Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 126/2018-T
Data da decisão: 2018-11-26  IRS  
Valor do pedido: € 162.463,64
Tema: Cláusula Geral Anti Abuso (CGAA).
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Decisão Arbitral

 

Acordam os árbitros, Juiz José Poças Falcão (presidente), Professor Doutor Diogo Leite Campos (vogal) e Doutor José Coutinho Pires (vogal), integrando o Tribunal Arbitral Coletivo constituído no âmbito do CAAD:

 

I - RELATÓRIO

 

A..., SGPS, SA, contribuinte n.º..., com sede na Rua de..., n.º..., ..., vem, ao abrigo do disposto no DL 10/2011, de 20 de Janeiro, apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo por objeto:

(i)           as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativas aos anos de 2012, 2013 e 2014, com os n.ºs, respetivamente, 2016..., 2016... e 2016..., e juros compensatórios no valor de 162.463,64 € (cento e setenta e dois mil euros quatrocentos e sessenta e três euros e sessenta e quatro cêntimos) e

(ii)          o ato de indeferimento da reclamação graciosa relativamente às sobreditas liquidações.

 

Pede a Requerente:

- que seja declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de IRS n.º 2016..., 2016... e 2016..., relativas aos anos de 20012, 2013 e 2014 e do ato de indeferimento de reclamação graciosa, por vício de lei, por não se verificarem os pressupostos legais de aplicação da cláusula geral anti abuso, prevista no art. 38º, n.º 2 da LGT

- que a Requerida seja condenada a indemnizar a requerente pelos custos já suportados e em que venha a incorrer com a prestação de garantia bancária.

 

Alegou, no essencial e em síntese, a fundamentar o pedido:

a)            É uma sociedade anónima que tem por objeto social a gestão de participações sociais, estando, por isso, sujeita ao regime das sociedades gestoras de participações sociais, regulado pelo DL495/88, de 30 de Dezembro, com as alterações a que foi sujeito.

b)           Conforme relatório de inspeção, as liquidações efetuadas sustentam-se na aplicação da cláusula geral anti abuso, prevista no n.º 2 do art. 38º da LGT, à constituição da reclamante e subsequente transmissão, para a sua titularidade, de ações dos acionistas da sociedade B..., SA

c)            O que não pode [na perspetiva da AT] aceitar-se por absoluta inexistência de fundamento legal.

d)           Como consta do Anexo III do Relatório de Inspeção, a requerente foi constituída em Maio de 2007.

e)           A sociedade “C..., Lda” procedeu a um aumento de capital em Fevereiro de 2006 e também à sua transformação em sociedade anónima, passando a designar-se “D..., SA”, tendo então o seu capital social, dividido em ações, passado a ser detido por cinco acionistas: E..., F..., G..., H... e I... (Anexo I do relatório de inspeção).

f)            Tendo, entretanto, a requerente vindo a adquirir o capital social da referida “B...” (Anexo VII e VIII).

g)            A constituição da requerente resultou da vontade dos acionistas da “B...” estruturarem a atividade por si levada a cabo através de uma “estrutura” empresarial de cúpula que permitisse, no futuro, a diversificação do negócio e a sua especialização em várias empresas ligadas pelas SGPS de topo, o que perspetivava como possível.

h)           Ao construírem esta estrutura societária de negócio os acionistas da “B...”, apenas estavam a perseguir o incentivo do Estado Português a que os empresários organizassem e promovessem o crescimento das suas atividades com base na construção de grupos económicos, tendo presente como figura central das estruturas empresariais a figura da SGPS, ideia que há mais de vinte anos tem vindo a ser promovida pelo legislador.

i)             O propósito de alargamento da estrutura empresarial, fruto também do ciclo económico negativo, apenas foi possível vir a concretizar mais tarde, tendo a inspeção comprovado que a requerente detinha no exercício de 2015 participações no capital social quer da aludida “B...”, quer da sociedade “J..., Lda” (pag. 10 do relatório).

j)             Sendo certo que, de forma indireta, detinha também participações de forma indireta noutras sociedades, uma vez que a sociedade “K..., SA”, NIF..., era detida pela referida “J...” e o capital social da sociedade “L..., Lda”, NIF..., era detido em 60% pela “B” (cfr. Relatório da IT, pg. 10).

k)            Desde início de 2016, a requerente alargou o âmbito das participações detidas, conforme Relatório de Gestão depositado na Conservatória do Registo Comercial (doc. 4), onde se refere a pag. 4, ponto 3:- “No ano de 2016 a Empresa tinha uma participação de 100% no capital da empresa J..., Lda e adquiriu 100% do capital da empresa K..., SA, uma adega na região de ..., Alentejo, empresa com um interesse estratégico no Grupo, onde se insere também a Empresa D..., SA, distribuidora a nível nacional, empresa em que a A..., SGPS, mantém uma participação de 99,87% do seu capital. A empresa durante este ano de 2016 adquiriu uma quota de 40% da empresa M..., Lda. Que é proprietária de um Hotel de 4 estrelas em ... e se dedica também à atividade de restauração, com a realização de eventos. Durante o exercício de 2016, não foram alienadas quaisquer participações, sendo adquiridas as participações atrás referidas”.

