DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros, Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (na qualidade de árbitro-presidente), Dr. Jorge Carita (na qualidade de árbitro vogal) e Dr. Alexandre Andrade (na qualidade de árbitro vogal), foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, Tribunal este que foi constituído em 6 de Fevereiro de 2019, acordam o seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., (adiante designado apenas por Requerente), com o NIF..., residente na ..., n.º ..., ... ..., ...-... Belas, apresentou, no dia 23 de novembro de 2018, pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada apenas por Requerida).
O Requerente foi notificado, através do Ofício n.º..., de 24 de Agosto de 2018, da Direcção de Finanças de Lisboa – Divisão de Justiça Administrativa, de que a Reclamação Graciosa apresentada contra os actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de Juros Compensatórios n.º 2017..., ambos praticados pela Senhora Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira por referência ao ano fiscal de 2015, no valor de € 59.983,26 e de € 3.470,81 respectivamente, foi indeferida por Despacho da Senhora Chefe de Divisão (no uso de poderes subdelegados), datado de 25 de Julho de 2018 (página 1 do Pedido Pronúncia Arbitral, adiante designado, na identificação das páginas, apenas por PPA).
O Pedido de Pronuncia Arbitral foi apresentado, quer contra a decisão da reclamação graciosa, quer contra os actos de liquidação de IRS e de Juros Compensatórios n.ºs 2017..., praticado por referência ao ano fiscal de 2015 (página 2 do PPA).
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 26 de novembro de 2018 e automaticamente notificado à Requerida.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro), o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, tendo todos comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. A Requerida apresentou, em 3 de Janeiro de 2019, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, comunicação, com Informação, onde é indicada a seguinte Conclusão e Proposta de Decisão: IV – Conclusão: Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que a liquidação de IRS do ano 2015 vigente, não deve ser mantida por falta de fundamentação bem como por existirem factos que levam à determinação da matéria tributável por avaliação indirecta, que constituem preterição de uma formalidade essencial geradora de uma ilegalidade, fundamento de anulação do ato tributário, ficando dessa forma precludida a apreciação da decisão de indeferimento proferida no âmbito da Reclamação Graciosa n.º ..2017... VI: Proposta de Decisão: Por tudo o exposto, propõe-se a anulação da liquidação de IRS do ano de 2015, n.ºs 2017... e 2017... .
Tal informação foi objeto do seguinte Parecer da Directora de Serviços: Confirmo, pelo que se propõe a revogação do ato controvertido no CAAD, nos termos e com os fundamentos invocados. À consideração superior.
Foi também objeto de Despacho da Subdirectora-Geral, por delegação, nos seguintes termos: Revogo o ato contestado com os fundamentos invocados. Proceda-se em conformidade com o proposto e efectuem-se as demais diligências que se afigurem necessárias.
5. Esta comunicação, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, foi notificada ao Requerente em 3 de Janeiro de 2019 e foi objeto de Despacho do Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), datado de 2 de Janeiro de 2019 (colocado no Sistema de Gestão Processual em 3 de Janeiro de 2019), nos seguintes termos: com referência ao Processo n.º 589/2018-T e na sequência da comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira prevista no artigo 13.º n.º 1 do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (RJAT), solicita-se a V. Exa. que, face ao circunstancialismo previsto no artigo 13.º n.º 2 do RJAT, se digne informar o CAAD, querendo, sobre o prosseguimento do procedimento.
6. O Requerente foi notificado do Despacho do Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 3 de Janeiro de 2019.
7. O Requerente nada disse ou requereu nos autos, na sequência da notificação supra referida.
8. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 26 de Novembro de 2018 e posteriormente notificado à Requerida.
9. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como Árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
10. Em 17 de Janeiro de 2019, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
11. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 6 de Fevereiro de 2019.
12. Em 8 de Fevereiro de 2019, o Tribunal Arbitral proferiu Despacho Arbitral para notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. Deste Despacho foi a Requerida notificada em 8 de Fevereiro de 2019.
