SUMÁRIO
1-Para efeitos do disposto no nº 1 do art. 3º do CIUC, na redação introduzida pelo DL nº 41/2016, de 1/8, responde pelo pagamento do IUC a pessoa em nome da qual o veículo estiver registado a quando do facto tributário, independentemente de nessa data já ter ocorrido a transmissão da propriedade do veículo para outra pessoa.
2- Essa norma de incidência subjetiva não fere os princípios constitucionais da igualdade e o seu corolário lógico da tributação segundo a capacidade contributiva, da proporcionalidade e da equivalência.
DECISÃO ARBITRAL
I-RELATÓRIO
1.Identificação das partes
1.1 Requerente
A..., S.A., sociedade anónima matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., nº ..., ...-... Lisboa.
1.2 Requerida
Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
2- Tramitação do processo.
2.1 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado e aceite a 21/12/2018 e, na mesma data, reencaminhado para a Requerida e para a Requerente, não tendo esta exercido a faculdade de nomeação de árbitro.
2.2. Em conformidade, a 22/12/2019, o CAAD designaria árbitro singular o jurista Álvaro Caneira, da lista de árbitros do CAAD, que no mesmo dia, aceitou o encargo.
2.3. A Requerida seria notificada da ação arbitral a 26/12/2019.
2.4 A 9/1/2019, a AT designaria representantes processuais os juristas … e ….
2.5. A 8/2/2019 , seria nomeado árbitro singular no presente processo arbitral o jurista Álvaro Caneira.
2.6. A 28/2/2019, despacho do presidente do Conselho Deontológico do CAAD procederia à constituição do Tribunal Arbitral.
2.7. Nessa data, o Tribunal Arbitral notificaria a Requerida, nos termos do art. 17º do RJAT, para apresentar resposta do prazo de 30 dias, requerer, se entendesse necessário, prova adicional, e enviar o processo administrativo(PA).
2.8. A 1/4/2019, a Requerida enviaria a Resposta e juntaria o PA.
2.9. A 16/4/2019, o Tribunal Arbitral proferiria o seguinte despacho :
“I - Artigo 18.º do RJAT
Salvo fundada oposição expressa de quaisquer das partes no prazo de cinco dias, fica dispensada a reunião, considerando:
a) Que se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comumente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos fiscais, e
b) que não há exceções a apreciar e decidir antes de conhecer do pedido nem necessidade aparente de correção de peças processuais.
II - Prova testemunhal
Não se afigura necessária ou útil a produção de prova testemunhal, atendendo às questões suscitadas, à prova documental apresentada e à natureza não controversa dos factos essenciais.
Assim sendo, à luz do princípio da proibição da realização de atos inúteis, o tribunal prescinde da inquirição de testemunhas.
III - Alegações finais
As posições das partes estão claramente expressas nas peças apresentadas. Porém, concede-se um prazo de 20 dias para as partes, querendo, apresentarem alegações escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados) e de direito.
IV- Data para a prolação e notificação da decisão arbitral
Fixa-se o dia 31-05-2019 como data limite para a prolação e notificação da decisão final.
V - Taxa de arbitragem remanescente
A Requerente deverá dar oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4.º, 3, do RCPAT (pagamento antes da decisão e pela forma regulamentar do remanescente da taxa de arbitral).
VI - Articulados em word
À luz do princípio da cooperação, ambas as partes deverão enviar ao CAAD as respetivas peças processuais (articulados) e alegações em formato editável (word) com vista a facilitar e abreviar a elaboração da decisão final em termos de matéria de facto (artigo 7.º, CPC).
Notifique-se “.
2.10 A 22/4/2019, a Requerida solicitaria ao Tribunal Arbitral a realização de alegações sucessivas, em vez das simultâneas inicialmente determinadas.
2.11. A 26/4/2019, o Tribunal Arbitral pronunciar-se-ia no sentido de, por as alegações serem facultativas, inexistirem razões para deferir o proposto pela Requerida.
2.12. A 30/4/2019, a Requerente insistiria junto do Tribunal Arbitral na realização da reunião prevista no art 18º do RJAT destinando-se a mesma à inquirição de, ,pelo menos, uma das testemunhas por ela arroladas.
2.13 Na mesma diligência, pediria também o aproveitamento da prova produzida no processo arbitral nº 261/2018 /T e a junção aos autos da Decisão Arbitral nº 332/2018- T, no entender da Requerente de interesse para a causa.
2.14 A 10/5/2019, o Tribunal Arbitral emitiria o seguinte despacho:
“Visto o requerimento apresentado pela Requerente. Junte-se aos autos.
Não vêm alegados factos concretos e historicamente situados que careçam ou sejam suscetíveis de prova testemunhal.
As versões apresentadas pelas partes têm o seu pilar probatório assente em documentos.
As questões a decidir são fundamentalmente de Direito e de apreciação dos aludidos documentos.
Pelo exposto, decido manter meu despacho anterior no sentido da não convocação da reunião do artigo 18.º do RJAT.
Notifique-se”.
2.15 Também nessa data a Requerente alegaria.
2.16. A 16/3/2024, a Requerida alegaria.
2.17 A 24/5/2024, seria tomada e registada a Decisão Arbitral.
2.18 A 6/12/2019, a Requerente comunicaria ao CAAD a impugnação da Decisão Arbitral junto do Tribunal Administrativo Sul , que integraria o proc nº 77/19.5 BCLSB.
2.19 A 7/5/2024, esse tribunal estadual anularia a Decisão Arbitral impugnada com o fundamento de , tendo sido arguida pelo impugnante a questão de inconstitucionalidade do nº 1 do art. 3º do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC) o Tribunal Arbitral fundado a sua decisão na aplicação dessa concreta norma, impunha-se que tivesse apreciado ou a julgado essa arguição. Não o tendo feito, há que concluir que o Tribunal Arbitral violou o dever de pronúncia que sobre si recaía e, consequentemente, a Decisão Arbitral padece de nulidade por omissão de pronúncia.
2.20 A 6/4/2024, esse acórdão transitaria em julgado e seria devolvido pelo TCA Sul ao Tribunal Arbitral para suprimento da referida nulidade.
