DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros José Baeta de Queiroz, Nuno Pombo e Jónatas Machado, designados pelo Conselho Deontológico do Cento de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o tribunal arbitral, acordam na seguinte
1. Relatório
A - Geral
1. A..., SGPS, S.A., sociedade comercial anónima com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa, titular do Número único de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial ... (de ora em diante designada Requerente), apresentou no dia 05.11.2018 um pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, e em termos mediatos, a declaração de ilegalidade e consequente anulação da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) do exercício de 2015 (relativa à Modelo 22 de IRC identificada com o n.º...) e, bem assim, em termos imediatos da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si oportunamente apresentada.
1.1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (de ora em diante RJAT) o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou os signatários como árbitros, não tendo as Partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
1.2. Por despacho de 15.11.2018, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada Requerida) procedeu à designação das Senhoras Dra. C... e Dra. D... para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.
1.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído a 16.01.2019.
1.4. No mesmo dia 16.01.2019 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, solicitar produção de prova adicional e juntar aos autos cópia do processo administrativo.
1.5. No dia 20.02.2019 a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o processo administrativo.
B – Posição da Requerente
1.6. A Requerente é uma sociedade comercial anónima de direito português, com sede e direção efetiva em território nacional, cujo objeto social consiste na gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas.
1.7. No exercício de 2015, a Requerente estava enquadrada no regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto nos art.º 69.º a 71.º do Código do IRC (“CIRC”), assumindo a qualidade de sociedade dominante, tendo a B..., S.A. (de ora em diante designada “B...”), pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua..., n.º..., Porto, ..., a qualidade de sociedade dominada.
1.8. A B... é uma sociedade comercial de direito português, cujo objeto social consiste na conceção, construção e exploração de redes de comunicações eletrónicas e dos respetivos equipamentos e infraestruturas, bem como na gestão de ativos tecnológicos próprios ou de terceiros e na prestação de serviços conexos, estando enquadrada no código de atividade económica (“CAE”) 61900, correspondente a «outras atividades de telecomunicações».
1.9. Em sede de IRC, a B... dispõe de contabilidade organizada, sendo-lhe aplicável o regime geral de tributação, não apresentando quaisquer dívidas tributárias nem à Segurança Social.
1.10. No exercício de 2015, a B... realizou um investimento de €8.361.937,97 (oito milhões trezentos e sessenta e um mil novecentos e trinta e sete euros e noventa e sete cêntimos) com vista à expansão das redes fixa e móvel nas regiões do Norte, Centro, Alentejo e arquipélagos dos Açores e da Madeira.
1.11. No exercício em questão, a B..., S.A. apurou benefícios fiscais, no montante global de €1.586.193,80 (um milhão quinhentos e oitenta e seis mil cento e noventa e três euros e oitenta cêntimos), ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”).
1.12. Nem a B... nem a Requerente inscreveram nas declarações de rendimento Modelo 22 de IRC do exercício de 2015 os benefícios fiscais, no montante total de €1.586.193,80 (um milhão quinhentos e oitenta e seis mil cento e noventa e três euros e oitenta cêntimos), acima referidos, não os tendo, por conseguinte, deduzido à coleta de IRC.
1.13. Para que o Grupo A... pudesse beneficiar de tal dedução, a Requerente – na qualidade de sociedade dominante – apresentou reclamação graciosa do ato de autoliquidação de IRC do exercício de 2015, que foi indeferida.
1.14. A razão do indeferimento da mencionada reclamação graciosa é estritamente formal, baseando-se apenas na circunstância de não estar o CAE 61900 previsto na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, ainda que se mostrem preenchidos todos os demais pressupostos previstos no Código Fiscal do Investimento (“CFI”).
1.15. A Requerente não sufraga o entendimento da Requerida segundo o qual a atividade prosseguida pela B..., correspondente ao CAE 61900 – «outras atividades de telecomunicações», não é elegível para o incentivo fiscal previsto nos art.º 22.º a 26.º do CFI (RFAI).
1.16. Nos termos do art.º 22.º, n.º 1, do CFI: «O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do art.º 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC».
1.17. Por seu turno, da alínea g) do n.º 2 do art.º 2.º do CFI decorre ser o sector das telecomunicações elegível para efeitos do incentivo fiscal em apreço: «Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas [...]: g) defesa, ambiente, energia e telecomunicações […]».
1.18. No n.º 3 do art.º 2.º do CFI lê-se: «Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior».
1.19. No entender da Requerente, a correta interpretação daqueles normativos, depois de aferidos os diferentes elementos hermenêuticos, permite extrair duas conclusões: a primeira é a de que o âmbito objetivo do RFAI está limitado às atividades económicas listadas no art.º 2.º, n.º 2, do CFI (constando desse rol o sector das telecomunicações); a segunda, a portaria a emitir pelo Governo – referida no n.º 3 do art.º 2.º do CFI – visaria apenas explicitar os CAE que a prossecução daquelas atividades económicas pode assumir.
1.20. Assim, na leitura que faz a Requerente, nem a portaria a emitir pelo Governo poderia definir CAE que não se encontrassem relacionados com as atividades económicas listadas no n.º 2 do art.º 2.º do CFI, nem poderia deixar de definir (pelo menos alguns) CAE relativos àqueles sectores de atividade.
1.21. De resto, o RFAI visa promover a competitividade da economia portuguesa – prioridade assumida pelos sucessivos Governos, através do investimento em sectores que favoreçam a inovação, razão por que não pode aceitar-se que a mencionada portaria pretendesse discriminar um dos sectores económicos com mais acentuado investimento em inovação, como é o das telecomunicações.
1.22. Assim, quando o legislador escreveu que o sector das telecomunicações se encontra no âmbito objetivo do RFAI [art.º 22.º, n.º 1 e art.º 2.º, n.º 2, alínea g), do CFI], só pode concluir-se que o legislador pretendeu que todo esse sector pudesse beneficiar daquele incentivo.
1.23. Ao longo dos cerca de 8 anos e 4 meses que o RFAI já leva de vigência, o seu âmbito objetivo foi mudando. Começou por ser um incentivo a apenas uma parte do sector das telecomunicações – as redes de banda larga de nova geração – depois, durante um curto período de cerca de 6 meses, não contemplou qualquer atividade do sector das telecomunicações e, por fim foi alargado de modo a abarcar todo o sector das telecomunicações, e não apenas as redes de banda larga de nova geração.
1.24. Sucede que a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro – portaria que, ao abrigo do art.º 2.º, n.º 3, do CFI, identifica os CAE – é totalmente omissa quanto ao sector das telecomunicações. Contudo, desta omissão não pode inferir-se a insusceptibilidade de aplicação do RFAI a investimentos realizados no âmbito da atividade de telecomunicações, sob pena do art.º 2.º, n.º 2, do CFI redundar em letra morta no que a tal matéria concerne.
1.25. Com efeito, não constando da referida portaria a referência a qualquer CAE atinente ao sector das telecomunicações, conclui-se ter o Governo pretendido abarcar a totalidade dos CAE prevista na divisão 61 do CAE Rev. 3 do Instituto Nacional de Estatística.
1.26. No juízo da Requerente, conclusão distinta buliria inevitavelmente com a Lei Fundamental, impondo-se, portanto, uma interpretação conforme à Constituição.
1.27. O âmbito de incidência dos benefícios fiscais é matéria da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, a qual pode delegar essa competência no Governo, através de uma lei de autorização legislativa, na qual terá que ser definido o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização – art.º 165.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) –, os quais devem ser respeitados pelo decreto-lei autorizado, a emitir pelo Governo na sequência da lei de autorização – art.º 112.º, n.º 2, da CRP.
1.28. Assim, a Portaria em apreço não pode disciplinar a matéria relativa ao âmbito de incidência dos benefícios fiscais, porquanto estaria a invadir o âmbito da reserva relativa de competência legislativa do parlamento, padecendo, por isso, de inconstitucionalidade orgânica.
1.29. A Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro é um verdadeiro regulamento administrativo, as normas dela constantes assumem de modo inequívoco natureza regulamentar, não podendo inovar – seja restringindo, seja ampliando – o âmbito de aplicação do art.º 2.º, n.º 2, do CFI, sendo a leitura de que pela Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro se poderão fixar as atividades elegíveis para efeitos de atribuição do benefício fiscal sub judice violadora dos art.º 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da CRP, bem como os art.º 199.º, n.º 1, alínea c), e 112.º, n.º 5, da CRP.
1.30. Não podendo o benefício fiscal em apreço, no montante de €1.586.193,80 (um milhão quinhentos e oitenta e seis mil cento e noventa e três euros e oitenta cêntimos) ser deduzido no período de tributação de 2015 por insuficiência de coleta, o mesmo poderá ser deduzido nos dez períodos de tributação subsequentes, nos termos do art.º 23.º, n.º 3, do CFI.
