Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 546/2018-T
Data da decisão: 2019-05-30  IVA  
Valor do pedido: € 7.757,89
Tema: - Dedução - ónus da prova – artigo 20.º do CIVA.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Nuno Cunha Rodrigues, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 30.03.2016, decide nos termos que seguem:

I. RELATÓRIO:

1. A..., Lda., contribuinte n.º..., com sede na Rua ..., nº..., ...-... Lisboa, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária tendo em vista a declaração da ilegalidade dos actos de liquidação de IVA e consequente anulação referentes às liquidações adicionais de IVA relativas ao ano de 2014, no valor de € 3.649,11 e às liquidações correctivas de IVA relativas ao ano de 2015 e respectivas liquidações de juros moratórios, no valor de € 4.108,78, tudo no valor global de € 7.757,89;

2. Alega a Requerente, em síntese, que:

a) A Requerida AT entendeu não poder ser aceite como gasto fiscalmente relevante, no ano de 2014, o montante de € 3.825,62 e, como IVA dedutível, o montante de € 3.663,51 o que determinou que procedesse a liquidações adicionais de IVA no valor de € 3.649,11;

b) Das referidas liquidações adicionais não resultou a cobrança de qualquer montante à requerente, tendo o valor das correcções sido imputado ao crédito de IVA em conta corrente que a requerente detinha e que passou de € 9.018,30 no 1º trimestre de 2014 para € 2.949,84 no 4º trimestre de 2014.

c) Para além das liquidações adicionais, directamente decorrentes do Relatório de Inspecção Tributário, a Autoridade Tributária (AT) notificou igualmente a requerente, em Agosto de 2018, das liquidações correctivas de IVA, relativas ao ano de 2015, efectuadas nos termos do artigo 87º do Código do IVA (CIVA), bem como da liquidação dos respectivos juros moratórios, por atraso ou insuficiência de pagamento, nos termos do artigo 96º do CIVA;

d) As liquidações correctivas não contêm qualquer exposição dos factos que fundamentam as respectivas correcções e que permitam à requerente apreender a razão e o alcance das mesmas, desconhecendo-se, em absoluto, a que é que se reportam, em concreto, os valores corrigidos e por que razão o foram;

e) No entender da Requerente, o fundamento da Requerida AT para considerar como não dedutíveis os valores de IVA, é o de que os gastos contabilizados pela Requerente com manutenções e reparações efectuadas no terreno e no edifício sitos no lugar do ..., em ..., o foram indevidamente, por tais obras não se mostram necessárias para a realização dos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo;

f) Entende a Requerente que as instalações estão a ser rentabilizadas em seu proveito e os investimentos que nelas foram feitos se mostraram necessários à obtenção dos mesmos, determinando, inclusive, um incremento dos proventos gerados, inexistindo qualquer razão para que os custos em que a requerente incorreu com aqueles investimentos não sejam considerados fiscalmente relevantes, nos termos do preceituado no artigo 23º do CIRC, e que o IVA suportado com os mesmos não seja dedutível, nos termos dos artigo 19º e 20º, nº 1 do CIVA.

3. Por seu lado, a Requerida - Administração Tributária e Aduaneira (AT) - em resposta ao alegado veio afirmar, em síntese, o seguinte:

a) Importa retificar o valor do processo para €4.108,78, por ser aquele valor que corresponde ao valor do benefício económico que pretende obter com o deferimento do seu pedido arbitral;

b) As correções com fundamento em dedução indevida de imposto têm a ver com a moradia e terreno sitos no lugar do ..., ...;

c) Não ocorre falta de fundamentação, vício invocado pela Requerente;

d) O imposto não foi considerado dedutível porque não logrou a Requerente demonstrar, que o imposto suportado tenha incidido sobre bens e serviços por si utilizados na realização de operações que conferem o direito à dedução;

e) Cabia à Requerente ter demonstrado o seu direito à dedução, nos termos do previsto no artigo 74.º da LGT, designadamente, no caso, demonstrando que os serviços em questão foram utilizados na realização de operações que conferem o direito à dedução, o que não logrou fazer;

f) Conclui pronunciando-se pela improcedência do pedido, ou seja, pela manutenção dos actos de liquidação.

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 6 de novembro de 2018, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida (AT) em 12 de novembro de 2018.

