DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), João Taborda da Gama e Nuno Cunha Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. A..., S.A. (doravante, “A...” ou “Requerente”), portadora do número de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na ..., n.º..., em Lisboa (sociedade anteriormente designada por B..., S.A., e que sucedeu, em resultado da realização de uma operação de fusão por incorporação, à C..., S.A., portadora do número de identificação de pessoa coletiva ...) apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”) nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e nos artigos 10.º, 15.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, proferida pelo Subdiretor-geral da Direção de Serviços do IVA, da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “AT” ou “Requerida”), em 20 de dezembro de 2017, bem como das liquidações n.ºs 2015..., 2015... e 2015..., respeitantes a Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante, “IVA”), respeitantes aos períodos de janeiro, fevereiro e março de 2013, no montante global de € 520.423,37, e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida pelo Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes da ATA, em 6 de dezembro de 2017, que havia sido apresentada contra as liquidações n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., todas elas respeitantes a IVA e a juros compensatórios, respeitantes aos períodos de janeiro a dezembro de 2014, no montante global de € 7.677.183,94.
A título subsidiário, a Requerente pediu a anulação parcial dos referidos atos de liquidação, tendo por base o valor das indemnizações efetivamente pagas pelos clientes, devendo o IVA considerado ser incluído no valor já debitado e efetivamente cobrado, ou, em alternativa, assegurar-se à Requerente o recurso eficaz ao mecanismo da regularização do imposto que se considere incidir sobre as indemnizações faturadas e não pagas.
A Requerente pediu ainda que seja fixada indemnização por garantia indevidamente prestada.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
2.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, al. a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, tendo todos comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
2.3. Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, al. c) do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 24 de maio de 2018.
3. A fundamentar o pedido, a Requerente juntou dois Pareceres (um do Professor MENEZES LEITÃO e o outro do Professor JOACHIM ENGLISCH) e argumentou essencialmente que os montantes debitados aos seus clientes que deixavam de cumprir os contratos de fidelização consigo celebrados constituíam indemnizações por incumprimento, não pagamentos pela prestação de serviços, estando, portanto, isentos de IVA.
A argumentação jurídica da Requerente, depois de apresentada e ultrapassada uma Questão Prévia sobre a cumulação de pedidos, de expostos os Factos, e de apresentar os fundamentos invocados pela AT para sustentar as liquidações impugnadas foi, em síntese, a seguinte (conforme decorre dos artigos 125.º e seguintes do PPA):
a) Os procedimentos adoptados pela A... para resolver os contratos seguiam as normas do artigo 52.º-A da Lei das comunicações eletrónicas (doravante, “LCE”) na redação vigente à data dos factos;
b) Ao abrigo dessas disposições, a A... tem a obrigação de, em caso de incumprimento de obrigações reiterado e continuado no tempo por parte dos seus (ainda) clientes, considerar “automaticamente resolvido” o contrato de prestação de serviços anteriormente celebrado, ou seja, é o mesmo tido como deixando de subsistir na ordem jurídica;
c) É a própria LCE que estipula a “obrigatoriedade” de tal resolução, sob pena da inexigibilidade do pagamento de quaisquer contraprestações devidas por prestações de serviços, após o momento em que a suspensão e posterior extinção da prestação de serviços deveria, legalmente, ocorrer;
d) A LCE também prevê que, caso essa resolução (automática e obrigatória) do contrato ocorra durante o período de fidelização, os operadores de telecomunicações (como a A...) possam cobrar uma contrapartida de cariz indemnizatório aos seus (antigos) clientes (artigo 52.º-A, n.os 8 e 11 da LCE);
e) O montante a título indemnizatório (i.e., visando o ressarcimento de um dano sofrido pelos operadores de telecomunicações) preconizado nestas normas apenas é suscetível de ser cobrado pela A... (ou por qualquer outro operador em igualdade de circunstâncias) após a resolução do contrato de prestação de serviços que a ligava ao seu (antigo) cliente, ou seja, num momento em que a mesma se encontra legalmente impedida de prestar qualquer serviço a esse seu (antigo) cliente;
f) No Decreto-Lei n.º 56/2010, de 1 de junho, faz-se uma distinção entre:
(i) As contrapartidas devidas pela prestação do serviço (e apenas este) de desbloqueamento dos equipamentos destinados ao acesso a serviços de comunicações eletrónicas; e
(ii) As indemnizações devidas em virtude da resolução de contratos durante o período de fidelização.
g) A admissibilidade da cobrança, pelos operadores de comunicações eletrónicas (por exemplo, a Requerente e outros), de uma indemnização pela resolução de contratos durante o período de fidelização tem sido objeto de múltiplos acórdãos, por exemplo, do Tribunal da Relação do Porto (doravante, “TRP”), nomeadamente, os proferidos em 28 de abril de 2015, no processo n.º 95926/13.0YIPRT.P1; em 16 de setembro de 2014, no processo n.º 27076/13.8YIPRT.P1; em 26 de junho de 2014, no processo n.º 28496/12.0YIPRT.P1; em 20 de maio de 2014, no processo n.º 83925/13.6YIPRT.P1; e em 1 de abril de 2014, no processo n.º 82657/13.0YIPRT.P1;
h) Assim, dúvidas não podem existir no que tange à legalidade do procedimento adotado pela A... de poder e pretender cobrar, junto dos seus (antigos) clientes, uma indemnização em caso do incumprimento do período de fidelização, após a extinção ou, se se preferir, resolução do contrato de prestação de serviços, por motivo imputável àqueles;
i) Conforme resulta dos artigos 562.º e 566.º do Código Civil, o legislador civil entendeu que o lesante deverá proceder a uma reconstituição natural, por ser a forma mais perfeita – desde que possível – de ressarcir o lesado e de, removendo o dano, o recolocar na situação em que estaria caso não tivesse ocorrido a lesão do seu direito ou interesse protegido;
j) Quando a reconstituição natural não é possível, como refere o artigo 566.º n.º 1 do Código Civil, por razões de ordem material ou jurídica ou, ainda que possível, aquela não seja suficiente para cobrir todos os danos ou para abranger todos os aspetos em que o dano se desdobra ou seja ainda excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização ou restituição operará por equivalente, isto é, pela entrega de uma determinada quantia em dinheiro;
k) Nesse caso, a indemnização deve ser calculada, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida, e a que teria nessa data se não existissem danos;
l) Em determinadas situações, pelas características do negócio ou por mera cautela, o apuramento da indemnização devida surge ainda antes da verificação do (eventual) dano, como sucede nos contratos em que as partes acordam aquela medida, em conformidade com o disposto no artigo 810.º, n.º 1, do Código Civil, o qual prevê que “[a]s partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal”;
m) Deste modo, é possível evitar as dificuldades inerentes ao processo de liquidação do dano e quantificação da indemnização, tendo o lesado o direito a receber a indemnização previamente;
n) Acordada com o lesante, trata-se, em regra, um valor monetário fixo;
o) Nesse sentido, dúvidas não há que a função ressarcitória constitui uma função essencial da cláusula penal;
p) Muito embora as partes possam recorrer à cláusula penal a fim de pressionar o devedor ao cumprimento, sendo a função coercitiva a que está, até historicamente (deve o seu nome à stipulatio poenae do direito romano), mais próxima da cláusula penal;
q) A cláusula penal constitui um vetor que introduz (no momento em que é prevista) e repõe (no momento em que é acionada) o equilíbrio nas relações que vão sendo iniciadas e desenvolvidas por diferentes atores do comércio (seja ele nacional ou internacional);
r) A cláusula constante dos contratos de prestação de serviços que a A... celebra com os seus clientes, em que é estabelecido, em caso de incumprimento por parte do cliente ou por motivo a este imputável, uma obrigação de indemnizar os danos (e, portanto, é manifestamente limitada a visão da AT de que está aqui em causa apenas e tão só uma lógica de reparação de um dos tipos de danos possíveis, a saber os lucros cessantes) provocados na esfera da Requerente, tendo presente uma fórmula de cálculo previamente estabelecida e acordada entre ambas as partes, constitui uma inequívoca “cláusula penal”, nos termos e para os efeitos do artigo 810.º, do Código Civil;
s) Assim, os valores debitados pela Requerente ao abrigo da cláusula penal em análise assumem indubitavelmente – a par da sua função compulsória – uma natureza marcadamente indemnizatória, de ressarcimento de danos (que não se limitam – como erradamente alega a AT – aos lucros cessantes);
t) Por sua vez, o IVA é um imposto geral sobre o consumo que visa tributar as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;
u) Constata-se que o conceito de “prestação de serviços”, para efeitos de IVA, não se assemelha, por ser mais abrangente, ao conceito de “contrato de prestação de serviços” acolhido na legislação civil (vide artigo 1154.º, do Código Civil), na qual se enuncia que o mesmo “é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”;
v) Nesse sentido, a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, bem como dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios que lhe antecederam, sempre estará dependente da constatação e comprovação de que houve, por parte da A..., a prestação de um serviço aos seus (antigos) clientes, em momento após a resolução do contrato que a ligava a estes, em virtude do incumprimento do período de fidelização;
w) O âmbito de incidência objetiva do IVA e, consequentemente das “prestações de serviços” tidas por relevantes, está delimitado pela sua natureza enquanto imposto sobre o consumo, o que implica, designadamente, o fornecimento de um serviço para consumo de consumidores identificáveis, por contrapartida de um preço a pagar pelo cliente/consumidor ou por um terceiro (cfr., nesse sentido, conclusões do Advogado-Geral apresentadas a 23 de novembro de 1995, perante o Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante, “TJUE”), no caso Jürgen Mohr, correspondente ao processo C-215/94);
x) Nesse sentido, a inexistência de um “ato de consumo” (independentemente de haver ou não algum nexo entre duas prestações realizadas no âmbito de uma relação sinalagmática) conduzirá, inevitavelmente, ao afastamento de uma determinada operação do campo de sujeição deste imposto;
y) Ademais, as “prestações de serviços” só terão relevância em sede de IVA na medida em que sejam efetuadas por um “sujeito passivo” deste imposto, agindo nessa qualidade;
z) No presente caso, é inequívoco que a A... é um sujeito passivo de IVA, porquanto desenvolve, com caráter regular e de uma forma intencional, uma atividade económica que consiste, maioritariamente, em prestações de serviços de comunicações eletrónicas, as quais são sujeitas a tributação em sede deste imposto;
aa) O Prof. Doutor JOACHIM ENGLISCH, em parecer solicitado pela A..., intitulado “Parecer relativo ao tratamento de IVA na UE de comissões por denúncia antecipada”, detalha que “[s]egundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, uma prestação de serviços tributável só é efetuada a título oneroso se existir entre o prestador de um serviço individualizável, por um lado, e o respetivo beneficiário, por outro, uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador a contraprestação efetiva do serviço fornecido ao beneficiário no âmbito desta relação jurídica”;
bb) “[é] por isso necessário, em primeiro lugar, que o sujeito passivo realize um ato específico – ou se abstenha de praticar ou tolere um ato (Artigo 25.º, alínea b) da Diretiva IVA) – que possa ser qualificado a título de serviço prestado em benefício de um destinatário individualizável. Em segundo lugar, o serviço deve ser prestado com base numa relação jurídica com o destinatário que se relacione diretamente com a obrigação de pagamento deste que esteja em causa. O pagamento a efetuar deve por isso refletir o valor que as partes atribuíram a um serviço prestado pelo sujeito passivo”;
cc) Ou seja, para existir uma “atividade económica” tributável em sede de IVA, é necessário que exista uma contraprestação devida pela parte beneficiária de uma prestação de serviços (ou, transmissão de bens);
dd) Além de ser necessário existir uma contraprestação devida em troca da transmissão de bens ou da prestação de serviços realizada, entre o valor da prestação e o valor da contraprestação deve haver uma correspondência, ou, se se preferir, um nexo direto convencionado e consciente entre ambas as prestações (i.e., entre o serviço prestado e a contraprestação recebida) e a mesma só será onerosa se houver uma genuína relação jurídica na qual sejam transacionadas prestações recíprocas, i.e., a retribuição recebida pelo prestador corresponde ao contravalor do serviço fornecido ao adquirente;
ee) Deste modo, a questão principal para averiguar se determinada operação se enquadra numa “atividade económica”, para efeitos da sujeição a IVA, é a de saber se “em virtude do serviço prestado é exigida uma qualquer remuneração” e se essa remuneração pode ser considerada como “o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário”;
ff) Ou seja, a onerosidade de uma determinada transação é uma caraterística fundamental para efeitos de determinação da sua sujeição a IVA, dado que a tributação incide precisamente sobre a contrapartida ou, se se preferir, a contraprestação inerente às transmissões de bens ou prestações de serviços, como reflexo de realização de uma atividade económica;
gg) Neste moldes, a avaliação da legalidade das decisões de indeferimento do recurso hierárquico e de indeferimento da reclamação graciosa, bem como dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios que lhes antecederam, no presente caso, está inequivocamente dependente de se constatar que as indemnizações que os (antigos) clientes da A... têm (o dever) de pagar, em resultado do incumprimento do período de fidelização contratualmente estipulado, são as contrapartidas diretas e imediatas de uma (suposta) prestação de serviços realizada pela ora Requerente, porquanto, só existindo esse nexo direto e causal é que é possível afirmar que tais quantitativos devidos a esta são o resultado da prossecução, naquele caso particular, de uma atividade económica;
hh) A única referência expressa no Código do IVA à figura das “indemnizações” é passível de ser encontrada artigo 16.º, n.º 6, al. a), norma essa que prevê que “do valor tributável referido no número anterior são excluídos (...) as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações”;
ii) Tendo em consideração o escopo de um imposto como o IVA, resulta evidente que aquela norma não poderia querer assumir um efeito taxativo de só prever a exclusão da tributação das indemnizações determinadas ou arbitradas por um juiz.
jj) É, aliás, esse o sentido que vem sendo sucessivamente preconizado pela própria AT, ao defender que “é hoje entendimento pacífico, que (...) há muitas indemnizações não declaradas judicialmente que não devem ser tributadas” (cfr. despacho proferido no processo n.º 1675, divulgado através de informação de 20 de setembro de 2002, da Direção de Serviços do IVA);
kk) Num outro despacho, igualmente esclarecedor, a AT afirmou que “se as indemnizações sancionam simplesmente a lesão de qualquer interesse e não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços” (cfr. despacho proferido no processo P I090 2002007 de 29 de julho de 2005, emitido pelo Subdiretor-Geral dos Impostos);
ll) É a impossibilidade (até de um ponto de vista legal, face nomeadamente, ao disposto na LCE) de a A... continuar a prestar serviços (ou, até, fornecer bens) aos seus (antigos) clientes em resultado da resolução do contrato que os ligava a esta e do incumprimento do período mínimo de fidelização por parte destes que dá origem ao pagamento de uma indemnização;
mm) Assim, o cliente, ao pagar essa indemnização (ou, pelo menos, ao ser-lhe a mesma cobrada), não está a adquirir, à A..., um qualquer benefício ou vantagem patrimonial que lhe permita caracterizar-se como sendo um verdadeiro consumidor de um qualquer serviço hipoteticamente prestado (e muito menos de um bem fornecido) por parte da Requerente;
nn) Como tal, inexiste um ato de consumo concreto por parte dos (antigos) clientes da A... subjacente às indemnizações em apreço e do qual estas constituam contraprestação;
oo) Ora, se está em causa uma penalidade que apresenta uma natureza ressarcitória ou indemnizatória, fica, portanto, claro que a mesma não pode ter – por oposição de conceitos – um caráter remuneratório.