C – Posição da Requerida
1.31. A Requerida começa por esclarecer que a decisão de indeferimento proferida no âmbito dos autos de reclamação graciosa teve por fundamento o facto de a atividade exercida pela B... não constar do elenco de atividades abrangidas pelo RFAI, conditio sine qua non para que pudesse aceder ao citado benefício fiscal, razão por que nunca se procedeu à análise da verificação do preenchimento dos restantes pressupostos de acesso ao dito benefício fiscal, sendo certo que também esses outros requisitos não se acham preenchidos.
1.32. Adverte a Requerida para o facto de o quadro legal aplicável não se circunscrever ao direito português, sendo a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, conforme o direito comunitário.
1.33. O RFAI, que se encontra estabelecido no capítulo III do CFI (art.º 22.º a 26.º), constitui um regime de auxílio com finalidade regional aprovado nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos art.º 107.º e 108.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC).
1.34. Para além do RGIC, devem também ser observadas as orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR), uma vez que podem trazer (e trazem na presente situação) restrições a estes auxílios.
1.35. Nos termos do n.º 1 do art.º 22.º do CFI, este regime apenas «é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do art.º 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», remetendo, assim, para o âmbito de aplicação sectorial dos benefícios fiscais ao investimento produtivo, com natureza contratual, estabelecido naquele art.º 2.º do CFI.
1.36. As normas previstas no CFI relativas ao RFAI têm sempre de ser lidas e entendidas à luz das regras do RGIC e das OAR aplicáveis a este tipo de auxílios, como é expressamente referido no art.º 1.º da lei de autorização legislativa para aprovação do CFI (Lei n.º 44/2014, de 11 de julho): «A presente lei concede ao Governo autorização legislativa para aprovar um novo Código Fiscal do Investimento, revogando o Decreto -Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, e adaptando os regimes de benefícios fiscais ao investimento e à capitalização das empresas às novas regras europeias aplicáveis em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020».
1.37. Igual exigência de adaptação é reiterada nas alíneas a) e c) do n.º 3 do art.º 2.º da lei de autorização legislativa para aprovação do CFI: «a) Adaptar o regime às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014 -2020» e «c) Definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional».
1.38. A anterior Portaria n.º 1542/2009, de 29 de dezembro, publicada ao abrigo do n.º 3 do art.º 2.º do CFI (aprovado pelo Decreto-lei n.º 249/2009, de 23 de Setembro e republicado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho), compreendia na alínea g) do n.º 1 do art.º 1.º as rubricas “Ambiente, energia e telecomunicações – classe 3511 e 3521, grupo 353, subclasse 36001 e divisões 37 a 39 e 61 da CAE”, mas tal visava delimitar apenas o âmbito de aplicação dos incentivos fiscais ao investimento de natureza contratual, ou seja, não se aplicava ao RFAI.
1.39. Também a Portaria n.º 1452/2009 alertava já para o facto de a concessão de benefícios fiscais aos projetos de investimento que tivessem por objeto as atividades económicas mencionadas nos decretos-leis que regulam se encontrar sujeita à verificação, para cada projeto, da compatibilidade com as disposições comunitárias aplicáveis, por força dos art.º 107.º e 108.º do TFUE.
1.40. Acresce que o âmbito de aplicação sectorial dos incentivos fiscais aos investimentos do RFAI originalmente definido por Lei da Assembleia da República – art.º 13.º da Lei n.º 10/2009 – não incluía o sector de atividades de telecomunicações, mas apenas os investimentos no âmbito das redes de banda larga de nova geração.
1.41. Com a integração do RFAI no CFI, operada pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, o âmbito de aplicação definido no n.º 1 do art.º 27.º daquele Código ficou limitado aos “sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma atividade nos sectores agrícola, florestal, agroindustrial e turístico e ainda da indústria extrativa ou transformadora, com exceção dos sectores siderúrgico, da construção naval e das fibras sintéticas, tal como definidos no art.º 2.º do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de agosto.”, ou seja, foram afastados os investimentos em redes de banda larga.
1.42. De acordo com o n.º 1 do art.º 22.º do CFI, o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do art.º 2.º, tendo em consideração os CAE definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR) e do RGIC.
1.43. As designações das atividades constantes do citado n.º 2 do art.º 2.º do CFI são heterogéneas, não possuindo um grau suficientemente preciso para que se possam considerar como bastantes para, per se, fundamentar a aplicação do benefício em casos concretos, razão por que o legislador remeteu, através do n.º 3 do mesmo artigo, para uma portaria específica a concretização dos CAE das atividades beneficiárias do incentivo, não havendo, de resto, uma correspondência imediata entre as atividades elencadas no n.º 2 e os sectores da CAE-Rev.3, como sucede, nomeadamente, com as "Telecomunicações".
1.44. O legislador definiu o leque dos sectores de atividade - no n.º 2 do art.º 2.º e no n.º 1 do art.º 22.º, do CFI - mas fê-lo de forma condicionada, estatuindo que, na delimitação das atividades exercidas pelos sujeitos passivos, devem ser tidos “em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3”, tendo em conta a necessidade de conformar o direito nacional com o direito comunitário, atentas as regras do RGIC e das OAR aplicáveis à data, como de resto a lei de autorização legislativa determina.
1.45. O Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 16-06-2014 declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos art.º 107.º e 108.º do Tratado, no art.º 52.º, relativo a auxílios a infraestruturas de banda larga, prevê que:
“1 - Os auxílios ao investimento a favor do desenvolvimento de redes de banda larga devem ser compatíveis com o mercado interno, na aceção do art.º 107.º, n.º 3, do Tratado, e devem ser isentos da obrigação de notificação prevista no art.º 108.o, n.º 3, do Tratado, desde que preencham as condições estabelecidas no presente art.º e no capítulo I.”.
2 - Os custos elegíveis devem ser os seguintes:
a) Custos de investimento para a instalação de uma infraestrutura de banda larga passiva;
b) Custos de investimento em obras de engenharia civil relacionadas com a banda larga;
c) Custos de investimento para a instalação de redes de banda larga básica; e
d) Custos de investimento para a instalação de redes de acesso da nova geração («NGA»).
3 - O investimento deve estar localizado em zonas onde não existam infraestruturas da mesma categoria (redes de banda larga básica ou redes NGA), nem seja provável que esse tipo de infraestrutura venha a ser desenvolvido em condições comerciais no prazo de três anos a contar do momento da publicação da medida de auxílio planeada, o que deve igualmente ser objeto de verificação através de uma consulta pública aberta.
4 - Os auxílios devem ser concedidos com base num processo de seleção aberto, transparente e não discriminatório respeitando o princípio da neutralidade tecnológica.
5 - O operador da rede deve oferecer um acesso (ativo ou passivo) por grosso o mais alargado possível, em conformidade com o art.º 2.o, ponto 139, do presente regulamento, em condições equitativas e não discriminatórias, incluindo a desagregação física no caso das redes NGA. Esse acesso por grosso deve ser oferecido durante, pelo menos, sete anos, e o direito de acesso a condutas e postes não deve ser limitado no tempo. No caso de auxílios à construção de condutas, estas devem ser suficientemente grandes para comportar diversas redes de cabo e diferentes topologias de rede.
6 - Os preços de acesso por grosso devem basear-se nos princípios de fixação de preços estabelecidos pela autoridade reguladora nacional e em valores de referência praticados noutras zonas comparáveis, mais concorrenciais, do Estado-Membro ou da União, tendo em conta o auxílio recebido pelo operador da rede. A autoridade reguladora nacional deve ser consultada sobre as condições de acesso, incluindo a fixação de preços, e, em caso de conflito entre os requerentes de acesso e o operador da infraestrutura subvencionada.
