Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 613/2018-T
Data da decisão: 2019-05-29  IRS  
Valor do pedido: € 40.009,58
Tema: Artigo 43.º, n.º 2, do CIRS; Mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis, auferidas por residente noutro Estado-membro da UE.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                I. RELATÓRIO

1. No dia 5 de dezembro de 2018, A..., NIF..., residente em ..., ... ..., Londres, ..., Reino Unido (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste tribunal relativamente:

- À declaração de ilegalidade e anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2018..., respeitante ao ano de 2017, no montante total de € 80.016,19;

- Ao reconhecimento do direito do Requerente a juros indemnizatórios, nos termos legais.

O Requerente juntou 3 (três) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 12 de dezembro de 2018.

               

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.1. Em 28 de janeiro de 2019, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

3.2. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 18 de fevereiro de 2019.

 

4. No dia 25 de março de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pelo Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido; a Requerida propugnou, ainda, a suspensão da presente instância arbitral e a sujeição da questão jurídico-tributária em apreço ao TJUE, por via de reenvio prejudicial, nos termos do disposto no artigo 267.º do TFUE, o que foi objeto de apreciação e de decisão de indeferimento, por despacho arbitral proferido em 29 de abril de 2019.

4.1. A Requerida não juntou documentos, nem o respetivo processo administrativo por este não existir, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.

 

5. Em 29 de abril de 2019, foi proferido despacho no qual, além do mais, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, foi fixado prazo para a apresentação de alegações e foi determinada, como data limite para a prolação da decisão arbitral, o dia 26 de julho de 2019.

 

6. As Partes apresentaram alegações, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.    

***

II. SANEAMENTO

7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO 

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

8. Consideram-se provados os seguintes factos:

a) O Requerente é residente no Reino Unido.

b) No ano de 2017, o Requerente era proprietário da fração autónoma designada pela letra “V” que corresponde ao Edifício ...– piso Três – terceiro andar, letra B, com dois estacionamentos para carros designados pelos números 18 e 19 e uma arrecadação, designada pelo número 19 no piso menos um (cave) do prédio urbano denominado “...”, sito na Rua ..., número..., lugar e freguesia de ..., concelho de Cascais, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... da dita freguesia e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo... . [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA]

c) No dia 5 de janeiro de 2017, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de B..., o Requerente vendeu o imóvel identificado no facto provado anterior, pelo preço de € 600.000,00. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA]

d) No dia 9 de agosto de 2018, o Requerente entregou a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2017, na qual declarou, quanto à respetiva residência fiscal [campo 8], ser não residente, residir em país da UE ou EEE (826) e pretender a tributação pelo regime geral. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]

e) O Requerente entregou, com aquela mesma declaração de rendimentos, o respetivo Anexo G [Mais-valias e outros incrementos patrimoniais], no qual declarou [campo 4] a sobredita alienação do mencionado imóvel, tendo indicado o valor de realização de € 600.000,00, o valor de aquisição de € 157.121,34 e, ainda, despesas e encargos no montante de € 5.272,29. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA] 

f) Nessa sequência, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2017, no montante total de € 80.016,19 – sendo € 79.415,68, a título de imposto e € 600,51, a título de juros compensatórios – e com data limite de pagamento em 08.10.2018. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA] 

g) Em data concretamente não apurada, o Requerente efetuou o pagamento integral do predito montante global (€ 80.016,19) de IRS e de juros compensatórios que foi liquidado pela AT.

h) Em 5 de dezembro de 2018, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

9. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

10. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e na análise crítica da prova documental que consta dos autos.

 

III.2. DE DIREITO

§1. DO THEMA DECIDENDUM

11. O thema decidendum no presente processo tem por epicentro a tributação autónoma incidente sobre as mais-valias imobiliárias, auferidas por residentes noutros Estados-membros da União Europeia, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, alínea h), 43.º, n.ºs 1 e 2 e 72.º, n.º 1, alínea a), todos do Código do IRS.

                Está, concretamente, em causa determinar se, atento o disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, o saldo positivo apurado a título de mais-valias, no ano de 2017, deverá ou não ser considerado em apenas 50% do seu valor, uma vez que o Requerente é residente no Reino Unido.

 

12. O Requerente propugna que aquele saldo positivo deve ser considerado em apenas 50% do seu valor, pois entende que o disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS é também aplicável aos não residentes em Portugal, mas residentes num Estado-membro da União Europeia; o Requerente esteia esta sua posição no acórdão proferido pelo TJUE, no processo C-443/06, em 11 de outubro de 2007 (caso Hollmann) – que decidiu que "O artigo 56.º CE [atual artigo 63.º do TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no litígio no processo principal que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel." – e na subsequente jurisprudência dos nossos tribunais superiores sobre esta matéria. 