13. A Requerida apresentou requerimento, no Sistema de Gestão Processual, dirigido ao Presidente do CAAD, em 12 de Fevereiro de 2019, dizendo: Tendo a Autoridade Tributária no dia 3 de janeiro efetuado a comunicação prevista no artigo 13.º do RJAT, informando a revogação do ato impugnado, foi contudo no dia 8 do corrente mês notificada nos termos do artigo 17.º RJAT, pelo que se solicita informação sobre os procedimentos entretanto efetuados.
14. Em resposta, o Presidente do CAAD proferiu, em 12 de Fevereiro de 2019, o seguinte despacho: Uma vez que o Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa não tem legalmente competência para apreciar o pedido formulado no requerimento apresentado pela Requerida, em 12-02-2019, remeta-se ao Tribunal Arbitral.
15. Em 12 de Fevereiro de 2019, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte Despacho Arbitral: Dá-se sem efeito o despacho proferido em 8 de fevereiro de 2019. Deste despacho notifiquem-se ambas as partes. Este Despacho foi notificado às Partes em 13 de Fevereiro de 2019.
16. Em 17 de Fevereiro de 2019, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte Despacho Arbitral: Considerando o Requerimento da Entidade Requerida de 12 de Fevereiro e tendo em conta que esta entidade procedeu à revogação do acto tributrário impugnado, em nome da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo [alínea c) do artigo 16.º do RJAT], bem como dos princípios da economia e celeridade processuais, notifica-se o SP para vir aos autos indicar, no prazo de 10 dias, se mantém ou não interesse processual no prosseguimento dos presentes autos. Deste despacho notifiquem-se ambas as partes.
17. Mais uma vez notificado daquele despacho, o Requerente não respondeu.
18. A fundamentar o pedido, em resumo, o Requerente invoca o seguinte: (i) falta de fundamentação dos actos, (ii) omissão da notificação para exercício do direito de audição, (iii) ilegalidade dos actos de liquidação, (iv) ilegalidade das liquidações de juros compensatórios e, por último, (v) ilegalidade da decisão da Reclamação Graciosa.
19. Sobre a falta de fundamentação (página 3 do PPA) dos actos, o Requerente invoca, em resumo, o seguinte:
- Analisados os actos de liquidação que também constituem o objecto do pedido de pronúncia arbitral verifica-se não resultar suficiente a necessária fundamentação dos mesmos, de facto e de direito. (página 3 do PPA)
- Na verdade, não são explicitados todos os fundamentos que determinaram a sua emissão, sendo apenas feita a, lacónica e insuficiente, menção a um conjunto de valores, bem assim, que a liquidação de imposto não foi realizada com recurso a métodos indiciários. (página 3 do PPA)
- Adicionalmente, apenas é referido que cada um dos actos poderá ser objecto de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, sem se identificarem, sequer, as concretas disposições legais em que assenta. (página 3 do PPA)
- Ora, nos actos de liquidação que também são objecto do presente pedido de pronúncia arbitral não há qualquer referência, expressa ou implícita, a outro qualquer documento concreto para que remeta clara e expressamente, pelo que, não constando do próprio acto a fundamentação legalmente exigida – ou seja, a iter cognoscitivo que justifica a decisão tomada –, também não se pode entender, no caso vertente, que esta se tem por cumprida por remissão para um outro qualquer documento, que não vem aí identificado. (página 7 e 8 do PPA)
- Por outro lado, inexiste a demonstração (cujo ónus, nos termos do artigo 74.º, da Lei Geral Tributária, impende sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira) de que a matéria colectável foi apurada com base nos elementos existentes e disponíveis. (página 8 do PPA)
- Ou seja, a Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstra os elementos essenciais da sua pretensão e que justificariam a prática dos actos de liquidação cuja legalidade, também, se contesta. (página 8 do PPA)
- Parece, pois, curial que se conclua que o acto de liquidação de IRS e de Juros Compensatórios relativo ao ano fiscal de 2015, que também constitui o objecto da presente acção, foi praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis, designadamente os artigos 268.º, n.º 3, da CRP e artigo 77.º da LGT, 123.º, 124.º e 125.º do CPA devendo ser anulado em conformidade (cf. artigo 135.º do CPA). (página 8 do PPA)