7 - Os Estados-Membros devem pôr em prática um mecanismo de monitorização e de recuperação se o montante do auxílio concedido ao projeto for superior a 10 milhões de EUR.» (sublinhados da Requerida)
1.46. Por sua vez, as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (2013/C 209/01) refere no seu ponto 12, relativamente ao âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional que:
«Os auxílios ao investimento com finalidade regional a redes de banda larga podem ser considerados compatíveis com o mercado interno se, para além das condições gerais estabelecidas nas presentes orientações, respeitarem também as seguintes condições específicas:
i) os auxílios são concedidos apenas a regiões onde não existem redes da mesma categoria (quer de banda larga de base quer NGA) e onde nenhuma é suscetível de ser desenvolvida no futuro próximo;
ii) o operador de rede subvencionado oferece acesso ativo e passivo por grosso em condições equitativas e não-discriminatórias com a possibilidade de desagregação eficaz e total;
iii) os auxílios devem ser atribuídos com base num processo de seleção concorrencial em conformidade com o ponto 78, alíneas c) e d), das Orientações relativas a redes de banda larga.» (sublinhados da Requerida)
1.47. No Acordo de Parceria que Portugal propõe à Comissão Europeia, denominado Portugal 2020, com vista à aplicação dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento no quadro da estratégia da União (2014-2020), refere-se que:
«No caso das infraestruturas TIC, e em particular da Banda Larga e da Banda Larga de alta velocidade, o elevado investimento realizado nos últimos anos, parcialmente apoiado por recursos do Banco Europeu de Investimento (BEI), bem como por fundos estruturais em áreas de falha de mercado, permite a Portugal dispor de infraestruturas de comunicações entre as mais avançadas da Europa, tanto ao nível das redes fixas, onde, de acordo com dados Eurostat, a percentagem de casas com acesso a redes de nova geração é das mais altas da Europa (inclusivamente em áreas de menor densidade populacional), como ao nível das redes móveis onde os indicadores de cobertura, disponibilidade e velocidade de dados se encontram igualmente entre os mais elevados da Europa. Os recentes investimentos em redes de nova geração e os leilões LTE (4ª geração móvel) vieram reforçar essa tendência, quer para as comunicações fixas, quer para as comunicações móveis, muito embora ainda subsistam algumas falhas residuais de cobertura, em zonas com menor densidade populacional (sobretudo em áreas rurais e remotas), que estão ainda longe de atingir as metas da Agenda Digital Europeia e da Agenda Portugal Digital, não havendo evidência de que o mercado per se venha a dar uma resposta adequada.» (sublinhados da Requerida)
1.48. Assim, atento o disposto no direito comunitário, no respeito pelo seu primado, de hierarquia superior ao direito nacional, por força do art.º 8.º da CRP, não há qualquer razão para considerar que o sector das telecomunicações devesse estar consagrado na Portaria 282/2014, antes pelo contrário.
1.49. A Portaria n.º 282/2014 não invade o campo de incidência dos incentivos fiscais do RFAI, porque as normas habilitantes – os n.ºs 2 e 3 do art.º 2.º e n.º 1 do art.º 22.º, do CFI – são normas de aplicação condicionada criadas por decreto-lei que executa uma autorização legislativa que não especifica os sectores de atividade elegíveis, subordinando-os apenas à legislação europeia relevante, em matéria de auxílios de Estado.
1.50. A tese defendida pela Requerente é inconstitucional, pois o entendimento de que o sector das telecomunicações deve estar contemplado no âmbito dos sectores de atividade permitidos para acesso ao benefício fiscal do RFAI, viola o primado do direito comunitário previsto no art.º 8.º da CRP.
1.51. E a não ser assim, sempre se estaria diante de uma lacuna, que não é suscetível de integração analógica por estar em causa o âmbito de aplicação de um benefício fiscal – cf. Art.º 11.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária.
1.52. Entende ainda a Requerida que não pode, sem mais, considerar-se que as demais regras e condições de que depende a aplicação dos incentivos fiscais ao investimento previstos no RFAI se acham preenchidas.
1.53. Nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, o «ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque», todavia, a Requerente, ainda que ofereça listagens, não apresenta qualquer prova que corrobore tudo o por si alegado, desde logo que, no exercício de 2015, a B..., S.A.:
(i) realizou investimentos de €8.361.937,97 com vista à expansão das redes fixa e móvel nas regiões do Norte, Centro, Alentejo e arquipélagos dos Açores e da Madeira, tendo ficado excluídas as regiões do Algarve, Grande Lisboa e Península de Setúbal;
(ii) que os bens objeto de investimento concentram-se na sua titularidade e permanecem desde 2015 nas referidas regiões;
(iii) que o investimento representou para uma aposta na evolução tecnológica, na melhoria processual e de controlo e, bem assim, na expansão da cobertura das redes de acesso de alto débito; e
(iv) que determinou a necessidade de contratação, por tempo indeterminado, de um colaborador para a área de IT, o qual permanece em funções.
1.54. Os dados constantes dos mapas que constituem o documento n.º 6, apresentado pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, não permitem verificar o cumprimento das exigências de comprovação a que se refere o n.º 1 do art.º 7.º da Portaria n.º 297/2015.
1.55. Encontrando-se o ónus da prova acometido à Requerente, revela-se de todo inviável inferir que estão preenchidos todos os requisitos e pressupostos do RFAI, os quais devem ser apreciados não só à luz do disposto nos normativos pertinentes do CFI como também da Portaria n.º 297/2015, que define os procedimentos especiais de controlo do montante dos auxílios de Estado com finalidade regional a que se refere o n.º 7 do art.º 23.º do Código Fiscal do Investimento, pelo que também por este motivo deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente.
D – Conclusão do Relatório e Saneamento
1.56. Por despacho de 22.02.2019, o tribunal arbitral entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o art.º 18.º do RJAT, tendo convidado as Partes a, querendo, apresentarem alegações escritas.
1.57. A Requerente apresentou as suas alegações no dia 20.03.2019, dando por reproduzida a argumentação de direito já incluída no pedido de pronúncia arbitral.
1.58. Refuta a Requerente a afirmação da Requerida segunda a qual a A... “(…) não apresenta prova que corrobore tudo o por si alegado”, porquanto, aquando da apresentação da reclamação graciosa, a Requerente disponibilizou toda a prova necessária à demonstração dos custos em questão, pelo que resulta ser esta uma fundamentação a posteriori.
1.59. Ora, entende a Requerente que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si oportunamente apresentada deveu-se única e exclusivamente à falta de menção na Portaria n.º 282/2014, de 31 de dezembro do CAE da B... [CAE 61900 (“outras atividades de telecomunicações”)], não se afigurando admissível alicerçar, agora, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa noutros fundamentos, necessariamente supervenientes à prolação de tal decisão.
1.60. Defende ainda a Requerente que o princípio da interpretação conforme ao Direito da União Europeia não legitima a derrogação de normas legais [in casu, do art.º 2.º, n.º 2, alínea g), do CFI] por normas regulamentares (in casu, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro).
1.61. Mais refere que a admitir-se que a intenção do Governo em 2015 era excluir do âmbito de aplicação do RFAI (do art.º 22.º e 23.º do CFI) os investimentos em atividades do sector das telecomunicações, teria de ter utilizado a via legislativa, revogando total ou parcialmente o disposto na alínea g) do n.º 2 do art.º 2.º do CFI, não lhe sendo permitido, à luz das normas constitucionais que regulam as fontes de direito positivo português, procurar alcançar aquele efeito por via da aprovação de um regulamento de execução daquele dispositivo legal, sendo que a questão em causa contende apenas com escolhas do Governo e não com limites normativos impostos pelo regime jurídico Europeu.
1.62. Com as suas alegações, a Requerente juntou aos autos um Parecer Jurídico da autoria da Senhora Professora Doutora Suzana Tavares Da Silva.
1.63. A Requerida apresentou as suas alegações a 22.04.2019, nelas reiterando o que havia já defendido com a Resposta, nomeadamente que o benefício fiscal em causa constitui um auxílio de Estado, daí a necessidade de convocar para a sua análise o quadro legal europeu sobre a matéria.
1.64. Considerou ainda que não constitui fundamentação a posteriori, como sustenta a Requerente, a sua conclusão de que os demais requisitos de que depende o acesso ao benefício fiscal em causa não se acham reunidos.
1.65. Entende a Requerida, por um lado, que o ónus da prova cabe a quem invoca o facto, ou seja, sempre teria de ser a Requerente a demonstrar que estão reunidos os mais requisitos de que depende a aplicação do benefício fiscal e, por outro, que os atos de autoliquidação e de indeferimento da reclamação graciosa são atos distintos e autónomos, praticados em momentos distintos por entidades distintas, e com fundamentos distintos.
1.66. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos art.º 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
1.67. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março e estão regularmente representadas.
1.68. O processo não padece de qualquer nulidade.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
2.1.1. A Requerente é uma sociedade comercial anónima de direito português, com sede e direção efetiva em território nacional, cujo objeto social consiste na gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas.
2.1.2. No exercício de 2015, a Requerente estava enquadrada no regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto nos art.º 69.º a 71.º do Código do CIRC, assumindo a qualidade de sociedade dominante, tendo a B... a qualidade de sociedade dominada.
2.1.3. A B... é uma sociedade comercial de direito português, cujo objeto social consiste na conceção, construção e exploração de redes de comunicações eletrónicas e dos respetivos equipamentos e infraestruturas, bem como na gestão de ativos tecnológicos próprios ou de terceiros e na prestação de serviços conexos.
2.1.4. A B... está enquadrada no CAE 61900, correspondente a “outras atividades de telecomunicações”.
2.1.5. Em sede de IRC, a B... dispõe de contabilidade organizada, sendo-lhe aplicável o regime geral de tributação.
2.1.6. A B... não apresentava a 31.12.2015 e a 28.12.2015, respetivamente, quaisquer dívidas tributárias ou à Segurança Social.
2.1.7. No exercício de 2015, a B... realizou um investimento de €8.361.937,97 (oito milhões trezentos e sessenta e um mil novecentos e trinta e sete euros e noventa e sete cêntimos) com vista à expansão das redes fixa e móvel nas regiões do Norte, Centro, Alentejo e arquipélagos dos Açores e da Madeira.