pp) E, depois de invocar jurisprudência e doutrina no mesmo sentido, cita o Diretor-Geral dos Impostos no despacho, de 10 de maio de 2012, no processo n.º 3079, ao referir que “[p]ara enquadramento da questão da sujeição ou não das quantias a titulo de indemnização ou penalização, há que ter em conta o princípio subjacente do IVA, como imposto sobre o consumo, e que corresponde ao disposto na Diretiva IVA - Diretiva 2006/112/CE, pretendendo tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, que não tenham caráter remuneratório”;
qq) Num outro despacho, a AT clarifica este seu entendimento referindo que “as indemnizações que sancionam o atraso na execução de uma obrigação contratual ou, em geral, a lesão de qualquer interesse, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços” (cfr. despacho do Subdirector-geral do IVA, de 13 de dezembro de 1989, no processo n.º 2274);
rr) A AT afirmou ainda que “porque o que está em causa é o valor de operações tributáveis, não devem ser tributadas as indemnizações, ainda que decorrentes de responsabilidade contratual, quando nenhuma operação tenha existido” (cfr. despacho do Subdirector-geral das Contribuições e Impostos, de 24 de maio de 1989, no processo n.º 524);
ss) Independentemente de, num determinado caso particular, poder estar em causa uma reparação de “lucros cessantes” ou de “danos emergentes”, tal não invalida que, afinal, esteja sempre em causa o dever de um lesante indemnizar um lesado, dentro do quadro legal em que essa obrigação está fixada no Código Civil, e, como tal, essa distinção entre estes dois tipos de prejuízos não afasta o caráter não remuneratório daquela obrigação;
tt) Não pode ser gerador de confusão o facto de o quantum indemnizatório a que os clientes se encontram contratualmente vinculados, em resultado da ocorrência de um incumprimento contratual da sua estrita responsabilidade, ser expresso por referência às importâncias mínimas (i.e., excluindo valores adicionalmente cobrados em resultados da prestação de serviços adicionais) que a A... receberia daqueles caso o contrato de prestação de serviços resolvido se mantivesse em vigor até ao termo do período de fidelização;
uu) É certo que a A... poderia ter convencionado um qualquer outro critério (que poderia ser melhor ou pior para cada uma das partes outorgantes nos contratos), mas não se pode inferir do método efetivamente empregue por aquela e da equivalência entre os dois valores acima aludidos que as indemnizações devidas pelos seus (antigos) clientes se destinam a remunerar uma qualquer “prestação de serviços” (ou, sequer, uma “transmissão de bens”);
vv) Ademais, para efeitos de determinação da incidência objetiva do IVA, não é sequer relevante saber se, em termos concretos, a indemnização é ou não excessiva face aos prejuízos gerados pelo lesante ao lesado;
ww) A interpretação já veiculada pelo TJUE em vários acórdãos mostra-se determinante, não só nos casos concretos em que foi chamado a decidir sobre a tributação em IVA de operações de natureza semelhante às indemnizações, mas principalmente na definição dos conceitos base determinantes para efeitos de enquadramento das operações em sede deste imposto, em particular, sobre os requisitos necessários ao preenchimento do conceito de “prestação de serviços” onerosa e sujeita a imposto;
xx) Ainda sobre a matéria das indemnizações, também a Comissão Europeia já teve a ocasião de se pronunciar no sentido de que “as indemnizações pagas pelas seguradoras na sequência da realização do risco sobre o qual incide o seguro não podem ser consideradas remuneração de uma prestação de serviços, pelo que não são abrangidas pelo campo de aplicação do IVA” (cfr. Resposta à Pergunta Escrita n.º E-2431/98, apresentada por Françoise Grossetête, de 30 de julho de 1998, a propósito da interpretação do artigo 4.º da então Sexta Diretiva do IVA);
yy) A jurisprudência e doutrina comunitárias confirmam que a questão central objeto dos presentes autos e que se afigura determinante para analisar a legalidade dos atos ora sindicados prende-se com a inexistência de um “ato de consumo” subjacente ao pagamento de indemnizações por incumprimento do período de fidelização por parte dos (antigos) clientes à ora Requerente, ficando por este motivo prejudicada por si só a sua sujeição a imposto;
zz) Ao abrigo das regras e princípios gerais do IVA e na linha da jurisprudência do TJUE sobre esta matéria, as indemnizações debitadas pela A... visam sancionar a lesão de um interesse concreto e, como tal, não traduzem qualquer carácter remuneratório de uma virtual e não identificada “prestação de serviços” (ou sequer, de uma “transmissão de bens”), pelo que as mesmas não se encontram abrangidas pelo âmbito de incidência do IVA;
aaa) A posição adotada pela AT, ao longo de ambos os procedimentos tributários, ao desrespeitar, de forma evidente, as disposições constantes na Diretiva do IVA que regem o sistema comum do IVA, viola, inequivocamente o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”), o qual determina que “[a]s disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”;
bbb) Termina solicitando:
i) anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, proferida pelo Subdiretor-geral da AT, em 20.12.2017, bem como das liquidações n.ºs 2015..., 2015 ... e 2015..., todas elas respeitantes a IVA referentes aos períodos de janeiro, fevereiro e março de 2013, no montante global de € 520.423,37 e a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida pelo Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT, em 06.12.2017, bem como das liquidações n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., todas elas respeitantes a IVA e a juros compensatórios respeitantes aos períodos de janeiro a dezembro de 2014, no montante global de € 7.677.183,94;
ii) a título subsidiário, caso não seja dado provimento ao pedido anteriormente apresentado, deverá ainda assim, haver lugar à anulação das decisões de indeferimento do recurso hierárquico e de indeferimento da reclamação graciosa e das liquidações de IVA e juros compensatórios, respeitantes aos períodos de janeiro, fevereiro e março de 2013 e de janeiro a dezembro de 2014 melhor identificadas supra, na parte correspondente ao montante das indemnizações que foram faturadas pela Requerente e que nunca chegaram a ser efetivamente pagas pelos seus (antigos) clientes ou, em alternativa, assegurar-se à Requerente o recurso eficaz ao mecanismo da regularização do imposto que se considere incidir sobre as indemnizações faturadas e não pagas;
iii) em todo caso, na eventualidade de se considerar que assiste razão ao Requerente neste processo, deverá ser fixada indemnização por garantia indevidamente prestada, nos termos do artigo 53.º, da LGT, e artigo 171.º, do CPPT.
ccc) Arrolou 5 testemunhas, juntou 33 documentos e requereu prova adicional.
4. Tal como depois sintetizada nas Conclusões das suas alegações, a posição da Requerente é, em suma, a seguinte:
A. A questão primordial em causa nos presentes autos, não obstante envolver várias questões jurídicas complexas, é uma só: estão ou não sujeitas a IVA as indemnizações faturadas pela Requerente aos seus antigos clientes pelo incumprimento do período de fidelização contratualmente estabelecido?
B. Resulta amplamente demonstrado dos autos que a Requerente, de boa fé e convicta da não sujeição a IVA daqueles montantes indemnizatórios, tinha como procedimento não liquidar IVA nas faturas emitidas pelo incumprimento do período mínimo de fidelização contratualmente estabelecido pelos seus antigos clientes.
C. Tal como a Requerente teve oportunidade de expor nos presentes autos, essa foi sempre a interpretação da jurisprudência nacional, acompanhada pela melhor doutrina, adotada pelas autoridades fiscais de outros países da União Europeia e prática reiterada na indústria nacional e europeia.
D. Possivelmente por esse conjunto de razões, o tratamento em sede de IVA dos montantes indemnizatórios em causa permaneceu inquestionado pela Requerida ao longo de largos anos, não obstante o acompanhamento fiscal permanente que este ente público realiza à Requerente.
E. Dir-se-á, pois, que as liquidações adicionais sindicadas nos presentes autos resultam de uma verdadeira mudança de paradigma no que concerne ao tratamento, em sede de IVA, destas indemnizações.
F. Este novo paradigma não é isento de dúvidas e divergências, tanto que, no processo n.º 282/2016-T, em que a Requerente figurava em igual qualidade, o Tribunal Arbitral concordou que havias questões pertinentes que justificavam o seu reenvio ao TJUE.
G. Em sede de reenvio, concluiu o TJUE que, de acordo com a sua perspetiva da Diretiva do IVA, a sujeição a IVA das aludidas indenizações está dependente da verificação, em cada caso, de uma dupla condição sem a qual se deverá concluir pela não sujeição a IVA desses montantes:
a. Por um lado, é necessário que se verifique uma correspondência entre o montante que o sujeito passivo teria recebido a título de remuneração dos serviços que se comprometeu a prestar se o cliente não tivesse resolvido o contrato e o montante que é cobrado a esse antigo cliente a título de indemnização pela rescisão do contrato antes de findo o período mínimo de vigência;
b. Por outro lado, é necessário que a resolução antecipada do contrato não altere a realidade económica da relação entre o sujeito passivo e o seu cliente.
H. Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, e com a consciência de que é a este Venerando Tribunal que cabe aplicar ao caso a interpretação declarada pelo TJUE, entende a Requerente que resulta cristalino da prova produzida nestes autos que não se verifica, no caso vertente, qualquer dos dois pressupostos elencados pelo TJUE para que se possa concluir pela sujeição a IVA dos montantes em causa.
I. Na verdade, não existe correspondência entre o valor que a Requerente teria recebido se o antigo cliente não tivesse incumprido o período de fidelização e o valor que aquela faturou a título de indemnização pelo incumprimento do período mínimo de vigência contratualmente previsto!
J. E esta falta de correspondência decorre, de:
a. Por um lado, o valor da indemnização é calculado com referência aos valores das mensalidades-base que representam, em mais de 80% dos casos, apenas uma parte do preço total do serviço que é prestado mensalmente pela Requerente aos seus clientes, uma vez que existem serviços adicionais ou consumos extra-plafond que são faturados à parte.
b. Por outro, estarmos perante contratos de execução sucessiva ou continuada, com uma duração indeterminada e que não cessam os seus efeitos no termo do período de fidelização, pelo contrário, tais contratos acabam por se prolongar durante largos períodos de tempo (cerca de 5 anos, de acordo com a taxa de churn à data registada pela Requerente), pelo que a Requerente tinha e tem a legítima expectativa de que um qualquer contrato celebrado com os seus clientes se prolongue por períodos temporais que largamente excedem o período mínimo de vigência contratualmente estipulado e, com isso, venha auferir receitas que em nada se assemelham a qualquer valor de uma indemnização devida por incumprimento do aludido período de fidelização por parte do antigo cliente ou por razão a este imputável.
K. Acresce que, com a cessação do contrato, em violação do período de fidelização, por parte do antigo cliente ou por motivo a este imputável, e a consequente extinção do direito desse antigo cliente em beneficiar da prestação de qualquer dos serviços inicialmente contratualizados com a Requerente, se assiste a uma efetiva alteração da realidade económica (e a realidade jurídica por imposição do artigo 52.º-A, da Lei das Comunicações Eletrónicas) da relação que havia sido estabelecida entre a Requerente e o seu antigo cliente.
L. Nesse sentido, a decisão do antigo cliente de fazer ou não cessar o contrato é uma decisão substantiva, legal e economicamente distinta da decisão de exercer ou de não exercer o direito de beneficiar dos serviços que o contrato celebrado com a Requerente proporciona(ria).
M. Assim é que, caso o antigo cliente faça cessar o contrato de prestação de serviços de comunicações que o liga à Requerente, tal cessação extingue quer a obrigação da Requerente de prestar os serviços, quer o direito do próprio antigo cliente de beneficiar da prestação de serviços contratualmente fixada e acordada, o que se encontra, aliás, provado nos presentes autos.
O. Com efeito, a cessação do contrato de prestação de serviços de comunicações, em violação do período de fidelização contratualmente fixado e acordado, implica sempre (nem que seja porque a cessação do contrato é um imperativo legal, em conformidade, mormente, com o artigo 52.º-A, da Lei das Comunicações Eletrónicas) a extinção do direito do antigo cliente de beneficiar da prestação do serviço contratado.
P. Assim sendo, a indemnização devida pelo antigo cliente em caso de incumprimento do período mínimo de fidelização contratualizado constitui-se num momento lógico subsequente ao da extinção do contrato celebrado com a Requerente e, portanto, do próprio direito do antigo cliente de gozar de uma qualquer prestação de serviços que havia inicialmente contratado.
Q. Sub bsidiariamente, caso este Tribunal Arbitral venha a concluir (cenário que não se concebe e apenas se alude por exclusivos deveres de patrocínio), pela sujeição a IVA das indemnizações faturadas pela Requerente aos seus antigos clientes em resultado do incumprimento do período de fidelização por parte destes (ou por motivo a estes imputável), sempre deverá concluir pela ilegalidade das liquidações sindicadas por incidirem sobre todos os montantes faturados, e não apenas sobre os montantes efetivamente cobrados, como resultaria da aplicação das regras consagradas na Diretiva do IVA e dos princípios gerais que formam o sistema comum deste imposto. R. Com efeito, face àqueles normativos e princípios e à luz do acórdão do TJUE, de 22.11.2018, no processo C-295/17, e das conclusões da Advogada-Geral JULIANE KOKOTT no mesmo processo, o valor constante dos atos de liquidação de IVA e juros ora contestados deverá ser ajustado em conformidade, expurgando-se para o efeito os valores das indemnizações que, apesar de faturadas, não foram objeto de cobrança por parte da Requerente.
S. Sublinhe-se que, tal como acima enunciado, e em linha com o que ditaram o acórdão do TJUE e as conclusões da Advogada-Geral JULIANE KOKOTT no aludido processo, não há a mais pequena possibilidade – pelo menos, dentro dos ditames da Lei – de se impor à Requerente a obrigação ou ónus de (tentar) proceder a quaisquer processos de regularização, dentro das vias constantes nos artigos 78.º, n.ºs 7 e 8, 78.º-A, 78.º-B, do Código do IVA (os quais não foram idealizados para dar resposta a casos como os que a Requerente aqui coloca à apreciação deste Tribunal Arbitral), com vista a que se alcance o desiderato subsidiariamente pretendido pela Requerente de entregar ao Estado o IVA incidente apenas os montantes das indemnizações faturadas e recebidas dos seus antigos clientes.
T. Acresce que, caso se entenda (o que a Requerente não aceita e apenas admite por dever de patrocínio) que as indemnizações faturadas aos seus antigos clientes, afinal, correspondem a prestações de serviços, face ao teor da Lei de Defesa do Consumidor aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de abril, e da Lei das Comunicações Eletrónicas aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março, e da Lei dos Serviços Públicos Essenciais aprovada pela Lei n.º 23/96, de 26 de julho, não é juridicamente exequível a Requerente emitir quaisquer tipos de faturas corretivas ou substitutivas das anteriormente emitidas, uma vez que:
a. O direito ao recebimento do preço (na sua globalidade) prescreve no prazo de 6 meses a contar do momento em que se verificou o facto incumpridor, sendo impossível agora, por referência aos meses de janeiro a março de 2013 e ao ano de 2014, que a Requerente – com o intuito de fazer repercutir nos seus antigos clientes o IVA eventualmente devido – pudesse emitir novas faturas e delas esperar qualquer tipo de resultado minimamente positivo;
b. A Requerente poderia ainda incorrer num ilícito contraordenacional, por uma prática comercial desleal de imputar aos consumidores um encargo adicional que não lhes havia sido informado, de forma completa, no plano da formação do contrato e, posteriormente, no contexto da execução desse mesmo contrato (mormente aquando da rescisão do mesmo e da faturação originária da respetiva indemnização); e
U. Sendo certo que não cabe a este Tribunal o “ajuste” do valor das liquidações em causa ao montante que, em obediência ao artigo 90.º da Diretiva do IVA, seria devido (algo que caberá apurar no contexto de um processo de execução de julgados), sempre se dirá que uma decisão de indeferimento parcial é a única que, caso este Tribunal Arbitral conclua pela sujeição a IVA dos montantes cobrados, terá a virtuosidade de assegurar, nos termos da CRP e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, uma tutela plena, eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos da Requerente.
(…)
V. Finalmente, sem prejuízo de tudo o acima exposto, a título complementar e necessariamente subsidiário, julga-se aqui importante ter presente que o imposto (alegadamente) devido com referência às indemnizações aqui em causa, a debitar pela Requerente aos seus clientes, sempre teria que constituir uma componente do valor debitado, e nunca um elemento a acrescer àquele.
W. Isso mesmo decorre das regras de repercussão económica e jurídica obrigatórias do IVA (enquanto imposto sobre o consumo), inerentes à mecânica que subjaz ao funcionamento deste imposto, as quais devem produzir os mesmos resultados fiscais que um imposto único aplicado no último estádio da cadeia de tributação, sendo certo que apenas com este mecanismo de repercussão e dedução se atinge a desejada neutralidade do IVA.
X. Neste sentido, um sujeito passivo não pode deixar de cobrar imposto nas respetivas faturas, mesmo que pretendesse suportá-lo economicamente.
Y. Em face do exposto, caso este Tribunal Arbitral venha a considerar que as indemnizações objeto de análise nos presentes autos se encontram sujeitas a IVA (cenário esse que não se concede e apenas se admite por exclusivos deveres de patrocínio), o montante de imposto a entregar ao Estado, com referência aos meses de janeiro a março de 2013 e ao ano de 2014, deveria considerar-se incluído no valor já debitado e cobrado aos seus clientes.