2.21 A 9/7/2024, o presidente do Conselho Deontológico do CAAD emitiria o seguinte despacho de reativação do processo arbitral : “Com referência ao processo em epígrafe, o Exmo. Dr. Álvaro Caneira, árbitro do tribunal arbitral singular constituído neste processo, veio renunciar às funções arbitrais invocando para tanto razões que são de considerar como justificativas. Em tal conformidade, nos termos e ao abrigo do disposto do Regulamento de Seleção e Designação de Árbitros em Matéria Tributária (artigo 6.º, n.º 5) determina-se a substituição, como árbitro no presente processo, do Exmo. Dr. Álvaro Caneira pelo Exmo. Dr. António de Barros Lima Guerreiro. Dê-se conhecimento”.
2.22 A 6/9/2024, o CAAD nomearia o árbitro proposto.
3. Pressupostos relativos ao tribunal e às Partes.
3.1.O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
3.2- As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.
3.3. 3 Atendendo à identidade dos fundamentos de facto e de direito invocados, o Tribunal Arbitral considera não haver obstáculo à cumulação de pedidos, face ao disposto nos arts. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT.
4- Objeto do processo.
O pedido de pronúncia arbitral visa a apreciação da legalidade de quatro atos de liquidação de imposto único de circulação (IUC), respeitantes ao ano de 2017, no valor total de € 622,47; € 608,25 , incluindo juros compensatórios no valor de € 14,22. ,bem como dos atos de indeferimento, a 20/9/2018 das reclamações graciosas, apresentadas contra essas liquidações.
5-Posição da Requerente.
Não obstante a alteração do nº 1 do art. 3º do CIUC efetuada pelo art. 4º do DL n.º 41/2016, de 1/8 aprovado no uso da autorização legislativa concedida pela alínea e) do artigo 169.° da Lei nº 7-A/2016, de 30 /3 , de acordo com a qual são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos automóveis, continua a Requerente a entender tal norma configurar uma presunção meramente ilidível da incidência subjetiva do IUC .
Assim, carece de base legal o entendimento da Requerida de que a incidência subjetiva do imposto depende inteira e exclusivamente do facto tributário do registo do veículo junto da Conservatória do Registo Automóvel.
Quando o locatário exerça o seu direito a adquirir o bem locado pelo valor residual, acrescido de despesas e IVA, torna-se o (novo) proprietário do veículo automóvel outrora locado, passando a aplicar-se-lhe integralmente o disposto no n.º 1 do art. 3.º do CIUC, com a consequente responsabilidade pelo pagamento do imposto.
No termo do contrato de locação financeira, o exercício da opção de compra extingue, com efeito, o direito de propriedade do locador
É inadequada e desproporcional a interpretação do n.º 1 do art. 3.º do CIUC , com a redação do referido art. 4º do DL n.º 41/2016 , no sentido de que obrigaria o anterior locador e proprietário a registar a venda no conservatória do registo automóvel, sob pena de suportar o IUC e demais encargos associados à propriedade do bem.
Tal encargo, a existir, imporia ao anterior proprietário um custo “ad aeternum”, no caso, o IUC periodicamente suportado , bem como a repercussão de um dano que o contribuinte não causou , que, aliás, a administração fiscal pode sempre evitar, bastando liquidar o imposto ao verdadeiro proprietário, e não ficando defraudadas, assim , as expectativas do erário público.
É convicção da Requerente que o princípio da equivalência, enquanto critério da igualdade tributária, proíbe qualquer presunção inilidível ou ficção legal que despolete – automática e cegamente -a sujeição passiva ao IUC pelo simples fato de o veículo estar registado em nome de uma determinada entidade.
Assim, a única interpretação constitucionalmente compatível do n.° 1 do art. 3.° do CIUC é a de que consagra uma presunção ilidível, ou seja, que admite prova em contrário, mesmo após a entrada em vigor do DL nº 41/2016.
Admitida a possibilidade de afastamento da presunção segundo a qual a pessoa que consta do registo automóvel é o proprietário do respetivo veículo automóvel e, portanto, o responsável pelo pagamento do respetivo IUC, haverá que admitir como prova inequívoca dessa demonstração as faturas emitidas pela Requerente aquando da venda dos referidos veículos automóveis aos antigos locatários-subsequentes proprietários .
Também o art. 17º- A do CIUC, aditado pelo 215.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, que, sob a epígrafe “[e]feitos fiscais da regularização da propriedade”, confere relevância para efeitos de IUC ao procedimento especial para registo de propriedade de veículos adquirida por contrato verbal de compra e venda aprovado pelo art. 1º do DL nº 177/2014 , de 15/12, com efeitos reportados à data da transmissão, quando aquele pedido for apresentado pelo vendedor no prazo de um ano após o decurso do prazo para cumprimento do registo obrigatório referido no art, 2.º daquele procedimento especial, não é , como a Requerida pretende, uma norma de incidência subjetiva do IUC, limitando-se a conferir ao proprietário do automóvel a faculdade de alterar a titularidade do seu registo, que pode exercer ou não.
6- Posição da Requerida.
Segundo a Requerida, a letra da lei é cristalina: após a redação dada ao nº 1 do art. 3º do CIUC pelo art. 3º do DL 41/2016 , deixou oferecer qualquer dúvida que a incidência subjetiva do IUIC recai sobre a pessoa que detém o registo da propriedade automóvel ou, se se preferir, o “proprietário de direito” ou o “proprietário registado” e não sobre o mero possuidor do bem.
Ficou , pois, definitivamente arredada a possibilidade de os ditos “proprietários de direito” afastarem a incidência do IUC, alegando a transmissão da propriedade a “proprietários de facto” que, por sua vez, negligentemente, não tenham levado a sua aquisição ao registo automóvel.
A entender-se o contrário, então ser-se-ia obrigado a chegar à conclusão (absurda) que o legislador fiscal de 2016 apenas quis alterar a letra da lei por mero capricho ou devaneio, para, afinal de contas, deixar tudo igual.
Ainda que essa interpretação da lei fosse aceite, estaria sempre condenada ao fracasso, uma vez que a Requerente não cumpriu minimamente outro ónus probatório que sobre recaía: demonstrar que o legislador não consagrou as soluções mais acertadas nem soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, segundo o nº 3 do art. 9º do Código Civil(CC).
Com efeito, as faturas exibidas pela Requerente para demonstrar o seu direito não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda.
Tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade ( a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes.
