2013.
3.2. Decisão da matéria de facto e sua motivação
35. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
36. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
37. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resulta dos documentos e do Processo Administrativo juntos aos autos, respetivamente, pela A..., na qualidade de Requerente, e pela AT, na posição de Requerida, em conformidade com o que se especifica nos pontos do probatório abaixo enunciado. Foi igualmente ponderada a prova testemunhal produzida nos processos nºs 614/2015-T e 690/2016-T nos termos do despacho de 26-10-2018 e mencionada na fundamentação daquelas decisões.
38. Examinadas as alegações constantes das peças processuais apresentadas e a prova produzida nos autos, o Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
1) A A... foi constituída por escritura pública no dia 29.05.2000, iniciando a atividade (em termos fiscais) no dia 19.06.2000, e tendo por objeto o arrendamento, exploração e gestão do B... . (Documento 4,5);
2) A A... reveste a forma jurídica de sociedade por quotas (unipessoal), tendo um capital social de 5.000,00€. (Documento 4,5);
3) Na data de constituição da A..., esta era detida pela sócia única C... (atualmente D..., com sede na Alemanha. (Documento 4,5)
4) Em 31.07.2007 a A... passou a ser detida pela sociedade E... (sócia única), com sede no Luxemburgo. (Documento 4,5)
5) À data a que se referem os factos do procedimento inspetivo (2013), o capital da sociedade A... era detido em 100% pela empresa E.. (Documento 4,5);
6) Em julho de 2015 a E... mudou a sua designação social para F... . (Documento 4,5)
7) A E... é detida pela G... uma empresa gestora comum, configurando uma “estrutura chapéu” destinada a gerir conjuntos diferentes de ativos e passivos, no interesse dos seus comproprietários (Documento 4,5)
8) A partir da G..., empresa gestora de fundos, os investimentos organizam-se num grupo com a seguinte estrutura: A G..., detém a 100% a J..., que por seu turno detém a 100% as E... e a K... . A E... detém a 100% a A... que por seu turno detém a 70% da L..., sendo os restantes 30% detidos pela K... que também é detentora, a 100%, da M... que, por seu turno, detém a 100% a N.... A O... era uma empresa do grupo detida em 100% pela P... .(Documento 4,5)
9) Em 01.11.2002, a A..., que, nos termos da certidão permanente, tinha como objeto social “a compra e venda do imóvel do centro comercial designado como B..., bem como o arrendamento, exploração e gestão do B..., bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionadas com a supramencionada atividade” (Documento 4,5);
10) Em 01.11.2002, a A... tomou de arrendamento o B... à L... (L...), cujo objeto social consistia na “compra e venda de imóveis, bem como a simples ou mera administração do seu imóvel próprio mantido para fruição e destinado ao B..., neste se incluindo designadamente o seu arrendamento, bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionados com a supra mencionada atividade”; (Documento 4,5)
11) O capital social da L... na data de constituição, a 29.05.2000, era de 10.000.000,00€, sendo que 9.999.995,00€ (99,99995%), era detido pelo sócio comanditário C... e 5,00€ (0,00005%), na posse do sócio comanditado A... . Esta era detida pela D... (D...) que, em 31.10.2007, vendeu a totalidade da A... e da L... ao fundo de investimento I..., cuja entidade gestora era a G... . (Documento 4,5)
12) Em 31.10.2007, por decisão do grupo, a A... adquiriu à 70% do capital social da L... à D... (antiga C...). Assim, após a divisão e transmissão da quota do sócio C... (depois D...), a posse de 3.000.000,00€ (30%), passou para o sócio comanditário K... (responsabilidade limitada), com sede no Luxemburgo, e 7.000.000,00€ (70%), na posse do sócio comanditado A... (responsabilidade ilimitada), sediado em ..., detida pela E... a qual, juntamente, com a K..., era detida pela J... . (Documento 4,5,9)