5. Respondeu a Requerida, defendendo, em síntese, depois de reiterados os Factos, o seu enquadramento fiscal, e a legislação aplicável, que:
a) A presente instância devia ser suspensa, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (doravante, “CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT, até à decisão a proferir pelo TJUE no processo de reenvio prejudicial C-295/17, suscitado no âmbito do processo n.º 282/2016-T, de 19 de fevereiro de 2019, do CAAD, sobre a interpretação a dar às normas de Direito da União Europeia relevantes;
b) Fosse indeferido, por desnecessário e extemporâneo, o pedido da Requerente de formulação de novas questões a título de reenvio prejudicial, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”);
c) Improcedesse o pedido principal da Requerente, designadamente porque:
i) A existência de uma actividade económica está sempre sujeita a tributação e a tributação de uma dada operação, em sede do IVA, é efectuada com base na existência de uma contraprestação associada a uma transmissão de bens ou prestação de serviços, enquanto expressão da actividade económica de cada agente.
ii) Em virtude da natureza e vocação generalista deste imposto, a conceptualização das operações tributáveis (transmissões de bens, prestações de serviços ou operações que lhe possam ser assimiladas) é efectuada com recurso a definições de âmbito alargado, devendo o IVA ser cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo;
iii) É comum utilizar-se o termo "indemnização" para designar operações como pagamentos pela cedência de posição contratual, pela rescisão antecipada de um contrato ou por revisão de preços, que, regra geral, são operações tributáveis;
iv) Nos casos em que a designada “indemnização” tem subjacente uma contrapartida, uma contraprestação, em razão da qual uma determinada entidade obtém ganhos económicos associados ao desenvolvimento de uma actividade económica, não pode afastar-se a sujeição a IVA sem afrontar o sistema comum do IVA;
v) A existência de um nexo apenas eventual entre os montantes recebidos e um prejuízo realmente sofrido pelo prestador de serviços põe seriamente em dúvida que os montantes controvertidos possam ter uma natureza indemnizatória, na acepção do sistema comum do IVA;
vi) Assim, somente o pagamento de uma indemnização num contexto não sinalagmático, sem qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação relativa ao exercício de uma actividade económica, deverá ser considerada para efeitos de não sujeição a tributação em sede de IVA;
vii) Deve ser atribuído um carácter remuneratório à designada “indemnização”, nomeadamente dado que constitui ainda uma contrapartida, individualizável, do compromisso da operadora em garantir ao cliente determinadas condições contratuais, sendo, portanto, tributável;
viii) Cumpre relevar, e tal facto é de superior importância em face da referida harmonização comunitária em sede de IVA, que a jurisprudência do TJUE tem entendido que estas situações devem seguir o regime do contrato principal;
ix) Ainda que as indemnizações pudessem conter uma parte do seu valor que se destinasse a reparar um prejuízo, não foi o mesmo apresentado ou comprovado pela Requerente, antes se impondo a qualificação das quantias como tendo natureza de compensação por lucros cessantes, logo, remuneratória;
x) No âmbito do Processo C-289/14, estava em causa a quantia paga, a título dos bilhetes vendidos, mas não utilizados, quer por não comparência do passageiro no momento do embarque quer pela caducidade do bilhete, pela Air France-KLM à Brit-Air, que consistia numa compensação anual fixa calculada em percentagem (2%) do volume de negócios anual (com IVA incluído) das linhas exploradas no âmbito do contrato de franchising.
xi) A decisão proferida pelo TJUE considerou que os artigos 2.º, n.º 1, e 10.º, n.º 2, da Sexta Diretiva e da Sexta Diretiva alterada devem ser interpretados no sentido de que a emissão de bilhetes por uma companhia aérea está sujeita a IVA, nos casos em que os bilhetes emitidos não sejam utilizados pelos passageiros e estes últimos não possam obter o seu reembolso;
xii) No caso da (agora) A..., os consumidores estavam, por força da celebração do contrato de prestação de serviços, habilitados a usufruir dos serviços prestados pela Requerente, nas condições contratadas, por todo o período inicialmente contratado;
xiii) Se escolherem usufruir dos serviços, a contrapartida está indubitavelmente sujeita. Se escolherem desvincular-se antes de findo o período de fidelização, a quantia que lhes é facturada é exactamente a mesma que pagariam por contrapartida da fruição dos serviços;
xiv) É indesmentível, pois, que tal quantia deve ser considerada como uma contrapartida – contratualmente fixada – relativa à disponibilidade do consumidor de aceder aos serviços prestados pela operadora, por todo o período de fidelização contratado, nas condições contratadas – ditas “promocionais” pela própria Requerente, como consta do Relatório de Inspeção Tributária (doravante, “RIT”).
d) Improcedesse o pedido subsidiário da Requerente, designadamente porque:
i) O Código do IVA prevê a necessidade de cumprimento de diversos requisitos legais para a regularização do IVA relativamente a créditos, sendo sempre pressuposto a liquidação do IVA ter precedido o pedido de regularização, situação que no caso em análise não se verificou.
ii) Para o efeito, deverá estar cumprida a regulamentação ínsita nos artigos 78.º e seguintes do CIVA, nomeadamente apresentando as devidas certificações do Revisor Oficial de Contas, de acordo com o exposto no artigo 78.º, n.º 9 e 10 do CIVA, para os créditos vencidos até 1 de janeiro de 2013 e de acordo com o artigo 78.º-D, para os créditos vencidos após 1 de janeiro de 2013, contendo, designadamente, o montante do imposto a regularizar/deduzir e a confirmação de que o sujeito passivo efectuou as devidas diligências para a recuperação dos créditos em causa, devendo esta certificação ser efectuada para cada um dos períodos a que se refere a regularização/dedução.
iii) Ainda relativamente aos créditos vencidos após 1 de janeiro de 2013, o artigo 78.º-A, n.º 1 do CIVA estabelece como requisito para a regularização/dedução do imposto, a evidenciação dos créditos na contabilidade, como créditos considerados de cobrança duvidosa ou como créditos considerados incobráveis.
iv) Também para os créditos vencidos após 1 de janeiro de 2013, impõe o artigo 78.º-B, n.º 1 do CIVA que para os créditos de cobrança duvidosa constantes do artigo 78.º-A, n.º 2, al. a) do CIVA isto é, créditos em mora há mais de 24 meses e superiores a 750 euros, que a dedução do imposto é efectuada mediante pedido de autorização prévia a apresentar por via electrónica, no prazo de seis meses contadas a partir da data em que os créditos sejam considerados de cobrança duvidosa.
v) No caso em apreço, nem o IVA foi liquidado nem estão minimamente provadas as condições para existir regularização/dedução.
vi) O que a Requerente não pode fazer é concluir que estaria legitimada a não liquidar – quando a tal a obriga o Direito da União Europeia e o Direito nacional - com base no argumento de que uma percentagem elevada seria – apenas alegada e não comprovadamente – regularizável por corresponder a créditos incobráveis.
e) Improcedesse o pedido de indemnização por garantia indevida, por decaimento do pedido principal;
f) Fosse indeferido o pedido de produção de prova testemunhal, por tais testemunhas já terem sido inquiridas no âmbito do processo n.º 282/2016-T, de 19 de fevereiro de 2019.
6. A posição da Requerida, tal como depois sintetizada nas suas alegações, pode ser assim resumida:
A. Alega a Requerida que a Requerente nunca juntou aos autos quaisquer dos elementos de prova previstos no artigo 78.º do CIVA, nomeadamente dos n.ºs 7 a 11 e 16 daquele artigo, até porque nunca alegou os factos para isso relevantes;
B. Por um lado, o ficheiro de Excel que a Requerente juntou mais tarde não prova que só os montantes dele constantes tenham sido cobrados, e, por outro, a prova testemunhal demonstrou inequivocamente que as importâncias eventualmente ainda não cobradas ainda podem vir a sê-lo;
C. Adverte também a Requerida que “Não deve ser dado como provado que:
a) a maioria (ou parte) dos montantes facturados a título de indemnização sejam incobráveis;
b) a Requerida tenha seguido uma prática diferente em relação a outros casos similares;
c) que a Requerida tenha aceitado que apenas houvesse lugar à liquidação adicional de IVA sobre os montantes efectivamente recebidos pela Requerente, relativamente ao ano de 2015, em detrimento do previsto no artigo 78.º do CIVA.”
D. “Há acordo entre as partes quanto ao facto de o objecto do processo n.º 282/2016-T, no âmbito do qual se procedeu ao reenvio prejudicial, ser em tudo idêntico ao que se encontra aqui em discussão.”
E. E acrescenta a Requerida que, tendo a decisão do TJUE proferida naquele processo de reenvio sido inequívoca – no sentido de que os montantes controvertidos facturados pela Requerente são sujeitos a IVA –, é forçoso aplicar tal doutrina, como se decidiu, aliás, no processo 22/2017-T, de 16 de novembro de 2017.
F. À decisão proferida pelo TJUE no processo de reenvio pretende a Requerente obstar através da invocação de:
“a) Alegada falta de correspondência entre as quantias que a Requerente tem direito a receber e as quantias a que o acórdão do TJUE se refere;
b) Alegada relevância de estarem em causa, porventura, pagamentos a título indemnizatório;
c) Alegada secundarização do instituto do reenvio prejudicial;
d) Alegada relação estabelecida pelo TJUE com a matéria sobre que recaiu o seu acórdão Air France-KLM e Hop! Brit-Air (C-250/14 e C-289/14);
e) A título subsidiário, alegada necessidade de tomar em consideração, no processo a parte dos valores em causa que ainda não chegou, alegadamente a ser (cobrado);
f) A título subsidiário, alegada deficiência no apuramento dos montantes de IVA em falta liquidados pela AT.”
G. Respondendo a cada uma dessas alegações, referiu a Requerida quanto à primeira que, tendo em conta o acordo das Partes sobre a identidade de factos do presente processo com os do processo em que ocorreu o reenvio, “a caracterização da fórmula de cálculo pela Requerente do valor das facturas cuja tributação em IVA se controverte encontra-se evidenciada, entre outras passagens, na matéria de facto dada como provada, mormente no capítulo II, secção A.1, n.ºs 18 e 25, da decisão de reenvio do CAAD, transcrevendo esta, inclusive, no referido n.º 25, uma caracterização da fórmula de cálculo da lavra da própria Requerente.”
H. Refere também a Requerida que “o TJUE centrou a sua análise em determinar “se o montante devido pela inobservância do período mínimo de vinculação ao contrato, conforme estipulado nos contratos em causa no processo principal, corresponde à remuneração de um serviço”, num contexto em que “o montante devido, por força dos referidos contratos, pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato é constituído pelo montante da mensalidade da assinatura, multiplicado pela diferença entre a duração do período mínimo de vinculação ao contrato e o número de meses em que o serviço foi prestado”.”
I. E acrescenta a Requerida que “O cerne da resposta do TJUE, no sentido de que os pagamentos em referência fazem parte da contraprestação efectiva de uma prestação de serviços individualizável, residiu nos seguintes aspectos essenciais, salientados nos n.ºs 49 a 55 do acórdão «A...»:
a) Os serviços a prestar e o valor total facturado no cômputo de cada contrato são determinados logo no momento da celebração do contrato;
b) O montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação faz parte integrante do preço total pago pela prestação de serviços, dividido em mensalidades, o qual se torna imediatamente exigível em caso de incumprimento da obrigação de pagamento;
c) Quando tal sucede, a referida exigibilidade antecipada não obsta a que a incidência do imposto tenha lugar nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Directiva do IVA;
d) O montante devido por incumprimento do período mínimo de vinculação constitui a contrapartida de uma prestação de serviços individualizável, cujo valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o prestador de serviços tenha recebido ou deva receber do seu cliente.”
J. Quanto à segunda alegação da Requerente, entende a Requerida que “O que o TJUE decidiu foi que – independentemente da designação, da natureza face ao direito interno e da justificação que a Requerente queira dar para a imputação aos clientes das quantias aqui em causa – o acordo feito entre as duas partes estipula o valor global do contrato a ser obrigatoriamente pago pelo cliente, devendo esse valor ser integralmente submetido a tributação em IVA.”
K. Quanto à terceira alegação da Requerente, entende a Requerida que o sentido de intervenção do TJUE em casos de reenvio prejudicial está consolidada e teve em consideração a pronúncia da Requerente, pelo que “não se mostra minimamente razoável vira Requerente pretender menorizar o significado e os efeitos do instituto do reenvio prejudicial, quando o próprio assunto a decidir pelo CAAD foi por este submetido ao TJUE e foi objecto de um acórdão que se debruçou especificamente sobre esse mesmo assunto.”
L. Quanto à quarta alegação da Requerente, entende a Requerida, designadamente, que “as alusões feitas pelo TJUE ao acórdão Air France-KLM e Hop! Brit-Air (C-250/14 e C-289/14) figuram apenas como considerações gerais e preliminares, com o único intuito de recordar princípios genéricos respeitantes ao sistema comum do IVA já evidenciados noutras decisões, entre as quais naquele seu acórdão anterior.”
M. Quanto à quinta alegação da Requerente, entende a Requerida que, quando se comprovam os pressupostos materiais e formais previstos nos artigos 78.º a 78.º-D do CIVA, “a regularização do correspondente IVA a favor do sujeito passivo é da iniciativa deste nas próprias declarações periódicas de imposto, não cabendo no âmbito do presente processo que corre termos no CAAD uma apreciação acerca da verificação ou não pela Requerente das condições materiais e formais legalmente exigidas para o efeito.”
N. Como isso não foi feito no presente processo, terá que se seguir o decidido pelo TJUE no Acórdão C-295/17, A...: “caberá às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correcção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Directiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efectivamente recebeu”.
O. Pelo que “pretender como pretende a Requerente que seja reduzida a liquidação adicional de imposto levada a cabo pelos SIT, ao montante que fez inscrever numa folha de Excel, mais não é do que pretender que o Tribunal determine a regularização de imposto, ao arrepio do CIVA, da Directiva e, da decisão do TJUE à qual, como já observámos está vinculado.”
P. Aliás, continua, o facto de no relatório de inspecção referente ao ano de 2015 “se ter tido em consideração o artigo 78.º do CIVA e as declarações de substituição apresentadas pela Requerente, em nada colide com o facto de aqui não se poder apreciar da eventual aplicação daquela norma, por total ausência de factos que permitam aferir dos seus requisitos.”
R. Finalmente, quanto à sexta alegação da Requerente, entende a Requerida que “decorre do decidido no acórdão «A...» que, em relação a cada contrato, o débito ao cliente do montante controvertido se insere numa prestação de serviços individualizada que é submetida a tributação em IVA no seu conjunto, de modo que, acrescendo naturalmente o IVA ao preço de cada mensalidade estipulada no contrato, o mesmo procedimento não pode deixar de ocorrer, quando, em vez da mensalidade respeitante aos serviços utilizados pelo cliente durante o mês, a Requerente debita ao cliente o preço dessa mesma mensalidade multiplicado pelo número de meses em falta para terminar o período chamado de «fidelização».”,
S. Sendo por isso inaplicável ao caso dos autos o decidido pelo TJUE no acórdão de 7 de novembro de 2013 (C-249/12 e C-250/12, Tulică e Plavoşin, ECLI:EU:C:2013:722), que concluiu que “deve considerar-se que o preço a facturar já inclui o IVA quando se verifica, cumulativamente, o seguinte:
– O preço do bem ou do serviço tenha sido determinado pelas partes sem referência alguma à exclusão ou à inclusão do IVA;
– O fornecedor do bem ou do serviço, face à legislação interna aplicável, não tenha a possibilidade de recuperar o valor do IVA junto do cliente.”
T. Como a Requerida afiança que nenhuma das duas referidas condições, cumulativas, tem aplicação ao caso, entende que também decai esta última argumentação da Requerente.
Na sua Resposta ao PPA, a AT solicitou o aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo n.º 282/2016-T, de 8 de janeiro de 2017, do CAAD, na medida em que “não revelando a Requerente quais os factos que estas possam provar a mais, no âmbito do presente processo, bastará operar o aproveitamento da prova então produzida, a qual foi gravada”.
7.Como vimos, na resposta a Requerida defendeu que, por se tratar da mesma questão jurídica, a suspensão da instância até decisão no processo de reenvio prejudicial n.º C-295/17, a correr termos no TJUE, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, tal como a Requerente logo alertou no seu PPA.
