DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dr. Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Dra. Cristina Aragão Seia (árbitro vogal) e Dr. Marcolino Pisão Pedreiro (árbitro vogal) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., S.A., pessoa coletiva nº ... (adiante designada por Requerente), com sede na ..., nº..., ..., Cascais, sociedade dominante e responsável pela autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do Grupo Fiscal B... ao qual foi aplicável o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), no período de tributação de 2014, e que era composto por si e pelas sociedades C..., Lda (NIPC:...), D..., Lda (NIPC:...), E..., Lda (NIPC:...), F..., Unipessoal, Lda (NIPC:...) e G..., Lda (NIPC:..., anteriormente denominada por H..., Lda)(Doc. nº 1), veio, ao abrigo do art. 2º nº 1, al. a) e dos arts. 10º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo art. 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado RJAT) e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral.
A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre a legalidade do acto de autoliquidação de IRC do Grupo Fiscal B..., relativo ao exercício de 2014 (Docs. 2 e 3 juntos com o pedido arbitral), no que se refere à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma de incentivos fiscais em IRC, designadamente os benefícios fiscais apurados no âmbito do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), no que respeita ao montante de taxas de tributação autónoma em IRC de € 216.346, 29 e no que respeita ao restante IRC num montante de € 164,987, 19, tudo no montante global de € 381.243, 48, e do despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra a referida autoliquidação, datado de 14 de Agosto de 2018 (Doc. 4 junto com o pedido arbitral), pretendendo a declaração de ilegalidade parcial da referida autoliquidação e a consequente anulação, bem como o reembolso da quantia em causa, acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados de 1 de Setembro de 2015, até integral pagamento. Subsidiariamente, caso se entenda que o art. 90º do Código do IRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade parcial da liquidação da tributação autónoma (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação, com o consequente reembolso de € 216.346,29 e pagamento de juros indemnizatórios contados da mesma data.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à AT em 23.11.2018.
Nos termos do disposto na al. a) do nº 2 do art. 6º e da al. b) do nº 1 do art. 11º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo os signatários, que atempadamente comunicaram a aceitação do encargo.
Em 09.01.2019 as Partes foram notificadas da referida designação, não tendo manifestado intenção de a recusar (art. 11º, nº 1, als a) e b) do RJAT e arts 6º e 7º do Código Deontológico).
Em conformidade com o preceituado na al. c) do nº 1 do art. 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 29.01.2019.
Nestes termos, encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
- que o Grupo Fiscal de que à data era sociedade dominante dispõe de créditos, no âmbito dos benefícios fiscais CFEI, RFAI e SIFIDE, para dedução à colecta de IRC, em valor superior aos montantes das tributações autónomas (TAs) apuradas em IRC, tudo no exercício de 2014.
- que o sistema informático da AT não aceitou a dedução daqueles créditos à colecta relativa às TAs;
- que, enquanto responsável pela autoliquidação em IRC do Grupo, deve poder deduzir os créditos disponíveis no âmbito dos referidos benefícios fiscais referidos à colecta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma;
-que a norma do Código do IRC que prevê as deduções à colecta em IRC (art. 90º, nº 2) abrange a colecta em IRC das tributações autónomas, exigência que resulta da própria letra da lei, tal como entendida pela AT, do princípio da coerência e da interpretação sistemática e de avassaladora jurisprudência tributária;
- que a natureza anti-abuso da tributação autónoma em IRC não pode servir de justificação para se negar a pretendida dedução de créditos;
- que, ao ser-lhe negado o direito àquela dedução, está a violar-se a al. c) do nº 2 do art. 90º do CIRC;
- que, caso se não entendessem aplicáveis os “arts 89º e 90º e seguintes do Código do IRC, também às tributações autónomas, estaríamos perante uma lacuna legal insuperável quer pela jurisprudência quer pela doutrina, porquanto (…) está-se perante matéria de reserva de lei, nos termos do artigo 103.º, nº 3 da Constituição (...)”;
- que a alteração introduzida pela LOE 2016 (cfr. o seu art. 135.º) no art. 88.º do CIRC, com o aditamento do nº 21 corresponde a um preceito novo e não uma verdadeira norma interpretativa;
- que se estará perante uma inconstitucionalidade material do referido art. 135.º da LOE 2016, por violação da proibição de retroactividade em matéria de impostos prevista no art. 103.º, nº 3 da Constituição, quer se tenha concluído, quer não, estar-se perante uma lei materialmente interpretativa, e por violação, também, do princípio da separação de poderes e do princípio da independência do poder judicial.
Notificada para o efeito, a AT apresentou resposta no prazo legal, defendendo-se apenas por impugnação, alegando, sumariamente que:
- a Requerente tem razão no que se refere ao reembolso da quantia de € 164.897, 19 a título de deduções de créditos de CJEI, RFAI e SIFIDE à colecta em sede de IRC, resultante da declaração de substituição Modelo 22 relativa ao exercício de 2014;
- a colecta a que se refere o art. 90º quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte, como in casu, é apurada com base na matéria colectavel que conste da liquidação/autoliquidação (cfr. Art. 90º, nº 1, al. a) CIRC);
- que as tributações autónomas são determinadas de forma autónoma e distinta do apuramento levado a efeito nos termos que decorrem do art. 90º do CIRC;
- que as tributações autónomas têm na sua génese a não aceitação fiscal de uma percentagem de certas despesas, constituindo uma forma alternativa e mais eficaz de correcção dos custos sempre que se trate de áreas mais propícias à evasão fiscal;
- nesse pressuposto, não seria razoável que através da sua dedução ao Lucro Tributável (LT) a titulo de gastos fosse eliminado o fundamento da sua existência, situação que ficou clara com com a nova redacção da al. a) do art. 23º-A do CIRC;
- assim sendo, as tributações autónomas não devem ser consideradas para efeitos das deduções referidas no nº 2 do art. 90º do CIRC, como pretende a Requerente;
- esta é a interpretação coerente com uma leitura das disposições relevantes do Código do IRC que atenda aos elementos gerais de interpretação - histórico, sistemático e teleológico - e que o legislador agora fixou por via da norma interpretativa do n.º 21 do art.º 88.º (aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 Março), conferindo explicita evidência à autonomia das imposições previstas nesse normativo, como intuito de assegurar certeza e igualdade na aplicação da lei;
- do mesmo modo que se encontra apoio na letra e na ratio da lei para concluir coerentemente
que o SIFIDE não deve ser deduzido aos montantes das colectas das tributações autónomas, também, em substância, se detectam razões para concluir que não podem ser deduzidos às mesmas colectas os benefícios fiscais;
- a Autoridade Tributária e Aduaneira estando sujeita ao princípio da legalidade (cfr. artigo 266º n.º2 da CRP e 55º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma por entendê-la inconstitucional, a não ser que o Tribunal Constitucional já a tenha declarado inconstitucional com força obrigatória geral (crf. art. 281º da CRP);
- concluindo pela improcedência do pedido de pronuncia arbitral.
No dia 18.03.2019 o Tribunal notificou as Partes da dispensa da reunião prevista no art. 18º do RJAT e do prazo para produção de alegações escritas.
Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas, onde reiteraram as respectivas posições.
II. SANEADOR
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, nos termos dos arts. 2º, nº 1, al. a) e 10º, nº 1 do RJAT, e é competente.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4º e 10º, nº 2, do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades, nem existe matéria de excepção.
III. MÉRITO
1. MATÉRIA DE FACTO
1.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente integrou como sociedade dominante o grupo de sociedades composto por si e pelas sociedades C..., Lda (NIPC:...), D..., Lda (NIPC:...), E..., Lda (NIPC:...), F..., Lda (NIPC:...) e G..., Lda (NIPC:..., anteriormente denominada por H..., Lda), ao qual foi aplicável o RETGS, no período de 2014 (Doc. nº 1 junto com o pedido arbitral);
b) Em 29.05.2015, a Requerente procedeu à entrega da declaração de IRC Modelo 22 com referência ao exercício de 2014, do seu grupo fiscal da qual resultou a liquidação nº 2015..., com montante a reembolsar de € 136.582,83 (Doc. nº 2 junto com o pedido arbitral);
c) Em 23.02.2016, entregou uma declaração de substituição Modelo 22, da qual resultou a liquidação agora em crise com o nº 2016..., materializada na nota de compensação nº 2016..., da qual resultou montante a pagar de € 13.125,51, cuja data limite de pagamento se verificou em 04.05.2016 (Doc. nº 3 junto com o pedido arbitral);
d) Na primeira declaração de IRC Modelo 22 entregue em 29.05.2015, a Requerente apurou uma colecta de IRC no montante de € 581.164,64 (campo 378 do quadro 10 do Doc. nº 2 junto com o pedido arbitral), tendo deduzido benefícios fiscais no total de € 433.992,55 (€ 160.294,09 a título de SIFIDE, € 207.800,38 a título de RFAI e € 65.898,08 a título de CFEI - campos 711, 715 e 724 respectivamente do quadro 7 do anexo D do mesmo documento).
e) Nos termos da declaração de substituição entregue em 23.02.2016, foi apurada uma colecta de IRC superior, no montante de € 632.537,51 (campo 378 do quadro 10 do Doc. nº 3 junto com o pedido arbitral), tendo deduzido benefícios fiscais no valor final total de € 467.640,32 (€ 160.294,09 a título de SIFIDE, € 241.448,15 a título de RFAI e € 65.898,08 a título de CFEI - campos 711, 715 e 724 respectivamente do quadro 7 do anexo D do mesmo documento).
f) Ficaram por deduzir benefícios fiscais no montante remanescente da colecta apurada nos termos da declaração de substituição entregue pela Requerente, no montante de € 164.897,19 (colecta de IRC final de € 632.537,51 – dedução de benefícios fiscais até à data de € 467.640,32 = € 164.897,19 colecta ainda sobrante), a alocar aos benefícios fiscais ainda por deduzir a título de SIFIDE, RFAI e CFEI (Doc. nº 12 junto com o pedido arbitral).
g) Na sua Resposta, a Requerida, após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, reconhece que o acto tributário de liquidação de IRC relativo ao exercício de 2014, deve ser revogado parcialmente, aceitando, na liquidação do exercício de 2014, a dedução ao remanescente da colecta do montante de € 164.897,19, referido em f) do mesmo valor relativo a benefícios fiscais, com os seguintes fundamentos:
“11º
Por informação nº 1551/2018 datada de 19/12/2018, foi sancionado pela Sra. Subdirectora Geral o despacho de revogação, já notificado à ora Requerente,
12º
Onde se lê que no ponto iii) “Solicita - se ainda que seja declarada ilegal a mesma autoliquidação, na parte da colecta de IRC propriamente dita e ainda disponível no valor de €164.897,19, uma vez que o sujeito passivo ainda tinha em 2014, montantes a deduzir no que respeita a benefícios fiscais.
