DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. No dia 10 de fevereiro de 2019, a sociedade comercial A..., S. A., NIPC..., com sede no..., ..., ... (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à:
- Declaração de ilegalidade e anulação das seguintes decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa e liquidações de Imposto do Selo (IS): (i) decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa n.º ...2018..., proferida pelo Diretor-Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação, por despacho de 20.11.2018, relativa ao ato tributário consubstanciado na liquidação de IS n.º..., no valor de € 15.097,50, que incidiu sobre a propriedade do prédio urbano sito na freguesia de ..., concelho de Oeiras, inscrito na matriz predial sob o artigo..., com referência ao ano de 2014; (ii) decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa n.º ...2018..., proferida pelo Diretor-Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação, por despacho de 20.11.2018, relativa ao ato tributário consubstanciado na liquidação de IS n.º..., no valor de € 15.097,50, que incidiu sobre a propriedade do prédio urbano sito na freguesia de..., concelho de Oeiras, inscrito na matriz predial sob o artigo..., com referência ao ano de 2015;
- Restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos.
A Requerente juntou 5 (cinco) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
Como resulta do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente faz assentar a impugnação dos atos tributários controvertidos, sumariamente, no seguinte:
A Requerente entende que as liquidações de Imposto do Selo devem ser anuladas, por manifesta ilegalidade, mas também em face da inconstitucionalidade das correspondentes normas de tributação, se interpretadas e aplicadas da forma como o faz a AT.
Segundo a Requerente, o facto tributário gerador do Imposto do Selo sobre os terrenos para construção é constituído por três pressupostos cumulativos, a saber: a titularidade do direito real sobre o prédio; o valor patrimonial tributário do prédio; e uma edificação autorizada ou prevista para habitação. Assim, essa tributação apenas teria lugar nas situações em que tivesse sido autorizada ou prevista a efetiva edificação do terreno e que tal edificação se destinasse a habitação; por isso, contrariamente ao entendimento da AT, a mera inscrição matricial dos prédios como “terreno para construção” não podia jamais legitimar a aplicação da verba 28 da TGIS.
Nesta conformidade, a Requerente propugna que, para a aplicar a verba 28.1 da TGIS, seria sempre necessária a existência de um processo administrativo associado à construção e uma licença/autorização de construção válida e um projeto aprovado, sendo que o mesmo se deveria destinar a habitação. A Requerente prossegue dizendo que o facto de um terreno para construção estar inserido numa área em que, segundo o respetivo PDM, é possível construir e que tais construções podem ser destinadas a habitação, não pode gerar, por si só, a aplicação da verba 28.1 da TGIS; neste contexto, resulta evidente para a Requerente que a mera expectativa de, num terreno, vir a ser edificado um prédio urbano com afetação habitacional, não era suficiente para caracterizar o mesmo como “terreno para construção" e para, consequentemente, configurar um facto tributário subsumível na verba 28.1 da TGIS.
A Requerente afirma, sequentemente, que a intenção expressa do legislador foi no sentido de a tributação prevista na verba 28.1 da TGIS ser apenas aplicável a "terrenos para construção" nas situações em que existisse uma "edificação, autorizada ou prevista, para habitação". Ora, diz a Requerente, o prédio em causa neste processo não tinha, nos anos 2014 e 2015, uma "edificação, autorizada ou prevista" para "habitação", conforme expressamente exigido pela verba 28.1 da TGIS, pelo que não estando verificados os correspondentes pressupostos legais, nunca poderia ter sido aplicada in casu a tributação consagrada na verba 28.1 da TGIS.
Resulta assim evidente – nas palavras da Requerente – que as liquidações de Imposto do Selo controvertidas se afiguram manifestamente ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo as mesmas ser prontamente anuladas, o mesmo sucedendo quanto aos atos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa.
A título subsidiário, a Requerente alega que a tributação prevista na verba 28.1 da TGIS, quando interpretada por forma a ser aplicada indiscriminadamente a "terrenos para construção", é contrária ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e, em paralelo, contrária aos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3, da CRP, porquanto é suscetível de originar um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes.
A Requerente propugna, ainda, que procedendo o presente pedido de pronúncia arbitral, deve ser reembolsada dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.
2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 18 de fevereiro de 2019.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 2 de abril de 2019, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 23 de abril de 2019.
3. No dia 16 de maio de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente.
No essencial e também de forma breve, importa respigar a argumentação mais relevante em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:
Segundo a Requerida, consultada a certidão do teor do prédio urbano que está na base das liquidações em causa, verifica-se que os lotes de terreno para construção estão afetos à habitação.