2.1.8. No exercício em questão, a B..., S.A. apurou benefícios fiscais, no montante global de €1.586.193,80 (um milhão quinhentos e oitenta e seis mil cento e noventa e três euros e oitenta cêntimos), ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”).
2.1.9. Nem a B... nem a Requerente inscreveram nas declarações de rendimento Modelo 22 de IRC do exercício de 2015 os benefícios fiscais, no montante total de €1.586.193,80 (um milhão quinhentos e oitenta e seis mil cento e noventa e três euros e oitenta cêntimos), acima referidos, não os tendo, por conseguinte, deduzido à coleta de IRC.
2.1.10. A Requerente – na qualidade de sociedade dominante – apresentou no dia 01.06.2018 reclamação graciosa do ato de autoliquidação de IRC do exercício de 2015.
2.1.11. A Requerente, com a reclamação graciosa a que se alude, em 02.01.2010, apresenta como cumpridos, oferecendo, quando pertinentes, os documentos comprovativos, os requisitos necessários à concessão do benefício.
2.1.12. A reclamação graciosa do ato de autoliquidação de IRC do exercício de 2015, por despacho de 30.07.2018, foi indeferida.
2.1.13. A razão do indeferimento da mencionada reclamação graciosa baseia-se única e exclusivamente na circunstância de não estar o CAE 61900 previsto na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro:
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base na apreciação crítica e valoração dos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.
3. Matéria de direito
3.1. Questão a decidir
Resulta do que acima se deixou dito que a questão a apreciar é, no fundo, a de saber se, à luz das normas aplicáveis, a atividade prosseguida pela B... – “outras atividades de telecomunicações”, correspondente ao CAE 61900 – é ou não elegível para o incentivo fiscal previsto nos art.º 22.º a 26.º do CFI (RFAI).
3.2. Desenvolvimento da questão de direito
3.2.1. O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) foi introduzido pela primeira vez pela Lei n.º 10/2009, de 10 de março, que, de acordo com o art.º 18.º, n.º 2, entrou em vigor a 1 de janeiro de 2009 - estipulando, no seu art.º 2.º que: “1 - O RFAI 2009 é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma atividade: a) Nos sectores agrícola, florestal, agroindustrial, energético e turístico e ainda da indústria extrativa ou transformadora, com exceção dos sectores siderúrgico, da construção naval e das fibras sintéticas, tal como definidos no art.º 2.º do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de agosto; b) No âmbito das redes de banda larga de nova geração”.
3.2.2. A mencionada Lei n.º 10/2009, de 10 de março foi posteriormente revogada pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de junho, que, de acordo com o art.º 10.º, entrou em vigor a 18 de junho de 2013 – o qual deu a seguinte redação ao art.º 27.º, n.º 1, do CFI: “O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma atividade nos sectores agrícola, florestal, agroindustrial e turístico e ainda da indústria extrativa ou transformadora, com exceção dos sectores siderúrgico, da construção naval e das fibras sintéticas, tal como definidos no art.º 2.º do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de agosto”, na altura o Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC). Entre 1 de janeiro de 2009 – data em que o RFAI foi introduzido na ordem jurídica portuguesa – e 17 de junho de 2013 – último dia antes da entrada em vigor da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de junho –, o RFAI era apenas aplicável às redes de banda larga de nova geração.
3.2.3. Este Decreto-Lei n.º 82/2013 foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro – que aprovou o novo Código Fiscal do Investimento (CFI) –, cuja redação é aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014. O mesmo tem como ponto de referência o novo Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), o Regulamento (UE) n. ° 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que, ao abrigo do art.º 109.º do TFUE, declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos art.º 107. ° e 108. ° do Tratado. Presentemente o RFAI integra o Capítulo III do CFI .
3.2.4. O RFAI é um instrumento de política fiscal que visa favorecer o investimento produtivo através da concessão de um conjunto de benefícios fiscais, como sejam uma dedução à coleta de IRC, a isenção/redução do Imposto Municipal sobre os Imóveis, a isenção/redução do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e a isenção do Imposto do Selo. O RFAI visa promover a competitividade da economia portuguesa – prioridade não só do Governo que aprovou o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, mas dos demais Governos anteriores e sucessores –, através do investimento em sectores que favoreçam a inovação. No preâmbulo deste diploma diz-se que o mesmo tem por objetivo a «promoção da competitividade e do investimento tem sido uma prioridade do Governo desde o início da legislatura».
3.2.5. Nos termos do art.º 22.º, n.º 1, do CFI: “O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do art.º 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC”.
3.2.6. Por sua vez, o art.º 2.º do CFI dispõe, no seu n.º 2 que «Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:
“a) indústria extrativa e indústria transformadora;
b) turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;
c) atividades e serviços informáticos e conexos;
d) atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;
e) atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;
f) tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia; g) defesa, ambiente, energia e telecomunicações;
h) atividades de centros de serviços partilhados”.
3.2.7. Logo a seguir, o n.º 3 estabelece que “Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior”.
3.2.8. O art.º 2.º n.º 2, do CFI identifica as atividades económicas que, em abstrato, são elegíveis para efeitos de RFAI. Verifica-se, assim, que se entre 18 de junho de 2013 – data do início de vigência da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de junho – e 31 de dezembro de 2013 – último dia antes da entrada em vigor da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro –, o RFAI não era aplicável às redes de banda larga de nova geração, nem a qualquer outra atividade incluída no sector das telecomunicações, é inegável que de 01.01.2014 – data do início de vigência da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro – em diante, o RFAI passou a ser aplicável, em abstrato, a todo o sector das telecomunicações.
3.2.9. No entanto, importa ter presente que o elenco de atividades constante do art.º 2.º n.º 2 do CFI não é exaustivo, pois que se diz que os projetos de investimento “devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas”. Por outro lado, observa-se que a sua concreta elegibilidade fica dependente, em concreto, do respeito pelo âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC, e da aprovação, por Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia, dos CAE correspondentes às atividades referidas.
3.2.10. À luz do presente quadro normativo, é pertinente questionar se o Governo é obrigado a especificar CAE correspondentes a todas as atividades elencadas art.º 2.º n.º 2 do CFI. No caso de que nos ocupamos, verifica-se que no âmbito do regime fiscal de apoios ao investimento, o teor literal das disposições em apreço, ao fazer alusão à elegibilidade dos projetos de investimento relacionados com as diferentes áreas de atividade, menciona expressamente a atividade de telecomunicações, seguindo-se a referida remissão genérica da definição dos CAE correspondentes para Portaria do Governo.
3.2.11. De tais dados normativos decorreria, aparentemente, ser o sector das telecomunicações elegível para efeitos do incentivo fiscal em apreço [cf. art.º 2.º, n.º 2, alínea g), do CFI]. No entanto, é indesmentível que a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, não define nenhum CAE correspondente às telecomunicações, colocando assim a questão de saber qual a margem de manobra de que o Governo disporia nesta matéria. Importa por isso indagar se, apesar de se reconhecer ao Governo alguma margem de manobra para escolher os CAE elegíveis, o mesmo podia deixar de escolher ao menos um CAE para cada um dos sectores económicos referidos no n.º 2 do art.º 2.º do CFI, excluindo por essa via o sector das telecomunicações.
3.2.12. Como se demonstrará a seguir, a resposta a esta questão deve ser de sentido positivo. Com efeito, para beneficiar dos incentivos estabelecidos no RFAI é necessário que os CAE que venham a ser especificados por Portaria respeitem o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC. Se não o fizerem, não serão aceites como válidos, à luz do direito da União Europeia, mesmo que digam respeito a atividades, como as telecomunicações, constantes do n.º 2 do art.º 2.º do CFI.
3.2.13. A remissão legal expressa para as OAR e o RGIC permite sustentar a presunção, de indiscutível relevância hermenêutica e metódica – que deve ser acolhida pelos tribunais nacionais – de que o Estado português quis acima de tudo, no exercício das suas competências legislativas e regulamentares, cumprir plenamente todas as obrigações resultantes do espírito e da letra das OAR e do RGIC. Aos tribunais nacionais caberá levar a cabo uma interpretação das normas do CFI e do RFAI que permita efetivar e otimizar, tanto quanto possível, o teor literal e o propósito dos referidos instrumentos europeus, tanto mais quanto é certo que isso resulta das próprias normas legais e regulamentares em causa .