Por outro lado, como é sabido, o IUC é liquidado de acordo com a informação registral oportunamente transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado
Não é, assim, é liquidado de acordo com informação gerada pela própria Requerida., mas de acordo com uma informação transmitida por entidade terceira.
Não tendo a Requerente cuidado da atualização da titularidade do registo automóvel, como lhe competia , nos termos do Capítulo III do DL 54/75, de 12/2(Regulamento do Registo dos Automóveis), e nº 4 do art . 118º do Código da Estrada(CE) , de acordo com o qual o vendedor ou a pessoa que, a qualquer título jurídico, transfira para outrem a titularidade de direito sobre o veículo deve comunicar tal facto à autoridade competente para a matrícula, nos termos e no prazo referidos no nº anterior, identificando o adquirente ou a pessoa a favor de quem seja constituído o direito, do procedimento especial já referido para registo de propriedade de veículos adquirida por contrato verbal de compra e venda e não tendo mandado cancelar as matrículas dos veículos aqui em apreço, forçoso é concluir que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível, sendo, assim admissível que sobre ela recaiam as consequências tributárias desse incumprimento.
7. Fundamentação
7.1. Fundamentação de facto
7.1.1 Factos Provados
7.1.1.1 O Requerente é uma instituição de crédito, exercendo a atividade de “Outra Intermediação monetária”, com o CAE 64180,
7.1.1. 2. No exercício da sua atividade, procede à celebração de – entre outros – contratos de locação financeira ou de aluguer de longa duração, destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis.
7.1.1.3 Afetou a essa atividade os veículos..., ..., ... e ... matriculados em seu nome na respetiva Conservatória do Registo Automóvel.
7.1.1.4 O veículo ... foi locado a B... a 19/7/2010 e vendido a 5/8/2016, ascendendo o IUC pago (Liquidação nº 2017...) a € 135,94.
7.1.1.5. O veículo ... foi locado a C... Unipessoal Ldª a 30/6/2010 e vendido a 26/12/2016, , ascendendo o IUC pago(Liquidação nº 2017...)a € 258,72.
7.1.1. 6 O veículo ... foi locado a D... a 1/8/2012 e vendido a 25/8/2016, , ascendendo o IUC pago (Liquidação nº 2017...) a € 170,21.
7.1.1.7. O veículo ... foi locado a E... a 13/5/2007 e vendido a 2/5/2014 ascendendo o IUC pago(Liquidação nº 2017...) a € 57,60...
7.1.1.8. No termo desses contratos, por força do exercício da opção com compra , os referidos veículos foram adquiridos pelos locatários , tendo sido o valor da venda do veículo ... sido faturado a 5/5/2014, do veículo ... a 1/8/2016, do veículo ... a 25/8/2016 e do veículo ... a 15/12/2016.
7.1.1.9 Para além dessas faturas, não se demonstrou essas vendas terem sido formalizadas por qualquer contrato escrito.
7.1.1. 10 A 22/6/2018, o Requerente reclamaria graciosamente dessas liquidações.
7.1.1.11 A 20/9/2018, a Requerente foi notificada do indeferimento dessas reclamações.
7.1.2. Factos não Provados.
Não se consideram não provados quaisquer outros factos relevantes para o conhecimento da causa.
7.1.3 -Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto
O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no nº 2 do 123.º do CPPT e no nº 1 do 596.º, vem como no nº 3 do art. 607º, ambos do CPC, aplicáveis ex alíneas a) e e) do nº 1 do art. 29º do RJAT.
O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos ,que são de natureza exclusivamente documental.
Estes foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados na alínea e) do art. 16.º, do RJAT e nos nºs 4 e 5 do 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alínea e) do nº 1 do art. 9º do RJAT.
7.2 Fundamentação de direito.
Está em causa no presente processo arbitral a compatibilidade com os princípios constitucionais da capacidade contributiva, corolário lógico do princípio da igualdade tributária consagrado no art. 13º da CRP, bem como da proporcionalidade e equivalência, da interpretação do nº 1 do art. 3º do CIUC ,na redação dada pelo 4º do DL 42/2016 , aprovado no uso da autorização legislativa que foi concedida ao Governo pela alínea e) do art. 169.° da Lei n.° 7-A/2016, de 19/3, segundo a qual são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos automóveis, no sentido de que o imposto incide sobre os titulares desses registos, independentemente de a propriedade desses bens ter sido entretanto transmitida para outra pessoa.
Na sua redação originária, o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC dispunha serem sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrassem registados.
O STA, nomeadamente em acórdãos de 18/4/18, proc,. nº 0206/17 , e de 20/ 3 /19 , proc. nº 0466/14.1BEM , interpretaria a redação originária dessa norma no sentido de, para efeitos da incidência subjetiva do IUC, não serem proprietários os titulares inscritos no registo automóvel, mas os que como tal fossem como tais considerados de acordo com as regras do registo automóvel.
Objetivo do legislador teria sido tributar as pessoas que fossem proprietários dos veículos, presumindo-se como tais os titulares inscritos no registo.
Essa jurisprudência está de harmonia com o art. 2º do Código do Registo de Bens Móveis, aprovado pelo art. 1º do DL nº 277/95, de 25/10, nos termos do seu nº 2 do art. 1º, aplicável ao registo dos veículos automóveis, que dispõe que o registo dos factos referentes ao bem móvel constitui presunção da existência da situação jurídica nos precisos termos nele definida.
Segundo o nº 1 do art. 4º da LGT, os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.
A atual CRP não contém qualquer preceito equivalente ao do art. 28º da Constituição de 1933, que determinava que todos os cidadãos deviam, sem distinção, contribuir segundo os seus haveres e na medida fixada por lei para os encargos públicos (preceito correspondente aos arts. 145º , parágrafo 14º, da Carta Constitucional de 1826 e 24º da Constituição de 1838).
A CRP. não reconhece explicitamente, o princípio da tributação segundo a capacidade contributiva, Assim, pode afirmar-se a capacidade contributiva não ter hoje relevância constitucional autónoma, devendo antes esse limite material da tributação extrair-se indiretamente do princípio da igualdade tributária consagrado nos nºs 1 e 2 do art. 13º da CRP, conjugado embora com os demais preceitos e princípios da constituição fiscal.