Ora, diz a Requerida, os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações, constando tal afetação das respetivas matrizes, estão sujeitos a Imposto do Selo; com efeito, diz a Requerida que o facto de, na norma de incidência (verba 28.1 da TGIS), se ter positivado o prédio com afetação habitacional em detrimento do prédio habitacional, faz apelo ao coeficiente de afetação (cf. artigo 41.º do CIMI) que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos.
Sustenta, por outro lado, a Requerida que a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção tem como pressuposto a determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas, para o que se deve, nos termos do disposto no artigo 38.º do CIMI, atender à afetação dessas mesmas edificações; em consonância, resultando clara a aplicação do coeficiente de afetação para efeitos de apuramento do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, é sintomático que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS não pode ser ignorada.
Ainda neste conspecto, a Requerida sublinha que um prédio licenciado ou destinado a habitação não é o mesmo que um prédio com afetação habitacional.
A propósito das inconstitucionalidades alegadas pela Requerente, entenda a Requerida que a verba 28 da TGIS é uma norma conforme à CRP.
4. Na mesma ocasião, a Requerida procedeu à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).
5. Em 16 de maio de 2019, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, assim como a apresentação de alegações e a determinar, como data limite para a prolação da decisão arbitral, o dia 1 de julho de 2019.
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II. SANEAMENTO
6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído (cf. artigo 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos tributários atinentes a Imposto do Selo, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).
Não há quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
7. Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente, no âmbito da sua atividade, é proprietária de diversos prédios urbanos, incluindo terrenos para construção.
b) Nos anos de 2014 e de 2015, a Requerente era proprietária do prédio urbano sito no ... (...) ..., ..., freguesia de ..., concelho de Oeiras, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º..., como terreno para construção, com o valor patrimonial tributário de € 1.509.750,00 e tendo o “Tipo de coeficiente de localização: Habitação”. [cf. PA]
c) A AT liquidou Imposto do Selo, reportado aos anos de 2014 e de 2015 e referente ao prédio urbano identificado no facto provado b), tendo sido emitidas as seguintes liquidações de Imposto do Selo [cf. PA e documentos n.ºs 1 e 2 anexos ao PPA]:
ANO LIQUIDAÇÃO MONTANTE DA COLETA
2014 ... € 15.097,50
2015 ... € 15.097,50
d) As aludidas liquidações de Imposto do Selo resultaram da aplicação da verba 28.1 da TGIS ao prédio urbano identificado no facto provado b). [cf. PA e documentos n.ºs 1 a 5 anexos ao PPA]
e) Na sequência das sobreditas liquidações de Imposto do Selo foram emitidas e notificadas à Requerente as seguintes notas de cobrança [cf. documentos n.ºs 1 a 5 anexos ao PPA]:
ANO IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO PRESTAÇÃO DATA LIMITE DE PAGAMENTO VALOR (€)
2014 2015 ... 1.ª Abril/2015 5.032,50
2014 2015 ... 2.ª Julho/2015 5.032,50
2014 2015 ... 3.ª Novembro/2015 5.032,50
2015 2016 ... 1.ª Abril/2016 5.032,50
2015 2016 ... 2.ª Julho/2016 5.032,50
2015 2016 ... 3.ª Novembro/2016 5.032,50
f) A Requerente efetuou tempestivamente o pagamento voluntário do montante total de Imposto do Selo liquidado nos anos de 2014 e de 2015 que ascendeu a € 30.195,00 (trinta mil cento e noventa e cinco euros). [cf. documentos n.ºs 1 a 5 anexos ao PPA]
g) Em 11 de maio de 2018, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa tendo por objeto as sobreditas liquidações de Imposto do Selo, nos termos e com os fundamentos constantes do respetivo requerimento inicial que consta do PA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, o qual deu origem à instauração pela AT de dois procedimentos de revisão oficiosa, os quais foram autuados sob o n.º ...2018... (liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2014) e n.º ...2018... (liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2015) [cf. PA e documentos n.ºs 1 e 2 anexos ao PPA].
h) No âmbito dos referidos procedimentos de revisão oficiosa, a Requerente foi notificada, por ofícios datados de 23.11.2018, remetidos por correio registado, das respetivas decisões de indeferimento proferidas pelo Diretor-Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação, as quais se basearam nas informações datadas de 19.11.2018 que constam dos documentos n.ºs 1 e 2 anexos ao PPA, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas e das quais, além do mais, consta o seguinte:
«III. ANÁLISE DO PEDIDO/PARECER
(…)
6. Seguimos aqui o entendimento preconizado na Instrução de Serviço n.º..., Série 1, de 16/02/2017, do Gabinete da Subdirectora-Geral da Área dos Impostos sobre o património (cfr. fls. 41 dos autos).