l)             No prosseguimento do escopo social, a requerente, como cúpula do grupo empresarial, detém participações sociais nas seguintes empresas: D..., SA,  J..., Lda, K..., SA e M..., Lda..

m)          No contrato de venda das ações da B... ficou clausulado o seu pagamento fracionado, pelo prazo de 10 anos.

n)           Sendo estes pagamentos relativos à venda das ações que são postos em causa pela AT que os pretende qualificar como pretensos dividendos.

o)           Sustentando, para o efeito, quer no relatório de inspeção, quer em sede de reclamação graciosa, que “o pagamento da aquisição das participações naquela sociedade aos acionistas E... e esposa assentou num «procedimento efetuado com abuso das formas jurídicas, tendo como objetivo a redução de impostos que seriam devidos sem a utilização desta estrutura montada … caso os montantes fossem pagos aos acionistas sob a forma de lucros, sem a estrutura utilizada, estariam sujeitos a tributação, nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5º do Código do IRS»””.

p)           Ora é de fácil constatação a conclusão de que as pretensas vantagens fiscais detetadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira que teriam justificado a aplicação da cláusula geral anti abuso não se verificaram no património da requerente, pois todas as quantias que pagou foram entregues a terceiros como pagamento de preço de aquisição.

q)           O alcance do art. 38.º, n.º 2 da LGT, ao estabelecer como efeito necessário da aplicação da cláusula geral anti abuso a não produção das vantagens fiscais, pressupõe o entendimento legislativo de que a «tributação de acordo com as normas aplicáveis» incida sobre quem obteve as vantagens e não sobre quem meramente teve intervenção nos actos de que elas resultam sem beneficiar daquelas, pois só assim, é possível garantir o efeito pretendido de não se produzirem as vantagens fiscais especialmente ou genericamente referidas.

r)            Com efeito, conclui-se da parte final do n.º 2 do art. 38.º da LGT que a cláusula geral anti abuso não tem em vista meramente atribuir à Administração Tributária compensação por actos que lhe tenham provocado perda de receita fiscal, antes visa, concomitantemente, eliminar as vantagens fiscais ilegítimas que alguém obteve, o que revela que lhe estão subjacentes preocupações de igualdade e justiça tributária, que só podem satisfazer-se com a imposição da tributação omitida a quem obteve essas vantagens.

s)            Daí que se imponha que seja tributado em impostos sobre o rendimento quem obteve os rendimentos e não quem os não obteve e o valor da justiça material é claramente violado quando, numa situação em que existam vantagens fiscais indevidas, vá ser exigida a quantia correspondente a quem não beneficiou dessas vantagens, deixando intocados os que indevidamente delas beneficiaram.

t)            Para além do mais, e sem prescindir, alega a Requerente que não estão preenchidos tão-pouco os pressupostos ou requisitos legais para aplicação, no caso, da cláusula geral anti abuso numa alegada confusão dos conceitos de “elisão fiscal” e “planeamento fiscal”.

u)           Quanto ao elemento meio, por exemplo: não se alcança que formas jurídicas anómalas e artificiosas, foram utilizadas pela requerente ou pelos seus acionistas para alcançar o ilusório fim invocado pela AT, na medida em que os actos praticados assentam em normais actos de gestão societária e económica justificados.

v)            Estando em causa uma sequência de negócios jurídicos pré-ordenados (step by step doctrine) importa ressalvar, no entanto, que perante um caso de uma estrutura de tal natureza será esta que deverá possuir o carácter anómalo exigido pela atual redação da cláusula geral anti abuso, ainda que os atos ou negócios que a compõem sejam, em si mesmos, típicos ou vulgares.

w)          A nenhum dos atos postos em causa pela AT pode ser apontado o seu “caráter anómalo”.

x)            Não houve por parte da requerente qualquer ganho económico que justificasse a sua tributação.

y)            A requerente face à instauração de processos de execução fiscal subsequentes às liquidações impugnadas, prestou garantia bancária tendo em vista a sua suspensão.

z)            Daí o seu direito a ser indemnizada por prestação de garantia indevida, nos termos dos artigos 53º, da LGT e 171º-1, do CPPT.

 

Resposta da AT

Na resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira reafirmou, em síntese, os fundamentos em que estribou a decisão de aplicação da cláusula geral anti abuso, alegando ou reafirmando que a Requerente criou uma estrutura que, citando, “(...) é o nexo de causalidade entre os resultados acumulados e o início da distribuição da B... com o reembolso da dívida aos acionistas que, se tivessem optado pela via dita normal, teriam recebido os dividendos estando, nessa medida, sujeitos a imposto, conforme disposto na alínea h) do nº 2, do artigo 5º, do CIRS (...)”, sendo que os sócios procederam à alienação das ações que titulavam o capital social da B... aproveitando a não sujeição das mais-valias por alienação de ações detidas há mais de 12 meses; por sua vez, criaram uma outra sociedade – a A..., SGPS – que serviu de veículo para a aquisição das supra referidas ações de tal modo que a estrutura montada permitiu que a sociedade B... distribuísse dividendos à A..., SGPS sem quaisquer encargos tributários à luz do disposto no artigo 32º-1, do EBF, na medida em que esse proveito na SGPS nunca chega a dividendo e, consequentemente, não dá lugar a tributação em sede de IRS na esfera dos sócios (os mesmos valores servem para mero reembolso das quantias emprestadas pelos acionistas, quantias que serviam para comprar algo que já pertencia àqueles. Mais concretamente: o reembolso aos acionistas do crédito (€1.571.850,00) resultante da alienação à A..., SGPS, em 7-5-2007, das participações sociais no capital da B... teve como objetivo fundamental a eliminação ou redução de encargos tributários: o fluxo financeiro que chegaria aos acionistas sob a forma de dividendo, sujeito a IRS, chega-lhes sob a forma de reembolso de crédito.