20. Sobre a omissão da notificação para exercício do direito de audição (página 9 do PPA.), o Requerente invoca, em resumo, o seguinte:
- não foi notificado, em momento anterior à pratica dos actos de liquidação (ou em qualquer outro momento, na verdade), para se pronunciar sobre o teor dos mesmos. Em concreto, o Requerente não foi notificado nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT. (página 9 do PPA)
21. Sobre a ilegalidade dos actos de liquidação (página 14 e seguintes do PPA), o Requerente invoca, em resumo, o seguinte:
- o Requerente, no seu pedido de Pronúncia, antes de invocar a ilegalidade por violação do principio do inquisitório e prossecução da verdade material - (página 18 do PPA) (…) começa por fazer considerações introdutórias, enquadrando a sua situação jurídico-fiscal, nomeadamente, indicando a sua qualidade de empresário que se dedica ao comércio automóvel, auferindo rendimentos da categoria B de IRS, estando no regime da contabilidade organizada. (página 14 do PPA)
- Que sempre entregou os elementos relevantes ao contabilista certificado para que o mesmo pudesse fazer os necessários lançamentos contabilísticos e apresentação das declarações fiscais e que sempre considerou ter a sua situação tributária regularizada dado que: a) as obrigações declarativas sempre foram cumpridas; e, b) o imposto apurado sempre foi diligentemente pago. (página 15 e 16 do PPA)
- Sucede, porém, que, conforme sobeja e amplamente descrito na reclamação graciosa o Requerente foi confrontado pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a existência de incongruências entre as declarações fiscais apresentadas. (página 16 do PPA)
- Em face da notificação recebida o Requerente procurou a colaboração do contabilista certificado para esclarecimento da situação. Sucede, porém, que nunca foi possível obter tal colaboração. (página 16 do PPA)
- A Autoridade Tributária e Aduaneira praticou o acto de liquidação de IRS e de Juros Compensatórios n.º 2017... . (página 17 do PPA)
- O Requerente apresentou, por referência ao ano de 2015, declaração de rendimentos de substituição a qual espelha de forma fiel e real a sua situação tributária e, por não se poder conformar com a decisão proferida, o Requerente apresentou reclamação graciosa. (página 17 do PPA)
- A reclamação graciosa foi objecto de projecto de decisão (de indeferimento). O Requerente juntou ao procedimento documentos contabilísticos para provarem o excesso de quantificação por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira. Por fim, o Requerente foi notificado da decisão final que recaiu sobre a reclamação graciosa, tendo o pedido formulado sido indeferido. (página 17 do PPA)
– A Autoridade Tributária e Aduaneira considera, em termos sintéticos, que o Requerente não carreou para os autos os elementos necessários e adequados para demonstrar que a declaração de substituição apresentada espelha, de forma fiel, a sua real situação tributária. Mais é referido que o Requerente não demonstrou que a sua contabilidade se encontra organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal. (página 18 do PPA)
- Como é evidente a decisão em apreço é ilegal, tal como o é o acto de liquidação, e assenta em pressupostos, de facto e de direito, errados. (página 18 do PPA)
- Uma vez que o Requerente prossegue uma actividade comercial de forma independente os rendimentos auferidos em resultado da mesma são enquadráveis na categoria “B” de IRS (cfr. artigo 3.º, do Código do IRS). Nos termos do artigo 28.º, do Código do IRS, a matéria colectável no caso de rendimentos empresariais e profissionais pode ser apurada, quer através da aplicação das regras da contabilidade organizada, quer através da contabilidade. No caso concreto, o Requerente apura a sua matéria colectável com base na contabilidade pelo que ex vi artigo 32.º do Código do IRS aplicam-se as regras constantes do Código do IRC. Ora foi precisamente isso que o Requerente fez, carreando para os autos os elementos necessários ao correcto apuramento do imposto ou seja, da sua real capacidade contributiva. (página 23 e 24 do PPA)
- De acordo com os elementos contabilísticos relevantes o resultado líquido do exercício ascende a € 10.767,09. Inexistindo, no ano fiscal em causa correcções decorrentes da aplicação das normas tributárias aquele resultado líquido corresponde ao lucro tributável - € 10.767,09. (página 25 do PPA)