13) Em 31.10.2007 a A... contraiu um crédito junto da E... (casa – mãe), detentora em 100% da A..., no valor de cerca de 96,8 milhões de euros, com uma taxa de juro anual fixa de 7,25%, calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano, com um prazo de 10 anos e vencimento em 31.10.2017, sendo que em 2013 a E... e a A... acordaram uma redução de taxa de juro para 0,5% ao ano, com efeitos a partir de 01.01.2013 e até o acordo atingir a sua maturidade. Os juros são devidos trimestralmente; (Documento 4,5)
14) Em 31.10.2007 a A... obteve um crédito junto do M... Unipessoal (detido a 100% pela K...) no montante de 42,6 milhões de euros, por um prazo de 10 anos. Até ao final do 1º semestre de 2009 estipulou-se uma taxa de juro variável determinada com base na taxa Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 0,15%. A partir do 2º semestre de 2009 a taxa de juro passou a ser fixa, sendo estabelecido entre as partes que a taxa de juro seria determinada com base na taxa swap a 8 anos, à data de 01.07.2009 publicada pela Bloomberg, que se situou nos 3,40%, acrescida de um spread de 1,6%, ou seja uma taxa de 5% ao ano. Tal como no caso anterior, os juros eram calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano e o seu pagamento devido mensalmente (Documento 4,5)
15) Na data de 25.10.2007 a A... contraiu, junto do O... AG, um banco internacional que atua nos sectores de imóveis comerciais e das finanças públicas, um crédito no montante de 35,8 milhões de euros por um prazo de 10 ano, com vencimento em outubro de 2017, tendo sido acordado o pagamento de uma taxa de juro correspondente à Euro swap rate a sete anos acrescida de um spread de 50 pontos base (0,5%). No ano de 2013 o empréstimo venceu juros à taxa de 5,078%. Os juros são calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano, com pagamento devido trimestralmente (Documento 4,5)
16) Numa lógica de garantias cruzadas, foi apresentada como garantia real um imóvel já detido por uma empresa do grupo, a L...– mais concretamente a ampliação da cessão de créditos com escopo de garantia emergentes de contratos de utilização relativos aos Imóveis B..., constituída por carta de 29.06.2001 e ampliada em 19.10.2007.
17) Das três entidades concedentes do empréstimo, a M... e a E... dependem em 100% do fundo I... e da sociedade gestora G... (G...) e o banco O... também pertence ao grupo da P..., tal como a Q...; (Documento 4, 5)
18) A L... havia contraído um empréstimo no montante de 135.175.000.00 € para a construção/aquisição do imóvel do B... . (Documento 4, 5)
19) A A... é a responsável direta pela administração quotidiana do B..., desenvolvendo a promoção e comercialização das lojas e a promoção estratégica do centro comercial, cabendo-lhe angariação e celebração de “contratos de utilização de loja” com os clientes, geralmente marcas que possuem cadeias de lojas nacionais e internacionais, mas também utilizadores individuais. A A... fatura e recebe as rendas dos clientes – incluindo um valor fixo, um valor variável e uma comparticipação de encargos e despesas de funcionamento – e em seguida paga à L... as rendas pela utilização do imóvel do B...; (Documento 4,5)
20) A partir do ano de 2007 a A... suporta elevados encargos financeiros, registados nas suas demonstrações financeiras na rubrica de juros suportados, resultantes do financiamento contraído para a compra de (cerca de) 70% da participação no capital social da L..., verificando-se que os seus resultados fiscais passaram dum lucro tributável bastante significativo em 2007, ano em que os encargos financeiros foram referentes apenas a cerca de 2 meses, para uma situação de prejuízo fiscal, em virtude do peso financeiro dos juros, situação atenuada em 2013, com a diminuição ocorrida na taxa de juro relativo ao empréstimo contraído à E...; (Documento 4.5)
21) Em 31.12.2013 a A... detinha uma participação de 70% na L..., adquirida em 31.10.2007, sendo esta uma sociedade de simples administração de bens abrangida pelo regime da transparência fiscal, nos termos do artigo 6.º do CIRC, e imputando aos seus sócios a matéria coletável que apura anualmente, ou seja, 70% da sua matéria tributável é imputada à A... e 30% à K... . (Documento 4,5)