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 26 de dezembro de 2018.

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 16 de janeiro de 2019.

8. No dia 25 de março de 2019 teve lugar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, durante a qual e mediante acordo das partes, foram prestadas declarações pelas testemunhas B... e C..., ambas arroladas pelo Requerente.

9. Foi concedido às Partes prazo para alegações sucessivas facultativas, o que apenas a Requerente veio fazer.

10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

11. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

12. O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II. QUESTÃO DO VALOR DA ACÇÃO:

De acordo com o artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, correspondem, “quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende”.

Discute-se, na presente acção, o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA relativas ao ano de 2014, no valor de € 3.649,11 e as consequentes liquidações correctivas de IVA relativas ao ano de 2015 e respectivas liquidações de juros moratórios, no valor de € 4.109,78, tudo no valor global de € 7.758,89.

Estando em causa a impugnação das liquidações (adicionais e correctivas) de IVA no valor global de € 7.758,89, que correspondem ao valor do benefício económico que se pretende obter com o deferimento do pedido arbitral, não pode deixar de se considerar ser este o valor da acção para efeitos do disposto no artigo 10.º n.º 2, alínea e) do RJAT e do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT.

 

III. MATÉRIA DE FACTO:

A. Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

i)             A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social a prestação de serviços de contabilidade, estudos económicos, fiscais, revisão e auditoria de contas, reorganização de empresas, gestão de pessoal, gestão financeira e profissional e demais actividades relacionadas com a gestão, organização, fundação ou remodelação de empresas comerciais, industriais ou agrícolas;

ii)            No decurso do ano de 2017, a Requerente foi objecto de uma acção inspectiva externa e de âmbito geral, levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, credenciada pela Ordem de Serviço nº OI2017... e visando a verificação da situação tributária global da Requerente, em conformidade com o disposto nos artigos 13º, al. b) e 14º, nº 1, al. a) do Regime Complementar de Procedimento e Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA);

iii)           Em Agosto de 2018 a Autoridade Tributária (AT) notificou a Requerente das seguintes liquidações adicionais de IVA, relativas ao ano de 2014:

1) liquidação nº ... – período 1403T – Valor da correcção: € 713,84;

2) liquidação nº ... – período 1406T – Valor da correcção: € 2.280,76;

3) liquidação nº ... – período 1409T – Valor da correcção: € 460,60;

4) liquidação nº...– período 1412T – Valor da correcção: € 193,91.

Tudo no valor total de € 3.649,11;

iv)           Das referidas liquidações adicionais não resultou a cobrança de qualquer montante à requerente, tendo o valor das correcções sido imputado ao crédito de IVA em conta corrente que a Requerente detinha e que passou de € 9.018,30 no 1º trimestre de 2014 para € 2.949,84 no 4º trimestre de 2014.

v)            A Autoridade Tributária (AT) notificou a Requerente, em Agosto de 2018, das seguintes liquidações correctivas de IVA, relativas ao ano de 2015, efectuadas nos termos do artigo 87º do Código do IVA (CIVA), bem como da liquidação dos respectivos juros moratórios, por atraso ou insuficiência de pagamento, nos termos do artigo 96.º do CIVA:

1             liquidação nº 2018... e respectiva demonstração de acerto de contas – período 201509T – Valor a pagar: € 827,41;

2             liquidação nº 2018... e respectiva demonstração de acerto de contas, relativa a juros moratórios sobre o valor de € 827,41 computados entre 17/11/2015 e 31/07/2018 – Valor a pagar: € 112,90;

3             liquidação nº 2018... e respectiva demonstração de acerto de contas – período 201512T – Valor a pagar: € 2.821,70;

4             liquidação nº 2018... e respectiva demonstração de acerto de contas, relativa a juros moratórios sobre o valor de € 2.821,70 computados entre 16/02/2016 e 31/07/2018 – Valor a pagar: € 347,77;

Tudo no valor total de 4.109,78;

vi)           A actividade da Requerente centra-se na prestação de serviços de contabilidade e em serviços de cedência de salas, sendo detentora de 5 imóveis: um prédio urbano em Lisboa, sito na Rua ..., nº ... e cave (sede da sociedade Requerente), um prédio urbano em Portalegre, sito na Rua ..., nº ... e..., cave e subcaves, um prédio urbano e um rústico (moradia e terreno) sitos no lugar do ..., freguesia de ..., concelho da ... e um prédio urbano em ..., sito na Rua..., lote 4.