7. De acordo com esta instrução, o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (lei do orçamento do estado para 2014) procedeu à alteração da redacção da verba 28 da TGIS, passando a mesma a abranger, de forma expressa, os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do Código do IMI.
8. Foi, por conseguinte, em conformidade com o quadro legal, vigente em (…) [2014 e 2015], que a tributação contestada se procedeu, uma vez que:
(i) a requerente era o sujeito passivo e a titular do encargo do imposto, na medida em que era a proprietária do imóvel na data de (…) [31.12.2014 e 31.12.2015] (cfr. artigos 8.º, n.º 1 do Código do IMI, por remissão dos artigos 2.º, n.º 4 e 3.º, n.º 3, alínea u) do Código do IS);
(ii) o prédio preenchia os pressupostos de incidência objectiva, pois.
. tratava-se (e trata-se) de um terreno para construção destinado a habitação (assim constava na matriz na referida data), tendo, portanto, cabimento na verba 28.1 da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12;
. o valor patrimonial tributário, em (…)[31.12.2014 e 31.12.2015], era de 1.509.750,00€, ou seja, era superior a 1.000.000,00€;
. tinha o prédio localização no território português (artigo 4.º, n.º 6, do Código do IS).
9. Por fim, porque a requerente invoca a inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS, importa sublinhar que não é reconhecida à AT competência para, de modo geral, fazer a avaliação da constitucionalidade das normas por que se rege a sua actividade, aplicando-as ou deixando de as aplicar conforme conclua serem ou não respeitadoras da Constituição. Tal competência é conferida aos Tribunais, em especial ao Tribunal Constitucional, conforme decorre dos artigos 221.º e 223.º, n.º 1 da Constituição.
10. Finalmente, quanto aos juros indemnizatórios peticionados, entendemos não haver direito aos mesmos, mesmo que se reconhecesse que a revisão era admissível por erro dos Serviços.
11. Com efeito, a revisão do ato tributário, nos termos do artigo 78.º da LGT, seja por iniciativa do contribuinte, seja da AT, não determina o pagamento de juros indemnizatórios com fundamento no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, por aí não estar expressamente previsto.»
i) Em 10 de fevereiro de 2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema de gestão processual do CAAD]
§2. FACTOS NÃO PROVADOS
8. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não se apurou que exista qualquer ato definindo as características do(s) edifício(s) que poderá(ão) ser construído(s) no terreno para construção em apreço, designadamente o fim a que se destina(m).
§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
9. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e na análise crítica da prova documental que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.
A factualidade não provada foi assim considerada em virtude da inexistência de quaisquer elementos probatórios que a comprovassem.
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III.2. DE DIREITO
§1. DO MÉRITO
§1.1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO
10. A Requerente argui a existência de diversos vícios – tendo entre eles estabelecido uma relação de subsidiariedade – nos quais funda o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo controvertidas e dos atos de indeferimento dos mencionados pedidos de revisão oficiosa.
Concretamente, a Requerente invoca:
(a) A violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Subsidiariamente,
(b) A inconstitucionalidade material da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, por violação:
- do princípio da igualdade, estatuído no artigo 13.º da CRP; e
- dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, consagrados no artigo 104.º, n.º 3, da CRP.
11. O artigo 124.º do CPPT estatui o seguinte:
Artigo 124.º
Ordem do conhecimento dos vícios da sentença
1. Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2. Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.
Esta norma estabelece uma prioridade para o conhecimento dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
Revertendo para o caso dos autos, temos que nenhum dos vícios invocados pela Requerente pode ser considerado como proveniente de situações que possam determinar a nulidade dos atos tributários impugnados à luz dos critérios legais que os caracterizam; por outro lado, como foi dito, a Requerente estabeleceu uma ordem de prioridade para esse conhecimento.
Destarte, começaremos pela apreciação do vício de violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, sendo certo que só importará procedermos à apreciação dos indicados vícios de inconstitucionalidade se e na medida em que a interpretação e concretização da solução normativa resultante da mencionada verba da TGIS envolver a subsunção à respetiva previsão legal da situação sub judice.