Consultadas as DM22 entregues por este contribuinte verifica-se que a última submetida na data de 23/02/2016, foi apurada uma colecta de IRC de 632.537,51€ (624.146,31€ de imposto mais 8.391,20€ referente a Derrama Estadual), a que foram deduzidos benefícios fiscais no montante de 467.640,32€ (Quadro 10 da referida DM 22) ficando assim disponível uma colecta de €164.897,19€.
Ora, conforme informou o contribuinte em sede de direito de audição do procedimento de RG, (Ponto 118) depois dessa primeira dedução de benefícios fiscais, ficou ainda por deduzir benefícios fiscais no montante de 857.576,95€,
Este montante não corresponde ao valor mencionado no Anexo D da referida DM22, na qual se declarou que, depois de efectuada a dedução do montante de 467.640,32€, o saldo de benefícios fiscais que transitaria para o exercício seguinte seria de 915.787,65€.
No entanto, como na situação em presença, está em causa somente uma dedução de 164.897,19€, igual ao valor da colecta ainda disponível, somos da opinião que seja aceite esta dedução a título de benefícios fiscais, a qual deve ser utilizada seguindo o critério indicado pelo sujeito passivo no exercício do direito de audição no âmbito da reclamação graciosa.”
h) Em ambas as declarações Modelo 22 referentes a 2014 (a primeira e a de substituição), apurou-se o montante de € 216.346, 29 de tributações autónomas em IRC;
i) O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas, os créditos que tenham de RFAI, CFEI e SIFIDE;
j) O montante de SIFIDE, atribuído/obtido, disponível para utilização no final do exercício de 2014 ascendia a € 251.220,92, conforme certificação acompanhada de Declarações da Comissão Certificadora do SIFIDE (Doc. nº 5 junto com o pedido arbitral);
k) Em sede de RFAI subsistia um montante acumulado no final do período de tributação de 2014 por deduzir à colecta de IRC que ascendia € 482.902,42, conforme certificação e respectivo detalhe em anexo ao pedido arbitral (Doc. nº 6 junto com o pedido arbitral);
l) O montante de CFEI disponível no exercício no final de 2014 ascendia por sua vez a um total de € 123.453, 61, conforme certificação e respectivo detalhe junto ao pedido arbitral (Doc. nº 7 junto com o pedido arbitral);
m) A AT não apurou o lucro tributável do Grupo Fiscal B... e respectivas sociedades por métodos indirectos: ele foi apurado nos termos normais, via apresentação da declaração Modelo 22 (Docs. nºs 2 e 3 juntos com o pedido arbitral).
n) A Requerente apresentou, em 29.05.2017, Reclamação Graciosa que obteve despacho de indeferimento (Doc. nº 4 junto com o pedido arbitral).
o) Em 15.11.2018 a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
1.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não tenham sido considerados provados.
1.3. Fundamentação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o Pedido Arbitral e no Processo Administrativo - que se dão, todos, como reproduzidos - bem como nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados constantes dos autos, não existindo, quanto aos mesmos, controvérsia.
Ao Tribunal cabe seleccionar os factos que importam à apreciação e decisão da causa, de acordo com a respectiva pertinência jurídica, determinada em função das várias soluções possíveis para a mesma, e discriminar a matéria provada e não provada (art. 16º, al. e) e art. 19º do RJAT e, ainda, art. 123º, nº 2 do CPPT e arts. 596º e 607º, nº 3 do CPC).
Prevalece no processo tributário o princípio da descoberta da verdade material, e podem ser considerados pelo Tribunal os factos instrumentais relativos a factos alegados e a questões de direito suscitadas, tidos por necessários ao apuramento da verdade e factos não alegados relativos a questões suscitadas (arts. 13º do CPPT, 99º da LGT e 411º do CPC).
2. MATÉRIA DE DIREITO
2.1. Questões decidendas
a) Questão prévia: da redução do valor do pedido no montante de € 164.897, 19;
b) Da possibilidade de dedução à colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma em IRC de créditos de benefícios fiscais disponíveis para dedução à colecta de IRC, designadamente, de créditos apurados no âmbito do CFEI, do RFAI e do SIFIDE;
c) Em caso de resposta negativa à questão anterior com o fundamento de que a liquidação das Tributações Autónomas não está prevista no nº 1 do art. 90.º do CIRC, da ausência de base legal da Tributação Autónoma.
d) Das questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente:
- Se se responder negativamente à questão b) (consequentemente se indeferindo os pedidos principais) por recurso à aplicação do art. 135º da LOE 2016, há ou não violação da Constituição (i.e., se este Tribunal aplicar o art. 135º da LOE 2016, e porque a Requerente invoca a respectiva inconstitucionalidade material, apreciaremos de tal questão);
- Se se vier a responder à questão c) (pedido subsidiário), em sentido negativo (ou seja, se respondermos no sentido de que, apesar de não prevista no nº 1 do art. 90º, a liquidação das TAs não se encontra desprovida de base legal), há ou não violação da Constituição.
e) Do direito a reembolso e a juros indemnizatórios.
2.2. Questão prévia: da redução do valor do pedido no montante de € 164.897, 19
A Requerente procedeu à entrega da declaração de IRC Modelo 22 do seu grupo fiscal, com referência ao exercício de 2014, da qual resultou a liquidação nº 2015..., com montante a reembolsar de € 136.582,83. Foi ali apurada uma colecta de IRC no montante € 467.640, 32.
Em 23.02.2016, a Requerente entregou uma declaração de substituição Modelo 22, da qual resultou a liquidação agora em crise com o nº 2016..., materializada na nota de compensação nº 2016..., da qual resultou montante a pagar no montante de € 13.125,51.
Nos termos da declaração de substituição, foi apurada uma colecta de IRC no montante de € 632.537,51, tendo sido deduzidos benefícios fiscais apenas no valor global de € 467.640,32 (€ 160.294,09 a título de SIFIDE, € 241.448,15 a título de RFAI e € 65.898,08 a título de CFEI).
Assim sendo, ficaram por deduzir benefícios fiscais no montante remanescente da colecta apurada nos termos da declaração de substituição entregue pela Requerente, relativamente àquela que fora apurada na primeira declaração entregue, no montante de € 164.897,19 (colecta de IRC final de € 632.537,51 – dedução de benefícios fiscais até à data de € 467.640,32 = € 164.897,19 colecta ainda sobrante), a alocar aos benefícios fiscais ainda por deduzir a título de SIFIDE, RFAI e CFEI.
A própria AT, declara na sua Resposta (arts 11º e 12º), que o acto de liquidação de IRC relativo ao exercício de 2014 deve ser parcialmente revogado, reconhecendo o direito de a Requerente, na liquidação do exercício de 2014, deduzir ao remanescente da colecta de IRC, no valor de € 164.897,19, o mesmo valor relativo aos benefícios fiscais ainda por deduzir a título de SIFIDE, RFAI e CFEI.
Uma vez que a Requerida aceitou parcialmente a pretensão da Requerente, facto de que alega já a ter notificado, pretende a redução do valor do pedido, devendo este consequentemente ser rectificado para o valor de € 216.346, 29, deduzindo-se o valor de €164.897, 19.
Apreciando e decidindo:
Para a fixação do valor da causa o momento em que a ação é proposta é o determinante, com ressalva apenas das situações em que haja reconvenção ou intervenção principal – artigo 299º-1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, do RJAT.
O valor dos processos arbitrais em matéria tributária é determinado pelo artigo 97º-A, do CPPT, ex vi artigo 29º, do RJAT, e não por aplicação do Regulamento das Custas em Matéria Tributária, do CAAD (cfr., brevitatis causa, Acórdão do TCAS de 17-1-2019, proferido no Processo nº 62/18.4BCLSB e Decisão Arbitral de 15-2-2018,proferida no Processo do CAAD nº 322/2017-T, publicadas em www.dgsi.pt e www.caad.org.pt, respetivamente.
Assim é que, para efeitos do valor da causa, a utilidade económica imediata do pedido, sempre que este não é definido através de uma quantia certa em dinheiro, deve ser avaliada em função do pedido e da causa de pedir e não em função de causas ou circunstâncias supervenientes.