                Constitui, pois, entendimento do Requerente que aquela disposição do Código do IRS é incompatível com o direito europeu, não sendo de considerar sanada tal incompatibilidade com o aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8 (atuais números 9 e 10), pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (OE 2008).  

A Requerida, por seu turno, entende que o quadro legal, assim como a obrigação declarativa, já não é aquele que existia à data da prolação do mencionado acórdão pelo TJUE, tendo em conta a predita alteração legislativa ao artigo 72.º do Código do IRS; assim, segundo a Requerida, o acórdão Hollmann refere-se a situações ocorridas na vigência do artigo 72.º do Código do IRS, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro. Por isso, a Requerida propugna que o Tribunal Arbitral deve considerar que a aludida jurisprudência não é vinculativa, em face do atual quadro legal nacional.

 

§2. DO MÉRITO

§2.1. DA TRIBUTAÇÃO EM IRS DAS MAIS-VALIAS AUFERIDAS PELO REQUERENTE

13. A análise da questão jurídico-tributária que constitui o epicentro do dissenso entre as Partes, deve principiar pela convocação do bloco normativo aplicável, obviamente, na redação vigente à data dos factos.

O artigo 10.º do Código do IRS, determina, no seu n.º 1, que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (alínea a)) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

Por seu turno, o artigo 13.º do Código do IRS estatui, no seu n.º 1, que ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos, sendo que, como decorre do previsto no n.º 1 do artigo 18.º do mesmo Código, consideram-se obtidos em território português (alínea h)) os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão.   

Podemos, desde já, assentar que, pese embora o Requerente ser residente no Reino Unido, as mais-valias resultantes da alienação do referenciado imóvel são consideradas rendimentos obtidos em território português e, como tal, são objeto de tributação em IRS; nesse mesmo sentido, estatui o artigo 13.º, n.º 1, da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Lisboa em 27 de março de 1968 (Decreto-Lei n.º 48497, de 24 de julho de 1968), que os ganhos provenientes da alienação de bens imobiliários (…) podem ser tributados no Estado Contratante em que tais bens estiverem situados.

Isto posto. O artigo 43.º do Código do IRS estipula, no seu n.º 1, que o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes; o n.º 2 do mesmo artigo estatui que o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.

O pomo da discórdia entre as Partes radica, precisamente, nesta norma, estando em causa determinar se a mesma se deve aplicar apenas aos residentes em território português, em consonância com o respetivo elemento literal, ou também aos residentes noutros Estados-membros da União Europeia.

Por fim, o artigo 72.º do Código do IRS prevê, no seu n.º 1, que são tributadas à taxa autónoma de 28% (alínea a)) as mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado.  

 

14. O n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS já foi objeto de apreciação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no acórdão, de 11 de outubro de 2007, proferido no processo C-443/06 (Acórdão Hollmann), no qual foi decidido o seguinte:

«O artigo 56.° CE [atual artigo 63.º do TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.»

Estamos, pois, perante um regime discriminatório e incompatível com o Direito Europeu, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

Esta conclusão está esteada, nuclearmente, na seguinte argumentação expendida no citado aresto do TJUE:

«29. Ora, o Tratado prevê, designadamente no artigo 56.° CE, uma norma específica de não discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais (acórdão de 10 de Janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze, C 222/04, Colect., p. I 289, n.° 99).

30. Face às considerações precedentes, importa, portanto, verificar se um contribuinte como E. Hollmann pode invocar o disposto no artigo 56.° CE.

31. A este respeito, decorre da jurisprudência que uma operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa no processo principal, constitui um movimento de capitais (v., neste sentido, acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C 222/97, Colect., p. I 1661, n.° 24).

(…)

37. Daqui decorre que, nos termos das disposições pertinentes do CIRS, a tributação das mais valias realizadas não é a mesma para residentes e não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel sito em Portugal, no caso de realização de mais valias, os não residentes estão sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que é aplicada a residentes, encontrando se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos.

38. Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% sobre a matéria colectável correspondente à totalidade das mais valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que, segundo as observações formuladas pelo Governo português, a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%.

(…)

40. Nestas condições, cabe concluir que o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.° CE.

(…)

47. A este respeito, o Governo português sustenta que as duas categorias de sujeitos passivos se encontram em situações diferentes, o que justifica perfeitamente esta diferença de tratamento. A limitação da tributação a 50% só pode respeitar a residentes, uma vez que estes se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas sobre o seu rendimento global. Ao invés, aos não residentes são apenas tributados os rendimentos auferidos no território português. Por outras palavras, o mecanismo previsto por uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal visa não penalizar os residentes que se encontram sujeitos a um imposto progressivo, contrariamente aos não residentes.