§1.2. DA INTERPRETAÇÃO E DELIMITAÇÃO DO ÂMBITO DE INCIDÊNCIA OBJETIVA DA VERBA 28.1 DA TGIS
12. No epicentro do dissenso que opõe as Partes neste processo, está a norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS – em vigor, à data dos factos, e, entretanto, revogada pelo artigo 210.º, n.º 2, da Lei n.º 42/2016, de 28 dezembro –, pelo que se impõe, naturalmente, começar por proceder à interpretação desta norma, tendo em vista aferir o seu escopo e, dessa forma, delimitar aquele que é o seu campo de aplicação.
13. A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu diversas alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redação (cf. artigo 4.º):
28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.
Posteriormente, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE 2014), alterou a redação da verba 28.1 da TGIS (cf. artigo 194.º), tendo esta passado a ter o seguinte teor (redação aplicável à situação sub judice):
28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%
14. A interpretação da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS não poderá deixar de ser efetuada com base nas diretrizes hermenêuticas que dimanam do artigo 11.º da LGT e do artigo 9.º do Código Civil:
Artigo 11.º
Interpretação
1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender -se à substância económica dos factos tributários.
4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.
Artigo 9.º
Interpretação da lei
1. A interpretação não deve cingir -se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de cor respondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
A propósito desta tarefa interpretativa, data vénia, apropriamo-nos aqui dos seguintes considerandos vertidos na decisão arbitral proferida, em 02.10.2013, no processo n.º 53/2013-T:
“A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.
A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.
Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afectação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos, atinge muito mais alguns do que propriamente todos.
Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
15. Analisada a redação – quer a primitiva, quer a atual – da verba 28.1 da TGIS, verificamos que esta norma possui um cariz fulcralmente remissivo, pois o respetivo conteúdo regulativo relevante depende da normatividade ad quam constante do Código do IMI.
Na verdade, seja quanto à incidência objetiva, com a referência a “prédios urbanos” e ao “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, seja quanto à fixação da matéria coletável, com a referência ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, o teor regulativo desta verba 28 da TGIS resulta da devolução – nos termos de uma remissão geral – para o conjunto regulativo que se encontra no Código do IMI.
Aliás, esse aspeto resulta reforçado pelo n.º 2 do artigo 67.º do CIS, que determina que às matérias não reguladas no CIS respeitantes à verba 28 da TGIS aplica-se, subsidiariamente, o disposto no Código do IMI.
Nesta conformidade, cumpre então coligir as normas do Código do IMI que se afiguram pertinentes para a compreensão e, logo, para a aplicação da verba 28.1 da TGIS.
No Código do IMI, o conceito de “prédio” surge assim definido no artigo 2.º:
1. Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2. Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3. Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4. Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.
Seguidamente, nos artigos 3.º a 5.º do Código do IMI, são enumeradas as espécies de prédios existentes, a saber:
Prédios rústicos (artigo 3.º):
1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.
3 – São ainda prédios rústicos:
a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º
4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.
Prédios urbanos (artigo 4.º):
Prédios urbanos são todos aqueles que não devem ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
Prédios mistos (artigo 5.º):
1. Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.
2. Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.
No artigo 6.º do Código do IMI, são indicadas as espécies de prédios urbanos:
1. Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2. Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3. Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4. Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.
Sobre o “valor patrimonial tributário”, o artigo 7.º do Código do IMI estatui o seguinte:
1. O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do presente Código.
2. O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior determina-se:
a) Caso uma das partes seja principal e a outra ou outras meramente acessórias, por aplicação das regras de avaliação da parte principal, tendo em atenção a valorização resultante da existência das partes acessórias;
b) Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.
3. O valor patrimonial tributário dos prédios mistos corresponde à soma dos valores das suas partes rústica e urbana determinados por aplicação das correspondentes regras do presente Código.
Sob a epígrafe “conceito de matrizes prediais”, o artigo 12.º do Código do IMI estatui o seguinte:
1. As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários.
2. Existem duas matrizes, uma para a propriedade rústica e outra para a propriedade urbana.
3. Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.
4. As matrizes são actualizadas anualmente com referência a 31 de Dezembro.
5. As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade.
Ainda a propósito das matrizes prediais, importa atender ao n.º 1 do artigo 13.º do Código do IMI, do qual decorre que a inscrição de prédios na matriz e a actualização desta são efectuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo.