- nos termos do disposto no artigo 75.º, da LGT as declarações e elementos contabilísticos do Requerente (e de qualquer contribuinte) beneficiam de uma presunção de veracidade – sendo que no caso concreto o são efectivamente. E sendo uma presunção estabelecida a favor do contribuinte é a Autoridade Tributária e Aduaneira quem tem que demonstrar a não verificação dos pressupostos de que depende essa mesma presunção. Ao contrário do que vem referido na decisão da reclamação graciosa não é sobre o Requerente que recai o ónus da prova de que a contabilidade se encontra organizada de acordo com a Lei fiscal e comercial. É sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira que recai o ónus de demonstrar que não o está de forma a, querendo, tentar afastar a presunção. Não o tendo feito, o Requerente beneficia da aludida presunção. (página 26 do PPA)
- Mas mais: atenta a prova feita é manifesto que, no mínimo (na verdade é evidente que o acto é ilegal), existe fundada dúvida sobre a existência do facto tributário (tal como o mesmo é configurado pela Autoridade Tributária e Aduaneira) e sobre a respectiva quantificação. Assim sendo, nos termos do disposto no artigo 100.º, n. 1, do CPPT, o acto de liquidação que também constitui o objecto da presente acção deve ser anulado. Destarte, o acto de liquidação em apreço é ilegal por assentar em pressupostos de facto e de direito errados e por violação dos artigos 3.º e 32.º, do Código do IRS 3.º, 15.º, 16.º e 17.º, do Código do IRC, devendo ser anulado em conformidade, o que se requer. (página 27 do PPA)
22. Sobre a ilegalidade das liquidações de juros compensatórios (página 27 do PPA), o Requerente invoca, em resumo, o seguinte:
- Em conjunto com a liquidação de imposto, o ora Requerente foi também notificado da liquidação de juros compensatórios, que ascendem a € 3.319,96. Atento o teor das notificações recebidas os juros compensatórios foram liquidados nos termos do disposto nos artigos 35.º, da LGT e 91.º do Código do IRS. (página 27 do PPA)
- Acontece, no entanto, que no caso vertente não se encontra verificado nenhum dos pressupostos de que a Lei faz depender a liquidação de juros compensatórios sendo, portanto, essa mesma liquidação ilegal. (página 28 do PPA)
- Com efeito, das liquidações de juros compensatórios notificadas ao Requerente não resulta a demonstração concreta da culpa do contribuinte no alegado retardamento da liquidação do imposto. (página 31 do PPA)
- O Requerente tinha que ser notificado, expressamente, para, querendo, se pronunciar sobre a intenção da Autoridade Tributária e Aduaneira de proceder à liquidação de juros compensatórios e sobre os pressupostos, de facto e de direito, dessa decisão. (página 37 do PPA)
- A liquidação de juros compensatórios em análise é também ilegal, não apenas por força da respectiva falta de fundamentação e violação de lei, mas ainda por preterição de uma outra formalidade legal essencial, designadamente, por violação do disposto nos artigos 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e 60.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, da Lei Geral Tributária. (página 37 do PPA)
23. Por último, sobre a ilegalidade da Decisão da Reclamação Graciosa (página 38 do PPA), o Requerente invoca, em resumo, o seguinte:
- ao manter vigente na ordem jurídica, os actos de liquidação contestados, a Senhora Chefe de Divisão, agiu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, sendo que os vícios imputados aos actos de liquidação se transmitem à própria decisão que os mantém, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais. Verifica-se que a Senhora Chefe de Divisão, não se pronuncia sobre todas as questões suscitadas pelo Requerente (então Reclamante), assim violando o disposto no artigo 56.º, da LGT. (página 38 do PPA)
- Conforme previsto no artigo 60.º, n.º 7 da LGT os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão. (página 39 do PPA)
- Contudo, não os teve em conta na justa medida em que se limitou a uma lacónica afirmação, vazia de conteúdo, sem promover uma análise crítica dos mesmos. (página 40 do PPA)
- O acto de liquidação em apreço (e bem assim a decisão que o manteve na ordem jurídica), é ilegal por violação do disposto nos artigos 60.º, n.º 7 e 77.º da LGT, devendo ser anulada, (bem como a decisão da reclamação graciosa), em conformidade. (página 40 do PPA)