3.2.14. A não inclusão de um CAE relativo às telecomunicações poderia parecer surpreendente tendo em conta a importância do sector nos planos de investimento da União Europeia e do país. Com efeito, a Agenda Digital apresenta uma relevância indiscutível, tanto a nível europeu como nacional. Como observa a Requerente, há poucos sectores económicos onde o investimento em inovação seja tão acentuado como no das telecomunicações. Em 2014 o mesmo terá produzido cerca de 1,6% do Valor Acrescentado Bruto (“VAB”) total em Portugal. Como é igualmente sublinhado pela Requerente, a aposta na economia digital não é apenas do Governo português, mas também da União Europeia. Veja-se, por exemplo, a comunicação da Comissão Europeia intitulada “Uma Agenda Digital para a Europa”, onde se lê:
“O objetivo desta agenda é definir um roteiro que maximize o potencial social e económico das TIC, com destaque para a Internet, um recurso fundamental da atividade económica e social […] o sector das TIC é diretamente responsável por 5% do PIB europeu, mas contribui em muito maior percentagem para o crescimento geral da produtividade (20% diretamente do sector das TIC e 30% dos investimentos nestas tecnologias). A razão prende-se com os altos níveis de dinamismo e inovação inerentes ao sector e com o papel que o sector desempenha na mudança do modo como outros sectores realizam as suas atividades […]. Há que fazer mais para garantir a implantação e o acesso à banda larga para todos, a débitos cada vez maiores, através não só das tecnologias fixas como também das sem fios, e facilitar o investimento nas novas redes Internet muito rápidas, abertas e concorrenciais, que serão as artérias da futura economia. A nossa ação deve concentrar-se no fornecimento dos incentivos adequados para estimular o investimento o privado.”.
3.2.15. O presente tribunal não contesta – nem tinha por que ou como fazê-lo – a importância estratégica do sector das telecomunicações/TIC para a economia europeia. No entanto, daí não resulta necessariamente que quando o legislador fiscal faz uma remissão genérica do RFAI para o art.º 2.º n.º 2 do CFI, onde se encontra uma referência ao sector das telecomunicações, isto signifique o sector e todo ele esteja necessariamente no âmbito objetivo do RFAI. Mas mesmo que fosse esse o entendimento do legislador, ele sempre teria que ser compatibilizado com o direito da União Europeia.
3.2.16. A centralidade das telecomunicações no quadro integração europeia é uma realidade indesmentível há várias décadas. A Comunidade Económica Europeia, por iniciativa da Comissão, começou a interessar-se ativamente pela eletrónica, a inovação e as telecomunicações principalmente nos anos 80 do século XX, vendo nelas um sector estratégico para o desenvolvimento tecnológico e o crescimento económico. As telecomunicações subsistiam, então, num contexto fortemente dominado por monopólios nacionais . O principal objetivo da Comissão – em boa medida impulsionado pelas políticas de desregulação levadas a cabo pelos Estados Unidos nos anos 80 – consistia em reduzir os “custos da não-Europa” no sector das telecomunicações, incentivando a investigação e o desenvolvimento, definindo standards técnicos e infraestruturais à escala europeia e abrindo o sector à iniciativa e concorrência de empresas privadas . O acento tónico era colocado em temas como liberalização, privatização, desregulação e controlo dos abusos de posição dominante e das concentrações .
3.2.17. O simples facto de a União Europeia mostrar ainda hoje um forte interesse no desenvolvimento do sector das telecomunicações não implica necessariamente uma autorização genérica à concessão de auxílios de Estado ao mesmo. Pelo contrário, o desenvolvimento do sector depende, acima de tudo, da garantia da concorrência não falseada – nomeadamente em matéria de monopólios públicos ou auxílios de Estado. Exatamente porque o sector das telecomunicações é, desde há várias décadas, considerado estratégico a nível europeu é que a livre concorrência, sem distorções, deve ser a regra e os auxílios de Estado devem ser a exceção .
3.2.18. Isso não significa que não possa haver alguma margem para auxílios de Estado no domínio das telecomunicações. No entanto, o curso de ação a adotar não fica inteiramente na disponibilidade dos Estados-Membros. As autoridades europeias têm incentivado os Estados-Membros a garantir a implantação e o acesso à banda larga para todos – a débitos cada vez maiores –, através de estímulos ao investimento privado. Fazem-no, contudo, de acordo com os princípios estabelecidos em matéria de livre concorrência no mercado interno, nos art.º 107.º a 109.º do TFUE e no direito secundário que procede à respetiva execução e concretização , de entre os quais assume centralidade o princípio da proibição de auxílios (Beihilfenverbot) .
3.2.19. Nos termos do art.º 3.º do Tratado da União Europeia (TUE), o estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno integra a reserva de competência exclusiva da União Europeia . Aí se situam as normas que disciplinam os auxílios de Estado, concretizando os art.º 107.º a 109.º do TFUE. De acordo com o art.º 2.º n.º 1 do TFUE, em matérias de competência exclusiva da UE, só esta pode legislar e adotar atos juridicamente vinculativos, cabendo aos Estados-Membros apenas legislar quando habilitados pela UE ou a fim de dar execução a atos da União. Isso significa que toda a legislação e regulamentação nacional nestas matérias mais não pode fazer do que executar as normas europeias. É neste contexto institucional e normativo que devem ser interpretados e aplicados o CFI, o RFAI e a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro.
3.2.20. Em matéria de auxílios de Estado, vigora não apenas o princípio geral da primazia do direito da União Europeia – com o seu corolário mais restrito da primazia de aplicação – mas também o do respeito pelo esquema de repartição das competências entre a União e os Estados-Membros definido pelos Tratados. Neste domínio vigora o princípio da cooperação leal (v.g. art.º 4.º n.º 3 do TUE), - a refração europeia do princípio pacta sunt servanda – segundo o qual os Estados-Membros devem adotar todas as medidas que permitam o cumprimento das obrigações que decorram do direito primário e secundário da União Europeia e abster-se de todas as condutas que ameacem a prossecução dos objetivos da União.
3.2.21. O princípio da cooperação leal implica, nomeadamente, o dever de cada Estado-Membro emanar, interpretar e aplicar todos os atos jurídicos – normativos e individuais – de maneira a garantir a plena vigência e a eficácia do direito da União Europeia . Ao legislador nacional (parlamentar ou executivo) e à administração cabe executar as normas juridicamente vinculativas emanadas pelas instituições europeias competentes e abster-se de as violar, sob pena de o Estado incorrer em infração ao direito da União Europeia e em responsabilidade.
3.2.22. Aos órgãos jurisdicionais nacionais, na sua qualidade de tribunais europeus em sentido amplo, incumbe assegurar a plena efetividade das normas jurídicas europeias, devendo desaplicar o direito nacional que lhes seja contrário ou, sempre que isso seja possível, interpretá-lo e aplicá-lo em conformidade com o direito da União Europeia. Por outras palavras, o direito nacional só deve ser desaplicado quando a sua interpretação e aplicação em conformidade com o direito da União Europeia não for possível.
3.2.23. Nisso se consubstanciam os princípios, intimamente relacionados, da primazia de aplicação do direito da União Europeia e da interpretação do direito nacional em conformidade com o direito da União Europeia. Se aquele se preocupa com a existência de contradições entre o direito nacional e o direito da União Europeia no plano normativo, já este se situa no plano interpretativo, excluindo uma interpretação do direito nacional que, ainda que compatível com o respetivo teor literal, se revele incompatível com o direito da União Europeia.
3.2.24. Uma norma nacional que possa ser interpretada e aplicada em conformidade com o direito da União Europeia permanece aplicável. Rejeitada será apenas a interpretação que se revele incompatível com ele. Por seu lado, o princípio da primazia de aplicação conduz à desaplicação das normas nacionais que se revelem de todo incompatíveis com o direito da União Europeia . O dever de interpretação europeia do direito nacional aplica-se a todas as suas normas, independentemente de saber se as mesmas tiveram por objetivo a efetivação do direito da União Europeia .
3.2.25. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) fala, a este propósito, de uma obrigação geral de interpretação do direito nacional em conformidade com o direito da União Europeia imanente ao respetivo direito primário . Este princípio requer que essa interpretação tenha em consideração, não apenas o sentido de cada um dos atos normativos nacionais isoladamente considerados, mas que adote uma perspetiva global acerca da relação que eles estabelecem uns com os outros e com o direito da União Europeia . Isso significa, no caso, que a interpretação em conformidade com o direito da União Europeia das normas constantes do art.º 112º da Constituição, do CFI, do RFAI e da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, deve ter em conta a relação normativa que os mesmos diplomas estabelecem entre si e com as OAR, o RGIC e os art.º 107.º a 109.º do TFUE.
3.2.26. Na medida em que dizem respeito à matéria europeia dos auxílios de Estado, tanto o CFI, como o RFAI, nele contido, e a Portaria n.º 282/2014, devem ser considerados, acima de tudo, como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nas OAR, no RGIC e nos art.º 107.º a 109.º do TFUE, traduzindo as correspondentes limitações à soberania orçamental e fiscal nacional. Ou seja, longe de se ver a Portaria n.º 282/2014 como norma de execução apenas do n.º 2 do art.º 2.º do CFI, deve-se ler-se a Portaria n.º 282/2014 e o n.º 2 do art.º 2.º do CFI como normas de execução e concretização dos princípios e regras da OAR e do RGIC, sempre em conformidade com os art.º 107.º a 109.º do TFUE .