O pedido formulado nesse outro processo envolvia as seguintes questões:
“1) Os artigos 2.º, n.º 1, alínea c), 64.º, n.º 1, 66.º/1/a), e 73.º, todos da Diretiva 2006/112/CE, devem ser interpretados no sentido de que o Imposto sobre o Valor Acrescentado é devido por um operador de telecomunicações (televisão, internet, rede móvel e rede fixa) pela cobrança aos seus clientes, no caso de termo de contrato com obrigação de permanência por uma duração determinada (período de fidelização), por causa imputável ao cliente, antes de completada tal duração, de um valor predeterminado, equivalente ao valor da mensalidade base devida pelo cliente nos termos do contrato, multiplicado pelo número de mensalidades em falta até ao termo do período de fidelização, sendo que quando é faturado o referido valor, e independentemente da sua efetiva cobrança, cessou já a prestação de serviços pelo operador, e caso:
a. o valor faturado tenha como finalidades contratuais dissuadir o cliente de incumprir o período de fidelização a que se obrigou e ressarcir prejuízos que o operador sofreu, com o incumprimento do período de fidelização, designadamente pela privação do lucro que auferiria se o contrato vigorasse até ao final do referido período, bem como pela contratação de tarifas mais baixas, pelo fornecimento de equipamentos ou outras ofertas, gratuitamente ou a preço reduzido, bem como com despesas de publicidade e angariação do cliente;
b. os contratos com período de fidelização que foram angariados tenham uma remuneração, para os angariadores, superior à dos contratos sem fidelização por eles angariados, sendo que o valor da remuneração dos angariadores, num e noutro caso (ou seja, nos contratos com e sem fidelização) era calculada com base no valor das mensalidades fixado nos contratos angariados;
c. o valor faturado seja qualificável, face ao direito nacional, como uma cláusula penal [?]
2) A eventual não verificação de alguma, ou algumas, das alíneas da primeira questão, é suscetível de alterar a resposta à mesma?”
8. No pedido Arbitral referente ao presente processo, a Requerente alegou que os pedidos acima transcritos “não esgotam todas as questões essenciais à boa resolução da presente causa”, “subsistindo outras dúvidas quanto à interpretação das regras acima mencionadas da Diretiva IVA que também têm de ser submetidas à apreciação desse TJUE”, pelo que logo solicitou ao Tribunal arbitral a suscitação de novas questões, cuja redação sugeriu fosse a seguinte:
“1. É admissível a interpretação dos artigos 2.°, n.º 1, alínea c), 9.º, 24.º, 72.º e 73.º, todos da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro, relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“Diretiva do IVA”), no sentido de considerar que pode haver uma prestação de serviços sujeita a este imposto nos casos em que uma operadora de comunicações eletrónicas cobra aos seus antigos clientes um determinado montante para ser ressarcida dos prejuízos por si incorridos em resultado de uma resolução antecipada (i.e., antes do termo do período de fidelização contratualmente acordado) do contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas que vigorou entre ambas as partes, por motivo imputável a esses seus antigos clientes, num momento (após essa resolução) em que – por questões legais e regulatórias setoriais – a operadora de comunicações eletrónicas se encontra impedida de prestar qualquer serviço de comunicações eletrónicas a esses seus antigos clientes?”;
“2. Em caso de resposta positiva à questão anterior, é admissível a interpretação dos artigos da Diretiva do IVA atrás mencionados, no sentido de considerar que o montante acima referido cobrado pela operadora de comunicações eletrónicas aos seus antigos clientes não poderá corresponder à contrapartida de uma qualquer prestação de serviços tributável em sede de IVA sempre que não seja possível identificar um ato de consumo concreto que permita qualificar os antigos clientes da operadora de comunicações eletrónicas como consumidores efetivos de vantagens conferidas pela operadora de comunicações em resultado do aludido pagamento?”;
“3. Para efeitos da boa interpretação dos artigos da Diretiva do IVA atrás mencionados e da sujeição ou não a imposto da situação melhor descrita supra em 1., é ou não relevante que seja concretamente apurado pelas autoridades tributárias e/ou os tribunais nacionais se o montante cobrado pela operadora de comunicações eletrónicas aos seus antigos clientes se destina a reparar os seus danos emergentes e/ou seus lucros cessantes?”;
“4. Em caso de resposta positiva à questão anterior, qual é a influência – para efeitos da boa interpretação dos artigos da Diretiva do IVA atrás mencionados e da sujeição ou não a imposto da situação melhor descrita supra em 1. – de, no caso concreto, essa indemnização ser exigida pela operadora de comunicações eletrónicas para ser ressarcida dos encargos por si suportados com a celebração do contrato e prestação dos correspondentes serviços aos seus antigos clientes, sendo, todavia, na prática impossível a sua quantificação individualizada devido à exigência legal de consagração nos contratos dos encargos decorrentes da cessação antecipada, o que implica necessariamente que haja uma quantificação prévia e com base em estimativas de tais encargos no momento da redação da minuta do contrato de adesão destinado a todo universo de (potenciais) clientes?”;
“5. Ainda para efeitos da boa interpretação dos artigos da Diretiva do IVA atrás mencionados e da sujeição ou não a imposto da situação melhor descrita supra em 1., é ou não relevante que as partes (a operadora e os seus antigos clientes), ao abrigo do princípio da liberdade contratual, tenham antecipadamente definido a fórmula de cálculo do montante indemnizatório que seria devido pelos antigos clientes, caso estes incumprissem o período de fidelização estipulado no contrato de prestação de serviços?”;
“6. Ainda para efeitos da boa interpretação dos artigos da Diretiva do IVA atrás mencionados e da sujeição ou não a imposto da situação melhor descrita supra em 1. a circunstância de o montante cobrado por incumprimento do período de fidelização contratualmente fixado poder equivaler ao montante das mensalidades devidas caso o contrato se mantivesse até ao final do período de fidelização determina, por si só, que tal montante tem carácter remuneratório?”
“7. A resposta às questões anteriores é, de alguma forma, influenciada pelo facto de os montantes exigidos a título de indemnização pelo incumprimento do período de fidelização, e o respetivo tratamento em sede de IVA, terem sido definidos pelos operadores de comunicações eletrónicas ao abrigo de um quadro legal, jurisprudencial, doutrinal e factual que fundamenta a confiança e legítima expetativa dos operadores de comunicações eletrónicas na não sujeição a IVA daqueles montantes?”.
9. Ouvida a Requerente sobre a suspensão da instância e o aproveitamento da prova testemunhal anteriormente produzida, o Tribunal arbitral considerou, por Decisão de 10 de agosto de 2018, que não se justificava novo reenvio, e determinou a suspensão do presente processo até o CAAD ser notificado da decisão proferida pelo TJUE no referido Processo n.º C-295/17, relegando para depois desse conhecimento a produção de prova, de modo a poder ajustá-la ao que viesse a decorrer da decisão a proferir pelo TJUE.
10. Por despacho de 25 de novembro de 2018 foi a Requerida notificada para comunicar aos autos se já havia sido proferida Decisão do TJUE no pedido de reenvio formulado no Processo Arbitral n.º 282/2016-T.
11.Por Requerimento de 4 de dezembro de 2018 a Requerida veio solicitar a junção aos autos da Decisão do TJUE proferida no reenvio prejudicial formulado no Processo Arbitral n.º 282/2016-T, cujo segmento decisório era o seguinte:
“Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:
1) O artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.
2) Não são determinantes para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços, de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada desse contrato, o facto de o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato e ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período, o facto de a remuneração recebida por um agente comercial pela celebração de contratos que estipulem um período mínimo de vinculação aos mesmos ser superior à prevista no âmbito dos contratos que não estipulam esse período e o facto de o referido montante ser qualificável, no direito nacional, como cláusula penal.”.
12. Por Despacho de 10 de dezembro de 2018 foi marcada para o dia 16 de janeiro a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual se procederia à inquirição das testemunhas.
13.Em 20 de dezembro, a Requerente apresentou requerimento pedindo a junção de documentos, solicitando diligências adicionais e alteração do rol das testemunhas indicadas no PPA.
13.1. Justificou o primeiro pedido nos seguintes termos:
“a Requerente apenas recebeu, até ao momento presente, o pagamento de uma reduzida parte dos montantes faturados aos seus (antigos) clientes incumpridores (na sua grande maioria, clientes particulares) a título de indemnizações debitadas nas situações de incumprimento contratual, nos moldes que se seguem (conforme informação que se havia prometido na p.i. juntar aos autos e que se mostra reunida no documento n.º 1 que ora se junta):
(i) No período correspondente aos meses de janeiro, fevereiro e março de 2013, a Requerente apenas recebeu dos seus (antigos) clientes a importância de € 177.455,25 (face ao total faturado em igual período de € 2.262.707,26);
(ii) No período compreendido entre janeiro e dezembro de 2014, a Requerente apenas recebeu dos seus (antigos) clientes a importância de € 3.894.784,31 (face ao total faturado em igual período de € 30.648.301,34)”.
Invocou ainda, para a junção de outros documentos, que
“a Requerida tem negociado e alcançado acordos com a Requerente (por exemplo, tal sucedeu no decurso de inspeções tributárias realizadas pela Requerida em sede de IVA ao ano de 2015) e com outros operadores de comunicações eletrónicas seus concorrentes, para resolução rápida e antecipada de litígios sobre questões idênticas àquelas que constituem objeto do litígio em apreço, nos quais a Requerida aceitou que apenas houvesse lugar à liquidação adicional de IVA sobre os montantes indemnizatórios associados à violação do período de fidelização que foram efetivamente recebidos de (antigos) clientes particulares pelos operadores, incluindo a Requerente (conforme relatório de inspeção tributária respeitante ao ano de 2015, comprovativo de substituição da declaração periódica respetiva e comprovativo de pagamento, que que se juntam como documentos n.ºs 2 e 3, nos termos do artigo 423.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigos 1.º e 79.º, n.º 7, do CPTA, e artigo 29.º, n.º 1, do RJAT)”.
13.2. Quanto às diligências adicionais requeridas, alegou que
“crê a Requerente, com o devido respeito, que se impõe a este Douto Tribunal Arbitral a notificação da Requerida, nos termos dos artigos 411.º e seguintes, do Código de Processo Civil, e ainda do artigo 13.º, do CPPT, para apresentar os acordos, liquidações de imposto e/ou quaisquer outros documentos resultantes das negociações havidas com os outros operadores de comunicações eletrónicas, incluindo os projetos de relatórios de inspeção e os relatórios de inspeção) em torno destes factos arguidos por aquela na sua p.i. e que foram frontalmente rejeitados pela Requerida, na sua Resposta (vide artigos 236.º, 238.º e 220.º)”.
13.3. Quanto à substituição de testemunhas, considerou que deviam ser
“inquiridas duas novas testemunhas abaixo indicadas cujo depoimento, porquanto face ao teor do acórdão do TJUE e à rejeição da Requerida aos factos invocados pela Requerente na p.i., se afigura de importância crucial para demonstrar perante este Tribunal a veracidade da ocorrência de negociações havidas entre a Requerente e a Requerida e que possibilitaram, dentro dos termos sumariamente expostos acima, o acordo alcançado relativo ao ano de 2015”.
14. Em exercício do contraditório, veio a Requerida, em 15 de janeiro, opor-se ao solicitado, pedindo o aproveitamento da prova testemunhal produzida no Processo n.º 589/2017-T:
14.1. Quanto à solicitada junção de documentos intencionados a comprovar as importâncias realmente recebidas pela Requerente e, ou, alegadas actuações divergentes da AT, referindo que
(...) o documento ora junto demonstra ser totalmente irrelevante para efeitos probatórios, não se retirando do mesmo qualquer indício que permita concluir pela procedência do pedido nos termos em que a Requerente almeja.
Até porque, não pode fazer prova de qualquer facto alegado no PPA, desde logo porque é posterior a este.
Note-se que o documento ora junto pela Requerida tem despacho datado de 14- 09-2018 pelo que não pode ser de data anterior a esta.
Por outro lado, todos os factos submetidos à apreciação do Tribunal são os contantes do PPA, que data de 2017.
Razão pela qual o documento não deve ser admitido, por não provar qualquer dos factos constantes do PPA.
Em suma, a pretensão da Requerente é a que já havia expresso nos artigos 385.o a 392.º do PPA.
Sucede, porém, que não só não logra este documento provar o ali alegado, como ainda que o fizesse, o que não se concede, tal não resultaria em qualquer vinculação por parte da Requerida a aceitar, atendendo aos factos alegados e provados nos presentes autos, a pretendida regularização de imposto simultânea à liquidação.
E isto por diversas ordens de razão, vejamos,
Desde logo, inexiste no Direito tributário nacional qualquer sistema de precedentes, seja administrativos ou judiciais.
Devendo a AT obediência à legalidade, estando, como tal, obrigada a decidir de acordo com as boas regras de hermenêutica jurídica.
E, para além do mais, a interpretação propugnada pela Requerente seria desconforme com o sistema comum do IVA, comunitariamente consagrado.
E que
Relativamente à lista de “facturas compensadas”, junta pela Requerente, cumpre dizer que, da referida listagem não se pode retirar qualquer conclusão quanto aos factos em apreço, senão vejamos;
Aquele “documento, mais não é do que uma listagem, elaborada pela requerente, no que parece ser um suporte de Excel, que não faz menção e muito menos junta, qualquer documento, que comprove o que ali se tem por escrito pela Requerente, ou seja, por esta alegado.
Mas, ainda que se desse como provado ter a Requerente recebido aquelas importâncias, o que não se concede, nunca tal permitiria concluir que a Requerente comprovadamente, e por exclusão de partes não tivesse recebido outras.
Tal como não se pode dar como provado que a requerente não haja recebido a maioria das indemnizações recebidas, ainda que se admita que não tenha recebido a sua totalidade, o que nem seria crível.
No entanto, e como já se observou, tal prova, sempre seria para os presentes autos indiferentes, porquanto as regularizações pretendidas dependem dos requisitos já referidos, constantes dos artigos 78.º e ss. do CIVA e os factos que a Requerente ora pretende provar, não provam o preenchimento daqueles requisitos, pelo que se deve ter por inútil a prova que a Requerente pretende efectuar.
(...)
Pelo que, ainda que viesse agora, tentar juntar tais elementos ao processo, tal sempre consubstanciaria uma inadmissível ampliação da matéria de facto sujeita à apreciação do Tribunal.
14.2. Quanto à substituição de testemunhas, citando anterior Decisão do CAAD (Processo n.º 698/2014-T), e opondo-se com o fundamento de que
(...) mesmo que tal prova testemunhal fosse admitida, o que não se concede, nunca lograria provar a verificação das condições fixadas pelo direito nacional para a correcção do IVA em conformidade.
Vejamos; ainda que se admitisse aquele documento e que sobre o teor do mesmo fosse prestada prova testemunhal, o que não se concede, (...)
(...)
Quer a regularização prevista no artigo 78.º n.ºs 7 ou 8, quer a regularização prevista no art.º 78.º-A, ambos do CIVA, exigem a verificação de requisitos, que devem ser documentalmente comprovados, nomeadamente, os previstos nos n.ºs 8 a 11 e 16, do art.º 78.º e os constantes do art.º 78.º-D, respectivamente.
E, nos presentes autos, não foram alegados os factos susceptíveis de demonstrar a verificação de tais factos, não tendo também, sido junta qualquer prova documental que demonstre a verificação de tais requisitos.
Ora, a prova testemunhal, não pode vir substituir aquela.
15. No dia 16 de janeiro teve lugar a audiência de julgamento tendo nessa data sido ouvidas as testemunhas indicadas pelas Partes, nos termos da respetiva ata, cujo conteúdo se dá como integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos, tendo sido deliberado o seguinte, em relação aos documentos cuja junção fora pedida pela Requerente no requerimento apresentado em 20 de dezembro de 2018, à alteração das testemunhas, e às diligências aí solicitadas, bem como quanto ao aproveitamento da prova solicitado pela Requerida:
16. O Tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 18.º, n.º 2, do RJAT, fixou o dia 10 de maio de 2019 para a prolação da Decisão Arbitral, prorrogando por dois meses, contados a partir do seu término, o prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, e determinou a produção de alegações escritas sucessivas.