O limite da capacidade contributiva é incompatível , por exemplo ,com:
a)A tributação exclusivamente sancionatória, sem proporção com o rendimento ou riqueza do sujeito passivo, mesmo quando justificada com o incumprimento dos seus deveres de cooperação.
b)A tributação por capitação através de um imposto fixo aplicável a cada cidadão independentemente do seu rendimento ou riqueza, do tipo da chamada “poll tax” que Margaret Thatcher tentou introduzir no Reino Unido na década de 80, mas tem precedentes em séculos muito anteriores ao século XX-.
c)A tributação indireta do comércio eletrónico baseado no volume de transações e, por maioria de razão, em indícios de transações, incluindo unidades de informação suscetíveis de serem armazenadas ou transmitidas, prescindindo da natureza real das operações.
d) A substituição dos atuais impostos sobre o rendimento por um único imposto sobre meros fluxos financeiros, por natureza são alheios à capacidade contributiva efetiva dos beneficiários.
e) As próprias presunções que não se baseiem em factos económicos positivos mas em elementos arbitrariamente escolhidos e, por isso, o resultado da sua aplicação careça de credibilidade.
d)As presunções absolutas em Direito Fiscal que impedem o contribuinte de provar a inexistência da capacidade contributiva que a previsão legal visa atingir, nos termos do art. 73º da LGT.
Ao proibir as presunções absolutas presente preceito, essa norma da LGT acolheria a doutrina do Acórdão nº 63/96 do Tribunal Constitucional, que declararia, a propósito do antigo parágrafo 2º do art. 14º do Código do Imposto de Capitais, que consagrava, a partir do Decreto-lei número 197/82, de 21 de Maio, uma presunção inilidível de onerosidade dos mútuos efetuados pelas sociedades aos sócios, a inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade, das presunções “jure e de jure” das normas de incidência tributária.
Do mesmo modo, o Acórdão do Tribunal Constitucional no proc. 488/2021 recusou a aplicação da norma extraída do nº 2 do art. 4.º, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), por esta conduzir a uma presunção inilidível da realização de mais- valias imobiliárias
No entanto, a referida jurisprudência, como resulta do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 26/6/2024, proc. 0059/239BALB , que concluiria para efeitos da nova redação do nº 1 do art. 3ºdo CIUC , dada pelo art.4º do DL nº41/2016, responde pelo pagamento do imposto a pessoa em nome da qual está registado o veículo na data da verificação do facto tributário, independentemente de nessa data já ter havido uma transmissão da propriedade para terceira pessoa, não tem aplicação ao presente caso.
Com efeito, se afirma nesse Acórdão Uniformizador , proferido em recurso da Decisão Arbitral nº 99/2023- T, tendo como Decisão Arbitral fundamento a nº 55/2023- T,. uma vez retirada do nº 1 do art. 3º do CIUC ,pelo art. 4º do DL nº 41/2019, a referência aos “proprietários dos veículos, considerando-se como tais”, a incidência subjetiva do IUC passou do proprietário do veículo para a pessoa em nome da qual esse veículo está registado, não mais se colocando a dicotomia entre a propriedade real e presumida (ou publicitada via direito registal).
Esse regime substituiu a anterior presunção elidível por um diferente regime- regra de incidência subjetiva do IUC , de acordo com na qual é sujeito passivo de imposto o proprietário constante do registo, independentemente de poder não ser o titular do direito real de propriedade sobre o veículo.
Assim, por razões de simplicidade e praticabilidade, o legislador pretendeu afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados.
Este entendimento sobre a relevância da inscrição no registo automóvel para a definição da sujeição subjetiva ao IUC, já tinha sido acolhido em idênticos termos, nos Acórdãos do TCA Norte de 20/09/2018 e 3/10/201, (procs. n.ºs 01270/14.2BEPNF e 01271/14.0BEPNF, respetivamente ), em que se sustenta que “da redação dada ao n.º 1 do art. 3.º do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual o veículo estiver registado”.
A incidência subjetiva basta-se , segundo o Acórdão Uniformizador, ,com o mero registo do direito de propriedade em nome do sujeito passivo, sendo suficiente para esse efeito, além das características do veículo, a inscrição do nome da pessoa em que se encontra registada a propriedade do veículo, independentemente de ela ser ou não a proprietária e possuidora efetiva do veículo no ano a que respeita o IUC, designadamente no caso das situações de venda do veículo sem atualização do registo de propriedade.
Deste modo, a propriedade de uma viatura automóvel já não é elemento de preenchimento da norma de incidência subjetiva do imposto.
Essa incidência passou a aferir-se apenas em função da matrícula.
A incidência do IUC não é,no entanto, “ad aeternum”. A matrícula pode der alterada ou cancelada por iniciativa do titular ou impugnada nos termos do art. 5º do Código do Registo de Bens Móveis.
Essa interpretação da lei feita pelo Acórdão Uniformizador não foi posta em causa pelo Acórdão do TCA Sul de 7/5/2024, no proc nº 77/19.5 BCLSB, já que o fundamento de anulação não foi qualquer discordância da Decisão Arbitral proferida no presente processo arbitral nº 658/18-T na interpretação do direito infra-inconstitucional, mas a omissão de pronúncia sobre a eventual inconstitucionalidade da solução do art. 4º do DL nº 41/2019, por violação dos princípios da capacidade contributiva, proporcionalidade e equivalência, que se passa a apreciar..
O Acórdão Uniformizador pronunciou-se especificamente sobre a alegada violação de cada um esses princípios.
Como chama a atenção esse Acórdão, as formalidades exigidas para alteração da matrícula são proporcionais.
Ciente dos efeitos negativos da não alteração e atualização do registo da propriedade dos veículos em nome dos adquirentes, com a inerente responsabilidade do vendedores, não só pelo pagamento do IUC como por eventuais violações da legislação estradal, o Governo , através do DL nº 177/2014, de 15/12, aprovou um regime especial para o registo de propriedade de veículos adquirida por contrato verbal de compra e venda, tendo em vista a regularização da propriedade, que é extremamente simples.
O novo regime especial, nos termos do seu art. 2º, permite que , decorrido o prazo para o registo obrigatório, o registo da propriedade do veículo seja requerido , presencialmente, por via postal ou “on line”, apenas pelo vendedor, com base em documentos indiciadores da compra e venda, como faturas, recibos, vendas a dinheiro ou outros documentos de quitação, dos quais constem a matrícula do veículo, o nome e a morada do vendedor e do comprador. O impresso para registo indicará ainda os demais elementos do comprador, como NIF e data da compra e venda, que não constem daqueles documentos.