22) Durante o exercício de 2013 a renda mensal para as 35 frações autónomas arrendadas no B... foi de 830.000,00€, enquanto que para o R... a renda foi de 40.000,00€. Nesse ano, a conta de gastos “626111 – Rendas B...” registava o montante de 9.960.000,00€, de rendas do B..., e na conta “626112 – Rendas...” o montante de 480.000,00€, relativos às rendas do R... . Nesse ano, o valor das rendas pago pela A... à L..., pelo arrendamento do B..., totalizou assim o montante de 10.440.000,00€. (Documento 4,5)
23) No exercício 2013 os juros suportados pela A... com os empréstimos de financiamento à aquisição da participação no capital na L..., situaram-se no valor de 4.496.936,21€, referindo o Relatório de Gestão que esses gastos, essencialmente relativos aos juros dos empréstimos bancários com as empresas do grupo, e as perdas de imparidade no montante de 8.298.133,41€, referentes à participação na L..., contribuíram significativamente para o total dos gastos no exercício e consequentemente para o prejuízo da A... incorrido no exercício, verificando-se que o mesmo absorveu a matéria coletável que lhe era imputada pela L... no âmbito do regime da transparência fiscal. (Documento 4,5)
24) Tendo sido feita análise prévia aos elementos disponíveis no sistema informático da AT e tendo sido detetadas situações de risco, foi aberta ação inspetiva externa de âmbito parcial, para o exercício de 2013, ordem de serviço OI2017..., visando a A... . Foram então propostas correções no montante de €4.639.205,24, correspondentes aos encargos financeiros com os empréstimos contraídos para a aquisição da participação financeira. (Documento 4,5)
25) Uma vez que em resultado das correções efetuadas à rubrica de “encargos financeiros” a mesma passou a assumir valor zero, não há lugar à aplicação do disposto no artigo 67.º do CIRC pelo que foi proposta a anulação do valor acrescido no campo 748 do Q07 da modelo 22 de IRC de 2013, no montante de €1.476.780,60. (Documentos 4,5)
26) Na sequência das correções efetuadas aos anos anteriores, o sujeito passivo ficou sem qualquer valor a reportar de prejuízos para os anos seguintes. Nesta conformidade, foi desconsiderado no apuramento da matéria coletável do ano em análise o montante de €5.187.876,09, relativo à dedução de prejuízos fiscais. Não tendo a A... exercido o seu direito de audição foi determinado que se procedesse à tramitação do documento de correção (DC) por forma adequada à liquidação e cobrança do imposto nele quantificado (Documentos 4,5)
39. Não são identificados factos não provados com relevância para o desfecho do caso concreto.
3.3. Do direito
40. Nos termos do artigo 23.º n.º1 alínea c) do CIRC, na versão em vigor à data dos factos , consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração. Trata-se de uma redação especialmente exigente, na medida em que a dedutibilidade dos gastos pressupõe a comprovada indispensabilidade dos mesmos, sendo claramente distinta da simples exigência da normalidade e necessidade dos gastos para a operação da empresa . Na verdade, a redação mencionada é diferente da constante na atual versão do artigo n.º 23 n.º 1 do CIRC em que se diz que para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
41. A despeito da referência à comprovada indispensabilidade dos gastos constante da versão do artigo 23º n.º 1 do CIRC relevante in casu, a mesma tem sido entendida pela jurisprudência nacional, incluindo a jurisprudência do CAAD, como remetendo para padrões objetivos de adequação e normalidade empresarial, sublinhando-se que a administração fiscal não deve substituir-se à administração das empresas na tomada de decisões de natureza empresarial. Os administradores têm uma latitude razoável na gestão das empresas, podendo suceder que incorram em gastos dedutíveis que se venham a mostrar manifestamente desadequados e inúteis à realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora. Inversamente, a mera possibilidade de certos gastos acabarem por gerar rendimentos no futuro e se manifestarem adequados à realização de objetivos empresariais não determina só por si que os mesmos possam enquadrar-se no conceito de gastos fiscais.