48. Além disso, o mesmo governo considera que a diferença de tratamento fiscal resultante da aplicação de uma tributação diferente a não residentes deve ser interpretada em conjugação com o sistema geral do imposto sobre o rendimento aplicável a residentes e a não residentes.

49. Com este argumento, o Governo português considera que o facto de se prever uma tributação diferente para não residentes, no caso de realização de mais valias, se justifica atendendo ao regime de tributação de rendimentos, em especial à taxa de tributação diferente aplicável a residentes e a não residentes. Com efeito, para os primeiros, o rendimento colectável é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias, incluindo, portanto, as mais valias auferidas em cada ano, sujeito a uma tabela de taxas progressivas, enquanto que, para os não residentes, o CIRS prevê a aplicação de uma taxa especial proporcional.

50. Refira se que, no processo principal, em primeiro lugar, a tributação das mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide sobre uma única categoria de rendimentos dos sujeitos passivos, quer sejam residentes ou não residentes; em segundo lugar, diz respeito às duas categorias de sujeitos passivos; e, em terceiro lugar, o Estado Membro de onde o rendimento colectável provém é sempre a República Portuguesa.

51. A este respeito, importa em particular esclarecer que, tal como resulta do n.° 38 do presente acórdão, o facto de a matéria colectável correspondente às mais valias realizadas por um residente ser reduzida a metade, conjugado com o facto de a tributação dos seus rendimentos estar sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%, conduz, nas mesmas condições de tributação relativamente a um não residente, a uma tributação mais gravosa deste último.

52. Nestas condições, a alegação apresentada, no caso em apreço, pelo Governo português não pode ser aceite.

53. Resulta do exposto que não existe objectivamente nenhuma diferença de situação que justifique a desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais valias entre as duas categorias de sujeitos passivos. Por conseguinte, uma situação como a de E. Hollmann é comparável à de um residente.

54. Donde se conclui que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal institui um tratamento fiscal desigual para os não residentes, na medida em que permite, no caso de realização de mais valias, uma tributação mais gravosa e, por isso, uma carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objectivamente comparável.»

Importa aqui relembrar que a prevalência da interpretação do TJUE acerca do direito de fonte comunitária resulta do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa e do princípio do primado do Direito Comunitário, seja este originário ou derivado.

Assim, na sequência daquele aresto do TJUE, os tribunais nacionais adotaram uma posição consentânea com o ali decidido, sendo disso exemplo a jurisprudência do STA citada pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral.

Também os tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD seguiram idêntico entendimento, como resulta, entre outras, das decisões arbitrais que são igualmente citadas pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral.

 

15. Dito isto. A Requerida entende que a aludida jurisprudência do TJUE não é vinculativa, uma vez que o quadro legal, assim como a obrigação declarativa, já não é aquele que existia à data da prolação do mencionado acórdão pelo TJUE, atenta a alteração legislativa consubstanciada no aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8 (atuais números 9 e 10), pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (OE 2008); assim, segundo a Requerida, o Acórdão Hollmann refere-se a situações ocorridas na vigência do artigo 72.º do Código do IRS, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, pelo que o caso concreto não está abrangido por tal arco temporal.

Neste conspecto, a Requerida argumenta o seguinte que aqui importa respigar:

«33.º No entanto, conforme supra mencionado, da redação introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, resulta um novo quadro normativo que ainda não foi alvo de análise para efeitos de verificação da sua compatibilidade com o direito comunitário.

34.º Quadro normativo esse que passou a prever duas situações/possibilidades/alternativas de tributação do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, resultantes da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição por alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.      

35.º Assim, por um lado, o Requerente podia ter optado pela tributação desses rendimentos (mais-valias) à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes, o que não fez.           

36.º Por outro lado, o Requerente podia ter optado, como o fez, pela taxa autónoma de 28%, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

(…)

38.º (…) a alteração introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, veio, salvo melhor opinião, adequar plenamente a legislação nacional  ao direito comunitário,

39.º isto porque os n.º 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS, em consonância com o ponto 40 do decisório [do Acórdão Hollmann], passaram a prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, já não APENAS para os residentes em Portugal, mas TAMBÉM para os não residentes, desde que residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

40.º Razão pela qual, a alteração introduzida ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, sanou o vício de que padecia a legislação nacional, nos termos julgados pelo referido Acórdão, conforme artigo 61 do decisório [do Acórdão Hollmann] (…).

(…)

43.º Resumindo, a alteração operada por via da introdução dos atuais n.º 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que OPTEM pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território.»