Seguidamente, nos termos do art. 3º, a Conservatória do Registo Automóvel notifica o comprador para este, em 15 dias, se opor ao pedido de registo, contestar alguma das suas menções ou completar os elementos necessários para o registo, considerando-se a aquisição registada em seu nome caso não deduza oposição ou, tendo-a deduzido, o conservador a considere improcedente.
Caso o comprador se oponha referindo que o veículo já não lhe pertence pelo facto de entretanto o haver transmitido, o conservador julga a oposição improcedente e notifica-o dessa decisão, com indicação de que pode ele instaurar novo procedimento para2014regularização da propriedade do veículo ao abrigo do DL nº 177/2014.
Tornando-se definitiva a decisão de não efetuar o registo, o conservador procede ao pedido de apreensão do veículo. E decorridos três meses sobre o pedido de apreensão sem que a propriedade esteja regularizada, a matrícula é oficiosa e gratuitamente cancelada pelo IMT, cancelamento que não prejudica a validade dos contratos de seguro de responsabilidade civil automóvel.
O registo de propriedade de veículos adquirida por contrato verbal de compra e venda, requerido apenas pelo vendedor e efetuado no âmbito do regime especial importa em € 75, menos15% quando promovido por via eletrónica.Mas é reduzido para € 40 (menos 15% via Internet) quando a compra e venda tenha ocorrido até 31/12/2013 e o registo tenha sido requerido até 31/12/2015 (Regulamento dos Emolumentos dos Registos e Notariado, DL nº 322-A/2001, de 14/12).
Como refere o Acórdão Uniformizador, “a atualização do registo não é um ónus tão pesado que não possa e deva ser cumprido por quem deixa ou adquira a condição de proprietário. Especialmente num contexto em que o legislador instituiu mecanismos simples de atualização do registo automóvel, designadamente através do D.L. nº 177/2014.
……………………………………………………………………………………
Além do mais, o que é normal é que o titular do registo seja suficientemente diligente para manter o registo atualizado e mesmo que, por incúria, não o tenha feito, as consequências que daí advêm não serão desproporcionadas, até porque o imposto é devido apenas até ao cancelamento da matrícula ou registo. É ainda de relevar que quem é titular do registo é porque alguma vez foi proprietário e que, por falta de diligência, não fez a atualização, sendo estas situações patológicas uma exceção. Eventualmente mais frequente será, correspondendo à normalidade, que quem por qualquer motivo adquire ou vende uma viatura, faça a atualização do registo, nomeadamente, quando estão em causa sociedades financeiras de locação, como é o caso dos autos, em que face ao carácter profissional da atividade desenvolvida, dificilmente se compreende a manifesta falta de diligência e consequentemente justificação da tutela reclamada nos autos.
Diga-se ainda que não é inédito que os impostos tenham uma função extrafiscal, o que neste caso poderia muito bem ter em vista assegurar que o registo dos automóveis esteja atualizado, não só para assegurar a praticabilidade da aplicação do IUC (que, seguramente, com a questão da ilisão das presunções, levantaria problemas não só para aplicação do imposto, como adensaria ainda mais o congestionamento nos tribunais tributários), mas também facilitar a aplicação do direito das contraordenações (por excesso de velocidade, por exemplo) ou disposições de outros ramos de direito que tenham como sujeitos os titulares do registo, constituindo um estímulo para que este esteja devidamente atualizado”
Assim, seguindo ainda o Acórdão Uniformizador, tem de concluir-se que, “atendendo ao princípio da praticabilidade e da eficácia tributária, pode invocar-se que a oneração do titular do registo automóvel com o ónus da sua atualização, sob pena de responder pelo pagamento do imposto, não viola o princípio da proporcionalidade”.
Do mesmo modo, tal oneração não só não contraria como completa o princípio da igualdade.
Segundo o nº1 do art. 3º do CIUC , este imposto rege-se pelo princípio da equivalência, mas o titular do registo não ser o possuidor do bem não altera a incidência subjetiva do IUC, bastando a mera aptidão potencial do veículo para a produção desses danos.
Para esse efeito, segundo o Acórdão Uniformizador:
“…não há diferenças consideráveis, no que respeita à articulação com a ideia de equivalência, entre a condição de proprietário e de titular do registo, pois, tanto num caso como noutro, os eventuais danos ambientais são uma mera eventualidade, não se exigindo, como nas taxas, a sua verificação efetiva.
Tal equivale a dizer que a condição de proprietário ou de titular do registo, não apresenta diferenças em termos da relação que cada um tem com os eventuais danos ambientais, pois o veículo pode ou não ser usado pelo proprietário; o mesmo se passando em relação ao titular do registo. Tanto numa situação como noutra, por vezes, o uso com potencial para gerar danos ambientais é feito por um terceiro, ou até não tem de existir, podendo o veículo nem sequer ser utilizado, não interferindo isso com a condição de sujeito passivo, ou seja, qualquer ilação que se queira retirar, a nível da observância do princípio da equivalência, do facto de o sujeito passivo não ser eventualmente o proprietário, mas unicamente o titular do registo, surge como falaciosa”. Na sequência do que fica exposto, temos que dizer que, de acordo com o princípio subjacente à tributação automóvel (designadamente o IUC) a oneração dos contribuintes é feita na medida do potencial dano para o ambiente e infraestruturas viárias que decorre do veículo, sendo neste que é precisamente colocada a tónica, não fosse o IUC um imposto claramente ad rem, e não tanto no contributo pessoal dos sujeitos passivos para a verificação desses danos.
A dinâmica do imposto, pela sua natureza, eminentemente real, e características intrínsecas, basta-se em fazer recair esse imposto sobre quem tem uma conexão mais estreita com o veículo e que supostamente o possa utilizar, ou tenha um título legal para condicionar a utilização de onde decorrerão os potenciais danos”.
De acordo ainda com o Acórdão Uniformizador, o nº 1 do art. 3º do CIUC é “uma norma geral e abstrata, abrangendo todos os sujeitos que estejam nas mesmas circunstâncias, o mesmo se podendo dizer da capacidade contributiva que no nosso sistema é sobretudo um critério para determinar de modo geral e uniforme a medida do imposto que deve recair sobre cada sujeito”.