Por outro lado e porque nos processos de arbitragem tributária não há alçada, a fixação do valor da causa apenas releva para efeitos de custas e para determinar se o processo há-de ser julgado por Tribunal Arbitral singular ou coletivo.
Nos termos da alínea a) do nº 1, do artigo 97º-A, do CPPT, o valor da causa corresponde ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada desta, consoante se peça, respectivamente, a sua anulação total ou parcial, isto é, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o impugnante deixará de pagar ou lhe será́ devolvida.
Naturalmente que pode ocorrer, logo na contestação, a confissão parcial do pedido ou ato equivalente que traduza, de facto, uma redução do pedido tal como inicialmente formulado.
Todavia, tal circunstância não tem qualquer reflexo ou repercussão quanto ao valor da causa que, nos termos expostos supra, continua a ser o que foi fixado pelo autor.
Ou, dito doutro modo: são irrelevantes as modificações de valor que possam advir no decurso do processo (v. g., revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, redução ou desistência do pedido, etc.)
Subsumindo:
A AT, na Resposta apresentada (arts 11º e 12º), aceita que o acto de liquidação de IRC sob impugnação e relativo ao exercício de 2014 deve ser parcialmente revogado, reconhecendo o direito de a Requerente, na liquidação relativa a esse exercício, deduzir ao remanescente da colecta de IRC, no valor de € 164.897,19, o mesmo valor relativo aos benefícios fiscais ainda por deduzir a título de SIFIDE, RFAI e CFEI.
Fundamentando-se nessa aceitação parcial da pretensão da Requerente, vem a Requerida pedir a redução do valor do pedido, corrigindo-o para € 216.346, 29 ou seja, deduzindo-se o valor de €164.897, 19 ao valor inicial de €381.243,48.
Ora pelos fundamentos que se deixaram expostos supra, tal pretensão não pode obviamente ser aceite.
Daí que, indeferindo o requerimento formulado, se decida manter o valor da causa indicado pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, ou seja, € 381.243,48, por ser este o valor que cumpre os critérios legais e não foi contestado pela demandada.
2.3. Enquadramento legal
Decidida a questão prévia, há que resolver as demais questões suscitadas nos autos, sendo certo que a questão central (tal como é colocada pela Requerente no pedido apresentado), reside em saber se a autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2014, objecto de impugnação, padece do vício de violação de lei, uma vez que, no entender da Requerente, não deve ser vedada a dedução dos créditos do CFEI, do RFAI e do SIFIDE à parte da colecta de IRC correspondente às tributações autónomas.
A resposta a esta questão pressupõe a análise da evolução da figura das tributações autónomas com vista a averiguar se o seu regime jurídico (compreendendo a sua natureza e razão de ser) é compaginável com a pretensão da Requerente ou, se pelo contrário, assiste razão na posição defendida pela Requerida.
Esta questão já se encontra amplamente discutida na jurisprudência do CAAD, havendo decisões em ambos os sentidos.
No que tange aos presentes autos, seguiremos de perto a posição adoptada nos acórdãos de 2 de Julho de 2018, proferido no proc. nº 542/2017-T, por colectivo a que presidiu o aqui também Presidente Árbitro e em que foi relatora a Sra Dra Sofia Ricardo Borges, no de 23 de Fevereiro de 2017, proferido no proc. nº 443/2016-T e no de 28 de Junho de 2016, proferido no proc. nº 722/2015-T, colectivos a que presidiu a Senhora Conselheira Fernanda Maçãs.
2.3.1. Da natureza das tributações autónomas na jurisprudência e na doutrina nacional
Como se decidiu no acórdão proferido no processo nº 443/2016 que, por seu turno, remeteu para a posição adoptada no acórdão proferido no proc. nº 722/2015-T, as tributações autónomas tributam a despesa e não o rendimento, posição que é assumida pelo Exmo. Senhor Conselheiro Vítor Gomes (voto de vencido aposto no Acórdão n.º 204/2010 do Tribunal Constitucional), nos termos do qual afirma, referindo-se às tributações autónomas, que “embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula (….)”.
“Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma (…) e isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta”.
E acrescenta que “deste modo, o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período, sendo irrelevante que esta parcela de imposto só venha a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC”.
No mesmo sentido, foi igualmente reconhecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) “que sob a designação de tributações autónomas se escondem realidades muito diversas, incluindo, nos termos do n.º 1 do (então) art.º 81.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, que são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, que será elevada para 70%, nos casos de despesas efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola (n.º 2 do [então] art.º 81.º) e que não são consideradas como custo no cálculo do rendimento tributável em IRC. Refira-se, contudo, que já as despesas de representação e as relacionadas com viaturas ligeiras, nos termos do disposto no (então) art. 81.º n.º 3 do CIRC e ajudas de custo estão afectas á actividade empresarial e indispensáveis pelo que são fiscalmente aceites nalguns casos ainda que dentro de certos limites”.
No que diz respeito à posição que era assumida pelo Tribunal Constitucional, cite-se o Acórdão n.º 18/11, nos termos do qual se refere que “existem factos sujeitos a tributação autónoma, que correspondem a encargos comprovadamente indispensáveis à realização dos proveitos e (…) isto significa que a tributação autónoma também recai sobre encargos que correspondem ao núcleo do conceito de rendimento real, rendimento líquido e cumprimento de obrigações contabilísticas”.
“Este argumento do Tribunal Constitucional (…) interessa-nos apenas para salientar que o Tribunal reconhece que este regime constitui uma limitação à tributação do rendimento real (a qual é garantida pelo art.º 104.º n.º 2 da CRP”.
Mais recentemente, o Tribunal Constitucional vem reformular a doutrina do Acórdão n.º 18/11 (acima referido), aproximando-se do então voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes e do Acórdão do STA n.º 830/11 (acima também citado), no sentido de entender que “contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efectuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar directamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação. Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC). Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo”.
Ora, ainda segundo este Acórdão do Tribunal Constitucional “esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com carácter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com carácter avulso). Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no acto de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos actos de realização de despesa considerados, se venha a efectuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efectuadas na determinação da taxa”.
No que diz respeito à doutrina, constatamos que, no essencial, o conceito e a natureza das tributações autónomas não se afasta substancialmente do entendimento da jurisprudência produzida pelo Tribunal Constitucional (acima sumariamente enunciada).
Na verdade, como refere RUI MORAIS, “está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários. É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento”.
No mesmo sentido, JOSÉ ALBERTO PINHEIRO PINTO afirma que “não se trata propriamente de IRC – que visa tributar o rendimento das pessoas colectivas e não despesa por elas efectuadas -, mas da substituição de uma tributação de rendimentos “implícitos” de pessoas singulares, que se considera não exequível directamente”.
Em suma, alguma doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores nacionais e do Tribunal Constitucional consideram que as tributações autónomas são factos tributários autónomos, que incidem sobre a despesa pelo que, apesar de inseridas formalmente no Código do IRC, dizem respeito a uma tributação distinta do imposto sobre o rendimento.
Adicionalmente, refira-se que é também aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência que as tributações autónomas visam prevenir práticas abusivas de remuneração de trabalhadores, gerentes e sócios/accionistas da sociedade.
Com efeito, e como refere SALDANHA SANCHES, “neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida de taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal.”
Nestes termos, “trata-se de uma tributação que se explica pela necessidade de prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da sociedade, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionam (…)”.
2.3.2. Da evolução da figura das tributações autónomas
Nesta matéria, refira-se que, na redacção inicial do Código do IRC (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro), não se fazia nenhuma referência expressa ou implícita a tributações autónomas sendo que, só com a Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro (diploma que aprovou o Orçamento do Estado para 1990), foi feita uma primeira referência a tributações autónomas no âmbito do IRC, através da autorização legislativa que constava do n.º 3 do seu artigo 15.º [nos termos da qual se preceituava que ficava o Governo autorizado a tributar autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa agravada em 10% e sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código].
Como é consabido, a origem no ordenamento jurídico fiscal português das tributações autónomas remonta a 1990, com a publicação do Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de Junho, nos termos do qual (no seu artigo 4º), se estabelecia uma tributação autónoma:
a) À taxa de 10% relativa a despesas confidenciais ou não documentadas e;
b) À taxa de 6.4%, relativamente a despesas de representação e encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros.
Com efeito, foi com a aprovação do Decreto-Lei n.º 192/90 (e concretizando aquela autorização legislativa), que foi incluída à margem dos códigos do IRS e do IRC, uma norma sobre tributações autónomas, nos termos da qual “as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC”.
Esta norma (e, de uma forma geral, o regime das tributações autónomas), veio a ser objecto de diversas alterações (v. g. a Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, a Lei n.º 87-B/97, de 31 de Dezembro, a Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril e a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro), nomeadamente, através de sucessivas modificações, quer das taxas, quer da sistematização e redacção às mesmas conferidas, nos respectivos códigos sobre os impostos sobre os rendimentos (ou seja, quer no Código do IRC, quer no Código do IRS).
Com a aprovação da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, o decreto que consagrou as “tributações autónomas” foi revogado, aditando-se ao Código do IRC o artigo 69º-A [correspondente à data dos factos subjacentes (2014) ao artigo 88º] no qual, para além da manutenção da incidência destas às despesas não documentadas, às despesas de representação e às despesas com viaturas, se estendeu a mesma a outras situações da natureza diversa.
Em consequência desta análise da evolução da figura das tributações autónomas, entendemos ser possível retirar, desde logo, duas ilações:
(i) A primeira é a de que as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis em sede de IRC;
(ii) A segunda é a de que as tributações autónomas visam evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos.