42. Em todo o caso, a referência à indispensabilidade dos gastos aponta objetivamente para uma relação mais estreita entre os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto. Isso significa, evidentemente, e mesmo no quadro da atual redação do artigo 23.º n. º1 do CIRC, que a administração tributária não tem que aceitar como dedutíveis todos e quaisquer encargos suportados pelas empresas.
43. Assim é, desde logo, porque, nos termos do artigo 103º n.º 1 da Constituição, “[o] sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.” Por sua vez, o artigo 104º n.º 2 da CRP dispõe que “[a] tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”, enunciado que, entre outras coisas, remete para o apuramento dos lucros e rendimentos tributáveis com base em critérios substanciais de realidade económica, não contaminados por montagens ou artifícios jurídico-formais ou contabilísticos não genuínos. Daqui resulta que, embora o objetivo da contabilidade empresarial seja o de providenciar informação útil à gestão, aos sócios, aos credores e a outros interessados, o principal objetivo do sistema fiscal consiste na coleta equitativa de recursos para a realização das funções políticas e sociais do Estado, cabendo à AT a importante função de proteger o erário público e, concomitantemente, prevenir a erosão da base tributável .
44. Além disso, há muito que as instituições internacionais que se debruçam sobre a fiscalidade internacional, como o G20, a OCDE ou a União Europeia, têm vindo a alertar para a necessidade de os operadores jurídico-tributários estarem atentos a certas operações especialmente aptas a operar a transferência de lucros e a erosão da base tributária dos Estados, criando graves distorções de natureza económica e social a nível nacional e internacional ou no mercado interno da União Europeia, com o prejuízo de alguns Estados e dos respetivos contribuintes, aplicando normas anti-elisão (v.g. cláusulas gerais antiabuso; limites à dedução de juros) ou interpretando as normas específicas existentes em conformidade com os objetivos anti-elisão fiscal, ou seja, atribuindo mais importância à substância económica das operações do que à forma jurídica que lhes serve de cobertura. Estas considerações levam a que se deva analisar a operação em causa à luz dos objetivos internacionais, europeus e constitucionais de proteção da base tributária dos Estados.
45. Os três empréstimos em análise foram contraídos por uma entidade do grupo (i.e. A...) junto de entidades do mesmo grupo para adquirir 70% do capital social de outra sociedade do grupo (i.e. L...) à sociedade D... (antiga C...), também integrando o grupo. Trata-se, comprovadamente, de empréstimos intragrupo, a saber, entre entidades relacionadas e para financiar transações entre sociedades relacionadas, já que as sociedades incluídas na operação são detidas a 100% indiretamente pelo mesmo, tendo as decisões de financiamento sido tomadas dentro de uma estratégia de grupo . Esta forma de financiamento integra a taxonomia das estratégias típicas de planeamento fiscal agressivo.
46. Embora os fundos de investimento sejam autónomos, verifica-se que as decisões de investimento a eles respeitantes foram tomadas, no caso em apreço, por sociedades gestoras pertencentes ao mesmo grupo, encabeçado pela G... uma empresa gestora comum, configurando uma “estrutura chapéu” destinada a gerir conjuntos diferentes de ativos e passivos, no interesse dos seus comproprietários, na dependência da Q... .
47. Pelo menos quatro das sociedades do grupo direta ou indiretamente envolvidas na operação encontram-se no Luxemburgo, um Estado de mais baixa tributação e o devedor num Estado de mais elevada tributação. Esta interposição do Luxemburgo entre a Alemanha e Portugal só por si faz soar os alarmes anti-elisão, somo é sobejamente referenciado na doutrina especializada . Recorde-se que à data a que se referem os factos do procedimento inspetivo (2013), o capital da sociedade A... era detido em 100% pela empresa E... .