 Pediu, a concluir, que a ação fosse julgada totalmente improcedente.

 

II - Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 30-5-2018, conforme comunicação do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Foi dispensada, sem discordância das partes, a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT, tendo ambas as partes apresentado alegações finais escritas em que, no essencial, reafirmaram as conclusões dos articulados.

Cumpre apreciar e decidir o mérito do pedido.

 

III -   FUNDAMENTAÇÃO

               

FACTOS PROVADOS

a)            Em 9/12/1991 foi constituída a sociedade C..., Lda, para o exercício da actividade de comércio por grosso de bebidas, com sede no ... e concelho de ... .

b)           Em 03/01/2006, o capital social desta sociedade foi aumentado para € 300.000.00, passando a ser representado por 5 quotas, e ficou assim distribuído:

• E..., 179 880,00€;

• F..., 44 970,00€;

• G..., 74 950,00€;

• N..., 100,00€; e

• I..., 100,00€.

c)            Esta sociedade foi transformada, em sociedade anónima, e adoptou a designação D..., SA.

d)           Em 04 de Maio de 2007 foi constituída a sociedade A... SGPS, com sede no ... s/n, ..., pertencente ao Serviço de Finanças de ... (código ...), e com o capital social de 50 000,00€ representado por 10 000 acções com valor nominal de 5,00€ cada, assim distribuído:

 

Nome   NIF         N.o de acções    %participação

E...         ...            7900      79

F...         ...            1900      19

O...        ...            100        1

I...          ...            50           0,5

P...         ...            50           0,5

 

e)           A 07 de Maio de 2007, foi efectuado contrato de transmissão de acções em que G..., NIF..., e H..., NIF..., casados, alienaram à A... SGPS, 14.990 acções e 20 acções, respectivamente, da sociedade B..., pelo valor global de 212 500,00€, correspondendo a um preço unitário de 14,16€ (212 500,00€/15 010 acções).e E... e F..., alienaram à A... SGPS, 35 936 acções e 8 994 acções, respectivamente, da sociedade B..., pelo preço total de 1 571 850,00€, a que corresponde um valor unitário de 35,00€.

f)            A B... não distribuiu quaisquer resultados aos seus sócios, pessoas singulares, desde o exercício de 1999 até ao exercício de 2006.

g)            Nos exercícios de 2007 e seguintes a B... passo a distribuir dividendos à Requerente, A..., SGPS...

h)           ... tendo pago um total de dividendos de €852,80 [em novembro de 2007, €299.600; em novembro de 2008, €249.666,67; em dezembro de 2009, €172.733,33 e em dezembro de 2010, €130.800,00] ...

i)             ... e, entre março de 2012 e março de 2015 deliberou distribuir um total de €770.000 aos seus acionistas A..., SGPS, SA (€768.999,00), E... (€539,00), F... (€231,00) e I... (€231,00)...

j)             ... de harmonia com as participações no capital social detidas por cada um desses acionistas, ou seja: 99,87%, A..., SGPS, SA; 0,07%, E... e 0,03% cada, F... e I... .

k)            A sociedade “C..., Lda” procedeu a um aumento de capital em Fevereiro de 2006 e também à sua transformação em sociedade anónima, passando a designar-se “D..., SA”, tendo então o seu capital social, dividido em ações, passado a ser detido por cinco acionistas: E..., F..., G..., H... e F... (Anexo I do relatório de inspeção).

l)             A constituição da requerente resultou da vontade dos acionistas da “B...” estruturarem a atividade por si levada a cabo através de uma estrutura empresarial de cúpula que permitisse, no futuro, a diversificação do negócio e a sua especialização em várias empresas ligadas pelas SGPS de topo, o que perspetivava como possível.

m)          Ao construírem esta estrutura societária de negócio os acionistas da “B...”, também estavam a perseguir o incentivo do Estado Português de que os empresários organizassem e promovessem o crescimento das suas atividades com base na construção de grupos económicos, tendo presente como figura central das estruturas empresariais a figura da SGPS, ideia que há mais de vinte anos tem vindo a ser promovida pelo legislador.

n)           A requerente detinha no exercício de 2015 participações no capital social quer da aludida “B...”, quer da sociedade “J..., Lda” (pag. 10 do relatório).