Em relação às tributações autónomas sobre despesas não dedutíveis, caso se admitisse a sua dedutibilidade, estaria a admitir-se a dedutibilidade de um encargo não indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Assim, pode ter-se como assente, e para o que relevará no sentido da decisão a proferir no âmbito dos presentes autos, os seguintes pressupostos:
(i) As tributações autónomas de IRC ancoradas nos diversos números e alíneas do artigo 88º do Código do IRC traduzem situações diversas, às mesmas cabendo também taxas de tributação diferentes;
(ii) As tributações autónomas de IRC incidentes sobre determinados encargos de sujeitos passivos de IRC devem ser entendidas como pagamentos independentes da existência ou não de matéria colectável;
(iii) Interpretadas como pagamentos, associados ao IRC, ou com este pelo menos relacionado podendo entender-se como uma excepção no que respeita ao princípio da tributação das pessoas colectivas de acordo com o lucro real e efectivo apurado (artigo 3º do Código do IRC),
(iv) Nas tributações autónomas, o facto tributário que dá origem à tributação é instantâneo: esgota-se no acto de realização de determinadas despesas que estão sujeitas a tributação (embora o apuramento do montante de imposto resultante das diversas taxa de tributação aos diversos actos de realização de despesas considerados, se venha a efectuar no fim de um determinado período tributário);
(v) O facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não o transforma num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro, porquanto essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efectuadas na determinação da taxa;
(vi) A tributação autónoma não é equivalente à não dedutibilidade das despesas realizadas pelo sujeito de IRC.
Por outro lado, e no que diz respeito às características das tributações autónomas, reconhecem-se aqui aquelas que, há já alguns anos, a doutrina vem apontando a este tipo de tributações, ou seja:
a) A tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC, sendo isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a colecta e, consequentemente, o imposto a pagar;
b) Com o regime fiscal associado, pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos, mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;
c) Trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efectiva entre contribuintes e tipos de rendimento;
d) Considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exacta da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.
2.3.3. Da causa e da função das tributações autónomas em sede de IRC
É pacífico que as tributações autónomas radicam, como se aflorou, na necessidade de evitar abusos quanto à relevação de certos encargos ou despesas e que poderão ser facilmente objecto de desvio para consumos privados ou que, de algum modo, são susceptíveis de configurar, formalmente, um gasto de uma pessoa colectiva, mas que, substancialmente, representam ou podem configurar abusos em ordem a minimizar a medida real do imposto.
Ciente desta dificuldade de, muitas vezes, se efectuar uma separação rigorosa destas duas realidades, foi sucessivamente “enxertado”, conforme supra descrito, no regime de tributação do lucro real e efectivo estabelecido no Código do IRC, como padrão geral, um regime autónomo de tributação de certos gastos, no todo ou em parte indesejados e indesejáveis que contaminam os termos do dever de imposto, que assim, surge configurado abaixo da real capacidade contributiva da entidade que a releva como tal.
Nestes termos, pode afirmar-se que as tributações autónomas surgem integradas no regime do IRC, são apuradas e devidas no âmbito da relação jurídica de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas e é, neste quadro, que se efectua o seu apuramento.
Mas não “são IRC”, tout court, como a Requerente lapidar e definitivamente o afirma.
Com efeito, para que fossem assim consideradas teriam, desde logo, que tributar o rendimento e isso, como vimos, não é o que sucede, em momento algum. Na verdade, embora exista uma instrumentalidade evidente entre o IRC e o modelo de tributação da renda em Portugal e as tributações autónomas (facto de resto bem evidenciado na jurisprudência dos Tribunais Superiores e, em especial, do Tribunal Constitucional), prevalece o entendimento de que as tributações autónomas tributam despesas.
De facto, as tributações autónomas são um instrumento que (afastando-se e introduzindo alguma medida de entorse num sistema que declara tributar rendimentos reais e efectivos), afinal também tributa gastos, dedutíveis ou não em IRC, sem que com isso sejam violados os preceitos constitucionais já que a norma aplicável (art.º 104.º, n.º 2 da CRP) declara imperativa a tributação das empresas “fundamentalmente” sobre o seu rendimento real, sem prejuízo quer das situações de tributação segundo os lucros ou o rendimento real (quando seja apurado por métodos indirectos), quer das situações de tributação de gastos objecto de tributação autónoma (por expressa opção de lei), do estabelecimento de soluções técnicas (como é o caso do pagamento especial por conta) e das regras específicas visando a sua devolução.
Neste âmbito, vale a pena ainda recordar que, nem os sistemas fiscais, nem os modelos de imposição concreta correspondem a modelos puros, isentos de elementos de extraneidade ao próprio sistema fundacional, de valores, ou ao próprio regime geral de um qualquer imposto abstractamente considerado. Com efeito, todos os impostos possuem características ou soluções que, quando vistas isoladamente, podem representar objectivamente uma descaracterização do modelo tal como na pureza dos conceitos foi concebido, mas que, quando articuladas com o modelo, se verifica que concorrem para a sua efectividade, e lhe conferem ou reforçam a sua coerência.
Essas soluções, mais pragmáticas ou específicas, não ferem tais ditames valorativos essenciais, sejam eles de protecção da receita ou de densificação dos ideais valorativos gerais (da ordem tributária) ou específicos do imposto (como é o caso da necessidade de evitamento de abusos) desde que, eles mesmos, não sejam de tal modo relevantes que abjurem o modelo de tributação-regra ou falseiem estruturalmente os valores em que radica.
No caso em análise, embora a opção da lei fundamental e da lei ordinária, por consequência, haja sido claramente no sentido de tributar o rendimento das pessoas colectivas e, nas formas possíveis de apuramento deste, se haja escolhido a tributação do rendimento real e efectivo como manifestação do mais elevado padrão de justiça fiscal, a verdade é que o sistema sempre conheceu desvios mais ou menos relevantes, seja porque certos gastos não são considerados como tal pela lei fiscal (embora objectivamente possam ser imputáveis a uma actividade comercial), seja porque a lei fiscal, reconhecendo essa essencialidade, teme a ocorrência de abusos (como é o caso das tributações autónomas, genericamente falando).
Em parte, este afastamento da pureza dos conceitos é uma consequência inevitável da complexidade das relações da vida, seja porque modelos de imposição fiscal puros são mais onerosos de implementar e gerir já que requerem informação relevante muito mais apurada, seja porque no campo dos impostos, como noutros campos da vida, há que temperar o ideal de justiça consagrado com soluções de razoabilidade normativa na qualificação dos factos relevantes e técnica nas soluções e exigências a estabelecer., com o objectivo de evitar que os modelos tributários sejam excessivamente complexos e onerosos deixando de atingir realidades e práticas que mitiguem a carga tributária ou concorram para uma má distribuição da mesma.
Ora, deste balanceamento dos valores que suportam o dever de estabelecer / suportar imposto com as realidades da vida pode resultar a necessidade de estabelecer limites (fiscais ou outros) ao comportamento dos sujeitos passivos, com o objectivo de manter dentro de padrões gerais de equilíbrio, as soluções legais do sistema.
Por outro lado, importa ter presente (porque isso releva para efeitos da decisão a tomar) que as tributações autónomas configuram normas anti abuso dirigidas a racionalizar comportamentos específicos dos contribuintes (face ao dever de imposto) pelos quais, tradicionalmente, conseguiam alcançar uma medida de imposto inferior ao que o evidenciava a sua capacidade contributiva efectivamente revelada mas que, mercê, desses comportamentos abusivos era passível de ser mitigada ou eliminada, com evidente violação ou postergação do princípio da justiça, de justa repartição da carga fiscal por quem revela capacidade contributiva.
Consequentemente, faz sentido admitir que se façam deduções gerais à colecta do imposto, que são permitidas por lei para dar sentido efectivo ao princípio da tributação do rendimento real e efectivo. Contudo, no que diz respeito à colecta devida por tributações autónomas, essa dedução geral deixa de fazer sentido porque, não tributando os lucros, mas despesas, não se coloca, quanto a elas, a questão da justiça na repartição do encargo geral do imposto, pelo que seria ilógico permitir a dedução de encargos quando tal dedução, na prática, destruiria o sentido anta abusivo que as impregna; o desincentivo de comportamentos desviantes que a sua instituição reprime ou dirime.
Ora, as tributações autónomas, como parece claro, não têm uma finalidade marcadamente reditícia, isto é, não visam, primacialmente, a obtenção de (mais) receita fiscal, embora este possa não ser um aspecto despiciendo, verificável.
Com efeito, elas visam dissuadir comportamentos, práticas ou opções das empresas radicadas em razões essencialmente de natureza de poupança fiscal, reditícia e, por outro lado, preservam os equilíbrios próprios do regime de tributação das pessoas colectivas, evitando distorções não apenas ao nível dos resultados tributáveis, como ondas de comportamentos desviantes, afectadores da expectativa jurídica da receita, em cada ano económico.
E, através destas cláusulas gerais anti abuso, forçam a manutenção de uma correlação saudável entre os volumes de negócios, os lucros tributáveis e o imposto devido a final pelas entidades sujeitas a IRC, em linha com os níveis médios de carga fiscal efectiva que recai sobre os diferentes grupos de contribuintes, dentro do sistema fiscal português e, até, comparativamente com a dos estados membros da OCDE ou fora dela.