17. As partes produziram alegações escritas, tendo mantido as respectivas posições. A Requerida suscitou, porém, a possível intempestividade da segunda versão das alegações da Requerente, entradas a 1 de fevereiro, e objetou à junção da transcrição dos depoimentos prestados em audiência, invocando uma anterior decisão do CAAD (Despacho no Processo n.º 581/2017-T) determinando o desentranhamento das transcrições pretendidas juntar por uma das partes.
18. Notificada para se pronunciar, a Requerente invocou que a nova versão das alegações se limitava a corrigir “pequenos lapsos” detetados na versão enviada no dia 31 de janeiro, e que “na pior das hipóteses, sempre deverá o Tribunal Arbitral atentar à versão dessas mesmas alegações que deu entrada, por estar em tempo, junto deste tribunal, no dia 31 de janeiro.” – que é o que o Tribunal fará. Sobre a junção das transcrições, invocou tê-lo feito apenas como forma de “simplificação do trabalho de apreciação do Tribunal Arbitral e da Requerida (tal como facilitou o trabalho da própria Requerente) da prova produzida naquela diligência de prova” não tendo sido seu propósito que “tal junção das transcrições pudesse substituir a importância, o maior rigor e o imediatismo da prova realizada em audiência e dos registos áudio dos depoimentos”.
19.A 10 de março de 2019 foi proferido, pelo Tribunal Arbitral, despacho com o seguinte teor:
1. Nas contra alegações veio a Requerida suscitar a tempestividade das alegações apresentadas pela Requerente, porquanto surgem na plataforma do CAAD mediante comunicação, datada de 01/02/2019, ou seja, um dia após o termo do prazo para tal (31 de Janeiro de 2019).
2.Mais alega a Requerida que embora a comunicação da Requerente faça referência à correcção de um erro nas alegações enviadas fora de prazo, a verdade é que não estando esse ficheiro disponível para consulta, não lhe é possível verificar se as alegações ora enviadas se limitam a introduzir meras correcções ao ficheiro anteriormente enviado ou se pelo contrário alteram o teor do mesmo.
3.Em exercício do contraditório, veio a Requerente dizer que de facto remeteu no dia 31 de Janeiro de 2019 as suas alegações escritas, mas depois tendo constatado que a versão que havia seguido para o Tribunal não correspondia à versão final do documento, que pretendia efectivamente enviar, por conter pequenos lapsos, remeteu versão corrigida, no dia 1 de Fevereiro de 2019.
4. Em nome dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade e economia processuais, bem como da igualdade das partes, decide-se o seguinte:
a) Não havendo controvérsia quanto ao facto de as alegações enviadas pela Requerente a 1 de Fevereiro não serem tempestivas, ordena-se o seu desentranhamento.
b) Indefere-se o pedido da Requerente dirigido à substituição das alegações apresentadas a 1 de Fevereiro pelas juntas aos autos em 31 de janeiro de 2019, e, nesta sequência, determina-se a junção aos autos destas últimas e, bem assim, a sua notificação à Requerida.
5.Mais se indefere o pedido de junção aos autos da transcrição dos depoimentos prestados, na diligência de inquirição de testemunhas de 16 de Janeiro de 2019 (referentes aos depoimentos de D..., E... e F...), apresentado pela Requerente, por requerimento de 29 de Janeiro, por falta de base legal, com o consequente desentranhamento.
Do presente despacho, notifiquem-se ambas as partes.
Lisboa, 10 de Março de 2019.
O Árbitro Presidente, com a anuência dos co-árbitros,
Fernanda Maçãs
II. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
III. 1. Matéria de facto
III. 1.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
1. Em sede de IVA, a Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal e é sujeito passivo que realiza operações sujeitas a IVA.
2. A Requerente foi objecto de procedimentos inspectivos levados a cabo pela Unidade dos Grandes Contribuintes, credenciados pelas ordens de serviço n.ºs OI2015... e OI2016..., de âmbito geral, respeitantes aos períodos de tributação de 2013 e 2014.
3. Consta do Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT) 2013, que se dá para todos os devidos efeitos por integralmente reproduzido, a seguinte caracterização do sujeito passivo:
“A C..., com sede na Rua ..., nº...– ... em Lisboa, foi constituída em 22 de março de 1991 e tem como principal atividade a prestação de serviços de telecomunicações móveis.
Adicionalmente a empresa poderá prestar outros serviços de telecomunicações: telecomunicações de uso público; prestação de serviço fixo de telefone, estabelecimento e fornecimento de uma rede pública de telecomunicações e prestação do serviço de redes privativas virtuais, encontrando-se licenciada pelo Instituto das Comunicações de Portugal (“ICP”), atual ICP – Autoridade Nacional das Comunicações (“ANACOM”).
A 27 de janeiro de 2014 alterou a denominação da firma para A..., SA.
A dezembro de 2014 a C... foi incorporada por fusão na B..., SA, NIF:..., tendo esta última passado a adotar a designação social de A..., SA.
II.3.2 Relações de dependência / participação noutras empresas
À data do procedimento inspetivo a C... era detida em 100% pela B..., a qual por sua vez era integralmente detida pela G... SGPS, que por sua vez era detida pela H... SGPS.
A C... detém a totalidade do capital social da I... SGPS, S.A. (doravante designada por I...).
II.3.3 Enquadramento fiscal
(…)
Para efeito de IVA, o sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime normal de periodicidade mensal, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA.”
4. No RIT 2014 é feita a seguinte caracterização do sujeito passivo:
“A B... (doravante, “B...”) foi constituída no exercício de 2000, no âmbito do processo de reestruturação empresarial do Grupo J... (doravante designado por “Grupo k...”) por destaque dos meios ativos e passivos afetos às atividades operacionais da H..., S.A.
(…) No decorrer do período de 2014, concretamente em dezembro, efetivou-se a fusão entre a B... e a A... (ex C...), com efeitos fiscais a 1 de janeiro de 2014, passando a existir apenas uma entidade com a designação de A... S.A.
II.3.2. Relações de dependência / participação noutras empresas
A A... é uma sociedade anónima, cujo capital é detido na sua totalidade pela G..., S.A, constituída a 2006.03.26 e integra o regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) adotado pelo grupo G..., SGPS, SA.
II.3.3. Enquadramento fiscal
(…)
Para efeitos de IVA, o sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime normal de periodicidade mensal, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA.
II.3.2. Relações de dependência / participação noutras empresas
A B... é uma sociedade anónima, cujo capital é detido na sua totalidade pela G..., SGPS, S.A, constituída a 2006-03-26. Esta por sua vez, em 2013-12-31, é detida a 100% pela H... SGPS, S.A, estando assim integrada no Grupo K... .
II.3.3. Enquadramento fiscal
(…)
Para efeitos de IVA, o sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime normal de periodicidade mensal, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA (CIVA).”.
5. Com respeito ao IVA, consta do relatório final de inspecção 2013:
“III.2. IVA
III.2.1. Imposto não Liquidado - Indemnizações por incumprimento do período de fidelização contratual - €1.647.881,62
A C..., no âmbito da contratação com os seus clientes, firmou contratos de prestações de serviços, mais precisamente, contrato de prestação do serviço de voz móvel, contrato de prestação do serviço de dados – internet no telemóvel, banda larga móvel e internet wi-fi e contrato de prestação de serviços de voz fixa, no âmbito dos quais foram estabelecidos períodos mínimos de vigência contratual bem como as indemnizações a pagar pelo cliente no caso de desativação de produtos e serviços, por sua iniciativa, antes de decorrido o período acordado.
Relativamente a estes contratos celebrados foi solicitada, à semelhança do ocorrido na auditoria ao período de 2012, a explicação da composição e forma de cálculo do montante faturado aos clientes, decorrente da rescisão, bem como a posição financeira das faturas emitidas em 2013 para esta situação.
Na resposta fornecida a C... não acrescentou quaisquer outros elementos adicionais aos previamente fornecidos no procedimento inspetivo ao período de 2012, (…).”
6. Com respeito ao IVA, consta do RIT 2014:
“III.2. IVA – Imposto não liquidado – Indemnizações por incumprimento do período de fidelização contratual (n.º 1 do artigo 4.º do CIVA) – €7.049.127,99
a) Nota Introdutória - Fusão
A empresa A..., S.A. resulta da fusão ocorrida em 2014.12.29 entre a empresa B..., S.A como sociedade incorporante e a empresa A..., S.A. (com a designação anterior de B... S.A.) como sociedade incorporada.
(…)
Pelo antedito, no momento em que se verificou o registo da fusão, em 2014.12.29, extinguiu-se a sociedade incorporada e transmitiram-se para a sociedade incorporante todos os direitos e obrigações daquela, com efeitos a 2014.01.01, quer em termos contabilísticos, quer em termos fiscais.
Para efeitos do Imposto sobre o valor acrescentado, observamos que o prazo de entrega das declarações periódicas, de periodicidade mensal em qualquer das sociedades em causa, decorre até ao dia 10 do segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações conforme alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA), pelo que, até ao mês de Dezembro, inclusive, ambas as empresas apresentaram, separadamente, as suas declarações periódicas respetivas, uma vez que até aí se manteve a sua personalidade jurídica e tributária.
b) Dos factos
As situações de seguida descritas consubstanciam-se em falta de liquidação de IVA nas declarações periódicas da ex- B... e nas declarações periódicas da ex-A..., imposto atualmente devido pela sociedade incorporante A... .
[…]»”.
7. A Requerente, quer na veste de B..., quer na veste de C..., quer na veste de A..., no âmbito da contratação com os seus clientes, firmou contratos de prestações de serviços, mais precisamente, contratos de prestação de serviços de acesso à internet em banda larga, e contratos de prestação de serviços de televisão e multimédia com o seguinte teor - ou equivalente:
“10.1. As presentes Condições Específicas entram em vigor na data de adesão e vigoram pelo período mínimo inicial que, naquela data, estiver definido nas condições de oferta do serviço, devidamente publicitadas pela B...; se nada estiver definido nas condições de oferta do serviço, considera-se que tal período é de 12 (doze) meses. (…)”
10.5. Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas, pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período mínimo de vigência, a B... terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência – nº de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade).
10.6. Para efeitos do disposto na Condição anterior, o valor a tomar em consideração será o valor da mensalidade de tarifário pós-pago mais baixa que esteja em vigor à data de rescisão.”.
8. Também no que respeita às prestações de serviços de televisão e multimédia, os contratos continham o clausulado seguinte ou seu equivalente:
“12.1. As presentes Condições Específicas entram em vigor na data de adesão e vigoram pelo período mínimo inicial de 24 (vinte e quatro) meses, salvo nos casos em que o CLIENTE opte por contratar o serviço pelo período mínimo inicial de 12 (doze) meses, de acordo com o tarifário em cada momento em vigor.
12.4. Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas, pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período mínimo de vigência, a B... terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência - nº de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade).”.
9. Assim, caso não seja cumprido o período contratual mínimo estabelecido para os clientes que optem por contratos com períodos de fidelização, a Requerente pode exigir-lhes uma indemnização calculada tendo em conta o número de meses que faltam para completar o período acordado multiplicado pelo valor da mensalidade acordada.
10. Este procedimento é comum no setor das telecomunicações em Portugal, sendo praticado pela generalidade dos operadores.
11. Em situações de incumprimento por parte do cliente, num primeiro momento a Requerente informa o cliente da necessidade da regularização dos valores em dívida e adverte-o que, em caso de não regularização, procederá ao cancelamento dos serviços contratados e ao débito da indemnização decorrente do incumprimento do período de fidelização, conforme estipulado nos contratos.
12. Na sequência desta comunicação, e caso o cliente não regularize os valores em dívida, a Requerente procede à suspensão da prestação de serviços contratada.
13. Só após a continuação do incumprimento e a consequente resolução do contrato é que a Requerente procede ao débito do valor contratualmente devido, correspondente ao "Valor da mensalidade (...) multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse período".
14. A generalidade dos clientes da Requerente cumpre as condições contratadas, mantendo a vinculação durante o período mínimo de vigência.
15. Nas situações em que o incumprimento persiste, a Requerente procura cobrar a quantia pré-fixada, sem necessidade de recorrer à via judicial para prova e demonstração do direito a tal montante.
16. Nas situações de resolução contratual com incumprimento do período mínimo de vigência, a Requerente emite aos seus clientes incumpridores as faturas correspondentes aos valores debitados nos termos referidos, sem liquidação de IVA e com a expressa menção “Não sujeito a IVA”.
17. Nessas faturas a Requerente menciona sob o título de Detalhe de Faturação tratar-se de “INDEMNIZAÇÃO INCUMPRIMENTO CONTRATUAL – SERVIÇO”.
18. A generalidade das “indemnizações” debitadas neste âmbito respeita a clientes particulares.
19. Relativamente à contabilização, considerando a incerteza subjacente ao recebimento destes valores, a Requerente, no momento da emissão da factura, reconhece os valores na conta snc 282 - Rendimentos a Reconhecer (conta PIC 2171220000 – Proveitos Diferidos - Fact Antecip-CP-Fact. Indemnização), apenas os reconhecendo em resultados quando existir certeza de que irá receber do seu cliente.
20. A Requerente não liquidou IVA sobre as referidas quantias facturadas aos seus clientes em 2013 e 2014, por entender que estas se encontram fora do campo do referido imposto.
21. No decurso de uma inspeção tributária, realizada em sede de IVA ao ano de 2015, a Requerida aceitou uma correção voluntária, pela Requerente, correspondente aos montantes indemnizatórios associados à violação do período de fidelização que foram efetivamente por si recebidos de (antigos) clientes, dentro do circunstancialismo previsto no artigo 78.º do CIVA, podendo ler-se a seguinte motivação: “Relativamente à divergência entre o valor de IVA proposto corrigir e a regularização voluntária efetuada pela A... foram tidos em consideração os efeitos da possibilidade de regularização a seu favor, do eventual IVA liquidado, através dos mecanismos de regularização de IVA previstos no artigo 78.º do Código do IVA”.
22. No que se refere aos montantes facturados pela Requerente aos seus antigos clientes, a título de indemnização por incumprimento dos períodos de fidelização (conforme alegação dos artigos 64.º a 66.º e 409.º da PI e documento n.º 1 junto com o requerimento de 21 de dezembro de 2018, provado apenas que a Requerente não recebeu até ao “presente momento” o valor correspondente ao total facturado.
23.A Requerente exerceu o seu direito de audição relativamente ao projecto de Relatório de Inspeção Tributária referente ao ano de 2013, mas a AT manteve o entendimento anteriormente defendido e a correção em sede de IVA inicialmente proposta, no montante global de € 1.647.881,62.
24. A Requerente exerceu o seu direito de audição relativamente ao projecto de Relatório de Inspeção Tributária referente ao ano de 2014, mas a AT manteve o entendimento anteriormente defendido e a correção em sede de IVA inicialmente proposta, no montante global de € 7.049.127,99.
25. A Requerente apresentou recurso hierárquico contra as liquidações de IVA n.ºs 2015..., 2015 ... e 2015..., relativas aos períodos de janeiro, fevereiro e março de 2013, indeferido nos termos que constam do Processo Administrativo (doravante, “PA”).
26. A Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de IVA n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., 2017..., bem como as respectivas liquidações de juros compensatórios melhor identificadas no intróito do PPA, que foi objecto de indeferimento expresso, nos termos que constam do PA.
27. A Requerente não procedeu ao pagamento dos atos de liquidação melhor identificados acima, dentro do período voluntário para o efeito, pelo que foram instaurados os respetivos processos de execução fiscal por parte da AT.
28. Para efeitos de suspensão dos processos de execução fiscal instaurados para cobrança coerciva das quantias sindicadas a ora Requerente apresentou junto da AT, nos termos e com os efeitos do artigo 169.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”), a garantia bancária n.º ..., emitida pelo L..., S.A., no montante de € 9.766.572,89.
29. Em 13 de março de 2018, a Requerente deduziu o presente PPA.
30. Com relação ao ano de 2012, a Requerente – aí na qualidade de sucessora da, à data dos factos, C...– apresentou pedido de pronúncia arbitral que foi tramitado no CAAD sob o n.º 282/2016-T, de 8 de janeiro de 2017.
31. Tal PPA tinha como objecto as liquidações de IVA e juros compensatórios emitidas com respeito a todos os períodos de 2012, na sequência de acção inspectiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI2014..., e era idêntico ao presente.