No respeitante à determinação do valor patrimonial tributário, importa convocar as seguintes normas do Código do IMI:
- Artigo 38.º, epigrafado Determinação do valor patrimonial tributário:
1. A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:
Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv
em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = Coeficiente de afectação;
Cl = coeficiente de localização;
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
2. O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.
- Artigo 45.º, epigrafado Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção:
1. O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2. O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3. Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º
4. O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º
5. Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.
16. À face do teor literal da verba 28.1 da TGIS, estão sujeitos a esta norma de incidência tributária os prédios urbanos de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, que sejam prédios habitacionais ou terrenos para construção com edificação, autorizada ou prevista, para habitação.
Atentas as normas do Código do IMI acima citadas, temos que são habitacionais os edifícios ou construções licenciadas pelos municípios para esse fim ou, na falta de licenciamento, que tenham como destino normal essa utilização (artigo 6.º, n.º 2, do CIMI); assim, são prédios habitacionais os referidos edifícios ou construções, sendo pois estes que estão sujeitos à verba 28.1 da TGIS.
No tocante aos terrenos para construção, apenas estão abrangidos pelo âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS aqueles para os quais esteja autorizada ou prevista a edificação para fins habitacionais – na aceção resultante da definição de prédio habitacional que é dada pelo n.º 2 do artigo 6.º do Código do IMI –, o que, desde logo, exclui da respetiva sujeição os terrenos para construção relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista edificação para outros fins que não os habitacionais, nomeadamente, para fins comerciais, industriais ou para serviços.
A correção desta interpretação, quanto ao âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS é confirmada pela ratio legis percetível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios habitacionais – restrição que se manteve quanto à afetação (habitação) na posterior alteração legislativa que veio alargar o âmbito de incidência aos terrenos para construção –, no contexto das circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, que o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil também consagra como elementos interpretativos.
Efetivamente, a limitação da aplicação do imposto aos prédios habitacionais e aos terrenos para construção em que esteja prevista ou autorizada a construção de habitação, revela a intenção de não onerar o setor produtivo e as empresas em geral e, nesse sentido, não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto nem os prédios afetos a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afetos à atividade económica, nem os terrenos para construção relativamente aos quais esteja prevista ou autorizada edificação para esses outros fins. Tal resulta compreensível num contexto em que a economia se encontrava em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis históricos, com avalanche de encerramento de empresas devido a insustentabilidade económica. Sobre a ratio legis da introdução da verba 28 da TGIS, vejam-se, entre muitas outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 50/2013-T, 132/2013-T 132/2013-T, 181/2013-T, 182/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 100/20114-T, 238/2014-T, 290/2014-T, 428/2014-T, 518/2014-T, 707/2014-T e 756/2014-T do CAAD.
Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS os prédios não habitacionais e os terrenos para construção relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista a edificação para fins diferentes da habitação.
§1.3. DA APLICAÇÃO DA VERBA 28.1 DA TGIS AO CASO CONCRETO
17. Como foi dito, a Requerente invoca a violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS por entender que, quanto aos terrenos para construção, esta apenas é aplicável nas situações em que tenha sido autorizada ou esteja prevista a efetiva edificação e que esta seja destinada a habitação; mais afirma a Requerente que o prédio em causa, nos anos de 2014 e de 2015, não tinha qualquer edificação, autorizada ou prevista, para habitação, pelo que não estão verificados os pressupostos legais de que depende a tributação consagrada na verba 28.1 da TGIS.
A questão concreta que aqui se nos coloca consiste, pois, em determinar se o referenciado terreno para construção pode ou não subsumir-se ao conceito de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”, a que alude a verba 28.1 da TGIS, tendo em conta que o respetivo valor patrimonial tributário é superior a € 1.000.000,00.
Esta questão não é nova na jurisprudência, tendo sido já objeto de apreciação, designadamente, em diversas decisões proferidas por tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, sendo disso exemplo as prolatadas nos processos arbitrais n.ºs 467/2015-T, 524/2015-T, 578/2015-T, 142/2016-T, 156/2016-T, 290/2016-T, 410/2017-T e 427/2018-T.
18. Por estar em causa uma situação com contornos fácticos similares aos da situação sub judicio, convocamos as judiciosas considerações vertidas na decisão arbitral proferida, em 01.09.2016, no processo n.º 142/2016-T que, data venia, fazemos nossas:
«As referências que na verba 28.1 e no artigo 45.º, n.º 2, do CIMI se fazem a edificações previstas, para além das autorizadas, permitem concluir que, (…), não será imprescindível que exista já um acto administrativo de aprovação de um projecto de construção (o que constituirá «autorização»), bastando que esteja prevista uma construção com características determinadas, pelo menos quanto à área de implantação do edifício a construir.