Assim, as tributações autónomas, incluindo as previstas na alínea b), do n.º 13, do art.º 88.º do Código do IRC têm, pois, uma função disciplinadora geral que não é alheia às finalidades sistémicas do imposto, até porque, como mecanismo anti abuso, as tributações autónomas não são alheias aos fins gerais do sistema fiscal.
Nestes termos, a adopção de regimes legais que limitem os efeitos nefastos que resultem de comportamentos afectadores da equilibrada repartição da carga fiscal sobre os diferentes grupos de contribuintes não constitui apenas uma opção do legislador, mas, é antes, uma obrigação estrita, em resultado na obrigatoriedade de gizar e fazer funcionar o sistema como um todo de forma equilibrada.
Com efeito, as tributações autónomas introduzem mecanismos de tributação que, naturalmente, desagradarão aos seus destinatários, mas impedem ou limitam os efeitos nefastos de práticas abusivas que prejudicariam outros e são, por isso, necessárias à preservação dos equilíbrios do sistema.
Ora, as empresas, tal como as pessoas singulares, também estão sujeitas e com a mesma intensidade ao dever geral de pagar impostos e, nesta medida, a lei fiscal não pode deixar de consagrar mecanismos que limitem procedimentos desviantes porquanto cada um deve suportar imposto segundo pode, isto é, segundo são as suas capacidades contributivas reveladas.
Importa ainda notar que, nos nossos dias, se adoptou, como regra geral, o regime da tributação segundo o rendimento real e efectivo para as pessoas colectivas, não constituindo este uma mera opção de funcionamento do sistema fiscal de entre várias outras possíveis.
Na verdade, ela é, antes, uma manifestação concreta da modernidade e da maturidade de um sistema fiscal que exige dos seus destinatários/beneficiários uma madureza da mesma estatura pois representa também uma nova forma de responsabilização ética e social perante o fenómeno do imposto.
Como referiu, oportunamente, SALDANHA SANCHES (citado na Decisão arbitral 187/2013-T, p. 28), as tributações autónomas constituem uma forma de obstar a actuações abusivas: “(...) que o normal funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis. Este carácter anti abuso das tributações autónomas, será não só coerente com a sua natureza “anti sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que o cita. Elas terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade parcial das despesas sobre que incidem, em função da supra apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular)”.
Todas estas considerações convocam o que nos parece ser a verdadeira sententia legis, posto que a descoberta do verdadeiro sentido da lei constitui um imperativo, pois que importa assegurar que a actividade do intérprete atinja um sentido interpretativo pelo qual a lei exteriorize o seu sentido mais benéfico, mais profícuo e mais salutar, no dizer de FRANCESCO FERRARA.
Por outro lado, o sentido lógico da interpretação não nos conduz senão no sentido de que as tributações autónomas assentam numa lógica segundo a qual a lei pretende evitar ou desincentivar tais pessoas colectivas de relevar (abusivamente) como gastos valores relativos a bónus ou remunerações variáveis. Assim, é a relevação como gasto para efeitos de IRC, na sua inteireza, que se pretende desincentivar.
Fazendo apelo à ratio legis fica claro que as tributações autónomas são cobradas no âmbito do processo de liquidação do IRC de acordo com uma raiz e uma dogmática próprias que levam a que a colecta total do imposto não seja uma realidade unitária, mas composta.
Assim, é nela possível descortinar a colecta de imposto propriamente dita, resultante da mecânica geral de apuramento do IRC, que é devida com fundamento constitucional assente no dever geral de cada um (neste se englobando as pessoas colectivas) de contribuir para as despesas públicas segundo os seus haveres (art.º 103.º, n.º 1 da CRP). Tudo no respeito e em cumprimento dos princípios da justiça, da igualdade e do dever de pagar imposto segundo a capacidade contributiva revelada. E a que se deduzem as importâncias referidas no artigo 90.º do Código do IRC e nos termos e modos ali referenciados.
A esta colecta geral, radicada neste fundamento de ordem fundacional, adiciona-se a colecta específica, devida por tributações autónomas, que tem, como se deixou claro, uma raiz, um sentido e um fundamento próprios, qual seja o de desincentivar a adopção dos comportamentos por elas tributados, elencados no art. 88º do código, que configura uma norma anti abuso, o que nos permite convocar aqui toda a dogmática própria em que se fundamenta.
Neste caso, por se tratar de cumprir finalidades que extravasam os fins puramente reditícios do imposto, para se situar no campo dos comportamentos que a lei considera abusivos e/ou não desejados, parece claro que não faz sentido que se lhe efectuem deduções, sob pena de se esvaziar, na prática, de qualquer sentido o regime anti abusivo criado.»
2.3.4. Os benefícios fiscais
Os benefícios fiscais são medidas excepcionais no seio do sistema fiscal, que o legislador adopta porque para alcançar determinados objectivos de política económica e social, incentivando, nesse sentido, determinados comportamentos por parte dos sujeitos passivos.
Como se explicou no acórdão proferido no proc. nº 542/2017, a sua «legitimação deriva dessa fundamentação extrafiscal, que há-de ser devidamente justificada, e que traduz a tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes. Como estabelece o art. 2.º do EBF, “Consideram-se benefícios fiscais, as medidas de carácter excepcional instituídas para a tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.”
Incluem-se na reserva de lei formal – cfr. o art. 103.º, nº 2 da CRP e art. 8.º, nº 1 da LGT - e constituem desagravamentos fiscais, abrindo excepções às normas de incidência, com o objectivo de alcançar determinadas finalidades extrafiscais.
São considerados despesa fiscal (cfr. também o art. 2.º, nº 3 do EBF) e a sua criação está, por isso, sujeita a uma série de condicionalismos. Entre os quais se incluindo a necessidade de uma previsão da despesa fiscal que originam. Desde logo, a Constituição obriga a que a Proposta de Orçamento de Estado inclua um relatório sobre os BFs e a respectiva estimativa de receita cessante (v. art. 106.º, nº 3, al. g) da CRP). Estabelece, por seu turno, a LGT (v. art. 14.º, nº 3) que “A criação dos benefícios fiscais depende da clara definição dos seus objectivos e da prévia quantificação da despesa fiscal”.
Ao tratar o tema da justificação económica e social da despesa fiscal, Guilherme d' Oliveira Martins delimita o conceito de despesa fiscal assim:“(...) a despesa fiscal apenas subsiste enquanto representar situações que, do ponto de vista do contribuinte, se assumam como reduções excepcionais do quantitativo tributário a que está sujeito e que, do ponto de vista das entidades públicas, representem renúncia a receitas que em condições normais seriam tributadas (…).”
“A matéria dos benefícios fiscais é uma das mais delicadas e, em grande medida, responsáveis pela complexidade tributária. Alguns observadores atentos notam uma tendência geral, neste domínio, que passa pela introdução, pelo legislador, de um determinado incentivo fiscal, seguido da tentativa, por parte dos contribuintes, de ajustarem e manipularem os seus comportamentos de forma a usar e abusar desse incentivo, seguindo-se a adopção pelo legislador, de normas ainda mais complexas e extensas para definir os benefícios fiscais criados com maior precisão. E assim sucessivamente. O resultado é uma maior complexidade do sistema tributário, acompanhada de uma maior criatividade e sofisticação das técnicas desenvolvidas para contornar as suas disposições e maximizar os benefícios que as mesmas podem proporcionar.”
2.3.5. O IRC
Nos temos do art. 1.º do CIRC (Pressuposto do imposto): “O imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo quando provenientes de actos ilícitos, no período de tributação, pelos sujeitos passivos, nos termos deste Código.”
O Código do IRC define a respectiva incidência pessoal ou subjectiva no art. 2.º (Sujeitos Passivos) e a incidência real ou objectiva no art. 3.º (Base do Imposto).
No que para os autos releva, quanto então à incidência real e no que diz respeito às sociedades e outras pessoas colectivas cuja actividade principal seja de natureza empresarial, estabelece o art. 3.º assim:
“1. O IRC incide sobre: a) O lucro das sociedades comerciais (…);
“2. Para efeitos do disposto no número anterior, o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
A base da tributação em IRC é pois, em casos como o dos autos (i.e., sociedades comerciais como SP), o lucro. Sendo que o Código acolhe para o efeito, cfr. art. 3.º, nº 2, um conceito amplo de rendimento-acréscimo.
Estabelece depois o art. 17.º do CIRC que o lucro tributável “é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.
Ou seja, o IRC incide sobre o lucro – sobre o resultado líquido do exercício apurado na contabilidade e eventualmente corrigido para efeitos fiscais (corrigido nos termos do CIRC e outras disposições legais aplicáveis).
Refira-se, aqui, abrindo um parêntesis, que o apuramento do Lucro Tributável (e da Matéria Colectável) obedece a uma complexidade de regras e procedimentos, que o legislador consagrou ao longo de todo o Capítulo III do CIRC (arts. 15.º a 86.º- B). E, quando se trate de autoliquidação (como em regra no IRC), tal apuramento deverá ser reflectido nas Declarações de modelo oficial aprovado por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças (v. art. 117.º, nº 2), em especial na Declaração periódica de rendimentos a que se referem os arts. 117.º, nº 1, al. b) e 120.º. Esta Declaração é a “Declaração – Modelo 22” (à qual fazemos referência ao longo da presente Decisão sempre que nos referimos à denominação ou numeração de qualquer “Quadro” ou “Campo”), aprovada pois, também ela, e como não poderia deixar de ser, pelo mesmo legislador. Tudo em coerência com o princípio da tributação do rendimento real, imperativo constitucional em sede de tributação de pessoas colectivas (v. art. 104.º, nº 2 da CRP), na origem do princípio da aproximação da fiscalidade à contabilidade.