o)           Desde início de 2016, a requerente alargou o âmbito das participações detidas, conforme Relatório de Gestão depositado na Conservatória do Registo Comercial (doc. 4), onde se refere a pag. 4, ponto 3:- “No ano de 2016 a Empresa tinha uma participação de 100% no capital da empresa J..., Lda e adquiriu 100% do capital da empresa K..., SA, uma adega na região de ..., Alentejo, empresa com um interesse estratégico no Grupo, onde se insere também a Empresa D..., SA, distribuidora a nível nacional, empresa em que a A..., SGPS, mantém uma participação de 99,87% do seu capital. A empresa durante este ano de 2016 adquiriu uma quota de 40% da empresa M..., Lda. Que é proprietária de um Hotel de 4 estrelas em ... e se dedica também à atividade de restauração, com a realização de eventos. Durante o exercício de 2016, não foram alienadas quaisquer participações, sendo adquiridas as participações atrás referidas”.

p)           No prosseguimento do escopo social, a requerente, como cúpula do grupo empresarial, detém participações sociais nas seguintes empresas: D..., SA, J..., Lda, K..., SA e M..., Lda..

q)           No sobredito contrato de venda das ações da B... ficou clausulado o seu pagamento fracionado, pelo prazo de 10 anos.

r)            Por não concordar com os fundamentos de facto e de direito das liquidações em causa, a requerente apresentou reclamação graciosa tramitada sob o nº ...2017... e na qual veio a ser proferido despacho de indeferimento total, notificado à requerente em 20-12-2017 (doc. 1, com a petição inicial).

s)            A requerente face à instauração de processos de execução fiscal subsequentes às liquidações ora impugnadas, prestou garantia bancária tendo em vista a sua suspensão.

 

FACTOS NÃO PROVADOS

Não ficou demonstrado:

- que tivesse havido da parte da Requerente e/ou dos seus acionistas o propósito de, com as ações ou procedimentos descritos supra no elenco de factos provados, incluindo a alienação de ações à Requerente, obter vantagens fiscais, designadamente ao nível da tributação em IRS.

 

MOTIVAÇÃO E VALORAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

O Tribunal fundou a sua convicção relativamente ao quadro factual descrito, analisando de forma crítica os documentos incorporados no processo por ambas as partes [incluindo o processo administrativo instrutor, contendo o relatório da inspeção à requerente levada a cabo pelos  Serviços de Inspeção Tributária e que fundamentou a aplicação da CGAA e consequente liquidação de retenção na fonte de IRS e juros compensatórios (Docs 1 a 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral)], em conjugação com a circunstância de não ter sido suscitada controvérsia entre as partes quanto à pura ou objetiva  realidade dos factos. A controvérsia estará antes nas intenções ou propósitos perseguidos.

Na  linha de outras decisões arbitrais proferidas por Tribunais constituídos no âmbito do CAAD [cfr, v. g., as decisões arbitrais nos processos nºs 47/2013  (“Não se prova que a transformação societária tenha sido motivada por questões relacionadas com a gestão, dimensão, ou imagem societária”), 62/2014  (“Não se provou que os Requerentes tenham optado pela venda das suas participações à ….  com o desígnio de obter vantagens fiscais, designadamente a nível da tributação em IRS”) e 267/2013   (“Não se provou que os Requerentes tenham optado pela venda das suas participações à …… S.A.  com o desígnio de obter vantagens fiscais, designadamente a nível da tributação em IRS”), considerou-se  não provado que a requerente (e/ou os seus acionistas) tenham praticado os atos e negócios jurídicos que lhes são imputados pela Requerida com o único ou principal intuito de conseguir vantagens fiscais, designadamente ao nível da tributação em IRS.

Tratando-se de matéria na linha de fronteira entre “factos” e “conclusões” foi deliberado, no caso, na esteira do que já havia acontecido no processo do CAAD nº 180/2014 aprofundar melhor a questão na fundamentação jurídica da decisão (cfr. infra).

 

 

II FUNDAMENTAÇÃO (cont.)

O DIREITO

1- O artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária estabelece uma cláusula geral anti abuso, nos termos da qual «são ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas»

No caso em apreço, a Administração Tributária decidiu a aplicação da cláusula geral anti abuso considerando que, para efeitos de tributação em IRS, a artificialidade da constituição da SGPS, e a compra e venda das participações da B..., são, no essencial, o conjunto de atos que levam à ineficácia do ato de reembolso para efeitos tributários, ato este que deve ser caracterizado como distribuição de dividendos.

Ou, citando a  Requerida  na Resposta [Cfr. item 19] apresentada nestes autos, “ (...)a criação da estrutura (descrita) é o nexo de causalidade entre os resultados acumulados e o início da distribuição da B... com o reembolso da dívida aos acionistas que, se tivessem optado pela via dita “normal”, teriam recebido os dividendos estando, nessa medida, sujeitos a imposto conforme disposto na alínea h), do nº 2, do artigo 5º, do CIRS(...)”.

Vejamos as questões suscitadas, ou seja, a alegada artificialidade da criação da SGPS, ora Requerente bem como a questão da compra e venda de ações ou participações da B... como forma encapotada de distribuir, na realidade, dividendos, distribuição que assim seria subtraída à necessária tributação em IRS  à luz do artigo 5º-2/h), do CIRS.