Não há nestas normas da TGIS e do CIMI indicação do que deve entender-se por «edificação prevista», mas, tendo em conta os documentos exigidos para ser efectuada a avaliação de terrenos para construção, indicados no artigo 37.º, n.º 2, do CIMI, conclui-se que apenas se pode falar de construção autorizada ou prevista quando o «edifício a construir», a que se refere o n.º 1 do artigo 45.º, esteja definido em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva. Na verdade, será apenas nestas situações que haverá consistência jurídica em prever a realização futura de construção com características determinadas.
No caso em apreço, perante a afirmação do Requerente de que os prédios em causa «não dispunham de uma efectiva potencialidade de edificação para habitação, não tendo os mesmos uma “edificação, autorizada ou prevista” para “habitação”», a Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou qualquer documento de um dos tipos referidos em que tivesse sido baseada a sua conclusão de que os prédios tinham autorizadas ou previstas construções para habitação.
Sendo a possibilidade de construção de edifícios para habitação invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira como fundamento dos actos de liquidação (…) é sobre ela que recai o ónus da prova desse facto, como se conclui do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
Assim, a dúvida sobre a existência ou não da possibilidade de construção de habitações nos terrenos em causa tem de ser valorada processualmente em favor do Requerente, conduzindo à anulação dos actos praticados, como impõe o n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.»
Nesta conformidade, temos que deverão considerar-se como “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”, aqueles terrenos em que o edifício a construir esteja definido como destinado a habitação em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projeto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva.
No caso concreto, como vimos, não se logrou apurar a existência de qualquer ato definindo as características do(s) edifício(s) que poderá(ão) ser construído(s) no terreno para construção em apreço, designadamente o fim a que se destina(m); assim, uma vez que o ónus da prova desse facto recaía sobre a AT (cf. artigo 74.º, n.º 1, da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), a dúvida sobre a existência ou não da possibilidade de construção de edifício(s) destinado(s) a habitação no terreno em apreço tem de ser valorada processualmente em favor da Requerente (cf. artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
19. Consequentemente, concluímos que as controvertidas liquidações de Imposto do Selo que incidiram sobre o prédio urbano em apreço, com referência aos anos de 2014 e de 2015, padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.
As aludidas decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa, na medida em que mantiveram aquelas liquidações de Imposto do Selo, padecem de igual vício invalidante e, como tal, têm também de ser declaradas ilegais e anuladas.
§1.4. DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA VERBA 28.1 DA TGIS
20. Uma vez que se concluiu pela não aplicação da verba 28.1 da TGIS ao prédio urbano em apreço e, nessa medida, sendo de anular os atos tributários controvertidos com fundamento no sobredito vício de violação de lei, fica prejudicado o conhecimento dos vícios de inconstitucionalidade arguidos subsidiariamente pela Requerente, pois, conforme estatui o artigo 554.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o pedido subsidiário só é tomado em consideração no caso de não proceder um pedido anterior.
§2. REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO PAGO
21. A Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT ao reembolso do montante de Imposto do Selo pago indevidamente.
22. O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT) que estabelece, que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
23. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo controvertidos, é mister concluir que a Requerente suportou prestações tributárias indevidas, pelo que há lugar ao reembolso do imposto pago ilegalmente, que se cifra no montante global de € 30.195,00 (trinta mil cento e noventa e cinco euros), por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aqueles atos tributários não tivessem sido praticados.
*
24. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.
***
IV. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
i. Declarar ilegais e anular as seguintes liquidações de Imposto do Selo que incidiram sobre o prédio urbano sito no ... (...), Lote ..., Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Oeiras, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º...:
• liquidação n.º ... e notas de cobrança n.º 2015..., n.º 2015... e n.º 2015..., referente ao ano de 2014;
• liquidação n.º ... e notas de cobrança n.º 2016..., n.º 2016... e n.º 2016..., referente ao ano de 2015;
ii. Declarar ilegais e anular os atos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa n.º ...2018... e n.º ...2018...;
iii. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o imposto indevidamente pago, que se cifra no montante total de € 30.195,00 (trinta mil cento e noventa e cinco euros).
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
*
VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 30.195,00 (trinta mil cento e noventa e cinco euros).
*
CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
*
Notifique.
Lisboa, 27 de maio de 2019.
O Árbitro,
(Ricardo Rodrigues Pereira)