Num momento posterior, uma vez apurado o Lucro Tributável - caso exista - vão então ser-lhe abatidos certos montantes. Chegando-se, assim, à Matéria Colectável (v. art. 15.º, nº 1 al. a) e art. 52.º do CIRC e Quadro 09 da Modelo 22).
Sendo aí, a partir desse momento, que se está em condições de calcular o imposto. Ou seja, apurada a Matéria Colectável, a ela se vai aplicar a taxa de IRC (v. art. 87.º do CIRC) obtendo-se, assim, a respectiva Colecta. A esta pode ainda, por fim, acrescer Derrama estadual (cfr. art. 87.º-A do CIRC) e, aí então, está apurada a Colecta Total.
É a esta Colecta que são depois feitas, se for o caso, Deduções - as Deduções do art. 90.º, nº 2 do CIRC (entre elas, a relativa a benefícios fiscais em causa no presente processo – a da al. c)). Sendo o TOTAL DAS DEDUÇÕES a registar em Campo próprio no Quadro 10 – Campo 357.
Uma vez processadas estas Deduções chegamos, então, ao TOTAL DO IRC LIQUIDADO (Quadro 10 - Campo 358), ou “colecta líquida”, na expressão de Casalta Nabais.
A este TOTAL DO IRC LIQUIDADO vão, por fim, abater-se os pagamentos que tenham sido antecipadamente efectuados por conta do imposto (retenções na fonte, pagamentos por conta e pagamentos adicionais por conta).
E assim chegamos ao IRC A PAGAR – cfr. do Quadro 10 - Campo 361. Ou, se for o caso, IRC A RECUPERAR (como no presente processo).»
Em nenhum momento, até aqui, se trata de tributações autónomas, como, aliás, tínhamos já concluído supra, no ponto 2.3.1.
Feito o enquadramento, cumpre, então, decidir.
2.4. Da possibilidade de dedução à colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma em IRC créditos de Benefícios Fiscais disponíveis para dedução à colecta de IRC. No caso, créditos apurados no âmbito do CFEI, do RFAI e do SIFIDE
Entende a Requerente que a autoliquidação em crise se encontra parcialmente ferida de ilegalidade por – defende - não lhe ter sido reconhecido (quando o deveria ter sido) o direito a deduzir também na colecta derivada das taxas de tributação autónoma, no ano de 2014, os créditos de imposto decorrentes de benefícios fiscais (CFEI , RFAI e SIFIDE ) de que, no exercício de 2014 o Grupo Fiscal B... (do qual, no período relevante, a Requerente era sociedade dominante) dispunha para abatimento à colecta de IRC.
O que, segundo invoca, só não fez por se ter visto disso impossibilitada pelo sistema informático da AT, que lho impediu.
Tendo a Requerente apresentado Reclamação Graciosa, a sua pretensão não foi também aí atendida pela AT.
Toda a pretensão da Requerente é apresentada e fundamentada partindo do art. 90.º do CIRC. Designadamente do respectivo nº 2 e do que, a seu ver, deverá entender-se significar (sentido e alcance com que se deva entender) a expressão ali contida “montante apurado nos termos do número anterior”.
E, simultaneamente, partindo do entendimento, que defende, de que o nº 1 do mesmo artigo, para o qual o nº 2 remete, deverá interpretar-se como contendo em si a operação de liquidação das Tributações Autónomas.
Entendimento este que faz assentar, por sua vez, num outro seu prévio entendimento no sentido de que - assim defende - decorre do disposto no art. 23.º-A (e, antes, do art. 45.º, nº 1, al. a)) que TAs são IRC, que a colecta de IRC inclui as TAs. E que se nesse artigo o legislador assim o consagrou (como defende), então (conclui) também o mesmo se deverá entender o legislador ter consagrado no art. 90.º.
Donde, ao no nº 2 do art. 90.º se remeter para o “montante apurado nos termos do número anterior” se estará a remeter (defende) para a Colecta IRC considerando-se nesta incluídos os montantes de TAs.
Escuda-se a Requerente numa interpretação literal, como veremos. E literal no sentido em que se afasta dos demais critérios hermenêuticos devidos aplicar, claramente confinando a sua interpretação à letra da lei. O que, como vimos supra, não só não está conforme às regras hermenêuticas aplicáveis, como conduz a resultados que contêm em si potencialidade para distorcer – em nosso entender – a unidade do sistema jurídico-tributário.
Não deixaremos, de todo o modo, de notar aqui que, na verdade, até mesmo se nos apoiássemos exclusivamente num critério literal (o que, como é bom de ver, não faríamos) seria possível retirar conclusão oposta àquela que a Requerente retira nos autos (sendo certo que sempre se há-de encontrar um mínimo de correspondência na letra da lei).
(…) A Requerente invoca que o art. 45.º, nº 1 al. a) do Código do IRC compreende a colecta de TAs em IRC. Afirma que a Jurisprudência assim o tem entendido “de modo praticamente unânime”. Para depois avançar que, do mesmo modo se há-de também entender que a colecta do IRC prevista no art. 90.º, nº 1 e nº 2 al. c) do Código do IRC abrange a colecta das TAs em IRC.
E daqui retira a consequência da ilegalidade (por violação do art. 90.º, nº 2 al. c)) que, em seu entender, a recusa de dedução dos créditos dos BFs SIFIDE, CFEI e RFAI à colecta das TAs traduz.
Ora, não só não é verdade que exista jurisprudência “praticamente unânime” no sentido de que o art. 45.º, nº 1 al. a) continha em si a colecta da TAs, como um tal entendimento deriva, com o devido respeito para com quem o perfilhe, de uma interpretação literal do artigo em causa. E o mesmo se diga também, paralelamente, com referência ao actual art. 23.º-A, nº 1 al. a), com a redacção em vigor (introduzida pela Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro).
O art. 45.º, nº 1 al. a) (em vigor até 31 de Dezembro de 2013 e que foi revogado pela Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, a qual introduziu por sua vez o art. 23.º-A) - dispunha assim:
“Artigo 45.º - Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1. Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
a) O IRC e quaisquer outros impostos que, directa ou indirectamente, incidam sobre os lucros; (...)”
Por sua vez, o art. 23.º-A) (vigente desde 1 de Janeiro de 2014 com a redacção que mantém actualmente), dispõe assim:
Artigo 23.º-A – Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1. Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros; (...)”
(…) Ora, no art. 23.º- A do CIRC, o legislador veio expressamente dizer, na al. a) do nº 1, que entre os encargos não dedutíveis para efeitos fiscais se incluem, também, as tributações autónomas. Sendo que no art. 45.º no nº 1, al. a) (v. supra), que o antecedeu, não lhes havia feito menção expressa.
Precisamente por as TAs não serem IRC é que o legislador sentiu necessidade de expressamente referir, acrescentando-as entre vírgulas, que também elas não se consideram dedutíveis para efeitos fiscais.
O montante de imposto resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma não concorre para a formação do LT, logo não é fiscalmente dedutível. Não obstante suportado pelo SP e registado como custo na contabilidade.
É precisamente disso que se trata no art. 23.º-A: não aceitar como custos para efeitos fiscais. Na al. b) estamos a tratar de despesas que não se aceitam como custos, por razões lógicas: não documentação. Na al. a) estamos a tratar de encargos fiscais do SP, que igualmente não se aceitam como custos, igualmente por razões lógicas: não é por incorrer em tais encargos fiscais que o SP está, através disso, a contribuir para a formação do seu LT. A colecta de TAs é um custo sob a forma de encargo fiscal. Encargo este que não deverá ser considerado na determinação do lucro tributável em IRC já que não contribui para a formação do mesmo. Por outras palavras, diremos, é um encargo que não pode ser considerado como custo do lucro.
Também pela análise do art. 23.º (“Gastos e Perdas”), aliás, se compreenderia a razão de ser disto mesmo. Com efeito, aí se determina, logo no nº 1, que “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”
Em coerência, no cálculo do imposto, o LT já está há muito apurado quando, num momento praticamente final – de apuramento do TOTAL A PAGAR – as TAs vão acrescer. Só após o apuramento da Matéria Colectável, da Colecta, da Colecta Total, do Total do IRC liquidado, e do IRC a pagar ou a recuperar. Cfr. Modelo 22, Campo 365 (por confronto com os Campos que o antecedem).
Os valores pagos a título de TAs não chegam a ter qualquer relação directa com a Colecta de IRC. E também só assim se compreende que em caso de inexistência de lucro tributável (ou, simplesmente, de Colecta, cfr. Campos 351/378 da Modelo 22) as TAs continuem a ser devidas. Autonomamente, como a palavra indica. Independentemente de haver ou não “IRC a pagar” (cfr. os próprios termos da declaração Modelo 22).
A Colecta que vai levar ao apuramento do IRC A PAGAR (cfr. Campo 361) não inclui, de facto, as TAs (Campo 365), as quais só depois vêm a ser adicionadas. A colecta das TAs é apenas “chamada” à declaração, aquando do cálculo do imposto, num momento final, como um “mais” que vai somar-se ao valor de IRC (IRC A PAGAR), já apurado. Mas que se distingue, pois, da Colecta de IRC (Campo 351).
Assim, não só a natureza das TAs é distinta, como, coerentemente, a respectiva colecta é, também ela, distinta.