 

A – A CGAA: considerações gerais

Há que salientar, como nota preliminar, a natureza de norma excecional [absolutamente excecional] da CGAA.

A natureza excecional desta norma resulta quer do facto de permitir que a tributação seja efetuada por aplicação de outras regras que não as normas gerais que a lei prevê para o(s) negócio(s) efetivamente praticado(s,) quer, mais importante, por constituir  um desvio ao princípio da segurança jurídica, na sua dimensão de previsibilidade da lei fiscal aplicável, que é um princípio basilar do direito fiscal.

 

Segurança e previsibilidade implicam que os contribuintes possam confiar na tipicidade do tipo legal de imposto, que possam ter a certeza que, uma vez praticados os negócios que a norma de incidência prevê, serão tributadas de acordo com a respetiva estatuição.

A CGAA só será, pois, aplicável nos casos em que se deva considerar que não é posto em causa o valor da segurança jurídica, a ideia confiança na norma legal ínsita na ideia de Estado-de-Direito, por o contribuinte, objetivamente, dever saber que o ato ou negócio que praticou, nas circunstâncias em que ele aconteceu, não pode ser enquadrado na previsão legal por não ser coerente com o “espírito da lei”, muito embora, formalmente, possa encontrar “amparo” no elemento literal da norma.

 

Porém, diferentemente do que acontece relativamente a normas com idêntico intuito, que encontramos em outros ramos do ordenamento jurídico, como sejam o instituto do abuso do direito ou o princípio da boa-fé, a CGAA não é uma cláusula geral aberta que permita ao intérprete afastar a solução legal (a tributação) que decorre da norma que resultaria aplicável (da norma de incidência cuja hipótese os factos preenchem) invocando considerações de justiça material ou de coerência substantiva do sistema jurídico fiscal.

A CGAA é, também ela, uma norma típica – como não poderia deixar de ser, tratando-se de uma norma que releva diretamente nas regras de incidência tributária - que só pode ser aplicada quando, indubitavelmente, se encontrem verificados todos e cada um dos pressupostos nela previstos.

Significa isto que o intérprete se tem de abster de quaisquer juízos sobre, nomeadamente, se a economia fiscal lograda é ou não “justificada” ou “aceitável”, se a concreta situação fere ou não uma suposta igualdade horizontal entre os contribuintes.

 

O intérprete, o julgador, tem apenas o dever de verificar se, no caso concreto estão ou não, indubitavelmente, presentes cada um dos pressupostos de aplicação da CGAA.

E tal análise, tal interpretação, tem que ser feita de forma restritiva, como impõem as regras da hermenêutica jurídica relativamente às normas excecionais.

Ao intérprete é completamente vedado dar à CGAA um âmbito de aplicação mais vasto [fazer uma interpretação extensiva] que aquele que decorre do próprio texto legal, mesmo que sob o pretexto de realização da justiça material no caso concreto.

Dir-se-á que, assim sendo, fica, em muito, reduzida a eficácia da CGAA no combate a formas de elisão fiscal que se poderão, razoavelmente, considerar abusivas. Poderá ser a realidade, mas tal decorre, inquestionavelmente, da natureza excecional da norma e do que tal natureza impõe ao intérprete, ao julgador.

 

Analisando os elementos da CGAA

É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que a aplicabilidade da CGAA supõe a verificação de quatro pressupostos (ou elementos): elemento meio; elemento resultado; elemento intelectual; elemento normativo.

Vejamos, numa análise sintética, cada um deles

 

a)            Elemento meio

“Este elemento corresponde à via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal, i.e., o(s) acto(s) ou negócios jurídicos cuja estrutura se encontra determinada em função de um dado resultado fiscal (Gustavo Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário, 2009, pág. 165)

“É, em conclusão, do nível de incoerência entre a forma ou estrutura escolhida e o propósito económico fáctico fiscal do contribuinte, entre o fim para que é entregue concretamente essa forma adoptada e a causa que lhe é própria” (ibidem, pág. 166) que se aferirá da verificação deste elemento.

 

Estando em causa uma sequência de negócios jurídicos pré-ordenados (step by step doctrine) “importa ressalvar, no entanto, que perante um caso de uma estrutura de tal natureza será esta que deverá possuir o carácter anómalo exigido pela atual redação da C.G.A.A, ainda que os actos ou negócios que a compõem sejam, em si mesmos, típicos ou vulgares” (ibidem, pág. 168).

 

Não se pode detetar no caso sub juditio qualquer “carácter anómalo” em cada um destes negócios jurídicos: sendo o fim prosseguido a criação de uma sociedade tendo por objeto a detenção de ações, a forma societária escolhida, SGPS, é a própria; pretendendo a sociedade adquirir as ações necessárias à realização do seu escopo social, a forma escolhida (compra e venda) é a correta, porquanto esta é a forma legal típica que a lei prevê para a aquisição a título oneroso, inter-vivos, de bens e direitos. A sequência dos negócios é, também “normal”: não se compreenderia a criação da sociedade sem a posterior aquisição das ações em causa.