3.2.27. Neste contexto, importa ter presentes as “Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR)” , onde a Comissão deixa bem claras as diretrizes que devem ser seguidas neste domínio:
“Os auxílios com finalidade regional só podem desempenhar um papel eficaz se forem empregues com parcimónia e de forma proporcionada e se concentrarem nas regiões mais desfavorecidas da União Europeia”.
E esclarece-se ainda:
“A importância atribuída aos efeitos positivos do auxílio é suscetível de variar em função da derrogação ao art.º 107.º n.º 3, do Tratado aplicada, pelo que pode ser aceite uma maior distorção da concorrência no caso das regiões mais desfavorecidas abrangidas pelo art.º 107.º, n.º 3, alínea a) , do que no das abrangidas pelo art.º 107.º, n.º 3, alínea c)”
3.2.28. Um pouco mais adiante, a OAR refere-se especificamente a área da banda larga, sem nunca ir ao ponto de referir expressamente a área das telecomunicações no seu todo, dizendo:
“1. ÂMBITO DE APLICAÇÃO E DEFINIÇÕES
1.1. Âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional
10. Os auxílios ao investimento com finalidade regional a redes de banda larga podem ser considerados compatíveis com o mercado interno se, para além das condições gerais estabelecidas nas presentes orientações, respeitarem também as seguintes condições específicas: i) os auxílios são concedidos apenas a regiões onde não existem redes da mesma categoria (quer de banda larga de base quer NGA) e onde nenhuma é suscetível de ser desenvolvida no futuro próximo; ii) o operador de rede subvencionado oferece acesso ativo e passivo por grosso em condições equitativas e não-discriminatórias com a possibilidade de desagregação eficaz e total; iii) os auxílios devem ser atribuídos com base num processo de seleção concorrencial em conformidade com o ponto 78, alíneas c) e d), das Orientações relativas a redes de banda larga”.
3.2.29. Nesta linha, o Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão na sua Secção 10, prevê a concessão de auxílios a infraestruturas de banda larga. Mas em lugar algum se vislumbra uma autorização genérica aos auxílios de Estado no sector das telecomunicações. Na verdade, mesmo no que toca especificamente aos investimentos no domínio da banda larga, o Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, é bastante restritivo. Aí se diz, entre outras coisas, que
“são elegíveis os custos investimento para a instalação de uma infraestrutura de banda larga passiva, obras de engenharia civil relacionadas com a banda larga, instalação de redes de banda larga básica e instalação de redes de acesso da nova geração («NGA»).”
3.2.30. Acrescenta-se, além do mais, que o investimento deve estar localizado em zonas onde não existam infraestruturas da mesma categoria (redes de banda larga básica ou redes NGA), nem seja provável que esse tipo de infraestrutura venha a ser desenvolvido em condições comerciais no prazo de três anos a contar do momento da publicação da medida de auxílio planeada, o que deve igualmente ser objeto de verificação através de uma consulta pública aberta. Também se dispõe, por exemplo, que os auxílios devem ser concedidos com base num processo de seleção aberto, transparente e não discriminatório respeitando o princípio da neutralidade tecnológica .
3.2.31. O RGIC, como sucede com os demais regulamentos da União Europeia, contém normas gerais e abstratas vigentes em toda a União Europeia, tendo valor de lei em sentido material nas ordens jurídicas dos Estados-Membros, gozando de primazia sobre o direito interno e vinculando juridicamente os particulares . Ele é obrigatório em todos os seus elementos (v.g. forma, fins, meios) e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros, não necessitando de incorporação no direito interno ou interposição legislativa ou regulamentar nacional. Na verdade, qualquer tentativa de incorporação ou interposição diante de um regulamento da UE pode ser mesmo ilegal, a menos que seja por ele expressa ou implicitamente requerida . Ele está pronto para ser devidamente interpretado, executado e aplicado aos casos concretos.
3.2.32. Importa sublinhar que o CFI e, dentro dele, o RFAI contêm normas de incidência fiscal onde se faz sentir uma forte caracterização europeia. Daqui resulta que os cânones hermenêuticos e metódicos relevantes para a sua interpretação e aplicação devem ser procurados não necessariamente no direito constitucional ou no direito civil – como uma abordagem clássica do problema deixaria antever – mas no próprio direito da União Europeia, sempre relevante quando se esteja diante de normas nacionais que pretendam executar ou concretizar as suas disposições ou constituam uma ameaça à sua primazia. No caso concreto, o CFI e o RFAI devem ser interpretados em conformidade com as políticas públicas europeias e as correspondentes normas sobre auxílios de Estado.
3.2.33. Os art.º 107.º a 109.º do TFUE, relativos aos auxílios de Estado, constituem uma trave mestra do direito da concorrência que, juntamente com as liberdades fundamentais de circulação de trabalhadores, mercadorias, serviços e capitais, estrutura o mercado interno. Os mesmos procuram criar um quadro normativo que responda à tendência dos Estados-Membros para concederem benefícios a empresas locais ou de maneira a atrair empresas de fora, favorecendo determinados concorrentes, sectores ou regiões, tendo em vista criar ou manter postos de trabalho.
3.2.34. Ainda que as liberdades fundamentais fossem asseguradas e fossem proibidos os acordos entre empresas, os abusos de posição dominante e as contrações, isso de pouco ou nada aproveitaria – como salvaguarda do mercado interno – se os Estados-Membros tivessem uma ampla liberdade para concederem auxílios a empresas, sectores ou regiões. Por outras palavras, a União Europeia nunca se tornaria um mercado interno .
3.2.35. Porque assim é, o direito da União Europeia desenvolveu um conceito amplo de auxílio de Estado. O art.º 107.º n.º 1 do TFUE dispõe:
“1. Salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.”.
3.2.36. Estabelece-se assim uma regra geral de incompatibilidade dos auxílios com o direito da União Europeia, adotando-se conceitos amplos de “auxílio de Estado”, “auxílio” e “Estado”, de maneira a abranger todas as modalidades de utilização de recursos públicos . Esta orientação desconsidera a forma e o nome do auxílio, a estrutura institucional através da qual ele é concedido. A mesma não exige que haja uma distorção direta e atual da concorrência, contentando-se com o caráter indireto ou potencial da mesma. Semelhante conceito amplo resulta naturalmente de uma leitura teleológica e sistemática das normas de direito da concorrência que estruturam o mercado interno .
3.2.37. Neste sentido, a definição dos CAE pela Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, não é meramente executiva e complementar do art.º 2.º nº 2 do CFI. Ela constitui, acima de tudo, e em articulação com o CFI, um instrumento de execução e concretização das orientações relativas aos auxílios de Estado com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC, estando em última análise sujeita aos art.º 107.º a 109.º do TFUE . Este entendimento deve ser articulado com o designado princípio-cascata (Kaskadenprinzip), válido no âmbito do sistema jurídico europeu, segundo o qual, numa série de atos hierárquico-normativamente estruturados, os atos jurídicos normativamente superiores determinam o sentido da interpretação e aplicação dos atos jurídicos que lhes estejam imediatamente subordinados .
3.2.38. Assim se compreende que o Governo se possa abster de especificar CAE relativamente às atividades elencadas no art.º 2.º n.º 2 do CFI – sem que se possa falar de ilegalidade por omissão – se a isso se opuserem as orientações relativas aos auxílios de Estado com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC, expressamente referidas nesse mesmo artigo, estando a atividade do legislador e da administração nacionais em última análise sujeitas aos art.º 107.º a 109.º do TFUE. O parâmetro de controlo da legalidade negativa e positiva da atuação do Governo na especificação dos CAE é dado, não apenas pelo CFI e pelo RFAI, mas também, a acima de tudo, pelo direito da União Europeia que os mesmos visam observar, executar e concretizar.
3.2.39. Do que se trata, em última análise, não é apenas de assegurar que a Portaria n.º 282/2014 executa o art.º 2.º n.º 2 CFI, mas sim de garantir que tanto o art.º 2.º n.º 2 do CFI como a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, se conformam com o sentido, o alcance e os limites do regime jurídico da União Europeia sobre auxílios de Estado, que vinculam os poderes legislativo, executivo e judicial dos Estados-Membros. Mais importante do que garantir o sentido útil das normas legais, é assegurar que nem as normas legais nem as disposições regulamentares sejam interpretadas e aplicadas com um sentido contrário aos objetivos normativos do direito da União Europeia.
3.2.40. No caso em apreço, de modo algum se pode concluir que a não inclusão de nenhum CAE correspondente à atividade de telecomunicações significa que todos se devem considerar incluídos, ainda que implicitamente, alargando o RFAI a toda a matéria respeitante às telecomunicações (v.g. com fio, sem fio, satélite) e não apenas à banda larga. Diante da natureza excecional os auxílios de Estado, tal como resulta claramente do TFUE, das OAR e do RGIC , dificilmente se poderia sustentar que a inexistência de uma previsão de CAE para o sector das telecomunicações deixaria presumir que todos os CAE a ele correspondentes se encontram incluídos. Pelo contrário, como se viu anteriormente, mesmo a aceitação de auxílios de Estado no domínio específico da banda larga se apresenta fortemente condicionada.