III.1.2. Factos não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PA juntos aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo-Sul de 26 de junho de 2014, proferido no processo n.º 07148/13 , o “relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Em especial, para além dos factos que resultam diretamente da prova documental disponível, e que não são controversos, o facto dado como provado no ponto 21 do probatório resultou da junção aos autos dos documentos n.ºs 2 e 3 referentes ao relatório de inspeção ao ano de 2015, da prova produzida no processo n.º 589/2017-T e dos depoimentos produzidos nos presentes autos. Decorre igualmente da circunstância de a Requerida ter aceite que no referido relatório “foi considerado o direito a regularizar o imposto a favor da Requerente, dentro do circunstancialismo previsto no artigo 78.º do CIVA” (cfr. ponto 19 das contra-alegações).
No que se refere ao facto referido no ponto 22 do probatório, o ficheiro de Excel junto pela Requerente, com o requerimento de 21 de dezembro de 2018, foi contraditado pela Requerida fundadamente pelo facto de não ser idóneo a fazer prova de que “apenas aqueles montantes tenham sido cobrados e por outro a prova testemunhal demonstrou inequivocamente que as importâncias eventualmente ainda não cobradas ainda podem vir a ser” (cfr. pontos 12 e 13 das contra-alegações).
Por outro lado, tal facto resultou igualmente do testemunho inequívoco da Dr.ª F... que, revelando perfeito conhecimento da situação, esclareceu que pode haver clientes que ainda podem pagar os créditos em dívida.
De qualquer modo, ainda que tais documentos não sejam idóneos a fazer prova da incobrabilidade definitiva dos valores em causa, a verdade é que, à luz das regras da experiência e da normalidade, bem como dos depoimentos produzidos, ficou demonstrado que a Requerente não recebeu até ao momento presente o valor correspondente ao total facturado.
Finalmente, como mais adiante se verá, a Requerente mantém o direito a fazer a prova da incobrabilidade definitiva dos créditos em dívida perante a Requerida em sede de execução de sentença.
Não se deram como provados ou não provados factos redundantes ou incompatíveis com os factos dados como provados, nem afirmações conclusivas ou de direito formuladas pelas partes.
IV. Matéria de direito
As questões suscitadas no presente processo são, fundamentalmente, as seguintes:
i) Da qualificação das cláusulas contratuais que permitiram à Requerente facturar quantias aos clientes por incumprimento de períodos de fidelização;
ii) Da inconstitucionalidade da posição adoptada pela AT;
iii) A título subsidiário, da anulação das decisões de indeferimento do recurso hierárquico e de indeferimento da reclamação graciosa e das liquidações de IVA e juros compensatórios, respeitantes aos períodos de janeiro, fevereiro e março de 2013 e de janeiro a dezembro de 2014 melhor identificadas supra, na parte correspondente ao montante das indemnizações que foram faturadas pela Requerente e que nunca chegaram a ser efetivamente pagas pelos seus (antigos) clientes ou, em alternativa, do recurso eficaz, pela Requerente, ao mecanismo da regularização do imposto que se considere incidir sobre as indemnizações faturadas e não pagas;
iv) Da indemnização por prestação indevida de garantia.
Todas estas questões são semelhantes a outras já tratadas nos seguintes acórdãos do CAAD – acórdão 282/2016-T, de 19 de fevereiro de 2019; acórdão 589/2017-T, de 24 de abril de 2019, e acórdão 596/2017-T, de 8 de janeiro de 2019 – que, por essa razão, e em grande parte, iremos acompanhar.
Acresce que, no caso do primeiro acórdão do CAAD anteriormente referido – 282/2016-T, de 19 de fevereiro de 2019 – foi suscitado um pedido de reenvio prejudicial que deu origem ao processo C-295/17, do TJUE que, por esse motivo, também iremos referir e acompanhar ao longo da presente decisão.
IV.1 Do pedido de Reenvio Prejudicial formulado pela Requerente
Na petição inicial, a Requerente formulou perguntas que sugeriu fossem objeto de reenvio prejudicial para resposta pelo TJUE (cfr. artigo 428.º da p.i.).
Por despacho arbitral proferido em 10 de agosto de 2018, este Tribunal entendeu, a propósito desse novo pedido de reenvio prejudicial formulado pela Requerente, o seguinte: “não parece, porém, que tal se justifique: não só as questões anteriormente colocadas ao TJUE cobrem as circunstâncias de facto do presente processo, como são mais específicas do que as que a própria Requerente colocou aos dois jurisconsultos a quem solicitou Pareceres. Deve presumir-se, portanto, que para a resolução da questão de direito formulada os factos estabelecidos no anterior processo chegam.” (cfr. parágrafo 19 do despacho).
A este propósito sempre se poderá reafirmar o seguinte.
O instituto do reenvio prejudicial, previsto no artigo 267.º do TFUE, pode ser utilizado por este Tribunal Arbitral como, aliás, já foi reconhecido pelo TJUE no processo C-377/13, de 12 de junho de 2014.
Nestes termos, e de acordo com o referido artigo 267.º, sempre que uma questão sobre a interpretação dos Tratados ou sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Dito de outra forma, os tribunais nacionais – onde se inclui, naturalmente, este Tribunal – devem proceder ao reenvio de questões prejudiciais, conforme previsto no artigo 267.º do TFUE - em consequência de questões ou dúvidas relativas à validade ou interpretação de normas de direito da União Europeia.
Tal significa que, não se suscitando quanto às normas em questão quaisquer dúvidas ou tendo as mesmas sido já esclarecidas pelo TJUE – considerando, nomeadamente a chamada “teoria do acto claro” (cfr. acórdão do TJUE CILFIT, de 6 de outubro de 1982, processo C-283/81) –, não devem os tribunais nacionais proceder ao reenvio prejudicial.
Assim, se já existir (i) jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou (ii) quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco, um órgão jurisdicional nacional pode “decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece”.
No caso sub judice, e de harmonia com o despacho arbitral proferido em 10 de agosto de 2018, não se considerou ser necessário proceder ao reenvio ao TJUE de supostas dúvidas sobre interpretação de normas de Direito da União Europeia para que este Tribunal proferisse a decisão.
Na verdade, entendeu-se – e entende-se – que a jurisprudência existente e disponível do TJUE, em particular a formulada no âmbito do processo C-295/17, que tem por objeto matéria de facto essencialmente idêntica, era suficientemente esclarecedora em termos de se poder decidir da interpretação correta do Direito da União Europeia e da sua aplicação à situação factual que se conhece.
IV.2 Da ilegalidade substantiva invocada pela Requerente
Conforme resulta da matéria de facto provada, com base em cláusulas contratuais, a Requerente faturou quantias aos seus clientes por incumprimento de períodos de fidelização, sendo os montantes correspondentes ao valor da mensalidade multiplicado pelo número de meses que faltava para completar esse período.
No entanto a Requerente não liquidou IVA nas faturas que assim emitiu.
Por outro lado, só parcialmente foram recebidas, pela Requerente, as quantias faturadas.
Neste contexto, a principal questão no presente processo visa determinar se, nas situações de incumprimento do período mínimo de vigência dos contratos, as quantias faturadas pela Requerente aos clientes incumpridores a título, descrito pela Requerente, de “INDEMNIZAÇÃO INCUMPRIMENTO CONTRATUAL – SERVIÇO”, são qualificáveis como sendo a contrapartida da prestação de serviços, para efeitos da sujeição a IVA, à luz do disposto no artigo 4.º, n.º 1 do CIVA. Este Código deve ser objecto de interpretação conforme com a Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, a qual deve respeitar as regras interpretativas não podendo, nomeadamente, conduzir à interpretação contra legem do direito nacional.
Por outras palavras, procura saber-se se os montantes facturados aos clientes por incumprimento de períodos de fidelização devem ser qualificados como constituindo, ou não, remuneração de “prestação de serviços”.
Consequentemente podiam, em abstracto, ser suscitadas dúvidas relativas à interpretação do artigo 2.º, n.º 1, al. c), da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, à luz dos factos sub judice.
Sucede que, como referimos, essas dúvidas foram clarificadas e dissipadas, num passado recente, pelo TJUE no âmbito do processo C-295/17, que teve por objeto matéria de facto essencialmente idêntica ao da presente decisão, como aliás a Requerente reconhece no artigo 425.º da petição inicial.
Com efeito, da matéria de facto plasmada no pedido de reenvio na sequência do qual foi proferido o acórdão do TJUE referido, consta o seguinte relativamente a contratos idênticos aos da matéria dada como provada, bem como aos montantes faturados pela Requerente aos clientes incumpridores a título, descrito pela Requerente, de “INDEMNIZAÇÃO INCUMPRIMENTO CONTRATUAL – SERVIÇO”:
– “Estes contratos incluem cláusulas que preveem a obrigação do cliente proceder ao pagamento de um valor a correspondente ao da mensalidade multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse o período, em caso de desativação dos serviços, antes do termo do vínculo contratual acordado, por iniciativa da Requerente por causa imputável ao cliente”;
– “Após a verificação do incumprimento e da consequente cessação da prestação de serviços, a Requerente procede ao débito do valor que entende devido nos termos previstos no contrato, correspondente ao "Valor da mensalidade (...) multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse período”.
Mais consta do pedido de reenvio que deu origem ao acórdão do TJUE que vimos acompanhando, a transcrição do RIT, onde se lê que o valor a pagar pelo cliente nos casos de rescisão antecipada “corresponderá ao valor mensalidade acordada, multiplicada pelo número de meses que estiverem em falta para completar o mencionado período mínimo de vigência.”, sendo que se faz expressa menção, no pedido de reenvio, que o “relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”, o que é o caso.
Nessa sequência, a questão formulada ao TJUE, que foi devidamente precedida do contraditório das partes, refere expressamente que, nos casos de rescisão, é contratualmente devido “um valor predeterminado, equivalente ao valor da mensalidade base devida pelo cliente nos termos do contrato, multiplicado pelo número de mensalidades em falta até ao termo do período de fidelização”.
Na apreciação efetuada pelo Tribunal no âmbito do Processo C-295/17, há que notar que a Requerente teve intervenção em que requereu a reabertura da fase oral do processo, defendendo “que as conclusões da advogada-geral, em especial os n.ºs 41, 44, 46 e 47 das mesmas, assentavam em factos errados, atendendo, nomeadamente, ao montante faturado pela A... aos seus clientes em caso de resolução antecipada do contrato de prestação de serviços” (n.ºs 23 e 24 do Acórdão).
A este propósito, o TJUE, apelando ao artigo 83.º do seu Regulamento de Processo, referiu que “pode, a qualquer momento, ouvido o advogado-geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.º do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia” (n.º 28 do Acórdão).
Entendeu o TJUE que “o cálculo do montante que a A... faturou pela rutura antecipada do contrato de prestação de serviços foi descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio, como resulta do n.º 12 do presente acórdão, o que, de resto, a A... não contestou nas suas observações nem na audiência. Além disso há que sublinhar que o apuramento dos factos é da exclusiva competência do órgão jurisdicional de reenvio. Quanto à qualificação desse montante feita pela A..., a mesma não vincula o Tribunal de Justiça no âmbito da sua resposta ao pedido de decisão prejudicial” (n.º 29 do Acórdão).
Assim, o Tribunal indeferiu o pedido da Requerente considerando que “dispõe de todos os elementos necessários para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e entende que para efeitos do julgamento da causa no processo principal, foram debatidos no Tribunal de Justiça todos os argumentos, em especial os relativos à qualificação do referido montante” (n.ºs 30 e 31 do Acórdão).
Neste acórdão, referente ao processo C-295/17, o TJUE concluiu, relativamente à qualificação dos montantes recebidos por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato, pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, da seguinte forma:
1) O artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.
2) Não são determinantes para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços, de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada desse contrato, o facto de o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato e ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período, o facto de a remuneração recebida por um agente comercial pela celebração de contratos que estipulem um período mínimo de vinculação aos mesmos ser superior à prevista no âmbito dos contratos que não estipulam esse período e o facto de o referido montante ser qualificável, no direito nacional, como cláusula penal.
No tocante à qualificação dos montantes recebidos pela A... na sequência da resolução dos contratos de prestação de serviços pelos seus clientes, antes do termo do período mínimo convencionado de vinculação ao contrato, o TJUE salientou que o CAAD explicou suficientemente e com precisão as circunstâncias de facto que estavam na origem do processo principal e o enquadramento jurídico do mesmo.
Nesta medida, de acordo com o TJUE, não há outros factos ou argumentos que possam considerar-se relevantes para a decisão da questão da qualificação do montante faturado. Consequentemente concluiu que, à luz do artigo 2.º, n.º 1, al. c) da Diretiva IVA, o montante predeterminado recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.
O montante predeterminado deve corresponder ao montante que o operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar. No acórdão que vimos acompanhando, o TJUE apreciou toda a situação económica tendo deixado para o órgão de reenvio apenas a verificação sobre se o montante predeterminado (“indemnização”) “corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado”.
Consequentemente, e à luz do que decidiu o TJUE, cabe ao Tribunal Arbitral (“órgão jurisdicional de reenvio”) verificar se o montante “predeterminado no contrato de prestação de serviços de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada » «corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado” .
Se se verificar esta correspondência, tal montante deve ser considerado, para efeito do artigo 2.º, n.º 1, al. c), da Diretiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, como “remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto” .
Como decorre do texto do Acórdão, é apenas aquele “montante predeterminado” previsto para as situações de resolução antecipada (que foi faturado e em relação ao qual se equaciona a necessidade de liquidação de IVA no momento da emissão da fatura), que releva para a qualificação em causa e é quanto a esse montante predeterminado que foi faturado que “a resolução antecipada não altera a realidade económica da relação entre a A... e o seu cliente” (ponto 51 do Acórdão).
Observe-se que, em linha com a conclusão do TJUE segundo a qual o “montante prédeterminado” deve ser considerado, para efeito do artigo 2.º, n.º 1, al. c), da Diretiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, como “remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto”, é a própria Requerente quem, na petição inicial, reconhece que:
– “o quantum indemnizatório a que os clientes se encontram contratualmente vinculados, em resultado da ocorrência de um incumprimento contratual da sua estrita responsabilidade, ser expresso por referência às importâncias que a A... receberia daqueles caso o contrato de prestação de serviços resolvido se mantivesse em vigor até ao termo do período de fidelização”; bem como
– “a equivalência entre os dois valores acima aludidos” .
Posto isto, o alegado pela Requerente – segundo a qual poderia auferir rendimentos que excedessem o valor da mensalidade base –, é uma circunstância meramente eventual, ou seja, é possível, e até provável, que se os contratos cessados prosseguissem a sua execução a Requerente auferisse rendimentos que excedessem o valor da mensalidade base contratada.
Como é possível, embora menos provável, que tal não acontecesse, já que os clientes da Requerente não tinham qualquer obrigação contratual que garantisse à Requerente o consumo de serviços adicionais.
Neste contexto, o certo, no momento em que a Requerente procede à rescisão dos contratos, é que, na esfera jurídica da Requerente apenas está consolidado o direito à perceção do valor base das mensalidades previsto no contrato, até ao termo do “período mínimo de vigência” também ali previsto.
É esse o valor que, no momento da rescisão, a Requerente podia ter como certo (e não, meramente, possível ou provável) que receberia até ao final do contrato, e é esse mesmo valor que, por força daquela rescisão, fatura ao cliente inadimplente, como a própria Requerente, nos termos previamente vistos, o reconhece.
E é justamente, crê-se, esta circunstância que está na base da decisão do TJUE que a este Tribunal Arbitral cumpre dar aplicação.
Foi por o TJUE entender que o direito a percecionar o valor a receber pela Requerente, nos casos de rescisão antecipada, estava já consolidado na esfera jurídica da Requerente, previamente àquela rescisão, que concluiu naquele sentido.
De resto, no Acórdão do TJUE pode ler-se:
“Ora, no caso vertente, há que recordar que, de acordo com o método de cálculo descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio e mencionado no n.º 12 do presente acórdão, o montante devido, por força dos referidos contratos, pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato é constituído pelo montante da mensalidade da assinatura, multiplicado pela diferença entre a duração do período mínimo de vinculação ao contrato e o número de meses em que o serviço foi prestado. Assim, o pagamento do montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato permite à A... obter, em princípio, os mesmos rendimentos que obteria se o cliente não tivesse resolvido o contrato prematuramente.”.
Ou seja: o TJUE pronunciou-se expressamente no sentido de que o valor da mensalidade base multiplicado pelos meses em falta para o cumprimento do “período mínimo de vigência” corresponde aos valores que, em princípio, a Requerente obteria se o contrato não tivesse sido resolvido prematuramente, tal como a Requerente alegou na petição inicial.