Prossegue dizendo que “o critério da capacidade contributiva tem de se articular com o princípio da equivalência, o que implica, naturalmente, que os seus sujeitos não sejam aqueles que em termos clássicos têm a maior capacidade contributiva aferida com base no conceito de rendimento em sentido lato (envolvendo também a detenção de património e uso do rendimento no consumo), mas os que pela atuação ou conexão com atividades/bens suscetíveis de gerarem externalidades negativas, serão onerados na medida do potencial dano que daí decorra. Isto para dizer que, num contexto em que impostos como o IUC regressam a uma lógica comutativa, que implica uma ligação entre o eventual dano e medida do imposto, a capacidade contributiva clássica não pode ser aplicada de forma estrita, devendo ser temperada pelo princípio da equivalência que, em muitas situações, implica que quem tem menos capacidade contributiva, por exemplo, por consumir produtos menos ecológicos e mais baratos, por insuficiência de meios, seja mais onerado. Seria, portanto, complexo sustentar a violação da capacidade contributiva, especialmente num imposto com uma forte componente ambiental como o que está em causa. Mesmo que o fizéssemos, os eventuais fundamentos também se aplicariam se o sujeito passivo fosse o proprietário do veículo, pois o imposto seria determinado não, estritamente, com base na capacidade contributiva, que até seria muito baixa se o veículo fosse muito antigo, mas no potencial dano que dele poderia decorrer, o que redundaria muitas vezes, como já ficou enunciado, em situações em que quem é proprietário de veículos antigos e altamente poluentes e tem capacidade contributiva supostamente baixa, é mais fortemente onerado pela tributação ambiental”.
Assim, os princípios constitucionais da proporcionalidade ,da equivalência e da igualdade não foram violados pela redação do nº 1 do art. 3º do CIUC, dada pela DL nº 41/2016.
Assim, citando o Acórdão Uniformizador, outra solução seria “uma autêntica contrarreforma legislativa por via de uma interpretação sem o mínimo apoio na letra da lei, ameaçando o princípio da separação de poderes”. Ou então o legislador ter-se-ia dedicado a um exercício inútil de mudanças cosméticas, o que não é de presumir.
Decisão
Termos em que se decide :
a)Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e manter os quatro atos de liquidação de imposto único de circulação (IUC), respeitantes ao ano de 2017, no valor total de € 622,47; € 608,25 , incluindo juros compensatórios no valor de € 14,22. ,bem como os atos de indeferimento, a 20/9/2018 das reclamações graciosas, apresentadas contra essas liquidações.
b)Condenar a Requerente no pagamento da totalidade das custas do processo.
10. VALOR DO PROCESSO.
Atendendo ao disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi do art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € € 622,47
11. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € € 306,00 a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos arts 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e art. 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de Outubro de 2024
O árbitro singular
(António Lima Guerreiro)
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 658/2018-T
Tema: IUC – Incidência subjetiva.
*Substituída pela Decisão Arbitral de 3 de outubro de 2024.
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DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede social na Rua..., nº..., ...-... Lisboa, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 20-12-2018, visa a declaração de ilegalidade de diversos atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativos ao período de 2017 e aos veículos identificados em anexo à petição (Anexo A), no valor de € 608,25, acrescido de juros compensatórios no montante de € 14,22, perfazendo a importância total de € 633,47, bem como a anulação das decisões de indeferimento expresso das reclamações graciosas n.ºs ...2018..., ...2018..., ...2018... e ...2018..., da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira (Anexos B a E). Além da anulação das questionadas liquidações, a Requerente solicita ainda que seja declarado o consequente direito a juros indemnizatórios, nos termos legais.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.
5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as Partes.
6. Devidamente notificadas dessa designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
7. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 28-02-2019.
8. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, expressando entendimento no sentido de dever manter-se na ordem jurídica os atos impugnados e, em conformidade, dever o tribunal pronunciar-se pela absolvição da entidade requerida.
9. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
10. Assim, por despacho de 16-04-2019, oportunamente notificado, foi decidido, salvo oposição das Partes, dispensar a referida reunião, sendo concedido um prazo de 20 dias para apresentação de alegações escritas e fixado o dia 31-05-2019 como data limite para prolação e notificação da decisão final.
11. Confrontada com o despacho arbitral referido no ponto anterior, veio a Requerida solicitar a produção de alegações finais de forma sucessiva, alegando ser essa a prática em geral adotada pelos tribunais arbitrais e ser essa a forma que assegura o efetivo respeito pelos basilares princípios do contraditório e da igualdade das Partes, conforme estabelece o artigo 16.º, a) e b), do RJAT.
12. Por seu lado, Requerente veio reafirmar a necessidade da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para a produção de prova adicional, designadamente a produção de prova testemunhal, no entendimento que esta coadjuvará à demonstração da factualidade alegada, insistindo, assim, na necessidade de prova adicional para além da prova documental já existente nos autos.
13. Pronunciando-se sobre o que vem requerido pela AT relativamente à produção de alegações de forma sucessiva, considera a Requerente que a pretensão de alegar com conhecimento prévio das alegações por esta produzidas, para além de traduzir uma desigualdade de armas, contraria o disposto no artigo 120.º do CPPT quanto às alegações escritas, não garantindo o princípio da igualdade entre as Partes, o respeito pelo princípio do contraditório, bem como pelos princípios da autonomia do tribunal e da livre condução do processo.
14. Solicita ainda a Requerente, a junção ao presente processo de decisões arbitrais proferidas sobre matéria idêntica, designadamente para aproveitamento de prova testemunhal, caso se entenda prescindir da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e inquirição de, pelo menos, uma das testemunhas por si arroladas.
15. Sobre o requerido pelas Partes, foi, em 21-05-2019, proferido despacho no sentido de manter a decisão de desnecessidade da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, atendendo à prova documental constante dos autos, às posições das Partes, claramente expressas, e ao facto de a questão a dirimir pelo tribunal ser exclusivamente de direito.
16. As Partes apresentaram alegações escritas, reafirmando, no essencial, as posições expressas na PI e Resposta oportunamente apresentada.
II. Saneamento
17. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
18. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).