3.2.41. O art.º 22.º n.º 1 do RFAI, ao declarar o respetivo regime aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do art.º 2.º do CFI, tendo em consideração os CAE a definir pela portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, exceciona expressamente as atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC. Ou seja, o próprio teor literal do art.º 2.º n. º 2 e n.º 3 do CFI coloca a definição dos CAE sob reserva de conformidade com o direito da União Europeia e de decisão dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia. Daí que não se possa dizer, em caso algum, que exista uma expectativa digna de tutela de que sejam definidos CAE que não se enquadrem devidamente nas OAR e no RGIC.
3.2.42. Estes membros do Governo, tendo assento e participação ativa no Conselho da União Europeia e no Conselho de Ministros, o legislador executivo nacional, encontram-se numa posição de adequação institucional privilegiada para poderem conformar, conhecer, interpretar e aplicar corretamente o direito as normas europeias sobre auxílios de Estado, especificando os CAE da maneira que melhor sirva o interesse nacional e esteja em conformidade com o espírito e a letra do art.º 107.º do TFUE, das OAR e do RGIC, prevenindo situações de violação dos Tratados e responsabilidade.
3.2.43. Assim, não se está perante uma transferência de competências legislativas para funcionários administrativos de baixo estalão, pondo em causa o entendimento clássico o princípio da separação de poderes, na medida em que os membros do governo referenciados, para além de estarem vinculados por um padrão normativo supranacional, integram não apenas o legislador executivo nacional, mas também – num quadro institucional europeu caracterizado pelo desdobramento funcional – o Conselho, a instituição a quem o TFUE atribui, acima mesmo da Comissão, a função político-económica europeia de garantia de que os auxílios concedidos pelos Estados-Membros não falseiam as condições de concorrência no mercado interno .
3.2.44. Acresce que embora o TJUE e a Comissão tenham, respetivamente, um papel definitivo e decisivo no controlo dos auxílios de Estado, deve advertir-se que a Comissária da Concorrência Margarethe Vestager tem vindo a chamar a atenção para a importância crescente e cada vez mais exigente da atuação dos Estados-Membros na salvaguarda da integridade do mercado interno e no controlo preventivo dos auxílios de Estado – à semelhança do que sucede noutros domínios do direito europeu da concorrência –, destacando o papel que deve ser desempenhado pela administração económica e tributária , numa ótica de responsabilidade partilhada e cooperação institucional.
3.2.45. Em face do exposto, uma interpretação não formalista das normas pertinentes, atenta à substância da realidade material e institucional, dificilmente permitirá sustentar que o art.º 2.º n.º 2 e n.º 3 do CFI procede a uma verdadeira e própria deslegalização da matéria aí tratada, em termos que o art.º 112.º n.º 5 da CRP – com as correspondentes exigências de legalidade e tipicidade – visa proscrever. O que se passa efetivamente é que aquele preceito remete os membros do executivo responsáveis pela definição dos CAE para um padrão normativo supranacional dotado de primazia normativa sobre a legislação e a regulamentação nacional.
3.2.46. Importa ter presente que uma lei deslegalizadora cumpre, a um tempo, uma função de abaixamento de grau, mediante a revogação da disciplina jurídica existente, e uma função de devolução/autorização da disciplina material por regulamento administrativo. Ora, no caso concreto, nenhuma dessas funções está realmente presente. O art.º 2.º n.º 2 e n.º 3 do CFI, ao apontar para as OAR e o RGIC, remete expressamente para um grau normativo superior e para uma disciplina material pré-existente, dotada de primazia e de vinculatividade direta relativamente a todos os Estados da União, não se podendo falar de deslegalização para efeitos do art.º 115.º n.º 5 da CRP. Por outras palavras, o preceito em apreço não visa promover a adoção de uma disciplina inovadora ou contrária a uma anterior normação de nível superior, mas sim impedir a sua ocorrência.
3.2.47. Ao remeter expressamente a atividade de definição dos CAE para as OAR e o RGIC, o n.º 2 e n.º 3 do art.º 2.º do CFI, longe de estar a admitir a retração do domínio da lei , está simplesmente a reconhecer e a efetivar a primazia normativa do direito da UE nesta matéria – a par do correspetivo carácter subordinado da legislação e regulamentação nacional – e, bem assim, o dever que impende sobre os Estados-Membros, num quadro de cooperação leal, de prevenir e reprimir quaisquer distorções ao funcionamento concorrencial do mercado interno potencialmente geradoras de infração e responsabilidade.
3.2.48. Esse dever – inerente ao princípio da efetividade do direito da União Europeia – encontra expressão no art.º 8.º n.º 4 da CRP, segundo o qual “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.” Considerando que estes princípios fundamentais estão hoje amplamente consagrados e consolidados no TUE, no TFUE e na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, é nestes e à luz destes instrumentos, e no quadro do sistema normativo e institucional por eles estruturado – e não no âmbito do direito nacional – que devem ser discernidos os critérios últimos de interpretação, aplicação e efetivação do direito secundário da UE e do direito nacional a eles subordinado, não se podendo por isso assacar qualquer inconstitucionalidade à Portaria n.º 282/2014. A mesma atua dentro da margem de discricionariedade que foi cometida ao Governo, plenamente enquadrada pelo art.º 2.º n. º2 do CFI, pelas OAR, pelo RGIC e, como veremos no ponto seguinte, pela pertinente Lei de Autorização.
3.2.49. Acerca do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, que aprova o CFI, sendo um decreto-lei autorizado, e por esse motivo materialmente condicionado, mais facilmente se poderia dizer que padece do vício de excesso de autorização , já que a respetiva lei delegante, a Lei n.º 44/2014, de 11 de julho, nenhuma referência faz ao sector das telecomunicações. Faz referência sim, logo no art.º 1.º, quando cuida do seu objeto, à necessidade de aprovar um novo CFI que se adapte “às novas regras europeias aplicáveis em matéria de auxílios de Estado para o período 2014 -2020”.
3.2.50. No n.º 2 do seu art.º 2.º, dispõe a Lei n.º 44/2014, de 11 de julho, que a autorização tem como sentido e extensão adaptar o regime às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente às disposições constantes do RGIC – onde não se mencionam as telecomunicações – e às regras previstas no mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional. Este aparente excesso de autorização reveste-se de grande importância, na medida em que nos situamos num domínio – o dos auxílios de Estado – onde a atuação do legislador nacional se deve limitar a assegurar a efetividade do direito da União Europeia, não podendo ser legitimadas quaisquer expectativas de sentido contrário. No caso concreto, torna-se ainda mais premente a interpretação das normas jurídicas relevantes no seu todo em conformidade com o direito da UE.
3.2.51. O princípio hermenêutico da conformidade funcional, à luz do qual as normas constitucionais e legais devem ser interpretadas e aplicadas de maneira a não subverter ou perturbar o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido , deve ser hoje redimensionado de forma a incluir a interdependência orgânica, funcional e pessoal que se estabelece entre as instituições europeias e os órgãos constitucionais de soberania nacionais e a repartição de competências entre a União Europeia e os Estados-Membros.
3.2.52. Importa salientar, como se mencionou há pouco, que os membros do Governo responsáveis pela aprovação da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro integram pessoalmente o Conselho de ministros da União Europeia , instituição que participa ativamente no exercício do poder legislativo, delegando poderes normativos na Comissão , estando nessa qualidade obrigados – como decorre, além do mais, do princípio da cooperação leal consagrado no art.º 4º n.º 3 do TUE – à adequada observância e execução das normas legais e regulamentares da União Europeia, sob pena de responsabilidade do Estado, sem que possam invocar as normas constitucionais e legais internas como impedimento para o fazerem.
3.2.53. Semelhante posição afigura-se a única compatível com a força normativa do direito primário e secundário da UE, incluindo os respetivos regulamentos . Servindo estes, em primeira linha, uma função de unificação das normas jurídicas à escala europeia , compreende-se que, quando claras e determinadas, as respetivas normas sejam imediatamente operativas na ordem jurídica dos Estados-Membros, sem lei, contra a lei e em vez da lei. Os Estados-Membros, no exercício das suas competências legislativas, administrativas e jurisdicionais, devem procurar assegurar a uniformidade e efetividade da sua interpretação e aplicação, em articulação com as instituições europeias, abstendo-se de incorrer em infrações do direito da União Europeia, sem prejuízo do controlo a posteriori da Comissão e o TJUE.