vii)          A Requerente utiliza as instalações situadas no Lugar do ... para, entre outras actividades, tratar contabilidades de pequenos clientes. Parte das instalações encontram-se arrendadas a terceiros e o prédio rústico localizado no Lugar do ... encontra-se cedido para exploração, gerando proveitos para a Requerente;

viii)         Em 2014 a Requerente obteve os rendimentos das instalações sitas no Lugar do ... no montante de 1230,00/ano (IVA incluído), em resultado da cedência do prédio rústico ao agricultor D..., e no montante de € 147,60/ano pela cedência de espaço de armazenagem à sociedade E..., Lda.;

ix)           A Requerente realizou despesas com manutenções e reparações efectuadas no terreno e no edifício sitos no lugar do ..., em ... .

B. Factos não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

C. Fundamentação da fixação da matéria de facto

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), nas declarações prestadas pelas testemunhas arroladas pela Requerente e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes, bem como na análise do processo administrativo anexado pela Requerida AT.

 

IV.DO DIREITO:

A. Nos presentes autos está em causa, fundamentalmente, saber se a Requerente pode proceder à dedução do IVA referente aos valores acima dados como provados.

Trata-se de uma matéria – a dedutibilidade do IVA – analisada em diversa jurisprudência, nomeadamente do CAAD.

Vejamos.

O artigo 20.º, n.º 1 do CIVA faz depender a dedução do facto de o custo ser necessário para gerar proveitos.

A questão em causa, nos presentes autos arbitrais, consiste em saber se a Requerente podia deduzir os custos relacionados com manutenções e reparações efectuadas no terreno e no edifício sitos no lugar do ..., em ... .

Procura-se, por outras palavras, saber se tais obras foram necessárias para a realização dos rendimentos obtidos pela Requerente caso em que teriam conferido direito à dedução de IVA.

A propósito da possibilidade de se proceder à dedução do IVA e do respectivo enquadramento invoca-se o afirmado na Decisão Arbitral n.º 426/2017-T, de 25 de março de 2018, que transcrevemos:

O Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante, “TJUE”) tem vindo a sustentar de forma consistente que “o regime de deduções visa liberar completamente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, assim, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, sejam quais forem os fins ou os resultados dessas atividades, desde que as referidas atividades sejam, em princípio, elas próprias, sujeitas ao IVA (v., designadamente, acórdão Eon Aset Menidjmunt, C118/11, EU:C:2012:97, n.° 43 e jurisprudência referida). (Acórdão do TJUE de 22 de outubro de 2015, proferido no processo C126/14, Sveda, ECLI:EU:C:2015:712).

Como referem BEN TERRA e JULIE KAJUS, à luz da Diretiva IVA, deve ser dedutível o imposto suportado pelo sujeito passivo na aquisição de bens e serviços para o exercício da sua atividade, exceto se os bens adquiridos ou os serviços prestados forem isentos de IVA ou a sua utilização não se destinar a fins comerciais. Nas palavras exatas de BEN TERRA e JULIE KAJUS, que aqui se transcrevem “no deduction is permitted for goods and services supplied based on Article 132 of the VAT Directive (exempt transactions) or used for non-business purposes (unless treated as general costs, i.e. subservient to business purposes)” (BEN TERRA e JULIE KAJUS, European VAT Directives – Introduction to European VAT 2016, Vol. I, IBFD, p. 1225).”   

De forma idêntica, referiu-se no processo nº 562/2017-T do CAAD, as linhas essenciais do direito à dedução de IVA indicadas, entre muitos outros, no acórdão do TJUE de 18-12-2008, proferido no processo n.º C-488/07, nestes termos:

“15. O regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (v. acórdão de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C408/98, Colect., p. I1361, n.° 24 e jurisprudência referida).

16. Assim, quando os bens ou os serviços adquiridos por um sujeito passivo são utilizados para efeitos de operações isentas ou não abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode existir cobrança do imposto a jusante nem dedução do imposto a montante (acórdão de 14 de Setembro de 2006, Wollny, C72/05, Colect., p. I8297, n.° 20).