 

Porém, a inexistência de “negócios jurídicos anómalos”, ou de uma “sequência anómala de negócios jurídicos”, não basta, a nosso ver, para excluir a possível aplicação da CGAA

É preciso ainda aferir se o conjunto dos negócios praticados não é, em si mesmo artificial, não passou de uma mera fachada que nada alterou de substancial relativamente à realidade anterior, o que analisaremos nos pontos seguintes.

Por ora, cumprirá ainda salientar que, existindo diferentes vias legais típicas para a realização de um determinado resultado económico, o contribuinte não é obrigado a escolher a via que, para si, resultaria mais onerosa. A via escolhida só se revelará inadmissível se for entendida como artificial, despropositada ou abusiva na medida em que traduza um encapatomento duma realidade passível de tributação.

 

A afirmação de que o mesmo resultado económico poderia ser obtido de forma a permitir aquilo que, no caso sub juditio, a Requerida denomina como “forma normal”, designadamente sem evitar a tributação em sede de IRS, como distribuição de dividendos, é irrelevante em termos de aplicabilidade da CGA.

Isto porque, por um lado, nenhum contribuinte tem, como se afirmou e ora reafirma, o dever de adotar a forma de tributação mais onerosa para conseguir os resultados pretendidos e, por outro, a liberdade de configuração jurídica dos factos tributários tem apenas como limites o abuso dessa mesma liberdade traduzida, por exemplo, no recurso a formas fraudulentas, simuladas, dissimuladas ou artificiosas, ou seja, quando são reprovadas pela ordem jurídica no seu conjunto.

 

b)           Elemento resultado

“Neste elemento resultado importa apenas demonstrar que o sujeito logrou, pelos seus actos, a verificação de uma certa vantagem fiscal e a equivalência dos efeitos económicos com aqueles do acto normal tributado” (Gustavo Courinha, cit., pag. 176).

No caso concreto, está implícito no quadro factual supra desenhado, que os sócios ou acionistas da Requerente (mas não necessariamente esta) obtiveram uma significativa vantagem fiscal, que não lograriam se se tivessem abstido de os praticar, ou seja, se  permanecessem sócios da B..., SA, a título individual, recebendo, nessa qualidade os dividendos que por aquela viessem a ser distribuídos.

 

c)            Elemento intelectual

Este é, sem dúvida, o pressuposto mais característico da CGAA

“A manifestação da fraude à lei revela-se na pretensão do contribuinte em obter primordialmente uma vantagem fiscal, dirigindo neste sentido os negócios ou actos que pratica. A finalidade não fiscal que, por seu turno, deve guiar a atuação de qualquer sujeito (…) é aqui substituída, na sua normal preponderância, por uma finalidade fiscal, acabando secundarizada” (ibidem, pág. 179).

 

No caso concreto temos, como factos provados, a vantagem fiscal - que é, recorde-se, significativa.

 É extremamente difícil ponderar o “peso relativo” de cada uma das motivações em presença, porquanto, desde logo, não se traduzem ambas em “economias” monetárias que possam ser diretamente comparadas.

A importância não fiscal dos negócios em causa resulta evidente da valoração dos factos anteriormente feita.

Podemos, assim, afirmar que os negócios praticados permitiram lograr um resultado de relevante interesse para o prosseguimento da normal atividade da sociedade: assegurar, por exemplo, o controlo unitário da sociedade, através da existência de um só voto maioritário, prevenindo-se o risco de alianças pontuais dos sócios com o sócio minoritário.

 

A importância da existência de um voto maioritário, por exemplo, de um único acionista controlando uma sociedade, não pode ser minimizada.

Mostra a experiência comum que muitas sociedades têm graves problemas, que podem mesmo inviabilizar o prosseguimento da sua atividade, em razão da existência de divergências entre os sócios maioritários e/ou a realização de alianças pontuais de um ou alguns deles com sócios minoritários, de forma assim imporem a sua vontade ao outro (ou outros) sócios maioritários.

E, mesmo quando não exista esse risco, uma boa estratégia empresarial recomenda a prevenção de riscos potenciais e não esperar que os problemas aconteçam para, só então, procurar encontrar soluções.

 

Sendo objetivamente impossível valorar a importância relativa dos dois interesses (fiscal e não fiscal) em presença, a dúvida teria que, necessariamente, aproveitar ao sujeito passivo num contexto – como é o dos autos - em que o ónus da prova dos factos alegados para aplicação da cláusula geral anti abuso recai sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira  - artigo 74.º, n.º 1, da LGT [Cfr ainda artigos 414º, do CPC, 346º, do Cód Civil, 100º, do CPPT e 29º-1/c), do RJAT;  defendendo, no essencial, esta orientação, cfr também, na jurisprudência arbitral,  v. g., os acs. do CAAD nos processos n.ºs 62/2014-T, de 1-9-2014 e 267/2013-T, págs. 34 e 23, respetivamente, publicados no site www.caad.org.pt.