48. Deve considerar-se, além disso, que o objeto social da A... consistia na “compra e venda do imóvel do centro comercial designado como B..., bem como o arrendamento, exploração e gestão do B..., bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionadas com a supra mencionada atividade”. Ora, dificilmente se poderá discernir qualquer a ligação da aquisição de 70% do capital da L... com o seu objeto social da A... . Com efeito, esta não tem como atividade estatutária a compra e venda de participações sociais.
49. Importa salientar, igualmente, que a realidade económica e empresarial fundamental de exploração do centro comercial não é substancialmente alterada com as operações em causa . A gestão do B... continua a realizar-se do mesmo modo. A A... continuou a pagar à L... uma renda pela exploração B..., consistindo a atividade exclusiva da L... a cedência deste espaço, que constitui o seu único património. Por outras palavras, a L... continuou a ter como única atividade o arrendamento, à sociedade adquirente, de um imóvel de que é proprietária, ficando a A... a pagar renda de um imóvel de que (embora por via indireta) é proprietária em 70%. Ou seja, a situação do arrendamento não se alterou por via da aquisição, nem seria previsível que tal viesse a acontecer, visto que as operações entre ambas as sociedades já eram vinculadas e decididas no seio do Grupo. Não foram, portanto, produzidos efeitos económicos com estas transações.
50. Não se compreende, pois, a necessidade e racionalidade económica da operação em causa – para além dos ganhos fiscais que manifestamente acarreta – do ponto de vista da atividade estatutária da A... e do seu próprio e exclusivo interesse empresarial. As operações de obtenção de financiamento no seio do grupo não produziram qualquer efeito significativo na posição económica das sociedades intervenientes . Na realidade, não se deteta, no plano factual, uma operação objetivamente portadora de realidade económica, mas sim e acima de tudo uma montagem com um propósito principal de natureza fiscal.
51. A interpretação das normas fiscais e a sua aplicação às transações em presença não pode deixar de considerar a total improdução de efeitos económicos. Assim é, na medida em que de acordo com a doutrina da substância económica da transação, os tribunais devem respeitar o tratamento fiscal de uma transação reclamado por uma sociedade a) se a mesma possuir um propósito empresarial não fiscal para realizar a transação e b) se a transação tiver melhorado significativamente a posição económica da sociedade .
52. Estas considerações adquirem especial relevância, visibilidade e comprovação quando se tem em conta, na análise das operações em presença, as taxas de juro praticadas. Estas afiguram-se muito elevadas em relação ao risco de incumprimento, o qual, atendendo às relações especiais entre as sociedades em presença seria zero ou muito próximo do zero. Como pode ver-se no probatório, no crédito contraído junto da E..., detentora em 100% da A..., no valor de cerca de 96,8 milhões de euros, havia sido estabelecida uma taxa de juro anual fixa de 7,25% com um prazo de 10 anos e vencimento em 31.10.2017, sendo que em 2013 foi acordada uma redução de taxa de juro para 0,5% ao ano, com efeitos a partir de 01.01.2013 e até o acordo atingir a sua maturidade.
53. No crédito obtido junto do M... Unipessoal (detido a 100% pela K...), no montante de 42,6 milhões de euros, por um prazo de 10 anos, verificou-se, como se dá conta no probatório, que a partir do 2º semestre de 2009 a taxa andaria em torno de 5% ao ano. Tal como no caso anterior, os juros eram calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano e o seu pagamento devido mensalmente. Relativamente ao empréstimo de 35,8 milhões de euros contraído junto do O... AG, por um prazo de 10 ano, foi acordada uma taxa de juro correspondente à Euro swap rate a sete anos acrescida de um spread de 50 pontos base. No ano de 2013 o empréstimo venceu juros à taxa de 5,078%. Os juros são calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano, com pagamento devido trimestralmente.