24. Não foram produzidas alegações.
II. SANEAMENTO
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades.
III. DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
O artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, dispõe o seguinte: “A instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito.
A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.
Assim, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.
Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
Volvendo ao caso concreto, temos que, ainda no decurso do procedimento de constituição do tribunal arbitral, a AT satisfez por inteiro e de modo voluntário as pretensões que o Requerente formulou nestes autos.
Com efeito, como ficou dito a Requerida apresentou, em 3 de Janeiro de 2019, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, comunicação, onde se dá conta que foi proposta a anulação da liquidação de IRS do ano de 2015, n.ºs 2017... e 2017... que foi objeto do seguinte Parecer da Directora de Serviços: “Confirmo, pelo que se propõe a revogação do ato controvertido no CAAD, nos termos e com os fundamentos invocados”. Parecer este que, por sua vez, foi também objeto de Despacho da Subdirectora-Geral, por delegação, nos seguintes termos: “revogo o acto contestado com os fundamentos invocados. Proceda-se em conformidade com o proposto e efectuem-se as demais diligências que se afigurem necessárias.”
Nessa medida, não obstante o evento que torna inútil a apreciação do mérito da causa se ter verificado antes da constituição do presente Tribunal Arbitral, a verdade é que os resultados que o Requerente visava com o presente processo arbitral se encontram integralmente atingidos.
Assim sendo, não oferece dúvida que a decisão arbitral que, normalmente seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, se afigura destituída de qualquer efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação.
Termos em que, com as devidas adaptações, se julga verificada a inutilidade superveniente da lide.
IV. DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS
Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (excetuados os previstos nos números anteriores), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas; o n.º 4 do mesmo artigo estatui, no que aqui importa atentar, que se considera, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente.
No caso em apreço, como ficou demonstrado, a pretensão do Requerente foi satisfeita voluntariamente pela AT, por esta ter revogado o ato tributário impugnado.
No entanto, como ficou igualmente demonstrado, a AT procedeu à aludida revogação ainda antes da constituição deste Tribunal Arbitral, sendo que o prosseguimento do processo (rectius, do procedimento arbitral), apesar da satisfação integral e voluntária dos pedidos formulados, por parte da AT, só ao Requerente pode ser imputável.
Com efeito, como vimos, notificado para se pronunciar quanto ao requerimento apresentado pela AT, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, o Sujeito Passivo nada veio dizer/requerer aos autos, pelo que, atenta essa postura silente apenas por causa dela houve lugar à constituição deste Tribunal Arbitral; efetivamente, a constituição do Tribunal Arbitral não teria ocorrido se o Requerente tivesse, na referida ocasião, vindo aos autos pronunciar-se no sentido da inutilidade superveniente da lide e consequente extinção do processo, uma vez que é apodítico que essa inutilidade superveniente da lide verificou-se em momento anterior ao da constituição do Tribunal Arbitral.
As custas deste processo devem, por isso, ser totalmente imputáveis ao Sujeito Passivo.
***
V. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Declarar extinta a presente instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide;
b) Condenar o Requerente no pagamento das custas do processo.
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VI.VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 63 454,07.
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VII. CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2 448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de Abril de 2019
Os árbitros,
Fernanda Maçãs (presidente)
Dr. Alexandre Andrade (árbitro vogal)
Dr. Jorge Carita (árbitro vogal)