 

 Daí que, neste enquadramento, resultaria, no caso, a ausência de prova quanto à exclusividade ou preponderância do interesse fiscal na prática da sucessão de atos que também conduziram a uma efetiva e significativa poupança fiscal.

Porém e apesar disso, no caso concreto, o peso que deve ser atribuído ao elemento intelectual resulta necessariamente muito desvalorizado, na ponderação de interesses que aqui cumpre fazer, em razão do que a seguir se dirá quanto ao elemento normativo.

 

d) Elemento normativo

 

“Pode dizer-se, em atenção à existência (e exigência) deste elemento, que a CGAA não é, afinal, um mero expediente de obtenção de receita fiscal a qualquer custo, assente no facto de o contribuinte obter uma vantagem fiscal [sublinhado nosso]. A desconsideração fiscal de tais actos ou negócios só sucederá quando, cumulando-se todos os supra referidos requisitos, se demonstre que o efeito fiscal obtido (sempre em atenção aos efeitos identicamente obtidos) merece um juízo de reprovação pelo Direito “(ibidem, pág. 189).

 

Começaremos por realçar o seguinte: uma questão, que já ficou abordada, é a da motivação fiscal do negócio ou negócios praticados; outra, diferente, é o de, no pressuposto de que os negócios praticados não sejam anómalos ou artificiais, saber “da contrariedade do resultado ao Direito”. É apenas desta última questão que agora cuidaremos.

 

O que está em causa, neste ponto, é o facto de uma alienação de ações, geradora de mais-valias (as quais, economicamente, correspondem, para além de outros fatores, à realização [recebimento] dos dividendos acumulados na sociedade e dos dividendos que o alienante esperaria obter, no futuro, caso mantivesse a condição de acionista) estar, ao tempo, não sujeita a tributação em IRS, verificados determinados pressupostos, enquanto a distribuição de dividendos está (e estava) sujeita a tributação neste imposto, a título de rendimentos de capital.

Ora, é inequívoco que este diferente tratamento fiscal de formas jurídicas diversas de obtenção de rendimentos que são, em larga medida, economicamente equivalentes [ou seja, o tratamento fiscal privilegiado da alienação de ações] correspondeu, enquanto tal regime vigorou, a uma opção deliberada do legislador.

 

Como se afirma no acórdão arbitral proferido no processo nº 180/2014-T, do CAAD, “parece evidente que a CGAA não pode obstar às opções dos contribuintes que, confrontados com a escolha entre dividendos (distribuíveis ou meramente potenciais) optem, mesmo que por razões fiscais, pela obtenção de mais-valias.

Na verdade, a aplicação da CGAA, neste contexto, resultaria na desconsideração da própria opção do legislador fiscal que, deliberadamente e por mais de vinte anos, promoveu precisamente essa fórmula jurídica, potenciando ao máximo a vantagem fiscal associada às mais-valias por meio da sua pura e simples não tributação (…), em total contraste com a tributação dos respetivos dividendos.

 

Este entendimento é pacífico na doutrina e na jurisprudência arbitral do CAAD, sendo já numerosos os acórdãos proferidos com incidência sobre este tema, os quais, com uma única exceção, vão no sentido que preconizamos.

Decisões essas que concluíram, em suma, que é absolutamente legítima a opção  do contribuinte em organizar os seus negócios jurídicos de forma a realizar mais-valias não tributadas (vg. transformando uma sociedade por quotas em sociedade anónima e alienando, depois, com ganho, as ações assim obtidas), mesmo quando a única motivação da alteração da forma societária tenha sido de natureza fiscal (cf., p. ex.,  Acs Arbitrais,  CAAD n.ºs 123/2012, de 9/05/2013, 124/2012, de 06/06/2013, 138/2012, de 12/07/2013 e 139/2013, de 19/12/2013, este último subscrito pelo árbitro que também preside a este colégio arbitral).

 

B – O caso sub juditio: subsunção e conclusões.

A aplicação da clausula geral anti-elisão aos atos praticados pela Demandante exigia, no caso em análise, que a Administração Tributária provasse que a Demandante praticou atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso de formas jurídicas à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico (…) – artigo 38º , 2 da Lei Geral Tributária.

Há assim requisitos de meio e requisitos de fim.

Quanto aos requisitos de meio, será preciso que os atos ou negócios assentem em meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso de formas jurídicas.

O fim significa que esses atos têm de ser essencial ou principalmente dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas sem a utilização desses meios ( Cfr. Diogo Leite de Campos e João Costa Andrade, Autonomia Contratual e Direito Tributário ( A norma geral anti-elisão), Almedina Coimbra, 2008, págs. 9 /10).

 

Saliente-se que o responsável é aquele que praticou, diretamente ou por interposta pessoa, os atos, e obteve as vantagens económicas fiscais. Se a elisão se operou por forma organizada, passo a passo, é responsável só o beneficiário efetivo das vantagens. Isto, sem prejuízo de outros intervenientes não beneficiários poderem ser responsáveis a outros títulos.