54. No exercício 2013 os juros suportados pela A... com os empréstimos de financiamento à aquisição da participação no capital na L..., situaram-se no valor de 4.496.936,21€, referindo o Relatório de Gestão que esses gastos, essencialmente relativos aos juros dos empréstimos bancários com as empresas do grupo, e as perdas de imparidade no montante de 8.298.133,41€, referentes à participação na L..., contribuíram significativamente para o total dos gastos no exercício e consequentemente para o prejuízo da A... incorrido no exercício, verificando-se que o mesmo absorveu a matéria coletável que lhe era imputada pela L... no âmbito do regime da transparência fiscal.
55. Observa-se, pois, que por suportar elevados encargos com os créditos contraídos, a A... passou a uma situação económica delicada, conforme o demonstram os prejuízos acumulados, os capitais próprios negativos e a falta de liquidez, falta de liquidez essa traduzida na impossibilidade de pagamento da totalidade dos juros devidos no exercício em análise.
56. Trata-se de uma situação manifesta de juros excessivos, com forte impacto no lucro tributável, a que a autoridade tributária dificilmente poderia dar cobertura jurídica. Importa salientar, a este propósito, que nem se pode falar de um nivelamento entre montante do financiamento concedido e as garantias prestadas, como tentativa de justificação económica da transação, na medida em que só relativamente ao terceiro empréstimo foi apresentada como garantia real um imóvel já detido por uma empresa do grupo, a L..., como é concretizado no probatório –mais concretamente a ampliação da cessão de créditos com escopo de garantia emergentes de Contratos de Utilização relativos aos Imóveis B..., constituída por carta de 29.06.2001 e ampliada em 19.10.2007 – diferentemente do que sucedeu no caso dos empréstimos nos montantes de €96.844.069,52, obtido junto da sócia única E..., e €42.663.800,00 contraído justo da M..., em que não foram prestadas garantias especiais. Quer dizer, a vantagem fiscal obtida com o empolamento dos juros devidos na sequência das operações de crédito realizadas sempre seria manifestamente desproporcional relativamente à relação entre financiamento e garantias.
57. Verifica-se uma duplicação de encargos e deduções dentro do grupo favorecido pela transparência fiscal da L..., tendo em conta que esta havia contraído um empréstimo no montante de 135.175.000.00 € para a construção/aquisição do imóvel do B... . Daqui resulta um manifesto empolamento dos juros devidos e potencialmente dedutíveis, com a consequente redução do lucro tributável. Tanto mais quanto é certo que a L... é fiscalmente transparente e que são imputados à A... 70% da respetiva matéria coletável, tudo em benefício das demais sociedades do grupo, designadamente das sociedades domiciliadas no Luxemburgo, que auferem por via da perceção de juros o que, em atenção ao status socii, seria suposto auferirem por via de dividendos resultantes do lucro objetivo conseguido .
58. A análise dos factos relevantes permite concluir que nem o contribuinte nem a posição financeira dos credores do grupo conhecerem qualquer alteração económica significativa, nem nenhuma outra consequência económica resultou ou era razoável esperar que resultasse para além do aumento adicional dos juros a pagar nos empréstimos intra-grupo, certamente com vista a aumentar as deduções . Mesmo que haja um propósito comercial na operação – o que não é certo diante da permanência da realidade económica subjacente – o objetivo de reduzir a exposição fiscal, com a consequente redução da base tributária, afigura-se manifestamente preponderante (principal purpose test).
59. Deve entender-se, em face do exposto, que não se considera preenchido o critério da indispensabilidade dos gastos do artigo 23º do IRC, à luz de critérios objetivos de normalidade empresarial e racionalidade económica e do escopo societário. Estamos claramente diante de uma modalidade de interest stripping , por sinal uma das formas típicas de transferência de lucros e erosão da base tributária. Os juros excessivos gerados e pagos no quadro das operações de financiamento analisadas devem ser considerados juros desqualificados (“disqualified interest”) . Tanto mais, quanto é certo que as normas sobre custos dedutíveis devem ser interpretadas e aplicadas em conformidade com os objetivos anti-elisão que presidem a todo o ordenamento jurídico nacional, europeu e internacional, devendo ser utilizadas para prevenir a erosão da base tributável .