19. O processo não enferma de vícios que o invalidem e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa.
III. Matéria de facto
20. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo, destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:
20.1. A Requerente é uma instituição de crédito especializada a operar no financiamento ao sector automóvel, na área dos bens de consumo, cartões de crédito, co branded e empréstimos pessoais.
20.2. Nessa medida, uma parte substancial da sua atividade reconduz-se à celebração de – entre outros – contratos de locação financeira ou de aluguer de longa duração, destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis.
20.3. No âmbito dessa atividade, a Requerente celebrou contratos de aluguer de longa duração relativos aos veículos e locatários identificados nos documentos n.ºs 1 a 4 anexos à PI, sendo o mais antigo desses contratos celebrado em 15-05-2007 e o mais recente em 01-08-2012.
20.4. No termo de cada contrato, todos os locatários adquiriram os veículos por si locados, pelo respetivo valor residual, conforme faturação emitida com datas de 2014 e de 2016.
20.5. Com referência ao período de tributação de 2017, foi a Requerente destinatária de diversos atos de liquidação oficiosa de IUC, relativos às viaturas em causa.
20.6. Não obstante ter efetuado pagamento do imposto e juros liquidados, a Requerente interpôs reclamações graciosas, alegando, no essencial, não ser, à data do facto gerador da obrigação de imposto e respetiva exigibilidade, proprietária das viaturas a que o mesmo se reporta.
20.7. Todas as reclamações apresentadas foram objeto de indeferimento expresso, oportunamente notificado à Requerente, com o fundamento de que sendo esta a proprietária das viaturas, conforme identificada em certidões do Registo Automóvel, era ela, no referido período de tributação, o sujeito passivo da obrigação tributária a que respeitam os atos reclamados.
21. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.
III. Cumulação de pedidos
22. O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a diversas liquidações de IUC. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta à cumulação de pedidos, face ao disposto nos artigos. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT.
IV. Matéria de direito
23. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente submete à apreciação deste tribunal a legalidade de atos de indeferimento expresso de reclamações graciosas (Anexos B a F) e, em consequência, a legalidade dos atos de liquidação de IUC, relativos ao período de 2017 e aos veículos que identifica em relação anexa ao pedido (Anexo A), invocando a circunstância de, à data a que se reportam os factos tributários que as originaram, os mesmos se terem sido já objeto de transmissão para terceiros, anteriormente locatários no âmbito de contratos de aluguer de longa duração que, no termo do respetivo contrato, adquiriram os veículos mediante pagamento do valor residual, e, consequentemente, não assumir a qualidade do sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado (Docs. 1 a 8).
24. Está, pois, em causa determinar se a Requerente deve ou não ser considerada sujeito passivo de IUC quanto aos veículos e período a que o tributo respeita, devidamente identificados em anexo ao pedido (Anexo A), por, à data da exigibilidade do tributo, se encontrarem já transmitidos a terceiros por contratos de compra e venda, embora na Conservatória do Registo Automóvel permanecessem registados em nome da Requerente.
25. Sobre esta matéria, as Partes evidenciam, no presente processo, posições diametralmente opostas: para a Requerente, a norma de incidência subjetiva constante do artigo 3.º do Código do IUC consagra uma presunção ilidível, fundada no Registo Automóvel; enquanto que para a Requerida aquela norma, conforme foi esclarecido pelo legislador, define como sujeito passivo da obrigação de imposto o titular do direito de propriedade do veículo automóvel, “talqualmente como ele se encontra no registo automóvel.”
26. Assim, o essencial da fundamentação da Requerente assenta no pressuposto de que a norma de incidência subjetiva do IUC, na redação em vigor à data da ocorrência do facto tributário, estabelece uma presunção suscetível de elisão. Para elisão desta oferece, como elementos de prova, cópia dos contratos de ALD e da faturação correspondente às transmissões dos veículos para os respetivos locatários em momento anterior àquele facto.
27. Contrariando o alegado pela Requerente, considera a Requerida que na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01/08, aquele artigo 3.º do Código do IUC deixou de consagrar qualquer presunção legal, ficando, a partir da data da sua entrada em vigor, “definitivamente arredada a possibilidade de os ditos “proprietários de direito” afastarem a incidência do IUC, alegando a transmissão da propriedade a “proprietários de facto” que, por sua vez, não tinham levado a sua aquisição ao registo automóvel.”
28. Está, pois, em causa, prioritariamente, a interpretação daquela norma, relativamente à qual se sucederam no tempo duas versões. Assim, na redação inicial da lei de aprovação do Código do IUC - Lei n.º 22-A/2007, de 29/06 - o artigo 3.º do referido Código, dispunha, nos seus n.ºs 1 e 2, que:
“1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.”
29. Na interpretação da norma em causa veio a firmar-se jurisprudência largamente maioritária no sentido de que a mesma consagrava uma presunção e que esta era ilidível, nos termos gerais.[i]
30. Entretanto, através do artigo 169.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30/03, que aprovou o Orçamento do Estado para 2016, foi concedida a seguinte autorização legislativa:
“Fica o Governo autorizado a introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, com o seguinte sentido e extensão:
a) Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º.”
31. A referida autorização legislativa veio a efetivar-se através do Decreto-Lei n.º 41/2006, de 01/08, que, visando “ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar quem é o sujeito passivo do imposto”[ii], conferiu aos n.ºs 1 e 2 daquele artigo 3.º a seguinte redação:
“1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.
2 - São equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.”
32. Confrontando a redação anterior do artigo 3.º do CIUC com a que a resulta da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 41/2006, de 01/08, em vigor a partir do dia seguinte ao da sua publicação, bem como com a norma de autorização legislativa, ressalta, desde logo, que o legislador não pretendeu fazer uso daquela autorização na vertente relativa à natureza interpretativa da alteração ao introduzir ao CIUC e que a “clarificação” por ele pretendida passou por afastar do âmbito da incidência subjetiva do IUC o proprietário efetivo da viatura atribuindo, para o efeito, exclusiva relevância à pessoa que constasse do registo de propriedade independentemente de ser ela ou não a proprietário ou possuidora da viatura no momento da ocorrência do facto gerador e exigibilidade do imposto.