Deve ter-se sempre presente a regra geral, inerente à dignidade da pessoa garantida na Constituição da República, da liberdade negocial/ autonomia privada. A pessoa deve poder decidir livremente do destino dos seus bens materiais, nomeadamente no seu relacionamento com os outros (Auts. e ob. cits., págs. 49 e segs.). O beneficiário deve ter, na aplicação da clausula anti-elisão, excedido os limites da sua legitimidade para gerir os seus interesses, invadindo o campo dos interesses do ente público (Auts, ob. cits., págs. 63 e segs.).

 

Sucede que a Demandada não segue este percurso fundamentante.

Não se debruça sobre as vantagens económicas diretas obtidas pela Demandada. Como se referiu, deveria ter sido esta a retirar resultados económicos diretos visados pelos atos ou negócios. E não outra pessoa qualquer.

Falta assim um pressuposto legal da aplicação da norma anti-elisiva à ora Demandante.

 

Depois, as operações realizadas de reorganização apresentam vantagens que não só ou principalmente uma eventual vantagem fiscal. Têm, por outras palavras, racionalidade económico-financeira.

Portanto, não se pode dar como provado o requisito do fim principal ou exclusivamente fiscal. E este propósito fiscal devia ter sido provado pela Demandada. ( Auts. ob. cits., págs. 77 e segs.).

 

Segue-se a exigência legal da utilização de meios artificiosos ou fraudulentos pela Demandante.

Estes meios devem ser entendidos como negócios ou atos inúteis ou desnecessários para a prossecução do projeto de gestão da Demandante. Só tendo como objetivo a elisão fiscal.

Mais um requisito que a Demandada não provou.

 

Vem seguidamente a exigência legal do abuso de formas jurídicas, em termos formais e materiais semelhantes aos que presidem aos negócios indiretos. (Auts. ob. cits., pág. 80).

 É necessário que tenham sido escolhidos formas ou negócios insólitos, inadequados para os fins a que se destinam regularmente os atos ou negócios praticados, visando iludir o sistema tributário. (Auts. ob. cits., págs. 80/82).

Mais uma vez aqui a Demandada nada provou quanto à ora Demandante.

De onde se conclui que a Demandada AT não provou a elisão da ora Demandante com base nos requisitos legais indicados e, consequentemente, o pedido arbitral terá de proceder nesta parte.

 

C - Pedido de indemnização por garantia indevida

Nos termos do artigo 53.º da Lei Geral Tributária, «1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. 2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo».

 

Tem entendido a doutrina, a propósito do citado preceito legal, que «a razão que justifica a atribuição do direito a indemnização é o presumível prejuízo provocado ao particular por uma actuação ilegal da administração tributária, ao efectuar erradamente uma liquidação» (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral anotada e comentada, 3.ª Edição, Vislis Editores, p. 230).

 

Convergentemente, observou o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 21 de novembro de 2007, processo de recurso n.° 633/07, que «o fundamento do direito à indemnização reside no facto complexo integrado pelo prejuízo resultante da prestação de garantia e pela ilegal actuação da administração devida a erro seu, ao liquidar indevidamente, forçando o contribuinte a incorrer em despesas com a constituição da garantia que, não fora aquela sua actuação, não teria sido necessário prestar».

 

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

 

Resulta daqui que a consagração do direito do contribuinte a ser ressarcido dos encargos suportados com a prestação e manutenção de garantia assenta, essencialmente, na verificação de um erro imputável aos serviços, determinativo da ilegalidade do ato reclamado ou impugnado e, consequentemente, da prestação — necessariamente indevida — de garantia por parte do contribuinte.

 

O mesmo é dizer, portanto, que a procedência do presente pedido de pronúncia arbitral implicará o reconhecimento de um erro imputável à Administração tributária., e a este, por seu turno, o pagamento dos prejuízos causados à Requerente pela garantia prestada no âmbito do processo de execução.

 

Sendo público e notório que pelo serviço de prestação de garantia bancária são pagos encargos/comissões aos Bancos em função, designadamente do risco, valor e prazo da garantia, há que concluir que, pese embora não ter sido alegado, a requerente suportou [e certamente continua a suportar] encargos pela manutenção da garantia prestada.

 

À luz do exposto, torna-se evidente que a demandante tem direito a indemnização pela garantia prestada.

 

E, não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (arts. 609º-2, do Código de Processo Civil e 565.º do Código Civil).

 

IV. DECISÃO

Pelo exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Revoga o despacho de indeferimento da reclamação a que alude a alínea r), dos factos provados;

b)           Anula as liquidações de retenções na fonte de IRS n.º s 2016..., 2016... e 2016... e juros compensatórios, objeto dos autos;

c)            Condena a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de indemnização à demandante, nos termos e com os limites previstos no artigo 53º, da LGT e a liquidar em execução de julgado, decorrente da procedência do pedido a que aludem as alíneas anteriores e

d)           Condena a demandada nas custas.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 162.463,64, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, bem como do n.º 4 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a suportar pela Demandada conforme já anteriormente decidido, por ser a parte vencida.

 

•             Notifique-se.

 

Lisboa e CAAD, 26 de novembro de 2018

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

José Poças Falcão

(árbitro presidente)

 

José Coutinho Pires

(árbitro vogal)

 

Diogo Leite de Campos

(árbitro vogal)