No que à liquidação diz respeito, considera-se que o art. 88.º (Taxas de tributação autónoma), conjugado com o art. 89.º (Competência para a liquidação), contêm, em si, a previsão da liquidação das TAs. Do art. 88.º constam todas as despesas que constituem factos tributários de TAs e respectivas taxas aplicáveis. Por sua vez, no art. 89.º dispõe-se quem é competente para a liquidação, assim:
“Artigo 89.º – Competência para a liquidação
A liquidação de IRC é efectuada: a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º; b) Pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos restantes casos.”
Na LOE 2016, pelo aditamento do nº 21 ao art. 88.º o legislador veio a este respeito expressamente verter no texto do artigo que a liquidação das tributações autónomas em IRC” é efectuada nos termos previstos no art. 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem dos números anteriores (...)”.
Norma esta a que o legislador (v. art. 135.º da LOE 2016) atribuiu natureza interpretativa.
Aliás, notemos ainda, a própria redacção da parte final da al. a) do nº 1 do art. 90.º parece remeter para o apuramento do IRC nos termos do Capítulo III do Código, não abrangendo as TAs, ao referir que a liquidação “tem por base a matéria colectável que delas [Declarações dos arts. 120.º e 122.º] conste”. Ora, vimos já em que consiste a Matéria Colectável constante das Declarações. E que coincide, afinal, com o constante do art. 15.º do CIRC. Não incluindo, pois, TAs.
Não se coloca assim a questão de aferir se sairia ferida a Constituição caso a previsão da liquidação das TAs não constasse do CIRC. É para nós claro que consta. E que o art. 88.º, em conjugação com o 89.º e arts. 120.º e 122.º, todos do CIRC, contêm, em si, o respectivo procedimento.
Ainda que se pudesse aceitar que a liquidação das TAs fosse feita conforme a al. a) do nº 1 do art. 90.º, nesta altura, já é ponto assente deste Tribunal que a sua colecta é distinta, pois, da colecta para que o legislador pretendeu remeter no nº 2 do art. 90.º (deduções).
A interpretação a fazer da expressão contida no nº 2 do art. 90.º - “ao montante apurado nos termos do número anterior” - não pode pois senão, aplicados todos os factores hermenêuticos a considerar, ser no sentido de que o legislador ali está a remeter para a Colecta do IRC apurada como vimos supra - nos termos do Capítulo III do CIRC, arts. 15.º a 86.º-B. Sem nela estarem contidas as TAs - que constam do Capítulo IV, art. 88.º do CIRC.
De onde se conclui que os créditos por BFs – as Deduções dos mesmos ao abrigo do art. 90.º, nº 2, al. c) - não são passíveis de abatimento às TAs.»
Face ao exposto, concluiu-se que a colecta das tributações autónomas tem uma raiz diferente, que não pode, sob pena de subversão da ordem de valores, permitir a dedução de benefícios fiscais, sob pena de descaracterização dos princípios que especificamente se pretendem prosseguir.
Com efeito, tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à colecta das tributações autónomas, incentivos fiscais, como a Requerente pretende, porquanto essa possibilidade resultaria num duplo efeito estranho, ou seja, de um lado poderia, no limite, eliminar a colecta resultante das tributações autónomas e, de outro, propiciaria a dedução de certo benefício fiscal (no caso em concreto, estão em causa o CFEI, RFAI e o SIFIDE, pelo cumprimento dos objectivos ou adopção das condutas fixadas na norma consagradora do direito ao benefício fiscal) a imposto que tem uma função especificamente anti abuso, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados.
Da conjugação destas possibilidades resultaria um resultado contraditório, ilegal e antiético, justamente porque a mesma lei fiscal permitiria, no quadro do mesmo sistema fiscal, desonerar o contribuinte do encargo do pagamento de um imposto que é justamente devido pela adopção de condutas abusivas, indesejadas e desincentivadas (relevação como gastos das despesas previstas no art.º 88.º do Código do IRC).
O entendimento arbitral ora sufragado, no sentido da orientação seguida nos Acórdãos Arbitrais n.º 542/2017-T, 443/2016-T, 722/2015-T, aqui referidos, ou em outros como os proferidos nos procs. nºs 641/2017-T, 587/2016-T, 302/2016-T, 785/2015-T, 727/2015-T, 113/2015-T e 697/2014-T, encontra-se em sintonia com o novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao estabelecer que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efectuadas quaisquer deduções».
Também neste caso, o legislador se limitou a acolher, clarificando-o, uma solução que os tribunais, com recurso às regras vigentes e por aplicação dos critérios de hermenêutica jurídica estavam em condições de extrair do regime a aplicar, o que se limitou a fazer este colectivo, no caso dos autos.
Atento o acima exposto, conclui-se, desta forma, pela ilegalidade da dedutibilidade do CFEI, RFAI e SIFIDE à colecta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (OE para 2016), ao artigo 21.º do artigo 88.º do Código do IRC, nos termos do qual “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”
Assim sendo, improcede o argumento da Requerente no sentido da declaração de ilegalidade das liquidações por violação do artigo 103.º, nº 3, da CRP, porquanto o tribunal não decide com base na aplicação da lei interpretativa.
Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não assiste razão à Requerente, pelas razões e pelos fundamentos acima invocados, no que respeita à possibilidade de dedução do benefício fiscal relativo ao CFEI, RFAI e SIFIDE à colecta das tributações autónomas relativas aos exercícios de 2011 e 2012.
2.5. Em caso de resposta negativa à questão anterior com o fundamento de que a liquidação das Tributações Autónomas não está prevista no nº 1 do art. 90.º do CIRC, da ausência de base legal da Tributação Autónoma.
Decidiu-se, supra, pela não dedutibilidade dos créditos por BF à colecta de TAs em IRC por razões que não a de se não encontrar prevista no nº 1 do art. 90.º a liquidação das TAs.
Com efeito, admitimos como possível o entendimento de que o art. 90.º, nº 1 possa ser aplicável à liquidação das TAs. Porém, tudo ponderado, não parece ser esse o sentido com que a norma deve valer, aquele que garante um mínimo de uniformidade de soluções. Pelas razões que ficaram expostas. Ainda assim, ainda que se entendesse aí prevista tal liquidação, sempre haveria que interpretar-se a remissão do nº 2 para o nº 1 como reportada à Colecta de IRC (que não incluídas as TAs). Como vimos.
De todo o modo, somos da opinião de que o art. 88.º, em conjugação com o art. 89.º, do CIRC contêm todos os elementos necessários ao procedimento de liquidação das Tributações Autónomas. Aos quais não vem, afinal, o art. 90.º acrescentar o que já ali não esteja contido para o efeito. Como ficou exposto.
Existe, pois, em qualquer caso, base legal, no próprio CIRC, para a liquidação das TAs.
Improcedendo, também, o pedido subsidiário da Requerente.
2.6. Das questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente:
Fica prejudicado o conhecimento das questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente, conforme resposta dada às questões que antecedem. Sendo que não se aplicou o art. 135.º da LOE 2016 e que a Liquidação das TAs se encontra prevista no CIRC.
2.7. Do direito a reembolso de quantias pagas e a juros indemnizatórios.
A AT, declarou na sua Resposta (arts 11º e 12º), entender que o acto de liquidação de IRC relativo ao exercício de 2014 deve ser parcialmente revogado, reconhecendo o direito de a Requerente, na liquidação do exercício de 2014, deduzir ao remanescente da colecta de IRC, no valor de € 164.897,19, o mesmo valor relativo aos benefícios fiscais ainda por deduzir a título de SIFIDE, RFAI e CFEI, facto que diz já ter notificado à Requerente.
Uma vez que a Requerida aceitou parcialmente a pretensão da Requerente, se ainda não o tiver feito, deverá reembolsar à Requerente o montante de €164.897, 19, acrescido dos respectivos juros.
Porque no demais improcedeu o presente pedido arbitral, fica prejudicado o conhecimento destes pedidos no que ao remanescente diz respeito.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
- julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, da autoliquidação de IRC com o nº 2016 ... que aquele indeferimento confirmou, referente ao exercício de 2014, no que se refere ao montante de €164.897, 19, com as demais consequências legais, designadamente, o reembolso desta quantia e dos respectivos juros compensatórios;
- julgar improcedente o pedido arbitral no que se refere à dedução de créditos de CFEI, RFAI e SIFIDE à colecta de Tributações Autónomas, no montante de € 216.346, 29, com as demais consequências legais;
- julgar improcedente o pedido subsidiário, de declaração de ilegalidade das liquidações de Tributações Autónomas fundamentada em ausência de base legal e, bem assim, da respectiva anulação, com as demais consequências legais;
- condenar Requerente e Requerida nas custas do processo, na proporção de 43% e 57%, respetivamente.
V. VALOR DO PROCESSO
Nos termos conjugados do disposto nos arts. 3.º, nº 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, nº 1, alínea a), do CPPT, 296.º, nº 1 e 306.º, nº 2 do CPC fixa-se o valor do processo em € 381.243, 48.
V. CUSTAS
Conforme disposto no art. 22.º, nº 4 do RJAT, no art. 4.º, nº 4 do Regulamento já referido, e na Tabela I anexa ao mesmo, fixa-se o montante das custas em € 6.426,00, a suportar por ambas as partes nos termos supra.