No direito nacional, o artigo 19.º do CIVA estabelece a regra que «para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos».

Por outro lado o artigo 20.º do CIVA esclarece quais são as operações que conferem direito a dedução, nestes termos:

Artigo 20.º

Operações que conferem o direito à dedução

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:

I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;

II) Operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas no território nacional;

III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;

IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.ºs 8 e 10 do artigo 15.º;

V) Operações isentas nos termos dos n.ºs 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;

VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.

2 - Não confere, porém, direito à dedução o imposto respeitante a operações que dêem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º

No caso em apreço, a Requerente defende que pode deduzir os custos realizados nas instalações situadas no Lugar do ..., e dados como provados, atendendo ao disposto no artigo 20º do CIVA, que faz depender a dedução do facto de o custo ser necessário para gerar proveitos.

Os requisitos do direito à dedução ao abrigo desta norma são, no que aqui interessa, os seguintes:

– que «o imposto tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo» [corpo do n.º 1];

– «para a realização das operações» de «prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas» [corpo no n.º 1 de alínea a)];

Entende a Requerida AT que os custos sub judice não podiam ter sido aceites como gasto fiscal, conforme disposto no n.º 1 do artigo 20.º do CIRC.

A este propósito, acompanhamos a decisão do CAAD no processo nº 426/2018-T, nota 5 quando assinala que “regra geral, nos termos do nº 1 do artigo 20º do código do IVA, para que seja possível o exercício do direito à dedução, é necessário que o imposto a deduzir tenha sido suportado em bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo, para a realização de operações sujeitos a imposto e dele não isentas. Nesta fase, de imputação directa, faz-se uma alocação directa dos inputs às actividades económicas a que se destinam, deduzindo-se a totalidade do IVA se esse input for consumido numa actividade que concede direito à dedução ou não se deduz qualquer parcela de IVA, caso a actividade em que esse input é consumido não confira esse direito. Trata-se portanto de uma regra de tudo ou nada, que deverá ser levada tão longe quanto tecnicamente for possível, como forma de obter resultados mais rigorosos e neutros sem distorções.”

Deve notar-se que, para ser satisfeito o requisito da indispensabilidade previsto no artigo 20.º, n.º 1, do CIRC, basta que os gastos sejam efectuados no interesse da empresa e estejam conexionados com a sua actividade, independentemente de com eles terem sido, ou não, obtidos proveitos ou se ter confirmado a sua relevância para a manutenção da fonte produtora.

Neste contexto importa recordar que a Requerente é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social a prestação de serviços de contabilidade, estudos económicos, fiscais, revisão e auditoria de contas, reorganização de empresas, gestão de pessoal, gestão financeira e profissional e demais actividades relacionadas com a gestão, organização, fundação ou remodelação de empresas comerciais, industriais ou agrícolas.

Aqui chegados coloca-se o problema de saber a quem competia provar se os custos sub judice podiam – ou não – ser aceites como gasto fiscal nos autos em apreço.

Vejamos.

As regras do ónus da prova no procedimento tributário constam do artigo 74.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 74.º

Ónus da prova

1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

2. Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária.

3. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.

Neste caso a Requerente apresentou documentos comprovativos dos custos realizados e da sua indispensabilidade.

Competia à Requerida AT provar que o requisito da indispensabilidade, previsto no artigo 20.º, n.º 1, do CIRC, não tinha sido cumprido pela Requerente pois é este o facto constitutivo do direito de liquidação que exerceu (cfr artigo 74.º, n.º 1, da LGT) sabendo-se que a Requerente deu satisfação ao previsto no n.º 2 do artigo 74.º da LGT, pois «os elementos de prova dos factos» estavam «em poder da administração tributária» tendo a Requerente procedido «à sua correcta identificação junto da administração tributária».

Na verdade, e como decorre do Acórdão do STA de 15-11-2017 (processo nº 0485/17), “(…) no âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do art. 342° do CCivil e nº 1 do art. 74° da LGT). Assim, (…), impende sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a proceder a correcções à matéria colectável declarada pelos sujeitos passivos. Ou seja, cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade, cabendo, por sua vez, ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos (...)” (sublinhado nosso).