3.2.54. No caso em discussão, não se torna necessário desaplicar o art.º 2.º n.º 2 do CFI e a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, visto ambos exprimirem inequivocamente a subordinação da concessão dos auxílios às OAR e ao programa normativo do RGIC, em conformidade com o art.º 107.º do TFUE. O art.º 2.º n. 2 do CFI afirma-se expressamente como instrumento de execução do RGIC e é nesse mesmo contexto de execução que o n.º 3 anuncia a emissão de uma Portaria para a definição dos CAE.
3.2.55. O art.º 2.º n.º 2 do CFI e a Portaria n.º 282/2014, não padecendo de qualquer inconstitucionalidade, podem e devem ser objeto de interpretação e aplicação em conformidade com o Direito da UE, devendo por conseguinte dar-se por validamente efetuada e suficientemente fundamentada , respetivamente, a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) do exercício de 2015 (relativa à Modelo 22 de IRC identificada com o n.º 3344-C5630-16) e a decisão da AT de indeferimento da reclamação graciosa apresentada .
4. Decisão
Termos em que, por maioria, o presente Tribunal:
A) Julga a presente ação improcedente, por não provada, absolvendo a Requerida dos pedidos, com as demais consequências legais;
B) Mantém no ordenamento jurídico a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) do exercício de 2015 (relativa à Modelo 22 de IRC identificada com o n.º...) e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
5. Valor do processo
Quando seja impugnado um ato de liquidação, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende, que corresponde à utilidade económica do pedido. Assim, de harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.586.193,80 (um milhão quinhentos e oitenta e seis mil cento e noventa e três euros e oitenta cêntimos), montante que a Requerente indicou como valor da causa e que não foi contestado pela Requerida.
6. Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €21.114,00 (vinte e um mil cento e catorze euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar pela Requerente.
Lisboa, 23 de maio de 2019
Os Árbitros
(José Baeta de Queiroz – vencido, conforme voto junto)
(Nuno Pombo)
(Jónatas Machado)
Voto de Vencido
Subscrevemos quase na íntegra o solidamente arquitectado discurso fundamentador da presente decisão, designadamente, na interpretação que faz do direito da União Europeia, e no modo como traça o seu relacionamento com o direito nacional.
Só a não acompanhamos no segmento em que dá resposta afirmativa à questão que a si mesmo se coloca: podia o Governo, no exercício do seu poder regulamentar, “deixar de escolher ao menos um CAE para cada um dos setores económicos referidos no n.º 2 do artigo 2.º do CFI, excluindo por essa via o setor das telecomunicações”?
Esta resposta afirmativa afigura-se a pedra basilar em que assenta a conclusão segundo a qual são legais os actos atacados pela Requerente; o que, a nosso ver, não acontece.
A nossa dissidência com o entendimento maioritário estriba-se na concepção que perfilhamos do papel dos órgãos jurisdicionais, incluindo os tribunais arbitrais, num processo como o presente.
O processo de impugnação judicial está previsto na alínea a) do artigo 101º da Lei Geral Tributária e é regulado pelos artigos 99º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Mostra o artigo 124º nº 1 deste diploma que o processo visa a declaração de inexistência ou nulidade ou anulação do acto impugnado.
No mesmo sentido aponta o artigo 2º nº 1 alínea a) do RJAT: a pretensão a apreciar é “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (…)”.
Não obstante a reforma do contencioso administrativo e fiscal (sobretudo, daquele) iniciada pela lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, bem pode continuar a dizer-se que processos como o presente são processos dirigidos contra um acto.
Significa isto que os tribunais apreciam a legalidade dos actos praticados pela Administração, mantendo-os se verificarem essa legalidade, ou declarando-os inexistentes, ou nulos, ou anulando-os, se concluírem pela sua ilegalidade.
Não lhes cabe apontar como devia a Administração ter procedido, nem como deverá proceder se entender e puder praticar novo acto substitutivo. Menos como devia o legislador ter disposto, ou como devia o regulamentador ter regulamentado.
Nem podem os órgãos jurisdicionais, incluindo os tribunais arbitrais, decidir segundo a equidade, estando vinculados a julgar segundo o direito constituído – nº 2 do artigo 2º do RJAT.
No presente caso, são atacados um acto de autoliquidação e um acto decisório da correspondente reclamação graciosa.
O acto de autoliquidação, não sendo, originariamente, praticado pela Administração, foi assumido por ela como seu, ao mantê-lo, mediante o indeferimento da dita reclamação.
Objecto imediato do processo é, pois, a decisão de indeferimento da reclamação, e objecto mediato é o acto de liquidação por ela conservado.
Devendo o tribunal verificar a legalidade dos ditos actos, importa atentar na sua fundamentação contemporânea, deles constante, não podendo atender a qualquer fundamentação que posteriormente seja aduzida, porque tal fundamentação é alheia ao acto, não o integra, não beneficia nem prejudica a sua perfeição.
Como consta da matéria de facto provada, a Administração baseou a sua decisão “única e exclusivamente na circunstância de não estar o CAE 61900 previsto na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro”.
Aplicou, pois, a dita portaria, que regulamenta o CFI e, nesta medida, também este diploma legal foi aplicado.
Na presente decisão não se identificou incompatibilidade concreta da legislação nacional, designadamente, do RFAI ou do CFI, relativamente ao direito da União. Nem na portaria 282/2014, que pretende regulamentar o CFI, foi achado desrespeito por princípios do direito europeu ou o direito constituído.
Deste modo, não se recusou a sua aplicação, como haveria de fazer-se se o tribunal descortinasse contrariedade com o direito europeu, por força do seu primado.
Repetindo: não se trata, para este tribunal, de averiguar se a actividade da Requerente deve ou não, face aos direitos europeu e nacional, gozar do incentivo fiscal por ela pretendido. O tribunal também se não pode substituir à AT, reconhecendo ou concedendo um incentivo fiscal. Nem sequer está nos seus poderes dar indicação sobre se ela o deve reconhecer ou conceder.
Ao órgão jurisdicional só compete avaliar se é legal ou ilegal a decisão da AT posta em crise, com os fundamentos que a alicerçaram.
Ora, se o legislador nacional nos diz, no artigo 2º nº 2 do CFI, que podem gozar do incentivo fiscal algumas actividades de telecomunicações; se tal não está em colisão, nem com o TFUE, designadamente, os seus artigos 107º a 109º, nem com o Regulamento UE 651/2014, da Comissão, de 16/06, nem com as orientações relativas aos auxílios com finalidade regional, nem com o RGIC, não podia o Governo, no exercício da sua actividade regulamentar, eliminar completamente esse incentivo, ao não incluir, na portaria 282/2014, nenhum CAE 61 (actividades de telecomunicações).
Não importa dizer se o CAE 61900, respeitante à actividade económica da Requerente, devia, de acordo com o TFUE, o apontado Regulamento, as OAR e o RGIC, ter sido incluído ou excluído pela portaria.
É verdade que, se o não fosse, ela não podia almejar o incentivo fiscal que persegue.
Mas isso não é relevante, porque do que se trata aqui é da ilegalidade da portaria, que se transmite ao acto que nela se fundamentou.
É certo que, ao não incluir nenhum CAE, ela não afrontou princípios ou normas do direito da UE.
Diga-se, a propósito, que a questão da compatibilidade ou incompatibilidade da portaria em causa com o direito europeu se colocaria com outra pertinência se ela referisse o CAE 61900. Não o incluindo na sua previsão, não poderia nunca ser contrária ao direito europeu, cujo carácter é, aliás, fortemente restritivo.
Noutra perspectiva: a convocação do quadro legal europeu, relevante por se estar face a um auxílio do Estado, seria imprescindível se devêssemos decidir se esse auxílio devia ou não ser concedido à Requerente, ou se a Administração o tivesse deferido.
Mas deixa de ser essencial num processo em que se afere da legalidade de um acto administrativo que nenhum auxílio atribuiu.
A questão central coloca-se, portanto, no campo da compatibilidade da dita portaria com o direito interno.
Ora, como já se adiantou, a portaria, não referindo nenhum CAE 61, desrespeitou o diploma legal que lhe cumpria executar, constrangendo a sua força normativa, ao excluir do seu âmbito as actividades de telecomunicações. Se o não derrogou totalmente, restringiu a sua aplicação, derrogando-o em parte. Ao ficar aquém do texto legal, ignorando uma parte dele, o regulamentador foi além dos poderes de que dispunha, os quais não incluíam poderes revogatórios da lei.
Pode entender-se que, deste modo, a portaria invadiu a reserva de competência que é atribuída à Assembleia da República pelos artigos 103º nº 2 e 165º nº 1 alínea i) da Constituição da República Portuguesa, enfermando, por isso, de inconstitucionalidade.
Propendemos, todavia, para entender que a actividade regulamentadora, sendo, necessariamente, mediada pela lei, não é susceptível de entrar em colisão directa com a Constituição e é, antes de inconstitucional, ilegal.
E, se é ilegal a portaria, fundamento único dos actos em apreço, ilegais são eles, pelo que, em nosso entender, deviam ser anulados.
(José Baeta de Queiroz)