33. Sobre esta matéria, pode ler-se em acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18-04-2018, proferido no Processo n-º 0206/17:
“ O legislador pretendeu com o artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação dotar a Administração Tributária de um mecanismo de fácil identificação dos sujeitos passivos deste imposto socorrendo-se da presunção constante do art.º 7.º do CRP, aplicável subsidiariamente ao registo automóvel de que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
A Administração Tributária desconhece os concretos negócios que podem estabelecer os contribuintes e tributa a circulação dos veículos por referência ao veículo e ao titular inscrito no registo automóvel que, na maioria dos casos coincide efetivamente com o titular do direito de propriedade sobre tal móvel sujeito a registo.
Houve um longo período de tempo em que os contribuintes que vendessem os seus automóveis, sem se assegurarem nos termos da negociação que a alteração do registo seria oportunamente efetuada, se viam confrontados com a interpelação para pagamento deste imposto por automóveis de que já não eram proprietários, e que, com grande probabilidade já não utilizavam, sem nada poderem fazer.
O legislador, sem alterar as regras do IUC, veio em 2014 a dotar os vendedores de um mecanismo legal que lhes passou a permitir procederem à atualização do registo, criando um regime especial para o registo requerido apenas pelo vendedor, com base em documentos indiciadores da compra e venda, com notificação à parte contrária a cargo do serviço de registo, com o DL n.º 177/2014 de 15 de Dezembro.
O art.º 169.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março - Orçamento de Estado 2016 – concedeu autorização legislativa no âmbito do imposto único de circulação para que o legislador definisse o exato alcance do disposto no art.º 3.º do Código do Imposto Único de Circulação, nomeadamente sobre a impossibilidade de o contribuinte poder demonstrar, para efeitos de tributação nesta sede que, ainda que constasse do registo automóvel como titular do direito de propriedade sobre o veículo em causa, não era efetivamente o titular desse direito, à data da liquidação, nos seguintes termos: “Autorização legislativa no âmbito do imposto único de circulação
Fica o Governo autorizado a introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, com o seguinte sentido e extensão: a) Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º;”
Tal autorização legislativa veio a ser concretizado pelo DL 41/2016, de 01/08, cujos exatos termos, ao invés do que fez relativamente a outros impostos, não assumiu carácter interpretativo. Tendo sido concedida autorização legislativa para o governo regular certa matéria, com carácter interpretativo, dispõe, ainda, o órgão executivo, nesta circunstância, da possibilidade de consagrar ou não esse carácter interpretativo, por tal se conter dentro dos limites da autorização concedida.”
34. Este entendimento sobre a relevância da inscrição no registo automóvel para a definição da sujeição subjetiva ao IUC, é acolhido, em idênticos termos, em acórdão de 20-09-2018, do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 01270/14.2BEPNF, que, afastando também uma eventual natureza interpretativa da norma atual do artigo 3.º do CIUC, sustenta que “Da redação dada ao n.º 1 do artigo 3.º do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados.”
35. Também no mesmo sentido, e referindo-se à norma em análise na sua atual redação, pronuncia-se o mesmo Tribunal, em acórdão de 03-10-2018, proferido no processo n.º 01271/14.0BEPNF, nos seguintes termos: “Daqui resulta, que a incidência subjetiva do IUC, nos termos do art. 3.º, n.º 1, do CIUC recai sobre "(...) as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, independentemente da propriedade efetiva do veículo e da sua posse.
O sujeito passivo é a pessoa em nome de quem está registada a propriedade do veículo, independentemente de ser ou não o seu proprietário e/ou possuidor. A incidência subjetiva basta-se com o mero registo do direito de propriedade em nome do sujeito passivo, sendo suficiente o nome da pessoa em que se encontra registada a propriedade do veículo, independentemente de ela ser ou não a proprietária e possuidora efetiva do veículo no ano a que respeita o IUC, designadamente no caso das situações de venda do veículo sem atualização do registo de propriedade. Perentório, conclui o acórdão que: “Com a nova redação do art. 3.º, n.º 1, do CIUC, a propriedade e a posse dos veículos não são elementos de incidência subjetiva do imposto...”
36. Não se desconhecendo jurisprudência arbitral em sentido diverso que, aliás, a Requerente refere em apoio da pretensão que formula, não podemos, com o devido respeito, acompanhá-la, antes se acolhendo a jurisprudência que, sobre a matéria, se vem firmando nos tribunais superiores, de que acima se transcreveram alguns excertos.
37. Com efeito, careceria de sentido a intervenção do legislador, no propósito enunciado de “clarificar” a norma de incidência subjetiva do IUC para que, em sede de interpretação das alterações nela introduzidas, se concluísse que, afinal, tudo ficava na mesma, assim esvaziando de conteúdo a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n,º 41/2016, de 01/08.
38. Nestes termos, dando-se como provado que as viaturas a que respeitam as liquidações questionadas se encontravam, no período de 2017, registadas em nome da Requerente, não pode deixar de concluir-se pela legalidade das questionadas liquidações de IUC bem como das decisões de indeferimento expresso das correspondentes reclamações graciosas.
39. Assim se concluindo, resulta inútil a apreciação das questões suscitadas pela Requerente relativamente à prova de que, à data da ocorrência do facto gerador e exigibilidade do imposto, as viaturas a que este respeita já lhe não pertenciam por terem sido transmitidas a terceiros, ficando, igualmente, prejudicada a apreciação do pedido de juros indemnizatórios.
V. Decisão
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido de anulação das liquidações de IUC e revogação das decisões proferidas em sede de reclamação graciosa objeto do presente processo.
b) Condenar a Requerente nas custas do processo.
Valor do processo: € 633,47
Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 306,00, a cargo da Requerente.
Lisboa, 23 de Maio de 2019,
O árbitro, Álvaro Caneira.
[i] Neste sentido, cfr. , entre outras, Decisões Arbitrais de 19.7.2013, Proc. 26/2013-T, de 10.9.2013, Proc. 27/2013-T, de n15.10.2013, Proc. 14/2013-T, de 5.12.2013, Proc. 73/2013-T, de 14.2.2014, Proc. 170/2013-T, de 30.4.2014, Proc., 256/2013-T, de 2.5.2014, Proc. 289/2013-T, de 6.6.2014, Proc. 294/2013-T, de 25.6.2014, Proc. 42/2014, de 6.7.2014, Proc. 52/2014-T, de 15.9.2017. Proc. 173/2017-T e de 4.10.2017, Proc. 185/2017-T.
[ii] Cfr., Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01/08.