Dito de outra forma se, para a Requerida AT, não se encontravam cumpridos os critérios previstos no artigo 20.º, n.º 1 do CIRC, impendia sobre si o ónus de fundamentar a sua posição aduzindo razões económicas e contabilísticas adequadas à realidade da Requerente, de modo a pôr em causa o tratamento fiscal adotado.

A Requerida AT devia ter provado a factualidade que a levou a não aceitar a dedução de imposto, factualidade essa que, como foi recentemente reconhecido pelo TCA Norte, “tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte”.

Sucede que, nos autos, aquele ónus não se encontra satisfeito, limitando-se a AT, em termos de fundamentação, a emitir juízos opinativos mal suportados, tais como quando se refere que “a nosso ver, não basta à Requerente alegar a existência de um escritório (…)” (cfr. artigo 56.º da resposta); “efetivamente, não nos parece que rendas anuais” (…) (cfr. artigo 58.º da resposta) ou que “tratando-se de obras de construção, caso fosse expectável que das mesmas resultassem um acréscimo económico futuro, os montantes despendidos deveriam ter sido contabilizados como Ativo Fixo Tangível (…)”.

A Requerida AT refere ainda que “a moradia sita no lugar do ... em ... tem as características de uma casa de habitação, não tendo sido constatado o desenvolvimento de qualquer atividade relacionada com a elaboração de contabilidades (…)” o que não ficou provado em resultado quer da documentação junta com o processo administrativo – nomeadamente os contratos dados como provados nos ponto viii) supra - quer em resultado do depoimento testemunhal.

Em suma, a Requerida AT incorre em erro nos pressupostos de facto e de direito, porquanto, ao contrário da sua argumentação, não se afigura que os critérios adotados pela Requerente não tenham sido cumpridos nem foi provado, pela Requerida AT, que as despesas sub judice não se enquadrem no conceito da atividade económica exercida pela Requerente.

Por outras palavras, a Requerida AT não demonstrou, de forma comprovada, que os custos sub judice não podiam ter sido aceites como gasto fiscal.

Assim, o pedido de pronúncia arbitral procede por as liquidações sob apreciação enfermarem de vício de violação de lei, o que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, por não ter sido provado, pela Requerida AT, que os custos sub judice não podiam ter sido aceites como gasto fiscal.

Devem, consequentemente, as liquidações impugnadas ser anuladas.

 

B. Questões de conhecimento prejudicado:

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vícios de violação de lei, que asseguram estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), o conhecimento das restantes questões suscitadas.

 

C. Dos juros indemnizatórios:

A Requerente procedeu ao pagamento do imposto apurado no montante de € 4.109,78 (quatro mil cento e nove euros e setenta e oito cêntimos).

Acontece, como vimos supra, que as liquidações estão inquinadas por vício de violação de lei, tendo aquele montante sido pago indevidamente.

Nos termos do disposto no artigo 100.º da LGT a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

Os atos de liquidação são da inteira responsabilidade da Requerida AT tendo conduzido a um pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido estando, pois, inquinado por vício de violação da lei, tendo sido praticado por erro imputável aos serviços, pelo que a Requerente tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

Com efeito, nos termos do artigo 43.º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando exista erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data do pagamento sendo calculados com base no respetivo valor, até à integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil, à taxa legal em vigor.

 

V. DECISÃO:

Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em:

a. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b. Declarar a ilegalidade e providenciada a consequente anulação dos actos tributários de liquidação de IVA relativos ao ano de 2014 e aos 3.º e 4.º trimestres de 2015, bem como de liquidação de juros moratórios sobre estes últimos valores, no valor global de € 7.758,89 (sete mil setecentos e cinquenta e oito euros e oitenta e nove cêntimos), com a consequente anulação dos respectivos documentos de cobrança e condenação da AT a restituir à Requerente os valores por si já pagos, no valor de € 4.109,78 (quatro mil cento e nove euros e setenta e oito cêntimos) e respectivos juros indemnizatórios.

c. Condenar a Requerida AT no pagamento das custas do processo.

 

VI. Valor do processo:

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 7.758,89 (sete mil setecentos e cinquenta e oito euros e oitenta e nove cêntimos).

 

VII. Custas:

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida AT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de maio de 2019.

 

O Árbitro

(Nuno Cunha Rodrigues)