Lisboa, 3 de maio de 2019
Os Árbitros
José Poças Falcão
Cristina Aragão Seia
Marcolino Pisão Pedreiro - Vota vencido conforme declaração anexa
DECLARAÇÃO DE VOTO
Mantenho sobre as tributações autónomas a visão que subscrevi no âmbito do processo 298/2013-T (https://caad.org.pt/tributario/decisoes/), em que, a propósito da questão da dedutibilidade das tributações autónomas em sede de IRC (aqui sustentando o sujeito passivo que as mesmas não são “IRC” e, ao invés, sustentando a AT a posição contrária) concluí, pelas razões aí expostas, que estas imposições ficais, muito embora não tributem acréscimo patrimonial do sujeito passivo, constituem “IRC”, no sentido em que o mesmo é configurado em sede de Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
Sobre esta questão, aí escrevi, designadamente:
“Em abstrato, poderão admitir-se, no nosso entendimento, duas possíveis interpretações à face do elemento literal da lei.
A primeira será a de entender incluída neste conceito as tributações previstas no Código do Rendimentos das Pessoas Coletivas. A segunda será a de incluir no conceito apenas e tão só uma parte das imposições fiscais previstas no CIRC: aquelas que tributem a capacidade contributiva dos sujeitos passivos manifestada em acréscimo patrimonial.
(…) Dispõe o artigo 12º do CIRC que “As sociedades e outras entidades a que, nos termos a que, nos termos do art. 6º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”.
Esta norma se utilizasse o conceito de IRC mencionado em segundo lugar, não teria necessidade da ressalva “salvo quanto às tributações autónomas”.
Na verdade, a lei ao fazer tal ressalva parece apontar, à contrario sensu, para um conceito amplo de IRC que inclui as imposições fiscais previstas no Código do IRC, mesmo que não incidam sobre rendimento do sujeito passivo.
Noutros preceitos do Código, o legislador parece também apontar para uma conceção de “IRC” correspondente a toda a tributação prevista no Código, nomeadamente, o art. 89º ao referir que “a liquidação do IRC é efectuada:
(….)”.
Não parece haver dúvidas que também aqui o legislador inclui as tributações autónomas, pois não existe qualquer preceito específico sobre a liquidação das tributações autónomas.
Também os arts. 112º, 113º, 115º, 116º e 137º, parecem apontar no mesmo sentido. Pressupõem o sentido de “IRC” no sentido de imposições fiscais previstas no código.
(…)
Embora considerando-se correta a tese que sustenta que as tributações autónomas, pelo menos na generalidade das situações, incidem sobre a despesa, as mesmas não estão desligadas da ideia de tributação do rendimento, afigurando-se que a tributação da despesa será o meio e a tributação do rendimento (de terceiro) o fim.
Assim sendo, se nos afigura estarem as tributações autónomas ainda materialmente conexionáveis com o IRC, não estando excluídas do tipo sistemático do imposto.”
Por outro lado, nem todas os factos tributários sujeitos a tributações autónomas implicam necessariamente uma conduta abusiva e indesejada por parte do sujeito passivo. Basta atentar na tributação das encargos com viaturas (nºs 3 e 5 do art. 88º do CIRC). Estas despesas são até, tipicamente, necessárias e indispensáveis à atividade económica das empresas. Também, para muitas empresas, existirá manifesta racionalidade económica na realização de despesas de representação, que também são sujeitas a tributação autónoma (nº 7 do CIRC).
Ocorrendo nestas despesas um risco de benefício privado de despesas empresariais, também existe um risco de tributação autónoma de despesas exclusivamente empresariais, que nada têm de abusivo e, antes pelo contrário, serão indispensáveis à prossecução da atividade empresarial.
Por outro lado, mesmo relativamente a situações em que ocorram efetivamente condutas abusivas, não existe eliminação da função desincentivadora, uma vez que a possibilidade de dedução não implica a eliminação a imposição tributária decorrente da tributação autónoma, mas apenas o exercitar dum crédito tributário emergente doutra norma fiscal.
Estou, pois, em sintonia com a jurisprudência arbitral que, perfilhando a tese de que as tributações autónomas constituem IRC, considera que face ao regime vigente antes da Lei nº 7-A/2016, de 30.03, às mesmas podem ser efetuadas as deduções previstas no nº 2, do artigo 90º, do CIRC.
Por outro lado, como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, 2ª secção, de 31-05-2017, proferido no processo n.º 466/16 (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/):
“(…) de acordo com a interpretação feita na decisão recorrida, a solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração introduzida pelo artigo 133.º da LOE 2016 é inovadora e diminui as possibilidades de o contribuinte realizar deduções à coleta de IRC, ou seja, agrava desfavoravelmente o modo de calcular o quantum anualmente devido a título de IRC. A determinação da aplicação de tal solução a anos fiscais anteriores ao da entrada em vigor da LOE 2016 prevista no artigo 135.º desta mesma Lei torna-a, por conseguinte, substancialmente retroativa e, nessa mesma medida, incompatível com a proibição da imposição de impostos retroativos do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
No domínio da fiscalização concreta da constitucionalidade, a interpretação do direito infraconstitucional feita pelo tribunal recorrido é, em princípio, vinculativa para o Tribunal Constitucional, já que a este, conforme mencionado anteriormente, compete «julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação» (artigo 79.º-C da LTC). No entanto, tal não impede o Tribunal Constitucional, se assim o entender justificadamente, de se afastar da interpretação acolhida pela decisão recorrida, e de a substituir por outra, desde que conforme à Constituição (cfr. o artigo 80.º, n.º 3, da LTC). Com efeito, tal possibilidade é inerente à natureza jurisdicional do Tribunal Constitucional e assegura que a função depuradora própria da fiscalização concreta da constitucionalidade a seu cargo se exerça sobre normas de direito infraconstitucional resultantes de interpretações não unilaterais e, tanto quanto possível, partilhadas pela generalidade dos tribunais.
No caso sub iudicio, contudo, inexistem razões para duvidar do acerto da caracterização como inovadora da solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração feita pelo artigo 133.º da LOE 2016. A decisão recorrida fundamentou, com base em argumentos de ordem literal, teleológica e sistemática tal caráter inovador e evidenciou a existência de, pelo menos, quatro outras decisões jurisdicionais no mesmo sentido. Assim, não deve o Tribunal Constitucional corrigir a interpretação da norma recusada aplicar pelo tribunal a quo nem inverter o juízo de inconstitucionalidade por este formulado.
(…)
Competindo, por outro lado, aos tribunais a função jurisdicional – a iurisdictio –, é claro que a exclusão ou imposição de uma ou mais interpretações jurisdicionais de certa norma legal já realizadas – ou claramente admissíveis – por determinação de uma lei posterior limita o alcance da primeira: entre as múltiplas declarações do direito de que tal lei era passível, algumas deixaram ex vi legis de ser admissíveis. Na medida de tal limitação, ocorre uma modificação do direito que os tribunais “podem dizer”. E, a ser assim, a interpretação ou esclarecimento formalmente consagrados pela lei nova não podem deixar de revestir uma natureza constitutiva e a retroatividade inerente à mesma lei ter um caráter substancial.
Pode, portanto, dizer-se que, do ponto de vista da Constituição, para que uma disciplina normativa autoqualificada como meramente interpretativa seja considerada constitutiva (de novo direito) e, como tal, substancialmente retroativa, basta a verificação de que à norma interpretada na sua primitiva versão pudesse ter sido imputado pelos tribunais um sentido que, na sequência da norma interpretativa, ficou necessariamente excluído (cfr. as decisões do Bundesverfassungsgericht de 2.5.2012 e de 17.12.2013, em BVerfGE 131, 20 [37-38] e 135, 1 [16-17], respetivamente). Com efeito:
«A disciplina clarificadora é constitutiva logo nos casos em que visa excluir a interpretação [da lei preexistente] feita por um tribunal comum – mesmo não se tratando de um tribunal superior –, relativamente a situações passadas. O legislador confere à lei retroativa uma eficácia constitutiva, na medida em que pretende esclarecer para o passado, por via de uma lei com um sentido unívoco, certa afirmação que originou, quanto ao direito aplicável, um entendimento aparentemente não unívoco ou, pelo menos, uma aplicação do mesmo não uniforme. […] Decisivo é que o legislador tenha a intenção de corrigir ou excluir uma dada interpretação [feita pelos tribunais].» (v. BVerfGE 135, 1 [18-19])
É esse precisamente o efeito do artigo 135.º da LOE 2016, ao qualificar como “lei interpretativa” o n.º 21 aditado pelo artigo 133.º ao artigo 88.º do CIRC. Na verdade, e como bem refere a decisão ora recorrida, aquele que representava um certo entendimento jurisprudencial quanto à admissibilidade de deduções ao montante global da coleta de IRC, incluindo nesta o valor das tributações autónomas – como o sufragado nas decisões do CAAD proferidas no âmbito dos processos n.ºs 769/2014-T, 163/2014-T, 219/2015-T e 370/2015 –, deixou de ser admissível à luz do citado n.º 21. Daí ser inequívoco o caráter substancialmente retroativo desse preceito, entendido como lei interpretativa.
Dado o conteúdo gravoso para os contribuintes da nova solução legal – visto que tende a agravar o quantum devido a título de IRC –, a pretensão de a mesma se aplicar a anos fiscais anteriores ao do início da sua vigência mostra-se flagrantemente incompatível com a proibição constitucional de impostos retroativos (cfr. o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição).”
Em linha com este acórdão, em cujo discurso fundamentador me revejo, considero que a norma do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração feita pelo artigo 133.º da LOE 2016 é inaplicável ao caso sub judice.
Em conformidade, de acordo com o entendimento acima exposto do direito vigente no período tributário em causa, considero que a pretensão anulatória deveria proceder.
Lisboa, 3.05.2019
Marcolino Pisão Pedreiro