Não sendo, evidentemente, julga-se, a circunstância hipotética, de poderem, ou não, vir a ser auferidos rendimentos superiores, suscetível de alterar aquele juízo de princípio, dado que daí não resulta qualquer direito da Requerente a receber o que quer que seja, por força dos eventuais serviços que, até ao termo do “período de vigência mínima” do contrato, pudesse prestar.
Efetivamente, e como também é claro o TJUE dizer, “por força dos contratos em causa no processo principal, a A... tem direito a que lhe seja pago, em caso de incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato, um montante idêntico ao que teria recebido a título de remuneração dos serviços que se comprometeu a prestar se o cliente não tivesse resolvido o seu contrato”.
Ou seja: o que está em causa é o direito da Requerente a que lhe sejam pagas determinadas importâncias, e o facto é que tal direito tem um conteúdo económico equivalente no momento antes e após a rescisão, não se alterando dessa forma, nas palavras do TJUE, “a realidade económica da relação entre a A... e o seu cliente”.
Daí que o TJUE tenha feito questão de frisar que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se “a resolução antecipada do contrato pelo cliente ou por um motivo que lhe é imputável não altera a realidade económica da relação entre a A... e o seu cliente”, unicamente “se for caso disso”, o que, pelo exposto, não se verifica, uma vez que, pelo que se expôs, a realidade económica da relação da A... com o seu cliente, na perspectiva a que o TJUE se refere, não é alterada.
Por isso, para a questão a decidir pelo órgão jurisdicional nacional, não poderá relevar a circunstância de, caso o contrato se mantivesse, poderem vir a ser prestados serviços adicionais ou mesmo vir a ser prolongado o contrato, pois, segundo o TJUE, o que releva para efeitos de tributação em IVA a título de prestação de serviços, é que o montante predeterminado, que foi faturado, corresponda ao montante que a Requerente contratualmente tinha direito, no momento da rescisão do contrato, por força deste.
E a verdade é que esse montante predeterminado que foi faturado corresponde exatamente ao montante que era devido, e por isso é que, no entendimento do TJUE, é devido IVA quanto a esse montante.
Esta tributação em IVA, da operação que a AT considerou ser uma prestação de serviços sujeita a imposto (a suposta “indemnização” assim denominada pela Requerente), e o TJUE confirmou no seu Acórdão, não poderá ser afastada pela hipotética e não juridicamente vinculativa (para o cliente da Requerente) possibilidade de, caso o contrato fosse mantido, existirem mais serviços que não foram predeterminados nem foram faturados, de haver possibilidade de prolongamento do contrato, ou mesmo de celebração de novos contratos (hipóteses impossíveis de verificar na sua realização e no seu montante).
Segundo o TJUE a suposta “indemnização” sub judice é considerada a contrapartida de uma prestação de serviços e o que releva para a sua tributação em sede de IVA é que o seu montante (o montante predeterminado), que foi faturado, corresponda ao montante que a Requerente tinha direito, no momento da rescisão do contrato, nos termos deste.
E como ficou demonstrado, esse montante predeterminado (a alegada, pela Requerente, “indemnização”), que foi faturado, corresponde ao valor a que a Requerente tinha, nos termos do contrato, direito, como contrapartida, na perspetiva do TJUE (concorde-se ou não), dos serviços que se obrigou a prestar ao cliente, e por isso, haverá tributação em IVA quanto a esse montante (a aludida “indemnização”).
O montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação (ou fidelidade) ao contrato faz, na perspetiva do TJUE, parte integrante do preço total pago pela prestação de serviços, dividido em mensalidades, preço esse que se torna imediatamente exigível em caso de incumprimento da obrigação de pagamento . E que, como se referiu, era esse o montante a que a Requerente tinha direito, no momento em que rescindiu cada contrato.
Como resulta da matéria de facto fixada, e do alegado pela Requerente na petição inicial, os montantes faturados a título de “Indemnização Incumprimento Contratual - Serviço”, relativamente aos contratos em que os clientes da Requerente não cumpriram o período mínimo de permanência a que se tinham vinculado, foi predeterminado e calculado com base numa cláusula contratual, correspondendo ao montante a que a Requerente tinha direito por força do referido período mínimo de permanência acordado com o cliente: “(período mínimo de vigência - n.º de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada)”.
De facto, os contratos incluem cláusulas que preveem a obrigação do cliente proceder ao pagamento de uma indemnização correspondente ao valor da mensalidade multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse período, em caso de desativação dos serviços, antes do vínculo contratual acordado, por iniciativa da Requerente por causa imputável ao cliente (cfr. Documento 4, junto com o PPA – Cláusula 8.4 das “Condições Específicas”).
Desta forma, após a verificação do incumprimento e da consequente cessação da prestação de serviços, a Requerente procede ao débito do valor a que entende ter direito nos termos previstos no contrato, correspondente ao “ao valor mensalidade acordada, multiplicada pelo número de meses que estiverem em falta para completar o mencionado período mínimo de vigência." (Cláusula 8.5 das “Condições Específicas”).
Conclui-se, assim, que quanto aos montantes recebidos pela Requerente tem plena aplicação no caso em apreço o Acórdão do TJUE proferido no processo C-295/17, designadamente por se verificar o seguinte:
Os montantes faturados foram predeterminados nos contratos de prestação de serviços;
Os montantes foram faturados pela Requerente em casos de resolução antecipada do contrato pelos seus clientes, ou por causas a estes imputáveis, de contratos de prestação de serviços que previam período mínimo de vinculação ao contrato;
Os montantes faturados correspondem aos montantes que a Requerente teria direito a receber, no momento da resolução, nos referidos períodos mínimos de vinculação previstos no contrato, se a resolução do contrato não se tivesse verificado.
No que se refere aos argumentos suscitados pela Requerente, no sentido da não existência de uma operação para efeitos de IVA (a denominada “indemnização”), designadamente por considerar que não existe uma relação sinalagmática que envolva o montante devido à Requerente pelos seus clientes, a título de “indemnização”, o TJUE rejeita esse argumento mediante a apreciação efetuada que consta dos pontos do Acórdão que a seguir se transcrevem (destaques a negrito acrescentados):
[39] “uma prestação de serviços só é efetuada “a título oneroso”, na aceção” do artigo 2.º, n.º 1, al. c), da Diretiva IVA, “se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador a contraprestação efetiva de um serviço individualizável prestado ao beneficiário (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de julho de 2007, Société thermale d’Eugénie-les-Bains, C-277/05, EU:C:2007:440, n.º 19 e jurisprudência referida, e de 23 de dezembro de 2015, Air France-KLM e Hop !Brit-Air, C-250/14 e C-289/14, EU:C:2015:841, n.º 22)». «Tal verifica-se caso exista um nexo direto entre o serviço prestado e a contraprestação recebida (v., neste sentido, Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Air France‑KLM e Hop !Brit‑Air, C‑250/14 e C‑289/14, EU:C:2015:841, n.º 23 e jurisprudência referida);
[40] No tocante ao nexo direto entre o serviço prestado ao beneficiário e à efetiva contraprestação recebida, o Tribunal de Justiça já decidiu, quanto à venda de bilhetes de avião que os passageiros não utilizaram e cujo reembolso não conseguiram obter, que a contraprestação do preço pago na assinatura de um contrato de prestação de serviços é constituída pelo direito que o cliente dele extrai de beneficiar do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito (v., neste sentido, Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Air France-KLM e Hop !Brit-Air, C-250/14 e C-289/14, EU:C:2015:841, n.º 28);
[40] «Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito»(v., neste sentido, Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Air France-KLM e Hop !Brit-Air, C-250/14 e C-289/14, EU:C:2015:841, n.º 28);
[41] «De resto, e quanto ao requisito do nexo direto entre a contraprestação recebida e o serviço prestado, há que determinar se o montante devido pela inobservância do período mínimo de vinculação ao contrato, conforme estipulado nos contratos em causa no processo principal, corresponde à remuneração de um serviço, atendendo à jurisprudência referida nos nºs 39 e 40 do presente acórdão»;
[42] «Ora, no caso vertente, há que recordar que, de acordo com o método de cálculo descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio e mencionado no n.º 12 do presente acórdão, o montante devido, por força dos referidos contratos, pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato é constituído pelo montante da mensalidade da assinatura, multiplicado pela diferença entre a duração do período mínimo de vinculação ao contrato e o número de meses em que o serviço foi prestado. Assim, o pagamento do montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato permite à A... obter, em princípio, os mesmos rendimentos que obteria se o cliente não tivesse resolvido o contrato prematuramente»;
[43] «No que respeita ao valor das estipulações contratuais no contexto da qualificação de uma operação de tributável, note-se que a tomada em conta da realidade económica e comercial constitui um critério fundamental para a aplicação do sistema comum do IVA (v., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2013, Newey, C-653/11, EU:C:2013:409, n.º 42 e jurisprudência referida)»;
[44] «Ora, uma vez que, por força dos contratos em causa no processo principal, a A... tem direito a que lhe seja pago, em caso de incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato, um montante idêntico ao que teria recebido a título de remuneração dos serviços que se comprometeu a prestar se o cliente não tivesse resolvido o seu contrato, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se for caso disso, a resolução antecipada do contrato pelo cliente ou por um motivo que lhe é imputável não altera a realidade económica da relação entre a A... e o seu cliente»;
[45] «Nestas condições, há que considerar que a contraprestação do montante pago pelo cliente à A... é constituída pelo direito do cliente a beneficiar do cumprimento, por essa operadora, das obrigações decorrentes do contrato de prestação de serviços, ainda que o cliente não queira ou não possa exercer esse direito por um motivo que lhe é imputável. Com efeito, no caso vertente, a A... coloca o cliente em condições de beneficiar dessa prestação, na aceção da jurisprudência»;
[46] «Acresce, a este respeito, que se o referido montante fosse qualificado de indemnização para ressarcimento do dano sofrido pela A..., a natureza da contraprestação paga pelo cliente seria alterada consoante esse cliente decidisse utilizar ou não o serviço em causa durante o período previsto no contrato»;
[47] «Assim, o cliente que beneficiou das prestações de serviços durante todo o período mínimo de vinculação ao contrato nele estipulado e aquele que cessou o contrato antes do termo desse período seriam tratados diferentemente em sede de IVA»;
[48] «Consequentemente, há que considerar que o montante devido por incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato remunera as prestações efetuadas pela A..., quer o cliente exerça quer não o direito de beneficiar dos referidos serviços até ao termo do período mínimo de vinculação ao contrato»;
[49] «Quanto à exigência de que os pagamentos constituam a contraprestação efetiva de um serviço individualizável, há que sublinhar que o serviço a prestar e o montante faturado ao cliente em caso de resolução do contrato durante o período mínimo de vinculação àquele são determinados logo na celebração do contrato»;
[50] «Assim, deve-se considerar que o montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato faz parte integrante do preço total pago pela prestação de serviços, dividido em mensalidades, preço esse que se torna imediatamente exigível em caso de incumprimento da obrigação de pagamento».
Assim, e como se referiu, de acordo com o TJUE, a atividade concreta e individualizada consubstanciada no direito proporcionado ao cliente de beneficiar do serviço que é prestado tem como contrapartida a globalidade das prestações de pagamento mensal a cargo do cliente que estão previstas no contrato, quer sejam pagas mês a mês ao longo do período de fidelização, quer devidas antecipadamente por resolução do contrato antes do final do período de fidelização.
Deste modo, não afasta a existência de uma atividade concreta e individualizada o facto alegado pela Requerente de a faturação e pagamento (quando é efetuado) ocorrerem “após a resolução ou, se se preferir, cessação do contrato” e visar “única e exclusivamente a cobertura de danos ou prejuízos causados em virtude do incumprimento do período de fidelização e cessação antecipada do contrato por parte desse antigo cliente”.
Na verdade, de acordo com o TJUE, é a atividade anterior à resolução do contrato que está a ser remunerada ao abrigo da cláusula que prevê o dever de pagamento no caso de incumprimento do período de fidelização.
Como resulta do princípio da efectividade do Direito da União Europeia, este Tribunal deve decidir de harmonia com a interpretação dada pelo TJUE, no processo C-295/17, relativamente à qualificação dos montantes faturados aos clientes por incumprimento de períodos de fidelização como constituindo remuneração de “prestação de serviços” para efeitos da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006.
As respostas dadas pelo TJUE naquele aresto são aptas a resolver o caso sub judice.
Mais.
Os acórdãos do TJUE têm força executiva (cfr. artigo 280.º do TFUE).
Não compete, por isso, ao juiz nacional “reinterpretar” o Direito da União Europeia, limitando ou ampliando o conteúdo decisório de acórdãos do Tribunal de Justiça proferidos a título prejudicial, para o afeiçoar a concepções internas de jurisprudência ou doutrina. Não pode, por isso, eximir-se ao cumprimento do acórdão fundado em concepções jurídicas divergentes, ainda que, em abstracto, plausíveis.
O juiz nacional está vinculado à interpretação de questões prejudiciais realizada pelo Tribunal de Justiça (assim, cfr. acórdão do TJUE de 3 de fevereiro de 1977, Benedetti c/ Munari, processo C-52/76).
Os acórdãos proferidos sobre questões prejudiciais integram o acquis do Direito da União Europeia e revestem-se de autoridade de “coisa interpretada” oponível a todas as jurisdições internas.
É certo que a doutrina distingue, por vezes entre as respostas do Tribunal de Justiça e a motivação dos acórdãos. Neste caso, o tribunal de reenvio estaria desobrigado de subscrever considerações não directamente ligadas ao sentido do acórdão. Convém, no entanto, dizer, a este propósito, que o Tribunal de Justiça é muito estrito na apreciação desta eventualidade, como pode ver-se no acórdão Kaba II (cfr. acórdão do TJUE de 6 de março de 2003, Processo C-466/00).
Apenas se estivesse em causa uma invencível dificuldade de compreensão da decisão prejudicial, o que não é o caso, o juiz nacional poderia suscitar novas questões prejudiciais.
Ora, no caso em análise, as respostas do TJUE são claras e resolvem, sem margem para dúvidas, as questões suscitadas pelo tribunal de reenvio.
Nestas condições, a não aplicação do acórdão constituiria uma violação do Direito da União Europeia susceptível de desencadear a obrigação de indemnizar, por parte do Estado, como foi, de resto, apreciado pelo TJUE no caso Köbler relativo à omissão de envio prejudicial necessário (acórdão de 30 de setembro de 2003, processo C-224/01) e, mais tarde, no acórdão Traghetti del Mediterraneo (de 23 de junho de 2006, processo C-173/03).
A não aplicação de uma decisão proferida pelo TJUE em matéria prejudicial constituiria, à luz desta jurisprudência, uma falta de serviço implicando, além de outras possíveis consequências, a obrigação de indemnizar.
Pelo exposto, em sintonia com o decidido pelo TJUE, deve considerar-se que os referidos montantes recebidos a título de indemnização por incumprimento dos contratos constituem a contraprestação de uma prestação de serviços para efeitos de IVA: “é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto” (cfr. parágrafo 57 do acórdão C-295/17, A..., de 22 de novembro de 2018).
Sendo assim, o IVA era exigível à Requerente, se não antes, nos momentos em que foram emitidas as faturas relativas aos montantes designados como “Indemnização Incumprimento Contratual”, nos termos dos artigos 8.º, n.º 1, do CIVA, sendo o valor tributável o da contraprestação obtida ou a obter do destinatário, como resulta do artigo 16.º, n.º 1, do CIVA.
Na verdade, por força do disposto no artigo 37.º, n.º 1, do CIVA, “a importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da fatura, para efeitos da sua exigência aos adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços”.
A possibilidade de regularização, que se coloca após a emissão das faturas, como se verá adiante, não é suscetível de se revestir de qualquer relevância para efeitos desta obrigação de liquidação de IVA nas faturas emitidas.
Em face do decidido pelo TJUE e do dever de acatamento daquela jurisprudência, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Requerente sobre a qualificação como “remuneração de prestação de serviços” dos montantes faturados por incumprimento de períodos de fidelização, que estão subjacentes às liquidações impugnadas.
Deve, por todo o exposto, improceder o pedido principal formulado pela Requerente, de anulação das liquidações impugnadas, e dos atos que as tiveram por objeto.