 

16. No entanto, não tem a Requerida razão na posição que sustenta.

Os números 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS estatuem o seguinte:

9. Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10. Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

 A propósito de um regime de opção similar àquele que está consagrado nestas normas, concretamente no citado n.º 9, o TJUE já se pronunciou no acórdão, de 18 de março de 2010, proferido no processo C-440/08 (Acórdão Gielen), no qual foi decidido o seguinte:

«O artigo 49.° TFUE opõe se a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal como a dedução concedida aos trabalhadores independentes, em causa no processo principal, apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes.»

Esta decisão está estribada nos seguintes vetores argumentativos:

«50. Antes de mais, importa recordar que a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, como F. Gielen, escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório.

51. Ora, cumpre frisar a este respeito que, no presente caso, essa escolha não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

52. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência, como é essencialmente observado pelo advogado geral no n.° 52 das suas conclusões, validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório.

53. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C 446/04, Colect., p. I 11753, n.° 162).

54. Decorre do exposto que a escolha concedida, no âmbito do litígio em causa no processo principal, ao contribuinte não residente, através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação constatada no n.° 48 do presente acórdão.»

Desta forma, resulta meridianamente evidente que a previsão do regime facultativo em apreço, para além de fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, a opção de equiparação não é suscetível de excluir a discriminação em causa, a qual continua pois a subsistir.

Como bem é salientado no acórdão arbitral proferido no processo n.º 45/2012-T, “[n]ão se desconhece que as consequências aqui retiradas da jurisprudência comunitária acima mencionada, em particular do Acórdão Hollmann, propiciam uma tributação mais favorável das mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes em Portugal, que residam na União Europeia, do que por residentes, pois, para além de beneficiarem de igual modo da redução a 50% da base de incidência de IRS, são sujeitos a uma taxa única de 25%, que será, na maioria dos casos, inferior às taxas progressivas dos residentes, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, a que acresce o facto de estes últimos terem de englobar todos os seus rendimentos.

Todavia, no actual estádio do Direito Comunitário, não se vislumbra um princípio ou norma que impeça a discriminação positiva dos não residentes face aos residentes, constituindo a fiscalidade directa um domínio da competência dos Estados-Membros.»

 

17. Destarte, em face do exposto, procede o vício de violação de lei alegado pelo Requerente, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o artigo 63.º do TFUE, na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, com a consequente anulação parcial do ato tributário controvertido, na parte em que não considerou a limitação da tributação das aludidas mais-valias a 50% do respetivo valor.

Como se extrai do acórdão do STA, de 22 de março de 2011, proferido no processo n.º 01031/10, foi a Autoridade Tributária que, «perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS): à taxa prevista para os não residentes (25%, nos termos do artigo 72.º n.º 1 do Código do IRS) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56.º do TJCE (actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), sujeitando deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário.»  

 

§2.2. DO REEMBOLSO DOS MONTANTES INDEVIDAMENTE PAGOS, ACRESCIDOS DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

18. O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) que estabelece, que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

19. Na sequência da ilegalidade e anulação parcial do ato de liquidação de IRS controvertido, é mister concluir que o Requerente suportou uma prestação tributária superior à legalmente devida, pelo que, na medida e proporção do ganho de causa, há lugar ao reembolso das quantias de imposto e de juros compensatórios pagas ilegalmente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aquele ato tributário não tivesse sido praticado.

 

20. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

                No caso concreto, como foi dito, o Requerente suportou uma prestação tributária superior à legalmente devida.

Ademais, verifica-se que a ilegalidade e a consequente anulação parcial da liquidação de IRS controvertida é imputável à AT por ter liquidado o imposto que considerou devido, sobre o montante total das mais-valias realizadas e não apenas sobre 50% deste valor, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, ignorando a incompatibilidade dessa disposição legal, assim aplicada, com o artigo 63.º do TFUE, pelo que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, a liquidar após a determinação pela AT das quantias de imposto e de juros compensatórios pagas em excesso, na reedição do ato de liquidação expurgado do vício que lhe foi imputado, em cumprimento da presente decisão.

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21. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

a)            A liquidação de IRS n.º 2018..., respeitante ao ano de 2017, é declarada ilegal e anulada na parte em que não considerou a limitação da tributação das aludidas mais-valias a 50% do respetivo valor.

b)           A Autoridade Tributária e Aduaneira é condenada:

(i)           a reembolsar ao Requerente as quantias de imposto e de juros compensatórios que, em execução da presente decisão, se apure terem sido liquidadas e pagas em excesso;

(ii)          a pagar juros indemnizatórios ao Requerente, calculados sobre as quantias a reembolsar, nos termos legais;

(iii)         no pagamento das custas do presente processo.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 40.009,58 (quarenta mil e nove euros e cinquenta e oito cêntimos).

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Notifique.

 

Lisboa, 29 de maio de 2019.

 

O Árbitro,

(Ricardo Rodrigues Pereira)