60. Uma montagem de operações de crédito dentro de um grupo para financiar uma aquisição de participações sociais já pertencentes ao grupo dificilmente poderá ser vista como uma atividade económica como tal digna de consideração pelo direito fiscal. Os conceitos jurídico-fiscais devem ser sempre entendidos por referência a efeitos económicos reais, a menos que a lei remeta exclusivamente para a forma jurídica . Na interpretação e aplicação do direito fiscal deve aplicar-se o princípio da primazia à substância sobre a forma.
61. À AT incumbe a importante função de interesse público de proteger a base tributária do Estado e evitar a transferência de lucros. Semelhante função não pode ser entendida como obrigando a uma postura absolutamente estática e rígida – como sedimentação de um qualquer “consenso tecnocrático” (Cass R. Sunstein). Diferentemente, a AT deve procurar alcançar, em sede de interpretação e aplicação das normas fiscais, um equilíbrio razoável, justo e devidamente fundamentado entre o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, por um lado, e, por outro, as exigências constitucionais e europeias de responsividade administrativo-tributária diante da atualização e do aprofundamento da compreensão e do conhecimento acerca dos problemas tributários, numa escala global, por força dos mais recentes desenvolvimentos teoréticos, valorativos e principiais que, particularmente na última década, têm vindo a ocorrer na problemática da elisão fiscal .
I V. DECISÃO
Em face do exposto, o presente Tribunal Arbitral:
1) Acorda que os financiamentos contraídos pela Requerente (A...) em ordem à aquisição da participação social de €6.995.000 no capital social da L... (L...), como resultado de uma decisão estratégica do Grupo, não foram contraídos no seu específico interesse empresarial, não se verificando uma relação causal, de substância económica, com a prossecução da sua atividade empresarial, não se encontrando o requisito da indispensabilidade dos gastos a que se refere o pelo artigo 23.º do CIRC para a dedutibilidade dos encargos financeiros.
2) Acorda que os encargos financeiros suportados pela Requerente (A...) no ano de 2013 no montante de 4.639.205,24 €, com os empréstimos contratados junto de entidades do Grupo para aquisição de uma parte social no capital social da L..., não mostram ser, nos termos do artigo 23.° do Código do IRC, gastos comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da Requerente, sendo fundada a correção à matéria coletável de IRC de 2013 resultante da desqualificação dos juros suportados para efeitos de apuramento do lucro tributável.
3) Julga improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se a liquidação com o nº 2017..., a liquidação de juros compensatórios nº 2017... e a respetiva demostração de acerto de contas nº 2017..., nos termos da qual foi apurado imposto a pagar no valor de €2.001.603,86 (dois milhões, mil, seiscentos e três euros e oitenta e seis cêntimos), por não padecerem dos vícios de violação de lei que lhes são imputados nos autos.
4) Julga improcedente o pedido de reembolso da quantia paga e de juros indemnizatórios.
5) Condena a Requerente nas custas processuais.
V. VALOR DO PROCESSO
Nos termos do disposto no art. 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), o valor do processo é fixado em €2.001.603,86 (dois milhões, mil, seiscentos e três euros e oitenta e seis cêntimos).
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €26.316,00 (vinte e seis mil trezentos e dezasseis euros) , nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do n.º 2 do art. 12.º e do n.º 4 do art. 22.º, ambos do RJAT, bem como do n.º 4 do art. 4.º, do citado Regulamento, a suportar pela Demandante conforme já anteriormente decidido, por ser a parte vencida.
Lisboa, 11 de janeiro de 2019.
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Juiz José Poças Falcão
(Árbitro-Presidente),
Professor Doutor Jónatas Machado
(Árbitro-vogal)
Dr. José Ramos Alexandre
(Árbitro-vogal)