IV.3 Irrelevância do Direito Nacional para a resolução da questão da qualificação dos montantes em causa como “prestação de serviços”
Resulta do texto do referido acórdão do TJUE que deve entender-se que:
– “segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros devem normalmente ser objeto de interpretação autónoma e uniforme (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2017, Kozuba Premium Selection, C‑308/16, EU:C:2017:869, n.º 38 e jurisprudência referida)” (cfr. parágrafo 67 do acórdão C-295/17, A..., de 22 de novembro de 2018);
– “é indiferente, para efeitos da interpretação das disposições da Diretiva IVA, que esse montante constitua, no direito nacional, uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual ou uma penalidade contratual, ou ainda que seja qualificado de reparação, indemnização ou remuneração” (cfr. parágrafo 68 do acórdão C-295/17, A..., de 22 de novembro de 2018);
– “saber se o pagamento de uma remuneração tem lugar como contraprestação de uma prestação de serviços é uma questão de direito da União que deve ser decidida independentemente da apreciação efetuada no direito nacional” (cfr. parágrafo 69 do acórdão C-295/17, A..., de 22 de novembro de 2018);
– não é determinante “para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços (...) o facto de o referido montante ser qualificável, no direito nacional, como cláusula penal” (cfr. parágrafo 70 do acórdão C-295/17, A..., de 22 de novembro de 2018).
Assim, não se poderá conceder relevância para a decisão da questão em apreço o tratamento que lhe tem sido dado pela jurisprudência e doutrina nacional à face da lei portuguesa, designadamente se lhe atribui a natureza de indemnização ou considera estar-se perante uma cláusula penal.
IV.4 Irrelevância da finalidade visada com a previsão de um montante a pagar nos casos de resolução antecipada do contrato
O acórdão referido é também explícito no sentido da irrelevância da finalidade visada para a resolução da questão da qualificação, designadamente a dissuasão de incumprimentos por clientes e ressarcimento do prejuízo que o operador suporte com a resolução antecipada:
– “não são determinantes para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços, de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada desse contrato, o facto de o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato e ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período (...)” (cfr. parágrafo 70 do acórdão C-295/17, A..., de 22 de novembro de 2018).
Por isso, não tem relevo para a decisão da causa saber qual é a finalidade ou natureza das quantias pagas por incumprimento de fidelização, designadamente o alegado pela Requerente de que a resolução antecipada do contrato implica para a Requerente um prejuízo decorrente da perda do investimento efetuado, sendo, para além do mais, para compensar este dano que é contratualizado o pagamento da indemnização.
IV.5. Pedidos subsidiários
A Requerente pede “A título subsidiário, caso não seja dado provimento ao pedido anteriormente apresentado, deverá ainda assim, haver lugar à anulação da decisão de indeferimento expresso do recurso hierárquico referente às liquidações de IVA alusivas aos meses de abril a dezembro de 2013 e respeitantes aos juros compensatórios de janeiro a dezembro de 2013, melhor identificadas supra, na parte correspondente ao montante das indemnizações que foram faturadas pela Requerente e que nunca chegaram a ser efetivamente pagas pelos seus (antigos) clientes ou, em alternativa, assegurar-se à Requerente o recurso eficaz ao mecanismo da regularização do imposto que se considere incidir sobre as indemnizações faturadas e não pagas”.
Como é sabido, o contencioso tributário, e em concreto o contencioso arbitral tributário, é um contencioso de mera anulação, desenhado para aferir a legalidade dos atos tributários e, verificando-se a sua ilegalidade, retirar as consequências imediatamente daí decorrentes.
Ora, o facto de parte dos montantes que foram faturados não serem pagos não é suscetível de gerar a ilegalidade das liquidações, pois é uma eventualidade posterior ao momento em que devia ter sido liquidado o imposto, que deve ser incluído nas faturas (artigo 37.º, n.º 1, do CIVA) e é exigível a partir desse momento (artigo 8.º, n.º 1, do mesmo Código).
Por isso, o não pagamento não é fundamento de anulação parcial das liquidações, mas apenas pode viabilizar a regularização, nos termos do artigo 78.º ou dos artigos 78.º-A a 78.º-D do CIVA , interpretados à luz do artigo 90.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006.
No entanto, é um facto que o TJUE entendeu, no parágrafo 56 do acórdão referido “acrescentar, para todos os efeitos úteis e como a advogada‑geral salientou no n.º 55 das suas conclusões, que, se for necessário, caberá às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente”.
No referido n.º 55 das conclusões da Advogada-Geral, para que remete o acórdão do TJUE, refere-se que “a dívida tributária da empresa deve necessariamente ser corrigida, nos termos do disposto no artigo 90.° da Diretiva IVA, se se apurar, com segurança suficiente, que o seu cocontratante já não efetuará qualquer pagamento”.
Assim, no entendimento do TJUE, que confirma que o facto de parte dos montantes que foram faturados não serem pagos não é suscetível de gerar a ilegalidade das liquidações (i.e. a anulação parcial pretendida pela Requerente), na medida em que aponta no sentido de as liquidações deverem ser “corrigidas”, e não anuladas, os montantes faturados, mas não pagos pelos clientes, tem de ser entendida como não prejudicando o dever de as autoridades nacionais competentes procederem “nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente”.
É de notar, porém, que ao referir-se às “autoridades nacionais competentes”, o TJUE não está a aludir ao Tribunal Arbitral (que na terminologia do acórdão é designado como “órgão jurisdicional de reenvio” ou “), mas sim às autoridades tributárias competentes para a regularização do IVA prevista no artigo 90.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 .
Por outro lado, à face da regulamentação prevista nos referidos artigos 78.º e 78.º-A a 78.º-D do CIVA, a regularização depende do preenchimento de pressupostos que cabe ao sujeito passivo demonstrar, pelo que também por este motivo está afastada a possibilidade de este Tribunal Arbitral restringir a anulação aos montantes faturados que foram pagos.
No entanto, no entendimento do TJUE, o afastamento da anulação quanto ao IVA correspondente aos montantes faturados não pagos é indissociável de caber “às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente”, pelo que a decisão de não anulação das liquidações terá de ser acompanhada da mesma estatuição.
Neste contexto, é de notar que, embora o direito nacional preveja limitações aos poderes de cognição dos tribunais num meio contencioso de anulação (como é o processo arbitral, meio alternativo ao processo de impugnação judicial), em face da jurisdição do TJUE na interpretação do Direito da União Europeia, que resulta do artigo 267.º do TFUE, a decisão de improcedência do pedido de anulação parcial terá de ficar sujeita à mesma estatuição, nos precisos termos em que ela foi definida.
Os princípios da neutralidade do IVA e da tutela judicial efetiva (artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP), que a Requerente invoca neste contexto, ficam satisfeitos com a garantia da possibilidade de regularização, que o acórdão do TJUE impõe que seja assegurada, com a consequente possibilidade de a Requerente pedir ao tribunal competente as providências que entender adequadas, no caso de ela não lhe ser assegurada .
Neste termos, em sintonia com o que decidiu o TJUE sobre os montantes faturados que não foram pagos, improcede o pedido subsidiário, “cabendo às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente”.
No que concerne ao pedido alternativo do pedido subsidiário, de que seja assegurado à Requerente “recurso eficaz ao mecanismo da regularização do imposto que se considere incidir sobre as indemnizações faturadas e não pagas”, é manifesto que não se insere nas competências deste Tribunal Arbitral definidas no RJAT decidir mais do que decidiu o TJUE sobre a possibilidade de regularização.
IV.6. Questão do valor base a considerar para a liquidação de imposto
A Requerente invoca em sede de alegações, também a título subsidiário, a anulação parcial dos referidos atos de liquidação, tendo por base o valor das indemnizações efetivamente pagas pelos clientes, devendo o IVA considerado ser incluído no valor já debitado e efetivamente cobrado.
Defende a Requerente, em alegações, que o montante de imposto a entregar ao Estado, com referência ao ano de 2013, deveria considerar-se incluído no valor já debitado e cobrado aos seus clientes.
Invoca a Requerente em abono da sua posição o acórdão do TJUE Corina Hrisi Tulica, de 7 de Novembro de 2013, proferido nos processos apensos C-249/12 e C-250/12, em que se entendeu que “a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, nomeadamente os seus artigos 73.º e 78.º, deve ser interpretada no sentido de que, quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem menção do imposto sobre o valor acrescentado e o fornecedor do referido bem seja o devedor do imposto sobre o valor acrescentado devido sobre a operação tributada, e caso o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o imposto sobre o valor acrescentado reclamado pela administração fiscal, se deve considerar que o preço convencionado já inclui o imposto sobre o valor acrescentado”.
Como resulta dos termos em que a Requerente coloca a questão ela reporta-se às quantias cobradas (portanto, a momento posterior à liquidação, que deveria ser efetuada no momento da emissão das faturas) e do próprio teor deste acórdão do TJUE, a quantificação em causa tem como pressuposto que “o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o imposto sobre o valor acrescentado reclamado pela administração fiscal”.
Não se tratando de vício referente às liquidações impugnadas, por o seu fundamento ser posterior ao facto tributário, não se justifica a anulação parcial das liquidações com este fundamento, sem prejuízo de, na sequência de eventual demonstração da impossibilidade de recuperação a questão poder ser colocada, matéria que não cabe a este Tribunal Arbitral apreciar no presente processo.
IV.7. Questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente
IV.7.1. Questão da violação do Direito da União Europeia e do princípio da legalidade e da tipicidade tributária
A Requerente imputa à posição da AT a violação do artigo 8.º, n.º 4 da CRP.
No entanto, como resulta do acórdão do TJUE, a posição da AT consubstanciou a correta aplicação do Direito da União Europeia.
A este propósito, cumpre notar que, conforme a própria Requerente reconhece nos artigos 339.º e 340.º da petição inicial, e nos termos melhor desenvolvidos anteriormente, se julgam verificados, integralmente, os pressupostos do acórdão do TJUE de 22 de novembro de 2018, proferido no processo C-295/17, ou seja, verifica-se a correspondência entre o montante da indemnização faturada e o montante que o sujeito passivo teria recebido pela remuneração dos serviços contratados caso aquele período de fidelização não fosse incumprido e a ausência de alteração da relação económica entre o sujeito passivo e o seu antigo cliente.
Pela mesma razão de se estar perante correta aplicação do Direito da União Europeia, não se vislumbra violação do princípio da legalidade tributária, que resulta do artigo 103.º da CRP.
IV.7.2. Questão da violação do artigo 104.º, n.º 4 da CRP
A Requerente invoca ainda violação do artigo 104.º, n.º 4, da CRP, que estabelece que “a tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo”, por não existir “ato de consumo”.
No entanto, para além de esta norma não restringir a tributação do consumo aos casos em que há um “ato de consumo”, expressão que não consta do seu texto, ela não afasta a aplicabilidade da tributação do consumo nos termos em que está prevista no Direito da União Europeia, cujas normas a própria CRP reconhece no artigo 8.º, n.º 4, “aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
Sendo manifesto que este n.º 4 do artigo 104.º da CRP não consubstancia qualquer dos “princípios fundamentais” que são enunciados nos artigos 1.º a 11.º da CRP, não ocorre também esta alegada inconstitucionalidade.
IV.7.3. Questão da violação do princípio da justiça
Não se divisa, nem é explicitada pela Requerente, a invocada violação do princípio da justiça na imposição da liquidação de IVA aos agentes económicos que são considerados sujeitos passivos, acompanhada das possibilidades de regularização.
Em última análise, a Requerente é responsabilizada tributariamente pela omissão de deveres tributários que a lei lhe impõe, o que, em vez de se reconduzir a violação do princípio da justiça, é uma sua concretização.
Pelo exposto, não enferma de vício de violação do princípio da justiça a posição adotada pela AT.
IV.7.4. Questão da violação dos artigos 13.º, 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP
No decurso do processo, a Requerente arguiu, ainda, a violação do disposto nos artigos 13.º, 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP, na medida em que não seja atendida a pretensão de anulação das liquidações objeto da presente ação arbitral, na proporção correspondente ao montante das indemnizações que foram faturadas pela Requerente e que nunca chegaram a ser efetivamente pagas pelos seus (antigos) clientes ou assegurar à Requerente uma alternativa, em termos úteis e eficazes, que garanta que o imposto apenas possa incidir sobre as indemnizações recebidas, porquanto à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva, impõe-se que à Requerente sejam assegurados os meios para legitimamente defender os seus interesses e, com isso, esteja em condições de arredar da sua esfera atos tributários que, de forma manifesta, contrariam as normas e princípios (como o da neutralidade) fundamentais do IVA.
Ressalvado o respeito devido, não se poderá conceder razão à Requerente.
Com efeito, como se referiu oportunamente, o contencioso arbitral tributário é, por legítima opção legislativa, de mera anulação, cabendo à AT a primeira palavra no que à execução das decisões jurisdicionais diz respeito, e estando previstos meios próprios de reacção à execução dos julgados que seja levada a cabo por aquela, com o que fica suficientemente garantido o direito à tutela jurisdicional efetiva invocado pela Requerente.
De resto, o que a Requerente pretende, no fundo, é antecipar a tutela de uma situação futura e incerta, ou seja, que em sede de execução do presente julgado, a AT não dê cumprimento às vinculações legais, nacionais e comunitárias, e processuais, que sobre ela impendem, em prejuízo da Requerente, situação que, manifestamente, crê-se, não se pode ter como certa.
Por outro lado, na presente decisão não é efetuada qualquer interpretação que obrigue a Requerente a pagar integralmente o IVA liquidado adicionalmente pela AT, mostrando-se cumpridas as condições e formalismos previstos nos artigos 78.º e 78.º-A, do CIVA, uma vez que tal questão não foi objeto de apreciação na presente ação arbitral, na medida em que, como anteriormente desenvolvido, tais condições e formalismos integram circunstâncias supervenientes ao facto tributário, e, como tal, são insuscetíveis de contender com a legalidade das liquidações, que é o que cumpre aferir no contencioso de mera anulação, em que nos situamos.
IV.8. Questão da violação do princípio da igualdade
A Requerente, desde os artigos 412.º e seguintes, da sua petição inicial, invocou que a AT aceitou que apenas houvesse lugar à liquidação adicional de IVA sobre os montantes indemnizatórios associados à violação do período de fidelização que foram efetivamente recebidos de (antigos) clientes particulares pelos operadores.
Está-se perante matéria que tem natureza vinculada, pois os artigos 8.º do e 37.º do CIVA (com cobertura na possibilidade prevista no artigo 66.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006) impunham que a liquidação de IVA fosse efetuada nas faturas, sem prejuízo da eventual regularização, nos casos de incobrabilidade das quantias faturadas.
Por isso, estando-se perante matéria subordinada ao princípio da legalidade, não tem eficácia invalidante o eventual tratamento ilegal que a AT tenha dado a outras situações .
Por outro lado, e em todo o caso, só se poderia equacionar a violação do princípio da igualdade como afetando a legalidade das liquidações impugnadas se existissem tratamentos discriminatórios anteriores às liquidações.
Improcede assim, o PPA, quanto a este vício que a Requerente imputa às liquidações impugnadas.
IV.9. Indemnização por garantia indevida
A Requerente formulou pedido de indemnização por garantia indevida, para a “eventualidade de se considerar que assiste razão ao Requerente neste processo”.
A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da al. b) do artigo 24.º do RJAT.
No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.” .
Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da AT no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do artigo 171.º do CPPT.
Como se referiu na decisão proferida no processo n.º 28/2013-T “é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”.
Conclui-se, assim, que este tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.
No caso em apreço, verifica-se que não houve erro imputável à Requerida.
Improcede, por isso, o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.
V. DECISÃO
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedente o pedido principal de anulação total das liquidações e da decisão do recurso hierárquico que as manteve;
b) Julgar improcedente o pedido subsidiário de anulação parcial das liquidações e da decisão do recurso hierárquico “na parte correspondente ao montante das indemnizações que foram faturadas pela Requerente e que nunca chegaram a ser efetivamente pagas pelos seus (antigos) clientes”, mas declarar, em consonância com o decidido pelo TJUE, que cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira “proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente”, se necessário, em execução do presente julgado;
c) Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.
d) Condenar a Requerente nas custas.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 8.197.607, 31, nos termos do disposto no artigo 32.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de €101.898,00 (cento e um mil oitocentos e noventa e oito euros) a pagar pela Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 10 de de maio de 2019.
A Árbitro Presidente,
(Fernanda Maçãs)
O Árbitro Vogal,
(João Taborda da Gama)
O Árbitro Vogal,
(Nuno Cunha Rodrigues)